O mandado de segurança coletivo foi
instituído pelo artigo 5o, inciso LXX, da Constituição Federal, com
a seguinte formulação:
“LXX. O mandado de segurança coletivo pode ser
impetrado por: a)partido político com representação no Congresso Nacional; b)organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses
de seus membros”.
Menos
do que um novo remédio inteiramente original, trata-se do velho mandado de
segurança com inovações no âmbito subjetivo e objetivo. No ângulo subjetivo,
ressalta no mandado de segurança coletivo a legitimidade ativa para sua
impetração, sendo este nosso objetivo.
Analisemos
primeiro a legitimidade ativa dos sindicatos e entidades ou associações de
classe no mandado de segurança coletivo. Note-se que o artigo 8o
inciso III da Constituição Federal já havia outorgado aos sindicatos a
atribuição de “defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas”.
Por
igual, o inciso XXI do artigo 5o conferiu às entidades associativas,
quando expressamente autorizadas, “legitimidade para representar seus filiados
judicial ou extrajudicialmente”.
Doutrina
e jurisprudência tem divergido quanto à aplicação, ao mandado de segurança
coletivo, da regra do artigo 5o, inciso XXI, que exige das entidades
associativas expressa autorização para representar seus associados em juízo.
Reparemos que o artigo 5o, inciso LXX, alínea b, não contém a
exigência nem se reporta a ela.
Prevê
tal dispositivo requisitos de natureza diversa, como por exemplo: constituição
regular e funcionamento há mais de um ano. Por tal razão, poderia se dizer que
essa exigência de autorização é imprópria, pois estaria o intérprete
restringindo onde a Constituição Federal não o fez. Assim entende boa parte da
doutrina. O Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que[1]:
“Desnecessária, ademais, expressa autorização dos
associados ou indicação nominal dos beneficiários diretos da impetração. A
primeira exigência colocaria essa ação de classe na mesma situação das
intentadas por associações legitimadas a partir da forma do inciso XXI do
artigo 5o da Constituição Federal. E a segunda ignora a dimensão dos
interesses coletivos tutelados pela garantia constitucional do mandado de
segurança coletivo”.
Outros
Tribunais Estaduais tem seguido orientação diversa, como o de Alçada do Rio
Grande do Sul, que proferiu o seguinte acórdão[2]:
“A teor do artigo 5o ,XXI, da Carta Maior
de 1998, para pleitear em juízo, em nome de seus filiados, as entidades
associativas hão que ter expressa autorização. Autorização que pode constar dos
respectivos estatutos ou específica, da assembléia geral, para determinada
ação. Não a apresentando a entidade associativa ,falecer-lhe-á legitimidade
para pleitear judicialmente em nome dos filiados”.
O
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro se pronunciou, no sentido de que se
aplica ao mandado de segurança coletivo, “analogicamente, o n.ºXXI do art.5o
da Constituição Federal, exigindo que a sociedade apresente a ata da assembléia
que deu autorização para promover o mandamus”.
Mais
complexa é a análise das hipóteses em que partidos políticos estão legitimados
para requerer mandado de segurança coletivo. É que a alínea a do inciso
LXX do artigo 5o, ao referir-se a eles, não acrescentou o
complemento “em defesa dos interesses de seus membros ou associados”,
presente em relação aos outros legitimados. Isto deu margem a que se
interpretasse a legitimação dos partidos políticos como sendo muito mais ampla,
quase ilimitada. Tal leitura, contudo,
conflita-se com conceitos sedimentados no campo processual civil em matéria de
substituição processual e legitimação extraordinária. O Supremo Tribunal de
Justiça adotou posição restritiva da atuação dos partidos políticos, em mandado
de segurança coletivo ,no sentido de que só cabe na defesa de seus filiados.
No
que diz respeito à necessidade de
autorização expressa para o sindicato representar seus associados através do
mandado de segurança coletivo, Ada Pellegrini Grinover nos dá preciosas lições:
“ Para o ajuizamento do mandado de segurança coletivo, nem os partidos
políticos, nem as organizações sindicais, nem as entidades de classe e nem
mesmo as associações legalmente constituídas necessitam daquela autorização
expressa a que alude o inciso XXI do art.5o da Constituição para
outras ações, que não a segurança coletiva”.
Agora
analisemos a extensão da legitimidade dos partidos políticos no mandado de
segurança coletivo. Segundo Calmon de Passos:“O
nexo entre o direito ou interesse do substituto e o direito ou interesse do
substituído é indispensável”. Carlos Mario Velloso
adota a tese restritiva, pela qual os partidos políticos só podem pleitear, por
esta via, direitos de natureza política e em favor de filiados seus. Calmon de
Passos sugere que só se deve admitir legitimidade direta aos partidos políticos
quando inexistir entidade representativa dos indivíduos cujos interesses se
encontram em jogo, cabendo-lhes assumir a representação desse segmento ainda
não organizado.
Em
suma, os partidos políticos podem impetrar mandado de segurança coletivo para
proteção de interesses individuais e coletivos de seus filiados(Luiz Roberto
Barroso). Neste ponto há uma certa unanimidade. Mas a doutrina tem defendido
para os partidos políticos legitimação muito mais ampla do que aquela confinada
pela expressão “direito líquido e certo” . Vejamos então:
“Quando o pedido for de partido político, basta a
simples ilegalidade e a lesão de interesse daquele tipo, não sendo caso de
estabelecer qualquer vínculo entre o interesse e os membros, ou filiados do
partido. Este, na verdade, agirá na defesa do interesse da sociedade, como é da
natureza de sua atuação(Celso Agrícola Barbi)”.
“Os partidos políticos não conhecem restrições
constitucionais. Ou por outra, a proteção não será apenas para os filiados do
partido, muito pelo contrário (...) Tudo que transcender ao individual, pois de
reflexo para toda a coletividade, apresentar-se com caráter de liquidez e
certeza, e, ainda tiver em vista o estado democrático de direito e os direitos
fundamentais, traduzidos, latu sensu, nas liberdades públicas, poderá
ser objeto do mandado de segurança coletivo interposto por partido
político(Lúcia Valle Figueiredo)”.
“O partido político está legitimado a agir para a
defesa de todo e qualquer direito, seja ele de natureza eleitoral, ou não. No
primeiro caso, o Partido estará defendendo seus próprios interesses
institucionais, para os quais se constituiu. Agirá, a nosso ver, investido de
legitimação ordinária. No segundo caso - quando, por exemplo, atuar para a
defesa do ambiente, do consumidor, dos contribuintes (direitos
difusos) - será substituto processual, defendendo em nome próprio interesses
alheios. Mas nenhuma outra restrição deve sofrer quanto aos interesses e
direitos protegidos: além da tutela dos direitos coletivos e individuais
homogêneos, que se titularizam nas pessoas filiadas ao partido, pode o partido
buscar, pela via da segurança coletiva, aquela atinente a interesses difusos,
que transcendam aos seus filiados”.
Enfim,
Luiz Roberto Barroso nos lembra que duas observações merecem ser feitas. A
primeira é no sentido de destacar-se que, embora se preste à tutela de
situações jurídicas mais fluidas que as caracterizadas por um direito subjetivo
individualizável, ainda assim se exige a liquidez e certeza dos fatos que as
constituem, como pressuposto de cabimento do mandado de segurança coletivo.
A
segunda observação é de que a tese da legitimação incondicionada dos partidos
políticos é sedutora. Mas não é possível deixar de assinalar que ela representa
o risco de ensejar demandas de pouca consistência jurídica ou excessivamente
políticas, transferindo para o Judiciário discussões pertinentes mais aos
outros dois Poderes.
O
mandado de segurança coletivo cria uma hipótese de substituição processual.
Poderá assim uma entidade de classe intervir em nome da coletividade como um
todo, na defesa de um interesse geral, que apenas se reflete, sem com ele
confundir-se, no interesse individual de cada um dos seus membros. Terá
igualmente legitimidade extraordinária para requerer o writ em socorro
de algum de seus filiados, contra ato ilegal a ele lesivo, em caráter
individual.
O
remédio tem largo alcance prático. Ele permitirá que seja julgado, em processo
único, o conjunto de todos os litígios entre os integrantes de determinado
grupo ou categoria e o Poder Público. Duas vantagens são de plano
identificáveis: a grande simplificação e economia de tempo e trabalho; a
supressão da possibilidade de decisões logicamente conflitantes, que,
potencialmente, poderiam resultar da circunstância de distintos órgãos
julgadores adotarem teses jurídicas desiguais.
Parece
fora de dúvida que no mandado de segurança coletivo impetrado por organização
sindical, entidade de classe ou associação tem de estar presente o requisito de
liquidez e certeza do direito. Neste requisito não está implícita a
individualização ou subjetivação do direito, pelo que tal requisito não exclui
a possibilidade de que o mandado de segurança coletivo possa ser utilizado
eventualmente para tutela de interesses difusos. Quanto ao ato ilegal ou com
abuso de poder praticado por autoridade, este requisito também deve estar
presente.
Traço típico do mandado de segurança coletivo
em contraste com o mandado de segurança simples é a legitimação ativa
extraordinária que se conferiu aos partidos políticos, organizações sindicais,
entidades de classe e associações. Salvo exceções, aplicam-se ao novo remédio
as regras vigorantes para o instituto matriz.