A Emergência
do Inquérito
como Figura
de Verdade no
Quadro do
Pensamento Grego
Introdução
O presente trabalho baseia-se no conjunto
de cinco conferências (em especial, na segunda conferência) pronunciadas na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro por Michel Foucault, entre
21 e 25 de maio de 1973, e que foram transformadas no livro “A Verdade e as
Formas Jurídicas”.
Neste livro, Foucault
demonstra o vínculo entre os sistemas de verdade e as práticas sociais e
políticas de onde provêm e onde se investem. Também ressalta a existência de
uma tensão entre prova e inquérito na antiguidade greco-romana, através de uma
análise deveras interessante do Édipo-Rei de Sófocles.
Antes de partimos para o
desenvolvimento desta modesta apresentação das idéias de Foucault sobre a
emergência do inquérito como figura de verdade no pensamento grego, dois pontos
importantes devem ser elucidados.
Primeiramente, vemos no título a expressão “figura de verdade”. Pois
para o referido autor, a verdade não era um traço da universalidade, dessa
idéia do sujeito como sede da racionalidade,
crítica esta que já existe desde o século XIX. Podemos citar um texto de
Nietzsche datado de 1.873, que bem trabalha esse tipo de análise:
“Em algum ponto
perdido deste universo, cujo clarão se estende a inúmeros sistemas solares, houve,
uma vez, um astro sobre o qual animais inteligentes inventaram o conhecimento.
Foi o instante da maior mentira e da suprema arrogância da história universal.”
A verdade para Foucault resulta de um
processo de produção que nada tem de universal; na verdade é singular. A
verdade tem que ser pensada num esforço de contextualização histórica. Em
segundo lugar, devemos verificar a relevância da tragédia Édipo-Rei, de
Sófocles, para o nosso estudo. Esta é a
primeira tragédia da trilogia tebana. Após vem Antígona, e por fim Édipo em
Colona.
Édipo-Rei é uma peça onde está em jogo o
inquérito. Na análise foucaultiana da obra de Sófocles, o que vai ser estudado
não é a história indefinida, sempre recomeçada , do nosso desejo e do nosso
inconsciente, mas a história de um poder, de um poder político. Édipo-Rei
representa, de certo modo, um determinado tipo de relação entre poder e saber,
entre poder político e conhecimento, à qual nossa civilização ainda continua
presa. Foucault diz que realmente há um complexo de Édipo em nossa civilização,
só que não diz respeito ao nosso inconsciente e ao nosso desejo, nem às
relações entre um e outro. Esse complexo se daria ao nível coletivo, entre
poder e saber, que mencionaremos posteriormente.
Desenvolvimento
A tragédia de Édipo é o primeiro testemunho que possuímos das práticas
judiciárias gregas. É uma história onde pessoas, ignorando uma certa verdade,
vão conseguir, através de uma série de técnicas, descobrir uma verdade que
coloca em questão a própria soberania do soberano.
Édipo-Rei é uma história sobre a pesquisa da
verdade. Ou melhor, é um procedimento de pesquisa da verdade que obedece
exatamente às práticas judiciárias gregas da época. Devemos então procurar
saber o que era a pesquisa judiciária da verdade na Grécia arcaica.
E o primeiro testemunho da pesquisa da
verdade no procedimento judiciário grego remonta à Ilíada, no episódio da
contestação entre Antíloco e Menelau, devido uma corridas de carros em um
circuito de ida e volta, passando por um marco. Os organizadores dos jogos
colocaram neste lugar um sujeito que seria o responsável pela regularidade da
corrida que Homero, sem o nomear pessoalmente, diz ser uma testemunha( a
tradução do grego seria aquele que está lá para ver).
Ocorre uma irregularidade e Antíloco chega
primeiro, e Menelau introduz uma contestação. Curioso notar que para solucionar
a questão, não é utilizado aquele que viu, e que deveria atestar o ocorrido, a
testemunha. O desenvolvimento se dá assim: Menelau acusa Antíloco de ter
cometido uma irregularidade; este se defende dizendo que nada cometeu, e por
fim Menelau lança um desafio. Antíloco, diante do desafio, que é uma prova,
renuncia o desafio, renuncia jurar diante de Zeus que nada cometeu, reconhecendo
assim que cometeu irregularidade.
Vejam que nesse caso a verdade jurídica
não é estabelecida através de uma testemunha, mas através de um jogo, de prova
que é lançado por um adversário ao outro. O outro deve aceitar o risco ou
renunciar. Se ao invés de ter recusado, Antíloco tivesse aceito o desafio e
feito o juramento, a descoberta final da verdade seria transposta aos deuses,
punindo o falso juramento, se fosse o caso.
Essa é então uma antiga e arcaica prática
da prova da verdade, onde esta é estabelecida judiciariamente não por uma
constatação, uma testemunha, um inquérito ou uma inquisição, mas por um jogo de
prova, característico da sociedade grega arcaica, e que também será encontrada
na Alta Idade Média. Tal modalidade de busca da verdade não é utilizada em
Édipo-Rei. Mas devemos chamar a atenção para o fato de que ainda se encontra
nesta tragédia alguns resquícios da prática de estabelecimento da verdade pela
prova.
Como exemplo, podemos citar o momento em
que Édipo critica Creonte dizendo: “Tu inventaste
tudo isto simplesmente para tomar meu poder, para me substituir.” E
Creonte, sem procurar estabelecer a verdade por testemunhas responde: “Bem, vamos jurar. E eu vou jurar que não
fiz nenhum complô contra ti.” E
isto é feito na frente de Jocasta, que aceita o jogo, que é como que
responsável pela regularidade do jogo. Creonte respondeu a Édipo através da
velha fórmula do litígio entre guerreiros.
Também verificamos o
desafio quando Édipo toma conhecimento que a peste tinha como causa a maldição dos
deuses em conseqüência de conspurcação e assassinato, e diz que se compromete a
exilar a pessoa que cometeu o crime, sem saber ainda que ele mesmo o cometera.
Contudo, a peça se fundamenta em um mecanismo de verdade totalmente diferente,
e este sim é o objeto do nosso estudo.
No ver de Foucault, esse
mecanismo da verdade obedece ao que ele denomina de lei das metades, pois é por
metades que se ajustam e se encaixam que se encontrará a verdade. Por exemplo,
Apolo diz que o país está atingido por uma conspurcação. Falta uma metade a
essa resposta, que será dada por Creonte, que afirma que o que causou a
conspurcação foi um assassinato.
E o assassinato por sua vez implica em
outras duas metades: quem foi assassinado e quem assassinou. A primeira
resposta é dada por Apolo, dizendo que Laio foi assassinado. A segunda resposta
será dada pelo duplo de Apolo, o divino adivinho Tirésias. Esta metade é que
vai se interrogar. E dirá ele a Édipo que foi este quem matou Laio.
Podemos dizer que desde a segunda cena de
Édipo, tudo está dito e representado, estando o jogo das metades completo -
conspurcação, assassinato, o assassinado e o assassino. Mas tudo isso está na
forma da profecia, da predição. Tirésias não diz exatamente a Édipo que ele é o
assassino. Diz Tirésias: “Prometeste
banir aquele que tivesse matado; ordeno que cumpras teu voto e expulses a ti
mesmo.” Tudo isso ocorreu na forma do futuro, nada se refere à atualidade,
nada foi apontado.
Apesar de já possuirmos
toda a verdade, ela está na forma profética que é típica ao mesmo tempo do
oráculo e do adivinho. Falta então a essa verdade a dimensão do presente, da
atualidade, da designação de alguém. Em outras palavras, falta o testemunho
presente do que realmente se passou.
Passado e presente dessa
prescrição será dada no resto da peça, também por um jogo de metades.
Primeiramente é estabelecido quem matou Laio pelo acoplamento de dois
testemunhos. Jocasta é quem dará - espontaneamente e inadvertidamente - o
primeiro testemunho, quando diz:
“Vês bem que não
foste tu, Édipo, quem matou Laio, contrariamente ao que diz o adivinho. A
melhor prova disto é que Laio foi morto por vários homens no entroncamento de
três caminhos.”
E Édipo, já quase com a
certeza responderá:
“Matar um homem
no entroncamento de três caminhos é exatamente o que eu fiz; eu me lembro que
ao chegar a Tebas matei alguém no entroncamento de três caminhos.”
Através da lembrança de Jocasta e da Lembrança de Édipo, duas metades
que se completam, temos essa verdade quase completa. Mas isso é apenas metade
da história de Édipo, pois ele não é somente quem matou o Rei Laio, mas aquele
que matou o pai e após tomou a mãe como esposa. A predição dizia que Laio seria
morto por seu filho. E para a predição estar realizada, deve-se provar que
Édipo é filho de Laio.
Isto será obtido na última parte da peça,
pelo acoplamento de dois testemunhos diferentes. Primeiro, o do escravo que vem
de Corinto anunciar a Édipo que Políbio morreu. Édipo se sente aliviado dizendo:
“Ah! Mas pelo menos eu não o matei,
contrariamente ao que diz a predição.”
E o escravo dirá a Édipo
que Políbio não era seu pai. Temos agora um novo elemento - Édipo não é filho
de Políbio. E aí intervém o último escravo, que havia escondido a verdade em
sua cabana no Citerão, o pastor de ovelhas, que ao ser interrogado sobre o
ocorrido afirma: “Com efeito, dei outrora
a este mensageiro uma criança que vinha do palácio de Jocasta e que me disseram
que era seu filho.”
Agora já sabemos que
Édipo era filho de Laio e Jocasta; que foi dado a Políbio; que foi ele,
pensando ser filho de Políbio e voltando a Tebas para escapar da profecia que
matou seu pai. O ciclo se fechou por uma série de encaixes de metades que se
ajustam umas às outras.
É como se toda história
tivesse sido fragmentada em dois, e cada pedaço novamente fragmentado em dois,
e todos os fragmentos tivessem sido repartidos em mãos diferentes. Foi
necessário a reunião do deus e do seu profeta, de Édipo e Jocasta e do escravo
de Corinto e do escravo do Citerão para que todos os fragmentos, todas as
metades, viessem a ajustar-se umas às outras para poder reconstituir o perfil
da história.
Não se trata aqui apenas
de uma forma retórica; é ao mesmo tempo religiosa e política. É o símbolo
grego, um instrumento de poder, que permite a alguém que detém um segredo ou um
poder quebrar em duas partes um objeto , e confiar uma das partes àquele que
deve levar a mensagem e atestar sua autenticidade. Pelo ajustamento dessas
metades se reconhece a autenticidade da mensagem.
A história de Édipo é a
fragmentação desta peça de que a posse integral, quando reunificada,
autentifica a detenção do poder e as ordens dadas por ele. Os mensageiros que
são enviados por ele e que devem retornar autentificarão sua ligação ao poder
pelo fato de cada um deles deter um fragmento da peça e poder ajustá-lo aos
outros fragmentos. Essa é a técnica jurídica, política e religiosa, que os
gregos chamam de sumbolon.
Podemos também fazer uma
análise quanto aos tipos de metades que se ajustam. Primeiramente, se ajustam
as metades de Apolo e de Tirésias, que é o nível da profecia ou dos deuses.
Depois, as metades de Jocasta e Édipo, que é o nível dos reis, dos soberanos. E
por fim as metades dos servidores e escravos. E vão ser estes últimos que
trarão a verdade última através de seus testemunhos.
O que foi dito no início
da peça através de profecia vai ser novamente dito em forma de testemunho pelos
dois pastores. Assim como a peça passa dos deuses aos escravos, as modalidades
de enunciado da verdade também mudam. Pois quando o deus e o adivinho falam, a
verdade se enuncia em forma de profecia. Melhor dizendo, se enuncia na forma de
um olhar mágico-religioso que tudo vê, passado, presente e futuro.
Em um nível mais baixo,
encontramos também, o olhar, visto que se os escravos podem testemunhar é
porque viram. Só que aqui não se trata mais do grande olhar eterno, mas o de
pessoas que viram e se lembram de ter visto com seus olhos humanos. Esse é o
olhar do testemunho. Olhar da testemunha colocada no marco no caso do litígio
entre Antíloco e Menelau, apesar Homero não fazer referência ao falar do
conflito, e que se resolveu através de uma prova, de um desafio.
Gostaríamos de abordar
aqui a maneira como a questão do saber e do poder são abordados na tragédia. No
decorrer da peça, o que está em jogo é o poder de Édipo e isso faz com que ele
se sinta ameaçado. Curioso notar que ele, nunca dirá que é inocente, em toda a
tragédia, ou que não sabia que o homem que o matou era Laio. Ou seja, não é
feita por Édipo uma defesa ao nível da inocência e da inconsciência.
Este tipo de defesa só
será feita em Édipo em Colona, quando ele, cego e miserável, dirá: “Eu nada podia, os deuses me pegaram em uma
armadilha que eu desconhecia.” Contudo, em Édipo-Rei ele não se defende de
maneira alguma no que diz respeito à sua inocência. Seu problema, na análise
feita por Foucault, é apenas o poder, que estará em jogo no começo e no fim da
peça. O que está em questão é a queda do poder de Édipo. Ele é quem, após ter
conhecido a miséria, conheceu a glória, aquele que se tornou rei após ter sido
herói.
Também é ele um tirano, não no sentido
estrito da palavra. Se tornou rei pois tinha curado a cidade de Tebas
decifrando o enigma da Divina Cantora, e assim a matando, permitindo com isso
que Tebas se reerguesse. Mas também encontramos em Édipo características
negativas da tirania.
Édipo é aquele que não dá importância às
leis e que as substitui pelas suas vontades e ordens. Por isso que quando
inicia sua queda, o coro do povo reprova Édipo por ter desprezado a justiça.
Devemos reconhecer nele um personagem historicamente bem definido e
caracterizado pelo pensamento grego no século V - o tirano.
O tirano dito aqui não só se caracteriza
pelo poder, mas também por um certo tipo de saber. Édipo foi aquele que
conseguiu derrotar a esfinge por seu saber. Tomou o poder porque fazia valer o
fato de deter um certo saber superior
em eficácia ao dos outros. O saber de Édipo é um saber solitário, de
conhecimento, de homem que, sozinho, sem se apoiar no que se diz, sem ouvir
ninguém, quer ver com seus próprios olhos. Saber autocrático do tirano que, por
si só, pode e é capaz de governar a cidade.
Daí, podemos entender como o jogo de
metades funcionou e como Édipo torna-se no fim da peça um personagem supérfluo.
Pois este saber tirânico, de quem quer ver com seus próprios olhos e não dá
ouvidos nem aos deuses nem ao povo, permite o ajustamento exato do que haviam
dito os deuses e do que sabia o povo. Ele, sem querer, estabelece a união entre
a profecia dos deuses e a memória dos homens.
Édipo podia demais por seu poder tirânico
e sabia demais em seu saber solitário. É ele o homem do excesso, não só em seu
poder e em seu saber, mas também em sua família e em sua sexualidade, visto que
era marido de sua mãe e irmão de seus filhos. Assim, Édipo-Rei está bastante
próximo do que vais ser alguns anos depois a filosofia platônica.
Quem é visado pela peça de Sófocles ou
pela filosofia de Platão, é na verdade o sofista, profissional do poder
político e do saber, que existia efetivamente na sociedade ateniense da época
de Sófocles. E por trás dele quem é visado é outro tipo de personagem, do qual
o sofista é como um pequeno representante, que era o tirano. Este, nos séculos
VI e VII, era o homem de poder e do saber , aquele que dominava tanto pelo
poder que exercia como pelo saber que possuía.
O que aconteceu na origem as sociedade
grega do século V, foi o desmantelamento dessa unidade de um poder político que
ao mesmo tempo seria um saber. Foi essa unidade que os tiranos gregos tentaram
reabilitar em seu proveito e que os sofistas dos séculos V e VI utilizaram em
forma de lições retribuídas em dinheiro. Verificamos essa decomposição durante
os cinco ou seis séculos da Grécia arcaica.
Surge então a Grécia clássica, da qual
Sófocles representa o ponto de eclosão, e o que deverá desaparecer para que
esta sociedade exista é a união entre o poder e o saber. O homem do poder
passará a ser considerado o homem da ignorância. Exemplo melhor não há do que o
próprio Édipo, que por saber demais nada sabia. E o adivinho e o filósofo
passarão a serem vistos como que estando em contato com a verdade, verdades
eterna. O povo por sua vez, sem nada deter do poder, possui a lembrança e pode
ainda dar o testemunho da verdade.
Destarte, o Ocidente vai ser dominado pela
idéia de que a verdade nunca pertencerá ao poder político, de que há uma
antinomia entre saber e poder. Onde se encontra saber e ciência em sua verdade
pura, não pode mais haver poder político. Para Foucault isso é um mito, pois
por trás de todo saber existe uma luta de poder, de modo que o poder político
não está ausente do saber, pelo contrário, ele é tramado com o saber. Foucault
volta a se referir a essa questão em Vigiar e Punir(16a ed.,
Pg.29):
“Seria talvez
preciso renunciar a crer que o poder enlouquece e que em compensação a renúncia
ao poder é uma das condições para que se possa tornar-se sábio. Temos antes que
admitir que o poder produz saber; que poder e saber estão diretamente
implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e
não constitua ao mesmo tempo relações de poder”.
Conclusão
Tratamos no desenvolvimento de dois
tipos de regulamento judiciário. o primeiro, bastante arcaico, e encontrado em
Homero, que era a figura do desafio, da prova, onde dois guerreiros se
afrontavam para ver quem estava certo, quem havia violado o direito do outro.
Em um procedimento como este não há juiz, sentença, verdade, inquérito nem
testemunho para saber quem disse a verdade.
O outro tipo foi o ponto central do
presente trabalho, que se desenrola em Édipo-Rei. Para que um problema seja
resolvido, problema este que é também, de contestação, de litígio criminal,
aparece um novo personagem, que é aquele que viu com seus olhos o que
aconteceu, e porque possui esse fragmento de lembrança, o testemunho do que
viu, pode contestar e abater o orgulho do rei.
A testemunha, por meio da verdade que ela viu e enuncia, pode,
sozinha, vencer os mais poderosos. A tragédia de Sófocles é uma espécie de
resumo, uma ritualização teatral da história do direito grego. Essa dramatização
da história do direito grego nos mostra uma das grandes conquistas da
democracia ateniense, que é a história do
processo pelo qual o povo se apoderou do direito de julgar, do direito de dizer
a verdade, de opor a verdade aos seus próprios senhores, de julgar aqueles que
o governam.
Essa enorme conquista da democracia
grega - direito de testemunhar, de opor a verdade ao poder se constituiu em um
longo processo que nasceu e se instaurou de modo definitivo em Atenas no
decorrer do século V. Foi esse direito de opor uma verdade sem poder a um poder
sem verdade, que deu lugar a grandes formas culturais típicas da sociedade
grega.
Em primeiro lugar, a elaboração do
que Foucault chama de formas racionais da prova e da demonstração, isto é, como
produzir a verdade, em que condições, que formas observar, que regras aplicar.
São a Filosofia, os sistemas científicos, os sistemas racionais. Desenvolveu-se
também uma forma de persuadir, de convencer as pessoas da verdade do que se
diz. Estamos falando da retórica grega. Por fim, houve o desenvolvimento de um novo tipo de conhecimento , que é feito
por testemunho, por lembrança, por inquérito.
Podemos dizer que ocorreu com isso
uma grande revolução na Grécia, que, através de uma série de lutas e de
contestações políticas, resultou na elaboração de uma determinada forma de
descoberta judiciária da verdade. E esta constitui o modelo a partir do qual
vários outros saberes(filosóficos, retóricos e empíricos) se desenvolveram e
caracterizaram o pensamento grego.
Devemos ver também que a história do
nascimento do inquérito permaneceu esquecida e foi retomada somente na Idade
Média, sob outras formas. Na Idade Média, o inquérito renasce, só que mais
obscuro e lento. Contudo, obtêm um sucesso mais efetivo do que o inquérito
grego. Isto ocorreu pois o método grego do inquérito tinha estacionado, não
chegou a fundar um conhecimento capaz de se desenvolver indefinidamente.
Gostaríamos de finalizar dizendo que Édipo
foi o condutor do inquérito, o promotor, o juiz, o carrasco e o réu de si
mesmo. Ele consegue ter êxito no inquérito, êxito esse que o destrói.
·FOUCAULT,Michel. A verdade e as formas jurídicas.
Rio de Janeiro: Nau Editora, 1996.
·FOUCAULT,Michel. Vigiar e Punir. Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 1996.
·SÓFOCLES. Édipo-Rei. São Paulo: Editora Abril.
1984.