A REPÚBLICA DO TRABALHO

A chamada sociedade pós-industrial ainda não tem como característica definitiva a sociedade do não-trabalho. Ainda que possa parecer como uma certa obviedade o fato de o mundo viver em plena era pós-industrial, tal fato não significa, entrementes, que essa sociedade veio a ser um modelo não mais baseado na forma coercitiva do Trabalho.

A sociedade industrial caracterizou-se, indubitavelmente, pelas relações do Trabalho. Toda ela se moldou, às duras penas, pelo fórceps do Trabalho abstrato. Cada milímetro de rua, de quadra, cada gesto da nova cultura, cada desejo, cada ínfima expressão coletiva ou mesmo individual, tinha como pressuposto a sociedade do Trabalho. Nada do que se alcançou ao longo de mais de dois séculos teve tamanha repercussão na vida cotidiana da humanidade.

Na República do Trabalho, o Trabalho Abstrato converteu-se em res-pública mas não necessariamente para todos. Os cidadãos na Republica do Trabalho foram levados a crer que o Trabalho seria de domínio público, socialização da exploração, e mesmo ao mais afoitos detratores do capital-valor não se isentaram da defesa do Trabalho coercitivo para as massas.

A vida dos homens e das mulheres, das crianças e dos velhos foi devidamente regulada pelo Trabalho. As rotinas diárias, os compromissos, os tempos medidos, a organização das cidades, a sincronia dos movimentos, tudo, essencialmente nos centros urbanos, foi regulado pelo Trabalho. Como bem salientou Alvin Tofler, o mundo moderno foi construído a partir da fábrica, por meio dela e se espalhou para todas as instâncias sociais. A política, os Estados, os movimentos sociais, além das pequenas e fúteis necessidades estavam de vez determinadas pelo Trabalho.

Até mesmo o acasalamento foi regulado pelo Trabalho. O prazer sexual, o namoro, a aproximação, o desejo, todas as etapas da afetividade amorosa se tornaram reféns do Trabalho. Sem Trabalho não se casa. Sem Trabalho não se pode praticar sexo seguro. Sem Trabalho os homens não podem mostrar a sua masculinidade. Em outras palavras, o ritual de passagem para a vida adulta consistia em adquirir um Trabalho e fazer-se auto-sustentável.

O Trabalho foi capaz de introduzir relações das mais diversas, e nele, as pessoas se viam como que dispersas, vivendo um momento difuso e, ao mesmo tempo, inseridas num contexto do qual não havia muita escolha. Foram tragadas pela miserabilidade das relações. Estas se tornaram próximas e desgraçadamente, alienantes, consumindo e consumando as pessoas.

Todos pareciam como a viver um outro horizonte. Estavam no Trabalho, mas era como se esperassem pelo paraíso. Era como se aquela condição mortificante e mórbida representasse um passaporte para um futuro pleno de realizações. Todos fingiam disposição e presteza, suportavam as agruras e o peso de uma responsabilidade que não lhes dizia respeito, apenas para garantir alguma forma de ganho ou, na mais das vezes, uma compensação estúpida e inumana.

A estrutura coercitiva do Trabalho rapidamente se espalhou por toda a vida social e produtiva. Em cada escritório, repartição, em cada oficina e fábrica, em cada colégio e nas igrejas, a estrutura do Trabalho ganhou uma tal forma que moldou a vida das pessoas, determinou a sua conduta, modificou comportamentos, especificou tratamentos, escolheu e dividiu, atribuiu e subtraiu.

Com o passar do tempo, as relações no Trabalho se especializaram. Múltiplas facetas emergiram da necessidade de sobrevivência psicológica. As pessoas, obrigadas a conviverem com outras, muitas vezes confinadas, criaram condicionamentos diversos para suportarem a sua angústia. A angústia se refletia em uma neurose coletiva, filtrada pelos mecanismos de controle coercitivo da sociedade.

O tempo passou a ser medido em função do Trabalho. Passado, presente, futuro. Todas as realizações e todas as projeções humanas eram instaladas no seio das pessoas por causa do Trabalho. O tempo se tornou peça importante na decoração social. O tempo precisava ser ganho, ser conquistado, domado. Com o tempo, a fábrica criou sua engrenagem de produção e controle. Com o tempo, todos foram obrigados a entregar suas vidas para o bem de uma sociedade cujo argumento fatal era a própria perda de tempo como sinônimo de inutilidade, de ineficácia total.

Em pouquíssimos lugares de Trabalho, as pessoas se sentiam confortáveis e livres. Geralmente havia como que um torniquete a pressioná-las para o cumprimento de determinadas tarefas. Tais tarefas conduziam as pessoas a um crescente descontentamento. Por outro, a própria aglomeração de pessoas diferentes, com histórias diferentes e leituras culturais diferentes, em um mesmo lugar, com o objetivo de realizarem tarefas, exigia uma grande capacidade de resignação, controle emotivo e uma grande dose de desprendimento em nome de uma suposta satisfação posterior, que vinha em forma de pagamento.

Até hoje, em todos os ambientes de Trabalho, as relações são desgastantes. Mesmo se houvesse uma isonomia nas condições de Trabalho ou de divisão de tarefas, assim mesmo as pessoas estariam, como ainda estão, digladiando-se diariamente.

A inveja, a maledicência, a falta de caráter, a conspiração, o dolo, a mentira, a manipulação, a insatisfação, a morbidez, a astúcia, o tirocínio, a malandragem, todos estes adjetivos e substantivos rondam o cotidiano das pessoas no Trabalho. Muitos procuram se defender, outros partem para o ataque, muitos se controlam, há os que rompem a tênue fronteira do equilíbrio e se atiram no descontrole. Muitos tentam fingir que não há outra alternativa.

Enquanto o mundo agoniza por causa do Trabalho, alguns enriquecem criando técnicas de convivência. Outros estimulam a "criatividade" dos "colaboradores" das empresas. Muitos ainda são tratados como cães de guarda. Há os que se deixam dominar, os que se matam por causa do Trabalho, os que fazem do Trabalho sua única razão de existência. Há também os que preferem fazer exatamente o que a Máquina-Trabalho exige.

Aliás, sempre há os que procuram conhecer, minuciosamente, tudo o que a Máquina-Trabalho quer de seus trabalhadores. São pessoas atenciosas, prontas a cumprir seu dever "cívico" em favor do Trabalho e da Máquina-Trabalho. São pessoas que se submetem incondicionalmente a qualquer forma de exploração, desde que a elas sejam dadas, ao menos, algumas migalhas da sociedade da Máquina-Trabalho. A felicidade de milhões de pessoas depende do Trabalho. Em última instância, imaginam que o seu futuro depende "do seu Trabalho".

A corrida pelo Trabalho envolve esforço, dedicação, sofrimento, dor, rancor, frustração, medo, angústia, desespero, terror, horror. Muitos se submetem a formas horripilantes de Trabalho, aceitam qualquer coisa, lutam por um lugar, como o rebanho que tenta passar pelo rio e os crocodilos à espreita.

Mais e mais, como um exército à espera de uma guerra que não chega, os trabalhadores da Máquina-Trabalho, exercitam-se, treinam, preparam-se, a fim de encontram um novo lugar, uma nova e exaustiva tarefa. As pessoas adaptam-se com razoável facilidade. Acomodam-se a tarefas sempre novas. Alguns dizem que a adaptação a novas tarefas no Trabalho significa que são promissoras, eficientes, eficazes, criativas e adaptativas. Os trabalhadores mergulham num poço sem fim, mas mesmo assim, há que lhes prometa o fim.

A cada dia, novas técnicas e novas exigências. A cada dia, novas formas para responder aos selecionadores. A cada dia, novas condicionantes. Tudo para azeitar a Máquina-Trabalho, manter os trabalhadores acesos, preocupados e dispostos a cederem quando for necessário. As técnicas nada mais fazem que manter "em forma" os trabalhadores especializados. Mas em todos os níveis de empregabilidade, as exigências são como que uma norma a ser cumprida, uma tal norma universal, necessária para o bom andamento dos negócios.

As academias, as escolas e a barafunda do ensino

Em uma corrida desenfreada pelo Trabalho, aparentemente vence ou sai na frente quem consegue o maior número de títulos. Os títulos são a condição para um mundo melhor. Dizem que agora a humanidade ingressou na era do conhecimento. Todos devem conhecer para trabalhar. O conhecimento está restrito às paredes herméticas do Trabalho. A concorrência por diplomas aumenta a cada dia. Todos devem possuir alguma forma de qualificação, até os lixeiros precisam portar diplomas.

Paradoxalmente, a Máquina-Trabalho nos diz que o conhecimento é a chave para o fortalecimento das relações sociais, da cidadania, da igualdade e do ganho substancial de salários. Com o conhecimento, todos sairão da miséria, todos adquirirão algum saber que lhes propiciará melhores e maiores recursos. A Máquina-Trabalho oferece uma contínua lista de tarefas renováveis, estimulantes e desafiadoras.

Todos esperam que a escola forme novos cidadãos, aptos a competirem em um mercado-de-trabalho cada vez mais voraz. Dessa forma, quanto mais o Trabalho mingua, mais se observa a procura por conhecimento a fim de garantir algum espaço na Máquina-Trabalho.

Nos países periféricos, em especial países como o Brasil, a academia se tornou um espaço privilegiado para a manutenção da Máquina-Trabalho. A especialização tem como meta guardar a faixa estreita dos que conseguem manter-se na sociedade do Trabalho. Ela mesma, a academia, pública ou privada, tornou-se o campo de grupos mantidos com o chapéu alheio. A academia pouco se interessa pela real condição da sociedade do Trabalho, ela quer manter-se a distância, aguardando os acontecimentos, criticando quando lhe convém e prescrevendo pílulas de sabedoria quando instigada.

Agora, como nunca, as autoridades esperam redimir a sociedade oferecendo maiores oportunidades de alfabetização. Seremos salvos pela sociedade das letras. Um bolo de letras para nos dar a impressão de que seremos melhores, mais felizes e mais desenvolvidos. Todos devem estar trancafiados nas escolas. Todos devem atravessar o caminho árduo do conhecimento para terem melhores chances, para serem pessoas "melhoradas" conforme o que os aristotélicos apregoavam em praça pública. O caminho do saber para usufruir das condições da Máquina-Trabalho que nos oferecerá cada vez menos trabalho abstrato, menos ocupação oficial, e mais mercadorias.

O caminho é a educação. Todos acham politicamente correto defender a educação para o Trabalho. A República do Trabalho investirá todos os seus esforços no condicionamento cego de milhões para serem uma sociedade do progresso. Sem se dar conta de que este progresso nos levou a uma encruzilhada de princípios. Estamos dando a uma forma de educação muito mais valor do que de fato ela merece. Nem a escrita nem a leitura são, de fato, sinônimos de desenvolvimento e valoração cultural.

Desenvolvimento

A dependência se alastrou pelo mundo. O desenvolvimento tornou-se sinônimo de devastação e depredação do ambiente. O termo migrou do século XIX, com o Positivismo, para o século XX, e nele se instalou por causa do Trabalho. Desenvolvimento passou a ser o nome dado ao maior número de pessoas empregadas na Máquina-Trabalho. Crescimento, progresso, são palavras que adquiriram o mesmo calibre social, a mesma perspectiva existência e material. Nada mais pujante que uma sociedade que dá Trabalho para o maior número de pessoas possível. No entanto, parece que nunca foi possível avaliar com clareza o que nos ocorreu e em certa medida, não nos damos conta de que o desenvolvimento nada mais era que o nutriente de um sistema que precisava expandir-se, quiçá, ao infinito. O sistema da sociedade do Trabalho.

O desenvolvimento foi uma idéia cara para ambos os lados. Esquerda e direita acreditaram no desenvolvimento, apostaram suas fichas, construíram enormes cassinos para bancar suas idéias. Progresso, aliado à tecnologia, com a marca indelével do Trabalho, tudo para garantir a Máquina em funcionamento. Todos, no desenvolvimento, têm o direito o Trabalho. Somente no desenvolvimento, leia-se crescimento, os homens e as mulheres poderiam manter-se empregados.

Mesmo agora, com uma eminente queda do Trabalho, nossos países miseráveis acreditam que está nele, no Trabalho, a única fonte de salvação para milhões ou até bilhões de seres humanos.

Foi a sociedade do Desenvolvimento que depredou intencionalmente a natureza. Em todos os lugares em que se via, ao longe, uma chaminé, lá estava o sinônimo do Desenvolvimento. Cada pessoa se viu compelida a defender as conquistas do Desenvolvimento, de dar-lhe guarida na modernidade. Foram tragados pela sensação de vôo eterno em busca do Éden dourado do progresso.

O Trabalho foi a mola mestra do Desenvolvimento. Precisamos de Trabalho! Diziam os entusiastas do novo modelo. Enfiavam goela abaixo as determinações de uma sociedade sequiosa por uma vida insuflada de mecanismos, engrenagens, estruturas, treliças, sistemas, tempos e métodos. O presente se tornara a projeção para coisas sempre melhores.

O melhor estava por ser construído. A construção passou a ser o termo da moda. Tudo devia ser construído, arquitetado, planejado ao limite da exaustão. Todos deveriam fazer parte dos novos padrões. Trabalhar para o desenvolvimento, uma pista infinita que levaria a humanidade ao topo, um topo indefinido, nebuloso, mas que fazia parte do ideário de todos os Estados modernos de inspiração ocidental.

Mas houve um preço inimaginável a ser pago pela humanidade. Não bastasse a sociedade do Trabalho, os Estados e as elites modernas aproveitaram-se da enorme dependência gerada pela Máquina-Trabalho e basearam seus projetos na consolidação de modelos exploratórios de grande envergadura, submeteram bilhões a um infortúnio sem precedentes, sugaram, como bons e modernos vampiros, a Terra, seus recursos, seus bens, suas culturas e seus povos. Promoveram uma devastação tão ao gosto do modelo de Desenvolvimento, cegamente posto em marcha.

Durante longos anos, a humanidade não se apercebeu do que viria a acontecer com os recursos que lhes foram graciosamente entregues. Tudo que está em torno ao homem é um presente, é dado, é algo que está aí. Porém, o presente humano está eivado de passados e futuros, somos como que atirados para frente, insatisfeitos, intolerantes com o presente e daí a ansiedade quase eterna de buscar, alcançar, "transformar" a todo custo o que nos foi dado.

Com os velhos e honestos marxistas, convencemo-nos de que tudo está aí para ser mudado de lugar, transformado em sua essência, trocado, substituído, se for possível. A Máquina começou a fazer este papel muito bem. Com a Máquina, o Desenvolvimento estava em mãos seguras, as mãos mecânicas e depois eletrônicas, que nos possibilitaram uma mudança das coisas, as mudanças próprias de uma concepção do Devir.

Fomos então mergulhados no Devir tecnológico, no Devir instantâneo, no Devir automatizado, que previa, calculava e podia nos dar a direção e a rota do movimento. Acreditamos piamente no movimento e nele nos embrenhamos como conquistadores em busca do ouro perdido, e nesta busca do ouro perdido, perdemos, literalmente, o outro.

No movimento, nos deixamos envolver pela sedução da Máquina. Não podemos, neste ponto da reflexão, simplesmente reduzir a Máquina a um amontoado de sucata. Não é esta a intenção, uma vez que com a Máquina, pudemos realizar nosso grande sonho humano, que era o de nos afastarmos, gradativamente, da fadiga física, da dor em carregar pedras, do sofrimento em projetar pontes e ver muitos humanos perecem na sua construção.

A Máquina, ao mover-se, criou em nós a ilusão da ação. A ação metabólica com a natureza foi deixada nas engrenagens da Máquina. Mas nós não deixamos de agir, pois em toda relação humana há a ação da qual se realiza o homem, com a qual o homem é, sem qual ele não "existiria". E o Devir se tornou um deus, como um fim sem si mesmo, ora tenso, ora perverso, ora destruidor, ora maniqueísta. No Devir, ainda estamos e nele permaneceremos enquanto houver em nós a relação histórico-temporal determinada pelo nosso próprio pensamento e por suas operações, por sua sucessividade e simultaneidade, pela temporalidade substancial imposta pela linguagem, e na medida exata da nossa estrutura humana, social, política, econômica, religiosa e cultural.

Há um paradoxo, mas que tem um ponto de síntese. A Máquina não pode ser o Outro. A Máquina deveria nos libertar para que pudéssemos nos aproximar do Outro, com toda a sua potencialidade e sua força de realização e expressão. Tendemos, talvez por imposição de nossa condição social, a estruturar sistemas, a condensar as relações, a criar caminhos que nos levem a uma essência, a uma determinação estática das coisas. Não há como negar que, em muitos casos, gostaríamos de ver o tempo parar, de ver o Devir se desvanecer e encontrar um lugar seguro, quieto, meio sonolento, que fosse como um refúgio para as mazelas do movimento. Haverá um tal lugar?

Somos instigados a recusar as relações estranhas da sociedade contemporânea. Temos uma certa dose de ojeriza quando nos deparamos com o Mercado, a exploração, o lucro, os juros, os negócios, a movimentação financeira, a rotina das empresas, as grandes cidades, o barulho, a fumaça, a velocidade das comunicações e das imagens. Sentimos calafrios quando nos vemos diante do Desenvolvimento. É fato, mas não explica tudo.

Há em nós essa duplicidade, essa ambigüidade que nos remete a um sofrimento de calabouços, a uma dor lancinante em câmara de tortura, como se estivéssemos numa masmorra, incomunicáveis, aterrorizados e prontos para a destruição.

É certo que a idéia moderna de Desenvolvimento ainda permeia a pós-industrialização. É certo que este modelo foi responsável pelo sofrimento e pela dor de bilhões, esmagados, triturados, pisoteados pela Máquina-Trabalho, sem piedade. Mas cabe a nós a crítica de todos esses modelos e nos cabe termos a clareza e a distinção de que nossas próprias angústias e nossas intenções podem esconder um mundo imaginário que queremos construir, também ele, fruto de abstrações e incongruências tamanhas, que poderemos, no futuro, reproduzir as mesmas injustiças e os mesmos horrores experimentados há mais de 270 anos.

A corrida pela sobrevivência é tresloucada.

Mesmo assim, há um contingente massivo de pessoas que não consegue se adaptar. São os chamados "excluídos". Mas estes também fazem parte da Máquina-Trabalho. Partindo do principio da não-contradição, é lícito pensar que no sistema não há excluídos. O que percebe-se é o menor ou maior grau de aproximação com o núcleo da Máquina-Trabalho. De uma forma ou de outra, os que estão mais próximos ou mais distantes, fazem parte – todos – do processo triturador da Máquina-Trabalho. O sistema absorve a todos, os "excluídos" nada mais são do que aqueles que foram afastados do processo central, mas vivem na margem, sem poderem, ao menos, criar um novo sistema. Se pudessem criar um novo sistema, então poderíamos dizer que são, de fato e de direito, excluídos. Fazendo parte da Máquina-Trabalho, ainda, são vítimas enclausuradas da miséria, pois a miséria é o lado dependente do Trabalho.

Somente o Trabalho, organizado a partir da sociedade industrial, foi capaz de criar e manter populações inteiras à mercê do próprio Trabalho. Os mendigos, os vendedores ambulantes, os desempregados, os trabalhadores informais, os meliantes, os contraventores, todos, em suma, fazem parte de um mesmo sistema aterrorizante: o sistema da sociedade do Trabalho.

Herança perversa

A característica colonizadora da América Latina baseou-se no modelo escravocrata, cujas heranças nefastas se verificam até hoje, especialmente no que se refere à relação de trabalho. Os nossos trabalhadores se tornaram, por natureza de sua condição, suspeitos, talvez por serem, em sua grande maioria, oriundos dos escravos. Mas as relações sociais e de Trabalho pautam-se pelas regras sub-reptícias da escravidão. Em qualquer oportunidade que se apresenta, as empresas e os empregadores fazem questão de manter a relação com os trabalhadores num nível legitimado de suspeição. De tal forma que os procuradores de Trabalho, (objetivo ou abstrato), fazem-no em uma condição de extrema penúria psicológica e indigente.

Quanto mais avançam as técnicas de controle de pessoal, maiores são as suspeições impostas aos procuradores de trabalho. Não há qualquer forma de concessão. Não há qualquer possibilidade de se ter uma relação igual. Não pode haver relações iguais entre empresa e procuradores de Trabalho.

Mesmo assim, os procuradores de Trabalho e os já ocupados, transferem às empresas uma dose elevada de afeição. Com o tempo, as pessoas se apegam demasiadamente ao emprego de sua força de trabalho. Com o tempo, as empresas passam a ser consideradas como verdadeiras mães, cujo seio pode amamentar a todos, indiscriminadamente.

A escravidão deitou raízes tão profundas em nosso comportamento que se torna difícil para um europeu ou um norte-americano, constatar tamanha submissão dos procuradores e dos ocupados ao mercado e às suas respectivas empresas.

Para um trabalhador, basta que aceito o que lhe oferecem e que obedeça com muito boa vontade. Ininterruptamente, os meios de comunicação transmitem essa mensagem de maneira sutil, noutras vezes agradável, mas sempre com um forte conteúdo coercitivo. A coerção e coação quanto à manutenção da sociedade do Trabalho, em uma sociedade ainda com características escravocratas é de tamanha grandeza, que os meios de comunicação se tornam parceiros indispensáveis para que a Máquina-Trabalho sustente parte considerável das elites.

As elites nacionais dos países latinos não sabem viver de outra forma se não explorar duplamente as suas próprias populações. São predatórias, estúpidas, ignorantes, selvagens. O Trabalho, para nós, e também em especial para os brasileiros, nada mais é que a forma única de viver. Todos se reconhecem no Trabalho porque ele é a garantia da sobrevivência. Com o Trabalho, as multidões, de alguma forma difusa, imaginam fazer o que seus patrões esperam que elas façam. Uma doce e sublime obediência em favor do Trabalho.

A submissão ao extremo. Não se pode imaginar outra maneira de ver as coisas por essas paragens. O Trabalho é a fonte da existência, sem o Trabalho as multidões sentem-se inúteis e desprendidas de suas elites. É preciso que as elites dêem às multidões o que elas mesmas negam para si, ou seja, o Trabalho.

Mas as sociedades escravocratas também criaram uma resistência silenciosa. A resistências dos escravos que não se deixam enganar por muito tempo. Aquilo que comumente as elites chamam de indolência. Mas a indolência é a resistência de quem vê claro e distinto o que lhe acontece. Dessa forma, uma parte dos "trabalhadores" de fato se recusa a "trabalhar". Sabe que seu esforço sempre será inútil, em quaisquer circunstâncias. Nunca haverá qualquer forma de "agradecimento", "gratidão", "respeito" nem mesmo um ganho razoável para a sua subsistência.

Os que não querem jogar

Por outro lado, há os que jamais entenderam a atitude dos que não querem pertencer a essa Máquina-Trabalho. São os que se contentam com o que possuem, não almejam, não são ambiciosos, não lutam por melhores condições, não se interessam, não se mexem, não "progridem". Esses são vistos com desdém. São ridicularizados, marginalizados, postos na geladeira social.

Para esses, o jogo não lhes interessa, não há motivações suficientes. Muitos deles não sabem jogar, não aprenderam e jamais serão capazes de participar do jogo da Máquina-Trabalho. São os denominados "perdedores". Alguns conhecem o jogo e se recusam a jogá-lo. Outros, por motivos diversos, não se coadunam com o jogo ou com os jogadores.

Esse tipo de gente se espalha por todos os cantos, são velhos, jovens, mulheres, adolescentes, adultos. Gente que se perde no emaranhado das cidades, que se esconde com vergonha de não querer participar do jogo.

Eles se tornaram uma voz que ecoa pelos desertos urbanos, que penetra na consciência das relações. Eles simplesmente não pertencem ao jogo, muitos, aliás, sofrem por não terem o "dom" de saberem jogar o jogo da Máquina-Trabalho. Aqui e ali, muitos adoecem, perdem seus referenciais, são triturados, esmagados, vilipendiados, suas consciências são seqüestradas, suas identidades roubadas em nome da sociedade do Trabalho. São pessoas que não conseguem competir, não foram talhadas para isso. Alguns, serenamente, admitem não concordar com o jogo da Máquina-Trabalho. Muitos deles submetem-se por obrigação contratual, de sobrevivência ou por algum motivo relacionado à aceitação social.

Em qualquer modelo social em cujas relações são de confronto, haverá os que precisarão de proteção, de carinho, de afago. Mas a sociedade do Trabalho lhes nega qualquer conforto, a sociedade do Trabalho exige confronto, competição, esmagamento dos oponentes, em nome da moral social empregada para manter a Máquina-Trabalho.

O vazio

Fomos compulsoriamente acostumados a sermos determinados pelo tempo do Trabalho, do trabalho abstrato, funcional, estereótipo da categoria abrangente da existência humana. Nada se fazia sem que o tempo não fosse contado em termos de Trabalho. Tudo deveria ser preenchido e organizado a fim de prosseguir com a explicação como um fim em si mesmo.

Provavelmente, antes das relações imbricadas promovidas pela sociedade do Trabalho, os vazios não existiam, talvez nem sequer podiam existir como categoria existencial na vida prática das pessoas. Mas com o tempo do Trabalho, com o preenchimento compulsório e obrigatório, tudo deveria ser prenhe de atividade geradora de valor.

Quando sentávamos à beira das calçadas, como nossos cabelos longos e nossos cigarros amassados, tudo ao redor parecia um grande vazio, um vazio mórbido que cheirava a éter, com a função de não deixar o corpo social corromper-se por completo. De outra forma, o vazio se instalou com a lacuna deixada pelo "tempo livre" e pela obrigação de estarmos constantemente em atividade produtiva. Nossa mente não poderia jamais mergulhar no "vazio" de alguma coisa, pois ele só tinha sentido e ainda somente tem sentido na relação com o Trabalho.

Para muitos de nós, estar no vazio representava e ainda quer dizer morte. Apenas o Trabalho com a sua sociedade manipuladora seria, de fato, sinônimo de vida, plenitude, atividade, movimento incessante a caminho da realização do mola mestra do mundo burguês.

Agora, o vazio está em toda parte, cada vez mais, estamos destinados a um vazio temporal em virtude da nossa escassez de Trabalho abstrato, de Trabalho mortificante, de Trabalho produtivo e incriado. O vazio que não pode ser uma alternativa de experiência originária. Somos determinados a promovermos a divisão entre o sujeito, que somos nós, e o mundo dado e circundado.

O vazio de nossas gerações destina-se a permanecer vinculado a um preenchimento social, da responsabilidade cidadã, da produção, da ocupação a todo custo dos tempos e dos espaços. É preciso preencher a mente com operações e reproduções, é necessário manter a mente ocupada com a sociedade das mercadorias. Nossa obrigação é estarmos alertas, como bons e saudáveis escoteiros para trabalharmos em favor da Maquia-Trabalho. O único vazio permitido é o do tempo-livre, concedido pelo Trabalho abstrato em condições precárias de realização existencial. Agora nos cabe ocupar os espaços da mente para que sejam tomados pelas mercadorias e pelos bens.

No vazio instrumental e pragmático, não há o que fazer com a existência. Com a sociedade do Trabalho em vias de extinção, ainda haverá quem os que defenderão o fim do vazio para o bem das mercadorias.

A obrigação para com a mercadoria

Com a sociedade do Trabalho, a expressão mercadoria assume o seu apogeu. Tudo é mercado, tudo é mercadoria, tudo tem um preço. É evidente que tudo deve ter um valor, uma vez que a própria relação do pensamento com os objetos se dá através e a partir do valor. Mas o valor aqui atribuído à mercadoria só tinha sentido, para a sociedade do Trabalho, se partisse do Trabalho. Daí todos foram obrigados a trabalhar ou a viver à mercê de um suposto Trabalho para adquirir as mercadorias.

Não me parece que essa afirmação seja novidade, mas o fato é que graças ao Trabalho, os homens e as mulheres foram obrigados a adquirir mercadorias em nome da Máquina-Trabalho. No valor de troca baseia-se a sociedade do Trabalho, que vê no próprio dispêndio do Trabalho como valo, morto em si, mas que se mantém por força da expansão da troca, com o escopo de realimentar a Máquina que gira e cria mais necessidades.

Como bem afirma Robert Kurz, o fato de haver tempo livre, este se baseia exclusivamente no princípio próprio do Trabalho, seja ele abstrato ou objetivo.

Dessa forma, a mercadoria está em uma das pontas, enquanto o Trabalho noutra. Como mola, o valor, o dinheiro, a abstração que se torna poderosa, mas que depende, para efeitos mercadológicos capitalista-burgueses, de um forte engrenagem impulsionada pelo Trabalho.

Aqui, as mercadorias se instalam e ganham força, mas as pessoas foram convencidas, numa escala histórica progressiva, de que a obtenção das mercadorias dependeria exclusivamente da obtenção e a conseqüente manutenção do Trabalho.

Como uma imensa abstração que paira sobre o consciente e o inconsciente coletivo, o Trabalho é uma unanimidade. Nelson Rodrigues, nosso grande dramaturgo e cronista afirmou que "Toda unanimidade é burra!" De fato, unanimidade aqui representa a força de uma idéia que regula a vida cotidiana de bilhões de indivíduos. Somos nós que de alguma forma estamos envolvidos com o Trabalho, em suas conseqüências que limitam a realização da existência humana.

As massas eram guiadas pela miragem do bem-estar social. Conduzidas ao patíbulo a fim de serem sacrificadas em nome da sociedade do Trabalho. Como um rebanho cego, guiado pela abstração, foi lentamente esmagado pelas forças do mercado, sem poder reagir, reagindo conforme a sua natureza, a sua necessidade, criando formas reais de resistência ou procurou extravasar com gestos pífio de protesto, e até mesmo com gestos extremos de violência contra o sistema.

Contudo, no fundo de sua alma, a massa desejava o sistema, melhor: desejava os frutos do sistema, que são, na sua superficialidade visível, as mercadorias. Quantos classe média não desejariam nadar no mar das mercadorias sem ter de "trabalhar" para obtê-las. Numa sociedade em o Trabalho finda lentamente a cada dia, o próprio sistema, sabedor de que não poderá oferecer essa forma de exploração – o Trabalho – mantém viva e acesa na alma das massas e das minorias, as relações da Máquina-Trabalho, a fim de que a sociedade das Mercadorias subsista a qualquer custo.

A agonia se intensifica, na medida em que as mercadorias estão expostas nos balcões da indigência humana, e na medida em que o Trabalho se esvai pelo do tecido social, tão duramente construído pela sociedade industrial de massas. Agora, o sonho é encontrar fórmula de garantir o acesso às mercadorias sem precisar "sujar as mãos" com o Trabalho.

Para muitos, a solução ainda é o Trabalho honesto. Se recuperarmos a sociedade do Trabalho, poderemos garantir o acesso às mercadorias. Se recuperarmos os Estados, poderemos garantir a distribuição das mercadorias. Uma vez que a tecnologia nos dará o paraíso almejado pela humanidade, desde que nossos ancestrais desceram das árvores para caçar e matar, saberemos o que fazer com o Trabalho, com o Estado e com a cidadania.

Nossa responsabilidade social, de agentes do Trabalho, de produtores e reprodutores da Máquina-Trabalho, parece apontar, necessariamente, para a mercadoria. As mentes sociais tornaram-se embotadas e ponto de entender apenas uma via do processo. O sistema, para a maioria das pessoas, baseia-se no fato de que o caminho parte do Trabalho em direção à Mercadoria. Nada parece ser capaz de impedir essa trajetória.

Os desafios da contradição

Mas surge o impasse no momento histórico em que o sistema entra em contradição, no momento em que a abstração mor começa a claudicar exaustivamente, é quando a tecnologia se insere de maneira exponencial no processo produtivo e reprodutivo. Agora o Trabalho está ameaçado. Talvez não se extinga totalmente, o que ainda fará verter ondas contínuas e cíclicas de defesa da Máquina-Trabalho, mas que a cada vez, será com menor intensidade e maior distância dos paradigmas da sociedade do Trabalho.

Precisaremos, então, encontrar formas de entender as novas e possíveis relações entre a vida, o valor, a troca (se houver) e a identidade do consumo.

Precisaremos compreender e nos aprofundar nas diversidades quanto à organização social, à distribuição do poder, ao caráter político do cidadão pós-industrial, teremos de avançar na reflexão sobre os destinos da justiça e da sua distribuição.

Precisaremos nos debruçar sobre as fronteiras que se abrirão em virtude do fim da sociedade do Trabalho. Deveremos empreender uma investigação exaustiva a respeito da constituição do Estado, da sua obsolescência, da sua estrutura formal baseada nos paradigmas da sociedade da Máquina-Trabalho. Viveremos uma nova e promissora era ou talvez uma débâcle total a caminho da derrocada da própria espécie humana como projeto de si mesma.

Necessitaremos ampliar nossos horizontes culturais, a fim de nos aproximarmos de outras leituras de tempo, de espaço, de outras leituras quanto ao homem e à sua totalidade na totalidade da existência e da sua relação com a natureza.

Seremos compelidos a colocarmos em pauta a liberdade como uma construção da realização dos povos. Seremos exortados a reconstruir conceitos ou de dialogar com as novas realidades, a fim de que o poder se torne um crítica constante para as gerações que se aproximam.

Seremos obrigados a conviver e a superar os limites da relação homem-tecnologia-ciencia. Seremos obrigados a conviver com os avanços tamanhos conquistados pela humanidade. E seremos desafiados a colocar nossa estupenda imaginação a serviço dos povos, para que os avanços experimentados pela sociedade que ora entra em processo de transição, não se percam e ganhem em qualidade, com saltos que vislumbrem a totalidade humana.

Teremos a obrigação de não retroceder para uma era em que seria impossível manter a humanidade, com o risco de extingui-la totalmente. Seremos compelidos a transformar nossas energia morta em energia para vida na sua totalidade, no seu processo originário, que nos faz ser existentes e não seres maquinais, determinados por uma circunstância abusiva abstrata.

Mas também deveremos reconhecer os avanços promovidos pela humanidade e reconhecer, como nosso próprio cabedal, a elevação de nossas relações aos níveis de abstração que não se contêm apenas com meras clausulas de leis punitivas. Nossas relações continuarão a existir em qualquer circunstância, seremos uma humanidade que se projetará sem mais para as suas próprias possibilidades, pois somente a humanidade traz em si alguma forma de realização provável.

Teremos de nos confrontar com a nossa riqueza e a nossa miséria, teremos de nos confrontar com os limites dos recursos colocados à nossa disposição. Obrigatoriamente, superaremos as misérias de uma sociedade burguesa para ingressarmos, quando em tempo indefinido, em relações de liberdade e de consciência.

As diversidades culturais e, principalmente, os limites institucionais das religiões deverão ser enfrentados, aqui, o desafio será maior pois nos é colocado um grave problema que requererá de todos um esforço de superação, posto que serão colocados em questão os limites de atuação das religiões em uma sociedade que caminhará para a quebras das amarras institucionais.

A República envelhecida

A sociedade do Trabalho desvanece lentamente. Por todos os lados vivenciamos os sintomas desse desvanecimento. O preço é deveras doloroso e cruel. Os pobres são atirados à arena do mercado tresloucado, nossos esforços, principalmente em países periféricos, é de salvar os trabalhadores, alfabetizá-los, arranjar ocupações, forçar as crianças ao ensino obrigatório, determinar coerções para pais que não tiveram acesso à escola, garantir privilégios como se o mundo fosse acabar amanhã de manhã.

A República do Trabalho tenta republicar as categorias da mais-valia, do emprego a todo custo, de promover políticas públicas que mascaram, até mesmo inconscientemente, a ânsia pelo Trabalho. Queremos superar o modelo burguês com a reprodução da abstração, botando todos no mesmo saco furado, alimentando esperanças para os menos incluídos, guardando riquezas e poupanças para adquirir bens de consumo e bens duráveis.

Nossa ética é a ética dos comerciantes, obrigados e praticar o egoísmo solidário, a desenvolver formas de proteção individual, mesmo que nossos discursos permaneçam sob as nuvens do cinismo público e coletivo. Essas obrigações podem nos induzir a pensarmos que em todo esse processo, não passamos de vítimas ponderadas e bem cuidadas. Mas, de certa forma, aqui nos colocamos como algozes, alimentadores dessa Máquina-Trabalho que rói os cordões dos nossos sapatos, deixando à mostra as meias furadas.

As potências não desejam outra coisa que garantir seu quinhão, sugando o ambiente de seus recursos e vampirizando as populações indefesas, em nome da sociedade do Trabalho. Os governos se revestem de mantos sacros a fim de promoverem o expurgo dos descontentes, perseguirem os opositores dessa República mal fadada.

A cidadania se converte em retro-alimentação das forças de Trabalho, ainda vivas, mas com o destino traçado: a cova social. A Máquina-Trabalho se esmera em continuar alargando uma possibilidade que no horizonte tardio da humanidade, não será mais como tem sido: o horizonte afrodisíaco das mercadorias, do mercado em si.

A República do Trabalho não verá muitas alternativas no futuro.

Deveremos superar a sociedade das mercadorias, da exploração social dos pobres pela Máquina-Trabalho, se quisermos atender aos apelos pela vida.

Março de 2003

Atanásio Mykonios, Formado em Filosofia

Brasil

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