OS SÓCIOS DA MÁQUINA-TRABALHO, OU

DA CONFRARIA ENTRE CHATOS E BURROS

Um destino incerto

O destino da humanidade ainda não está selado. Desde os primeiros hominídeos que habitaram a Terra, a linguagem fez parte da sua estrutura, necessidade de romper as amarras da incomunicabilidade que aprisionava o homem em uma jaula, prestes a romper-se. Por longo tempo, permaneceu fechado nos quadrantes da África, submeteu-se a uma realidade geográfica, criou as condições para quebrar os grilhões e sair a fim de conquistar o mundo inteiro.

Da realidade, esse homem criou estruturas e sistemas cada vez mais complexos, cujo substrato mais imediato é a relação. Aos poucos foi tirando seus pés do chão e criando novas formas de realidade que não mais diziam respeito, exclusivamente, ao que era o imediato real. Com o pensamento, a sua temporalidade se torna historicidade e nela o homem construiu edificações ao mesmo tempo reais e irreais.

Sua capacidade de abstrair e fazer de determinadas abstrações uma conduta coletiva, gerou o que podemos chamar de relações coercitivas, uma ambigüidade humana e social. Parece que o homem é individualidade e não pode prescindir de uma certa dose de coletividade. A comunidade se contrapõe à coletividade. Os valores metafísicos ganham os espaços na mente humana, muitos regem o comportamento e ditam a vida e a morte.

A cada tempo histórico, uma realidade. A cada realidade, uma composição de extremos e meios, de fins e começos. A cada relação social instituída em um determinado tempo, encontram-se mecanismos de coerção e subversão. Em todos os sistemas vividos pelo homem, em cada um deles, ele mesmo se tornou uma vítima feroz. Tornou-se também um escravo, foi obrigado a obedecer. Teve de amargar a lucidez de suas indagações em nome de valores "universais".

Os sistemas humanos dos grupos sociais também se caracterizaram pela sua forma de trocar as coisas. Os sistemas encarnavam uma tal realidade humana e uma tal necessidade, de certa forma, econômica.

A cada passagem de um modelo social para outro, houve sempre traumas, resistências, sofrimento, tragédia, esquecimento. Muitos eram deixados à beira do caminho, outros tantos não agüentavam e pereciam. De uma passagem a outra, o homem ainda não adquiriu aquela capacidade de proteger os que não podem se proteger, defender os que não podem ser defendidos - os indefesos.

Todas as passagens de modelos econômicos e sociais tinham um tempo conforme a sua própria natureza.

Mas quando o homem ingressou na fase da sociedade das fábricas, a passagem foi muito mais rápida, mais dolorosa, mais castigante, mais esmagadora. Sem que se dessem conta, os homens e as mulheres se viram aprisionados a uma Máquina que os triturava sem que pudessem sequer respirar. A Máquina-Trabalho foi um salto que até então nenhum homem da Grécia de Pitágoras poderia imaginar possível.

Nesse salto, nessa passagem, a humanidade provou que ainda não estava preparada para o grande desafio, que era o de proteger e trazer consigo os que não podiam acompanhar a travessia de um modelo de sociedade para a sociedade das massas e do Trabalho.

A Máquina-Trabalho, como é de sua natureza, distendeu a natureza humana e a colocou numa forca sem, contudo, matar a própria natureza, sufocando-a quando lhe era aprazível ou mantendo-a frouxa quando lhe interessava. A Máquina-Trabalho também se tornou uma abstração, tão poderosa, tão rapidamente aceita, tão necessária à condição humana, tão perversamente cínica, a ponto de nos convencer a todos de que não há saída fora do sistema.

A grande frase lapidar que percorreu os dois mil anos de cristianismo ainda é válida para a Máquina-Trabalho: como um bom sistema que não admite qualquer distensão ou defecção, ela prega para todos que "A verdade vos libertará", o que para o sistema é uma grande é contínua forma de auto-nutrir-se com uma verdade solidamente marcada pela fé e pela abstração.

Como todo sistema - o sistema da força de trabalho, do trabalho forçado imposto a toda humanidade, indelevelmente por mais de 250 anos – haverá um momento de declínio, haverá um momento de mutação, um ponto em que algo fará mudar o curso da história, algo que será o embrião da transformação, algo que o colocará em outro trilho, fará uma historicidade revelar-se na estrutura de uma realidade que para o sistema ainda é inconcebível.

Há os que já vivem essa mutação. Os que já a experimentaram e não a compreenderam. Há os que vislumbram alguns aspectos dessa mudança mas não a compreendem e outros que não a aceitam. Haverá, por certo, toda sorte de interpretações e indulgências. Haverá os que quererão contemporizar, e os que raivosamente submeterão a todos a uma idéia salvadora. Em cada momento, em cada linha da vida, em cada sortilégio da existência, haverá tantas faces quanto a morada da razão humana pode conceber.

No entanto, é preciso não perder de vista que a mudança está em curso há algum tempo. A força abstrata da sociedade das fábricas e mesmo agora, numa nova sociedade que se constrói além-fábrica, ainda acreditam, ambas sociedades pré, fabris e pós-fabris, no valor libertador do Trabalho. E aqui, mais uma vez, é imperioso que se insista na superação do Trabalho, não em sua manutenção nem mesmo num arremedo de medidas e situações que mantenham acesa a chama da abstração coercitiva do Trabalho.

Precisaremos enfrentar a grande "verdade" de que o Trabalho nos é como o ar que respiramos, exatamente porque é a nossa essência, nossa existência, nosso reconhecimento com o mundo e com a própria linguagem a qual pertencemos. Precisamos também enfrentar outras duas abstrações tão poderosas e que, em muitos casos, se colocam à frente da idéia do Trabalho como essência. A Mercadoria e o Valor.

Os Sócios

Mas a Máquina-Trabalho não se sustenta apenas pela abstração. A abstração só terá conseguido seu intento se se realizar na mente e na vida concreta das pessoas. Essa realização acontece com os sócios da Máquina-Trabalho. Os sócios são aqueles que mantêm a Máquina a funcionar diuturnamente, incansavelmente, como bons soldados, como bons burocratas, como fiéis que lutam pela causa de seu deus.

São eles os chatos e os burros. Duas grandes categorias que se tornaram humanas ou humanas que se tornaram categorias. Os chatos e os burros se prevaleceram do fato de que são perfeitamente talhados para a tarefa de garantir o funcionamento da Máquina-Trabalho, azeitada e lubrificada. Os chatos e os burros estão em toda parte.

Existe muita gente chata no mundo. O pior lugar em que eles podem ser encontrados é em postos de poder ou na liderança de instituições. Existe uma quantidade imensa de chatos que não gosta de arte, de música, de sexo, de liberdade. Colocam empecilhos para todas as formas de expressão.

Também há uma legião de burros espalhados pelos quatro ventos, pelos continentes da Terra, por todos os países. Há quem confunda os chatos com os burros. Há diferenças, em alguns casos muito sutis e até, quem sabe, imperceptíveis.

O mesmo se aplica aos burros. Há uma diferença quanto à natureza dos chatos e burros. Seria preciso um estudo mais aprofundado a respeito. O que vale dizer é que ambos se uniram para promover um mundo redondamente chato e burro, tendo como mote essencial a Mäquina-Trabalho.

É preciso, dessa forma, promover uma pequena reflexão ontológica sobre o ser do chato e o ser do burro. Parece ironia, parece um espetáculo de humor negro, talvez assim o seja, mas para compreender a sua importância na relação com a Máquina-Trabalho, a filosofia nos ajudará a lançar luz sobre os chatos e os burros.

Da ontologia do Chato

Nada mais estranho ao ser do chato que tentar defini-lo de uma maneira que possa abarcar uma possível totalidade. O chato é um ente que se faz, na possibilidade de sua construção na vida. Podemos perguntar se o ente carrega a chatice, o que implica admitir que a chatice é algo "a priori", anterior ao ente (aqui, ser humano - chato), arkhé, como queiram os gregos; ou se a chatice é uma construção existencial com o meio – o mundo – no qual o ente (ser humano – o chato) é-com.

Admitir a chatice como precedência ao ente, seria simplesmente aceitar uma passividade do ente diante do seu próprio destino e uma certa dose, generosa, de vitimização. É como se o ente adquirisse a chatice de maneira congênita, como uma herança genética. A filosofia, no entanto, não pode descrever o que cabe à ciência e não se tem notícias de que a ciência tenha descoberto o gene da chatice.

Mas, por outro lado, se a chatice é considerada como um construir-com, uma opção nas infinitas possibilidades que se apresentam ao ente (o chato), podemos aceitar a idéia de uma relação contínua, sem qual não se pode apreender e compreender o chato sem a chatice.

A chatice então não é um conceito necessário, ela surge como construção de um conceito "a posteriori", sintético. Em outras palavras, a chatice só pode ser apreendida porque foi experimentada e vivenciada na historicidade do ente (aqui, o chato). A chatice não pode prescindir dos sentidos. Dessa forma, chato e chatice são uma totalidade. O ente se torna chato, a condição de possibilidade da chatice é o chato, nada mais e nada menos.

Dessa forma, chato e chatice são uma totalidade. O ente se torna chato e adquire as alturas, uma vez que o chato tende peremptoriamente para o mundo das idéias. O chato é um platônico. Qual a essência do chato? Sua chatice, obviamente. Mas é uma essência que sucede à existência, em outras palavras, é preciso que exista um ente (em estado puro) para que a chatice se instale e se revele, caso contrário, estaríamos nos referindo a um ente de razão, apenas metafísico. Ele só existe na relação e sua essência se constrói na relação-com e na comparação-com, de forma negativa. É em relação ao princípio da negação que o chato é chato. Como identificá-lo? Na relação da exclusão. Assim, o chato se define pela negação de atributos como a liberdade, a felicidade, a abertura-para, na negação da experiência originária.

O chato então se torna metafísico, mais que metafísico, o chato é um idealista que não admite a liberdade de escolha, sua conduta existencial é o fechar-se-a, na exata conformidade do controle. Aqui, nesse ponto, o chato é a síntese de todo o sistema, o fim, o télos, ele se arvora a dono do sistema, procura mantê-lo lubrificando-o e é a expressão sempre atualizada do próprio sistema.

Há uma certa dose trágica no chato. Ele parece considerar-se o único herói de uma tragédia anunciada, pois tudo à sua volta está a arder pela culpa, pela omissão, pela degeneração, pela lascívia. O chato, às vezes, submete-se à tragédia por saber-se salvador de uma realidade da qual ele não escolheu mas que é, possivelmente, a tábua da sua salvação.

A criação dos chatos é a burocracia. Com a burocracia, o chato encontra um mundo ideal com o qual pode deleitar-se e chegar, quem sabe, ao orgasmo celestial, um êxtase que somente os chatos podem experimentar. Na burocracia, o chato tem o controle, ele vai em busca da realização da idéia, mas não admite a realidade, que para ele nada mais é que um apanágio de sua própria virtude.

A burocracia é uma invenção moderna dos chatos, para garantir que a Máquina-Trabalho funcione como sistema. Dentre todos os sistemas, o que nos interessa sobremaneira é o sistema da Máquina-Trabalho, do qual tão bem imagina ser o legítimo representante, a legítima expressão da sua vontade. No chato, o real é o pensado e o pensado é o real.

Da ontologia do Burro

O burro é a certeza de que o devir é e se realiza na fina esteira da vida e da temporalidade.

O burro por opção sabe que é burro e tem a certeza de a sua burrice não é um ideal platônico, mas sim, uma construção, a práxis diária, que mantém e legitima a existência e a existencialidade da burrice.

A burrice não é um dado "a priori", é uma condição social, por isso se trata de uma condição empírica e não metafísica. O burro é burro por herança social ou por opção, pura e simples. O burro, por ser empírico, adquire do ambiente aquilo que faz da sua personalidade o que é. E o que é no burro só pode ser deixado no burro. O burro é um ente que se mistura a tudo, está em toda parte. Sua existência é real, não é um conteúdo metafísico, não se espera que a burrice se encontre como uma lei necessária.

Os burros não se reconhecem como entes (aqui, o burro) do-entes, do-entes, mas se acham sãos. O que os promove como burros é a sua opção. Em nenhum outro ente (aqui, o ser humano burro), a existência tem um papel tão importante, porque a burrice é uma essência que se define a cada ato histórico do próprio burro. É um compromisso diário, diferentemente do chato, que é guiado por um dado "a priori" que o distingue dos demais entes (aqui, outros humanos).

A ontologia do ser, o ser do burro, é diferente da do chato, exatamente porque o burro procura se moldar à realidade, é pragmático e sensível. Sensibilidade, aqui neste sentido, significa que o burro se utiliza de toda a potencialidade de seus sentidos para permanecer na burrice.

No burro, o paradoxo entre ser e tempo se mostra claramente. Uma vez que o burro se coloca no mundo, factualmente, e se diz existente na medida em que se aproxima e reconhece o que lhe interessa. Sua existência é a existência da relação burra com as coisas e o mundo. O burro é um ser que começa platônico e tem seu fim na plenitude da sensibilidade, como um camaleão ou um camelo que olha o deserto com a indiferença da morte.

O burro não é a síntese do sistema nem do controle. O burro é o devir de qualquer sistema. O burro se aproveita do que o sensível lhe dá. O burro é um pragmático incorrigível, que se alimenta de alfafa, de futilidades e inutilidades, de oportunidades e de expressões idiomáticas sem sentido, mas que são próprias para levar vantagem.

Não pensemos que os burros são privilégio de uma etnia, de um grupo social, de uma religião, de uma corrente política, de uma determinada facção feminista ou trabalhista. Eles estão em toda parte, em cada esquina, em cada lugar.

De certa forma, a capacidade do burro se revela na sua potencialidade em intuir e farejar o poder e a mediocridade, mas ele só pode chegar a alguma forma de poder se estiver aliado ao chato. O chato é a viga mestra, o racionalismo que tanto falta ao burro. O chato é o ideal hegeliano que aponta para a realização do espírito absoluto.

A síntese (possível?)

É razoável supor que o chato é platônico e o burro é empírico.

É razoável também supor que chatos e burros não estão apenas nas hostes do poder, como sócios da Máquina-Trabalho. Há os acionistas, os que ganham dividendos, os promotores da Máquina-Trabalho. Há também nós, os próprios escravos que, em certa medida, alimentamos a Máquina-Trabalho, como toda a sua grandiosidade e toda a sua engrenagem social, política, humana, racional e irracional.

Mas não podemos deixar de reconhecer que, exclusivamente, os sócios majoritários da Máquina-Trabalho são compostos pelos membros da confraria, ou seja, os chatos e os burros. A eles o mundo deve a sua condição de mendicância, de miserabilidade e pauperização contínua. Graças a eles, a sociedade do Trabalho pretende permanecer viva na mente e nos corpos de todos nós, por longos e longos tempos.

Diferentemente do chato, o burro só quer o controle quando se torna chato. O chato se torna incongruente quando opta pela burrice. Temos então a síntese que pode se configurar em duas grandes vertentes: o chato-burro e o burro-chato. Ambos constituem uma séria ameaça à humanidade. Mas essas construções compostas nos remetem à dramaticidade da existência que encontra na sua originalidade e na experiência fundante (originária), que pode anteceder os sujeitos e os mundos a que pertencem, uma abertura para o sinistro, para a clausura do pensamento.

A combinação lingüística que nos remete a uma questão filosófica entre chato e burro (e burro e chato), é a forma acabada que se realiza na historicidade dos entes e na sua capacidade de expressar o ser, numa experiência originária. Ambos, ao se unirem, provocam a centelha da existência, daquela procura que tantos morreram e pereceram pelo caminho. O burro-chato e/ou o chato burro são a sociedade perfeita.

Os sócios (chatos e burros) têm nas mãos a grande reserva da sua riqueza. Eles são a interpretação existência dos últimos 270 anos de história da sociedade das fábricas e do Trabalho. Ambos foram eficientes e competente para construir e manter a sociedade da Máquina-Trabalho. É bem verdade que a ciência ainda não foi capaz de isolar e posteriormente unir os dois genes em um só: o burro e o chato.

O que nos interessa é saber que nessa conjectura que aparentemente parece um jogo de palavras, um exercício de ironia e humor negro, encerra-se uma cruel constatação, a de que estamos submetidos a uma plêiade de gentes que têm características muito próprias para dominar o mundo com a sua Máquina-Trabalho.

Das ambigüidades

Como o homem se vê tênue e incerto! Entre a permanência e a transitoriedade. Ao mesmo tempo, caminha sobre uma linha ambígua, que o lança ao desconhecido. Vive entre ambigüidades, promove paradoxos, antecipa acontecimentos, hipotisa a respeito de problemas cuja solução se encontra no futuro, projeta-se entre o estático e o movimento.

É bem verdade que diante das realidades vividas e que se nos apresentam, há ambigüidades de toda ordem. Somos compelidos a fazer da nossa vida uma síntese que jamais se realiza. Nossa linguagem é nossa certeza e, ao mesmo tempo, nossa desgraça. Nossas conquistas nos colocam em um mundo cheio de promessas que, paradoxalmente, impingem-nos tragédias, obscuridades e problemas incontáveis.

Toda a nossa contingência e a nossa magnitude se revelam na relação e no valor. Somos o valor e por causa do valor, nos destruímos e nos construímos. Todas as nossas escolhas estão baseadas no valor. Nosso silogismo, nossas teses, nossas procuras, são valorativas. A antecipação e o estremecer diante do passado acontecem por causa do valor. Mas esse valor nos empurra para relações nas quais são o que são por nossa causa.

Os valores de todos os tamanhos estão por toda parte. Vamos, paulatinamente, atribuindo valores de ordens e grandezas diferentes para coisas e relações diferentes. Não sabemos bem ao certo se é certo transformar coisas em valores que denotam mais do que são, denotam, em certa medida, a própria vida, o próprio estar, o próprio ser. Valores de coisas e pessoas que se misturam numa dança sem fim.

Como retroceder no tempo? Impossível. Mesmo nos confins de nossa memória, nada é tão nítido quanto o que já se passou. Como reviver o deixado para trás? E por que reviver com saudosismos uma sociedade que, por si, era também a expressão da perversidade, da crueldade: a sociedade das massas e das fábricas, a sociedade do Trabalho!

Não é possível resgatar um modelo social baseado em um mundo de relações determinadas pelas condicionantes da época e da tecnologia. Não se pode negar os avanços humanos em todas as áreas do progresso, da pesquisa, das ciências. Não se pode retroceder e mudar o próprio ponto de mutação. Aquele ponto está distante, há alguns séculos, deixados na história que hoje tentamos compreender. O ponto de mutação foi o estopim que nos trouxe aqui. O ponto de mutação deu início à sociedade planetária do Trabalho e das suas relações cruéis.

Ao mesmo tempo em que tantas conquistas nos são caras e que nos revelam a engenhosidade e a criatividade humanas, são, por outro lado, a seqüência de imensos infortúnios contemporâneos. Pois ao passo em que fomos capazes de superar doenças incuráveis, de penetrar nos ares e nos espaços e encontrar as fontes de energia de que necessitávamos, de criar a arte e a cultura, fomos também tragados pela fome, a miséria, a dependência, os extermínios em massa, a ignorância em escala planetária, a ideologia do financeiro e, sobretudo, a certeza da sociedade do Trabalho, organizada na Máquina-Trabalho.

É lícito indagar sobre os rumos da sociedade, é nosso direito e nosso dever pôr-se a refletir sobre tamanhos incertezas e problemas. Poderíamos ter alcançado o desenvolvimento sem prescindir do Trabalho como mola propulsora do progresso e, ambiguamente, das nossas próprias mazelas?

Hoje nos parece impossível acreditar que o mundo poderia ter alcançado o seu estágio atual de desenvolvimento sem o Trabalho. Porém, no movimento e na transitoriedade, encontramos a luta feroz que parece compelir a todos, na busca de uma síntese, de um paraíso tranqüilo, que poderia muito bem se reportar aos tempos em que nossos pais podiam entrar pelos portões da fábrica e lá permanecerem até a sua aposentadoria ou até a sua própria morte.

Seria possível pensar em um mundo perfeitamente tecnológico, eletrônico, sem que para isso fosse necessário o Trabalho para atingi-lo como modelo e meta social?

Seríamos nós capazes de formular a sociedade da informação sem a Máquina-Trabalho?

Poderíamos ter evitado - com as ciências, as fábricas e as tecnologias -, o flagelo da miséria, da doença, da ignorância, da violência, sem precisar do Trabalho como organização perversa e forçada da sociedade moderna?

Teríamos podido inventar tantos engenhos, artefatos, comodidades, imagens, entretenimento sem o Trabalho?

Faríamos tamanhos avanços nas pesquisas cientificas sem o Trabalho?

Teríamos enriquecido tanto, conquistado um poder ilimitado com recursos que podem nos tirar do atoleiro sem a Máquina-Trabalho?

Os Estados seriam o que são sem o Trabalho?

As instituições e organismos sociais teriam a força que têm sem o Trabalho?

Os meios de comunicação de massas seriam hoje, de fato, o quarto poder na sociedade planetária sem o Trabalho?

Acredito, por certo que muitos dos avanços poderiam ter sido engendrados sem o Trabalho. Poderíamos ser outros, mais felizes, por certo mais livres, talvez mais pobres ou menos tecnológicos. Seriamos, de certo, outros, com outra cultura, com outra solidariedade, diante do OUTRO, como ele de fato é.

Sim, seríamos melhores sem o Trabalho.

Poderíamos ter acreditado mais na liberdade e menos na verdade.

Sim, é possível até que tivéssemos avanços com velocidades muito maiores em relação às descobertas cientificas, em relação aos confortos proporcionados pelas tecnologias. Teríamos melhores condições de distribuir o que nos pertence de há muito.

É bem possível que a criação humana tivesse tido outro tratamento, outras condicionantes. Talvez...

Sim, acredito que os avanços de que hoje desfrutamos poderiam ser realizados sem a presença nefasta do Trabalho como arma de persuasão e coerção social.

Nesse sentido, os grandes sócios da Máquina-Trabalho muito contribuíram para que o mundo se tornasse mais pobre, mais medíocre, mais insano, mais intragável, insípido, inodoro. Graças aos chatos e aos burros, pudemos chegar aos avanços de que tanto descrevi acima, mas que não podem ser distribuídos, porque os chatos e os burros construíram um anteparo poderoso, o Trabalho e a sua forma de organização massiva: a Máquina-Trabalho.

Os sócios urdiram uma forma em uma matéria disforme, livre e despretensiosa.

Agora, o mundo precisa retomar a sua vida em suas próprias mãos. Precisamos respirar, mas não temos dinheiro para comprar a Máquina-Trabalho. Ela não é vendável e nem nos interessaria comprá-la, a não ser para destruí-la por completo. Mas seria um contra-senso. Seria melhor deixá-la perecer, minguar, desfalecer.

Os chatos e os burros no poder

Ultimamente, não se pode falar mal dos chatos. Os que estão nas religiões, estes talvez sejam os piores. Mas há chatos na política e principalmente aqueles que não querem que os outros vivam felizes. São os fiscais da infelicidade alheia. Detestam o prazer e a criatividade, detestam a opinião contrária e demonizam os que pensam livremente. Para os chatos de carteirinha, o mais importante é fazer parte de algum grande sistema, mesmo que seja um sistema opositor ao seu.

O maior chato da face da Terra, atualmente, é o Sr. Bush. Ele é um arremedo de político. Está a serviço de alguns grupos de chatos, principalmente os que ganham dinheiro com a morte alheia. São grupos adoradores da Máquina-Trabalho. Também parece que há uma turma de chatos evangélicos que está ao lado dele. É gente que quer ver o circo pegar fogo, em nome da religião, de seu deus. São os fundamentalistas. Todos os fundamentalistas são chatos. Mas também podem ser burros, não nesta ordem, necessariamente.

O fato é que podemos criticar alguns sistemas políticos e alguns governos. Mas não podemos criticar grupos religiosos. Isso não pode! Afinal, seria politicamente incorreto fazê-lo. Mas muitos grupos religiosos são chatos de galocha, sua natureza parece prescindir da chatice e, em alguns casos, da burrice em fatores exponenciais. Não pensam em outra coisa que não castrar as liberdades. Consideram que o resto da humanidade é infantil e pecadora. Adoram o Deus-Trabalho e lutam para manter acesa a Máquina-Trabalho a todo custo.

Eles acreditam que a salvação da lavoura se dará por meio do Trabalho. Oram diuturnamente em favor do dele e pedem que todos se tornem escravos obedientes e felizes, com as prateleiras cheias de bênçãos em nome do Senhor, as gôndolas dos supermercados repletas de iguarias abençoadas por Deus.

Os chatos da política se aliam aos chatos da religião. Na verdade, são fases de uma mesma moeda podre. Querem lançar o mundo numa relação maniqueísta e estúpida. Como a velha obsessão por sangue que banhava o Velho Testamento, os chatos de hoje só querem saber de vomitar sangue coagulado socialmente.

Para eles, qualquer avanço nas liberdades significa o Apocalispe Now, não entendem que o mundo anseia por liberdade. Muçulmanos, Evangélicos, Católicos, Espíritas, todos querem enjaular a liberdade humana, em favor dos valores morais da família e dos bons costumes. São tarados morais, que se locupletam com a sociedade meritocrática, que caminha hipnotizada pêra a linha de produção de formadores de trabalhadores "engajados" no modelo da obediência.

Bush é o exemplo "democrático" dessa horda de fanáticos que chegou ao poder. Todo mundo fica desconfortado com o que aquela turma de chatos diz e pensa. São sedentos por vingança, verdadeiros patrulheiros da insanidade pós-moderna. Enrijecem os músculos ante qualquer perspectiva de humor. Detestam piadas, não gostam do riso nem mesmo das gargalhadas. São meditabundos e tristes, sofredores e cancerígenos.

Propõem um mundo sem graça, repleto de ordens e regras, querem que a juventude permaneça casta e ignorante, preferem sacrificar as crianças a terem de deixá-las construir sua felicidade pela vida afora. Não aceitam o sim. Aprisionam a ciência em favor das suas masmorras sociais, penduram os livres nos postes como exemplo para que as gerações futuras fiquem arrepiadas de pavor.

Assim também, como os militares de todos os quadrantes, ávidos por mortes e batalhas, por tiros e gritos de dor. Por orçamentos monstruosos em nome da pátria e da liberdade. Sua única lógica é a estratégia da morte.

Juntam-se a eles os capitalistas de toda ordem, infelizes que estão por não suportarem a angústia da ciranda financeira que eles próprios criaram. Sonham com um mundo de escravos desempregados. Lutam em praças públicas com os marxistas em favor do Trabalho. Criaram uma serpente do tamanho da sua própria ambição, e ela os devorará lentamente.

Além dos que ganham, há os que, aparentemente perdem como a Máquina-Trabalho. Os sindicalistas, os caciques de partidos, os oposicionistas, alguns da esquerda, os marxistas de gabinete, os religiosos engajados em nome dos pobres, alguns ativistas. Ganham porque fazem o jogo da Máquina-Trabalho, nas mais das vezes até ingenuamente.

Os chatos estão por toda parte, enclausurados, de mãos dadas com os burros. São sócios na construção de um mundo medíocre, sem a felicidade da contemplação, sem a visão histórica da humanidade, da sua humanidade. Os chatos e os burros detestam a contemplação, não admitem a idéia de um humano livre que crie suas próprias regras.

Os chatos, em especial, suspeitam de toda forma de criação. São burocratas. Burocratas até o último fio de cabelo. São os controladores de vôo da humanidade, querem que todos viagem num avião cuja única satisfação é a queda vertiginosa para o nada. Mas nem o nada os satisfaz como seres humanos.

Esses burros e chatos nos detestam, criaram uma intrincada rede de comunicação, talvez, em breve, lancem seu ódio contra nós e contra os que se comunicam livremente pela Internet. Provavelmente tentarão queimar os inimigos do Trabalho em praça pública.

Querem o controle de tudo, inclusive das consciências humanas. São sócios que se uniram em um complô contra o mundo livre. Mas há muito tempo a humanidade não sabe mais o que é a liberdade. Os povos com seus líderes burros e outros chatos têm seu preço. Na banca de negociações sobre a guerra, todos se esquivam e se escondem por detrás de seus próprios interesses. São os burros e os chatos a decidirem pelo destino de vítimas e também de outros burros e chatos.

Sócios que se nutrem da Máquina-Trabalho e que sonham acordados com o dia em que todos nós nos tornaremos uma só chatice ambulante. Esses chatos, em conluio com os burros, transformam a existência em um fardo doloroso. Para eles somente o sofrimento tem sentido, somente o suor e o esforço perdulário têm valor para a vida eterna. Somente o Trabalho redimirá a todos. Os protestantes e os cristãos, de um modo geral, acreditaram e lançaram-se em favor do Trabalho, sua Bíblia é a Bíblia dos Trabalhadores e adoradores do Trabalho.

Outra parte dos chatos-burros vive chafurdando no poder de manter ignorantes imensas massas desprovidas e indefesas. São os líderes de regiões miseráveis, de estados teocráticos, moribundos, mas que decidem por sociedades com viseiras sociais. Não lhes interesse qualquer horizonte que não a miséria intelectual e material. São sustentados por um círculo vicioso sem fim.

Confissões partidárias, sindicais, institucionais, religiosas, na sua grande maioria, são controladas por chatos e burros, não exatamente na mesma ordem, mas estão nas mãos dos sócios, menores ou majoritários da Máquina-Trabalho.

Além disso, nos submetem a agruras mil. Sem contar os chatos-bomba, os chatos-seqüestradores, os chatos-cabeça-de-vento, os chatos que pregam o extermínio de povos, os chatos que continuam no poder a todo custo, os chatos que matam por qualquer razão, fútil e inútil, os chatos paramentados de sacerdotes, os chatos com o talão de multas na mão, os chatos fiscais-corruptos, os chatos vigilantes do peso, os chatos vigilantes do Estado.

E os burros fundamentais que se tornaram uma lei e uma lenda para a humanidade, e que não conhecem outra razão de existirem do que a sua própria mediocridade, absurdamente universal e transcendental.

Quantos chatos ainda serei obrigado e enumerar! São infindos, inúmeros, a ponto de não caberem numa única lista. Eles se sentem santos. Uma certa piedade os toma a alma e os conforta, são convencidos de que sua pureza resgatará a humanidade e a fará encontrar o caminho da salvação. Suas idéias costumam pairar por sobre os montes, tão distantes, mas ao mesmo tempo, tão pertencentes a eles, que nada os faz mudar de opinião. Os chatos se sentem como aqueles salvadores da pátria. Os grandes profetas da chatice!

Eles – os sócios – abominam qualquer humano na humanidade. O humano não pode fazer parte da humanidade. Rejeitam veementemente o OUTRO. No lugar do OUTRO, eles colocam as instituições, o Estado, o Trabalho, as Mercadorias, o Valor Abstrato do instrumento Dinheiro. Na verdade, consomem parte de sua energia contra o humano.

Para eles, na sociedade da Máquina-Trabalho não há lugar para o OUTRO. Este só existe para manter a Máquina-Trabalho. Toda a vida de cada um OUTRO não tem sentido. Não tem sentido para patrões, chefes, capatazes, coordenadores, supervisores, peões, encarregados, doutores, mestres. O que lhes interessa é o fruto do Trabalho e não o OUTRO.

O sistema dificilmente se volta para o OUTRO. Ele, o OUTRO, é um nada, um agente passivo diante da grandiosidade da Máquina-Trabalho que não sabe outra coisa a não ser a si própria, como um ser narcisista, medonhamente narcisista.

Os sócios da Máquina-Trabalho renegam o OUTRO porque o outro pode e deve se mostrar como um presente e os chatos não sabem viver no presente, não querem o presente, não lhes importa o que lhes é dado e sim o que pode ser transformado e triturado pelo bem do próprio Trabalho. Inconscientemente, negam qualquer possibilidade de que tudo lhes tenha sido dado gratuitamente, eles precisam se apossar do que imaginam possuir.

Talvez por herança equivocada e obtusa do platonismo, querem abolir o humano, os sentidos, a carne, o corpo. Querem a tecnologia no lugar, querem que o OUTRO se torne apenas um horizonte perdido a ser conquistado. O OUTRO é uma ameaça. Colocam para si mesmos barreiras intransponíveis, criam as instituições e nelas enclausuram-se, entrincheirados, apavorados, à espera de que um suposto inimigo os ataque a qualquer momento. Admitem apenas os valores ditos espirituais, não são metafísicos, são pragmático-espiritualistas-fundamentais, que detêm um poder inimaginável, fruto do domínio dos outros através da MÁQUINA-TRABALHO.

Para os sócios da Máquina-Trabalho, a única razão da existência do OUTRO é o consumo. O consumo destilado pelo Trabalho, única forma de chegar à santidade promovida pelas gôndolas do supermercado mais próximo.

Associaram-se, os chatos e os burros, para engrenar a Máquina-Trabalho, com todas as vozes e todos os pulmões de que dispõem. Bush é um deles, mas ele não está só, conta com a burrice de Bin Ladem, de pequenos ditadores espalhados pelo mundo, conta com o apoio de grandes empresas que acreditam na engenhosidade da Máquina-Trabalho, está de mãos dadas com os governantes, os líderes e os traficantes. São muitos os colaboradores dos chatos e dos burros.

Uma revolução planetária está em marcha. A revolução dos Burros e o complô dos Chatos. Ambos se identificam. Trocam confidências, bilhetes, experimentos, idéias, sugestões, armadilhas. Suspeitam uns dos outros, mutuamente e solidariamente. São dignos dos mais profundos e sinceros votos de felicidade. Sempre estão nos melhores postos, adquirem as melhores condecorações, fazem pouco pelo OUTRO, mas fazem muito pela Máquina-Trabalho. Seus discursos são inflamados e desejosos de grandes triunfos, além de mostrarem-se solícitos em favor do OUTRO, mas apenas se mostram, pouco por ele fazem.

Para eles, tudo deve ter um dono. A começar pelo próprio mundo. Depois as ciências, a tecnologia, o ensino, a academia, as coisas, os bens, a vida, a morte, o destino. Tudo deve e precisa de um dono, pois de outra forma, perderão o controle e o controle é tudo que lhes resta para nutrir sua consciência de cérebros de ostra marinha. Com o controle, os chatos, sócios dos burros, estarão seguros como em uma redoma, purificados e isolados, numa relação anticéptica com o OUTRO HUMANO.

O OUTRO será afastado das suas relações, cabendo a ele as migalhas, a escravidão, a obediência ao Trabalho na Máquina-Trabalho. São donos de bilhões de escravos que se convenceram da sua própria escravidão, os trabalhadores compulsivos, obrigados a, forçosamente, enriquecer os nababos da chatice transcendental. São donos dos fiéis, das virgens, das viúvas, dos mendigos, dos estudantes, das matronas, dos políticos e dos seus partidos, são donos da alma dos consumidores.

Dessa forma, o mundo se torna uma chatice, uma horrenda e macabra peça de um ato só, solene e enfadonha, cujo roteiro básico é somente composto de um tom, de um ritmo, de uma nota. A canção esquecida de uma nota só. E assim, o mundo gira e a roda da existência fica cada vez mais pobre.

Agora mesmo, neste domingo de mormaço e tédio, a humanidade se mobiliza contra a guerra. Milhões estão nas ruas, pedindo pela paz. Espero que a humanidade não se esqueça dos chatos protagonistas dessa dolorosa petição pela paz. Não há entre eles ingênuos ou inocentes. De ambos os lados vemos atrocidades e injustiças, confinamentos e exploração.

Os chatos que comandam os destinos de vida e morte da humanidade humana, sentem-se regozijados pelo fato de haver milhões de suplicantes com a intenção de clamar pela paz.

A Máquina-Trabalho não se cansa de manter acesa a desconfiança, a destemperança e a fofoca. Os meios de comunicação de massa se enchem de chatos que vociferam contra os pacificadores. Querem a guerra, adoram a guerra. Os chatos se sentem masculinizados com a guerra, suspeitam de sua condição, por isso esperam e anseiam pela guerra.

Os burros financiam a guerra e os chatos a promovem? Será exatamente o contrário? Todos querem a morte, a morte anunciada de um viajante solitário que se imiscuiu na intrincada rede da vida: o homem. Querem aniquilá-lo, pois os chatos e os burros não suportam o homem e a sua humanidade. Querem destituí-lo de qualquer direito e promovê-lo a simples destinatário de sistemas que mantenham lubrificada a sociedade da Máquina-Trabalho.

Contra esses urubus, vampiros sociais, é preciso protestar e denunciá-los na banca internacional. É muito pouco, mas é necessário que se façam tais reflexões sob pena de vermos a história ser carcomida por essas bactérias humanóides, os chatos e os burros. Nossos historiadores devem se debruçar sobre o começo de tal revolução e do complô arquitetado para tomar o poder planetariamente. Muitos dos pobres e miseráveis estão sob ditaduras religiosas, outros sob a forma dos Estados que promovem a proteção da sociedade do Trabalho. A escravidão ainda é um fato para bilhões de seres humanos, condenados a se submeterem a condições inumanas em suas relações sociais.

Não é possível que todos estejamos sob a égide de tamanhos chatos e burros. Sofremos as agruras de uma epidemia. A Máquina-Trabalho, com os seus sócios, tritura as mentes e os corpos, dissemina suas idéias e compra governos, submete os pobres e isola os críticos.

Mas ainda há os que se levantam e proclamam a liberdade. Como bem disse Heidegger, "a essência da verdade é a liberdade".

A tarefa é hercúlea e deve ser enfrentada. Como filósofo, também me encontro em uma encruzilhada, devo ser prescritivo e ditar as regras e as normas a partir do que vejo e problematizo? Ou, por outro lado, devo fazer emergir a angústia de deixá-la percorrer seu curso natural e dela fazer parte quando assim sentir?

Sim, é possível que este mundo, com este modelo social se tornasse o que é sem o Trabalho, penso nisto com afinco e desejo que haja maiores espaços para a redescoberta de nossas possibilidades sem o Trabalho, uma vez que este está no seu fim.

Fevereiro 2003

Atanásio Mykonios; Formado em Filosofia

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