Depoimento de José Manuel da Cunha Passo
Chamo-me José Manuel da Cunha
Passo e nasci a 13 de Setembro de 1925, em Mafra.
O meu pai chamava-se Manuel Joaquim
Baleizão do Passo e a minha mãe Aida Herculana Teixeira da Cunha Passo.
O meu pai era Oficial de Cavalaria e
foi, mais tarde, nomeado Presidente da Câmara e Administrador do Concelho de Mafra.
Em 1936 foi escolhido e nomeado para
desempenhar o cargo de Governador de Damão (na India Portuguesa) e, como é natural, a
minha mãe, as minhas irmãs e eu acompanhámo-lo.
A minha mãe faleceu, em Damão, em
1939, tendo sido sepultada na capela do cemitério de Damão depois de uma autorização
especial do Papa, porque era proibido, sem autorização especial, sepultar fosse quem
fosse dentro de uma Igreja.
Em 1941, o meu pai foi para Diu,
desempenhar o cargo de Governador e aí veio a falecer em 1948.
Entretanto, em 1942 fui para Goa, para
o Liceu (6º ano antigo), e em 1943 vim para Portugal Continental, Lisboa, para acabar o
Liceu.
No ano de 1944, entrei para a
Faculdade de Ciências, depois do exame de admissão à faculdade, exame esse que foi
instituído pela primeira vez nesse ano. Fui estudar Preparatórias Militares e Engenharia
Civil.
Em 1947, fui tirar o curso de Oficial
miliciano de Aeronáutica.
Em Janeiro de 1951, fui convidado para
prestar serviço militar; coisa que era a primeira vez que se fazia para os Oficiais
milicianos de Aeronáutica, o prestarem serviço militar efectivo, e estive nas Bases
Aéreas de Sintra e da Ota. Em 24 de Abril desse mesmo ano, tive um desastre de aviação
que provocou feirimentos que me fizeram estar internado 2 meses, e só ao fim de 10 meses
e a meu pedido é que fui considerado apto para o serviço.
Em 1954, na altura da junção da
Aeronáutica Militar com a Naval, fui um dos primeiros quatro aviadores militares a
prestarem serviço na Base do Montijo, que era uma Base Naval.
Também em 1954, fui convidado para ir
para a TAP onde contudo, por razões diversas, não fiquei.
Vim para casa, e fiquei inactivo.
Soube, entretanto, que ia haver
concurso para Inspector da PIDE (Policia Internacional e de Defesa do Estado). Acabei por
concorrer e, após provas extremamente exigentes, fui aceite. Éramos sete, ficámos dois.
Entrei para a PIDE em 11 de Junho de
1955, como Inspector nos Serviços Informativos. Aí permaneci até 1958. Nessa altura
transitei para os Serviços de Pessoal e Fronteiras.
Em 1961, fui colocado na Direcção de
Serviços de Investigação.
Em 1962, Novembro, fui promovido a
Inspector Adjunto.
Em 1964, fui nomeado Chefe do Gabinete
Nacional da Interpol e desloquei-me pela primeira vez à Assembleia Geral da Interpol
(Assembleias essas que se realizavam anualmente). Nesse ano foi na Venezuela. Durante essa
Assembleia, a Etiópia tentou levantar o problema da nossa presença nesta organização
invocando a nossa política Africana. No entanto, vendo-se sem apoio, o delegado daquele
país acabou por retirar o seu pedido.
Em 1965, fui eleito membro do Comité
Fiscal da Interpol, na altura eu tinha a designação de Comissário de Contas. Éramos
três elementos eleitos, anualmente, entre todas as polícias do mundo. Permaneci neste
cargo até 1969, altura em que fui eleito Vogal do Comité Executivo da Interpol, para um
mandato, com o apoio de Países Africanos, Asiáticos e Sul Americanos, para além de
Europeus. Éramos sete candidatos da Europa e o eleito fui eu, com mais do dobro de votos
que o segundo classificado. Era um dos três elementos representantes da Europa do Comité
Executivo e era o único Português a fazer parte de um organismo internacional, fosse de
que natureza fosse. Estive lá até 1972 e não voltei a concorrer a esse posto.
Entretanto, em 1967, tinha chefiado a
Segurança do Papa Paulo VI quando da sua vinda a Portugal. Devido à maneira como
decorreu a visita, o Governo Colombiano pediu ao Governo Português autorização para que
fosse um funcionário da Polícia Portuguesa à Colômbia (de preferência eu) para
organizar e chefiar a Segurança do Papa quando da sua ida aquele país. O Governo
Português deu autorização e eu fui para a Colômbia, onde estive três semanas.
Durante o período em que estive no
Comité Executivo, tive muito boas relações com quase todas as polícias do mundo e para
citar algumas, Argélia, Quénia, México, Congo, para não citar países da Europa e
outros mais que nos faziam «guerra».
Em 1972, fui nomeado Director de
Serviços de Investigação. Ainda nesse ano fui indicado como candidato à presidência
da Interpol, mas não fui eleito.
Vamos agora ao que interessa sobre
o «movimento dos capitães». Em 9 de Setembro de 1973, fui informado que o «Movimento
dos Capitães» tinha passado a ser controlado pelos comunistas.
A DGS tinha conhecimento do que se
estava a passar com esse grupo de pessoas. No entanto, devo desde já dizer, nunca foram
dadas ordens superiores, governamentais, para que tivéssemos uma actuação adequada à
situação.
Em 16 de Março de 1974, aquando da
«revolta das Caldas», eu estava em Paris, numa reunião da NATO.
Foi preciso a DGS dizer ao Governo que
os chamados revoltosos já estavam a caminho de Lisboa, para que o Governo acreditasse que
aquilo que estávamos e informar era verdade. A valentia desses homens foi comprovada
quando vinham a descer o Auto-Estrada para Sacavém, viram um pelotão da GNR em baixo
disposto a fazer-lhes frente. Deram meia volta e foram-se embora para as Caldas. Que
grandes heróis!
No dia 25 de Abril de 1974 estava em
Bruxelas numa reunião da NATO com o Subdirector da PIDE ou DGS (que nessa altura já
havia mudado o nome) Barberi Cardoso. Não regressei a Portugal. Estive exilado em Espanha
até Junho de 1981.
Uns dias antes, a 19 de Abril, antes
de irmos para Bruxelas, tivemos uma reunião, o Director Geral Major Silva Pais, o
Subdirector Geral Barbieri Cardoso, o Director dos Serviços de Informação Álvaro
Pereira de Carvalho e eu. Nessa reunião ficou assente o que se deveria fazer caso
houvesse alguma perturbação de ordem pública. Nessa altura, a
DGS assentava fundamentalmente em nós os quatro. Sabíamos que algo estava para
acontecer. Julgámos que o movimento dos capitães se desencadearia a 1 de Maio de 1974.
No dia 21 de Abril, Barbieri Cardoso e
eu fomos para Bruxelas, para uma reunião do Comité Especial da NATO. Talvez devido à
nossa ausência e esta é uma opinião meramente pessoal, o golpe foi antecipado para 25
de Abril.
Estranhamente, o Presidente do
Concelho, Marcelo Caetano, foi refugiar-se no Quartel do Carmo. Não eram essas as normas
a seguir. Deveria ter ido para Monsanto, de onde seria fácil uma evacuação e o controlo
do movimento. Uma opinião pessoal: Marcelo Caetano sabia que cairia, baldeado pela
esquerda ou pela direita: escolheu cair para o lado dos comunistas ou talvez tivesse
avaliado mal a situação e acreditado que as coisas se pudessem passar de modo diferente.
Havia também algumas movimentações
estranhas em prol de Spínola, mesmo dentro da própria DGS. O Inspector Superior Coelho
Dias e o Inspector Fragoso Alas estariam feitos com António de Spínola. Aliás, assim
que o poder
foi entregue a este general, ele nomeou
Coelho Dias Director Geral da DGS.
O golpe de 25 de Abril foi um
movimento controlado pelos comunistas tendo como fim a desagregação do Estado Português
com a «libertação» das Províncias Ultramarinas. Foi um movimento promovido pela
então URSS e apoiado pelos comunistas e socialistas portugueses. Aconteceu depois a
designada descolonização exemplar, de que, infelizmente, ainda hoje os povos
Africanos estão a sofrer os «benefícios».
Volto a dizer que a DGS sabia o que se
estava a passar, mas o Governo nunca nos deixou actuar devidamente.
Um pormenor curioso, as Províncias
Ultramarinas foram todas entregues a movimentos Comunistas.
O Portugal do Estado Novo tinha
fundamentos muito válidos e certos. Todavia, após a entrada de Marcelo Caetano para o
cargo de Presidente do Conselho de Ministros, passou a haver desmotivações em relação
a esses princípios, o que, junto com a imensa propaganda comunista e socialista, criou um
estado de contestação, embora dominado.
A DGS nunca teve problemas em
relação ao controlo dessas actividades. O que me parecia haver era, a nível de governo,
uma grande permissividade em relação a elas e falta de vontade para um combate eficaz a
este estado de coisas. Ora, a DGS não actuava por si própria, obedecia a ordens.
Lembro-me de um dia ter conversado, em
Madrid, com Tschombé, líder africano que viera secretamente a Lisboa falar com Salazar.
Ficara muito bem impressionado. Disse-me que Salazar o avisara para continuar a dizer mal
de Portugal, e para fazer qualquer coisa por nós. Mais tarde voltei a encontrar-me com
ele em Madrid, e avisei-o que poderia correr perigo. Não teve os cuidados que eu lhe
disse para ele tomar e acabou por vir a ser morto.
Sobre o regime actual o que hei-de
dizer? Nunca se viu tanta corrupção, tantos escândalos, como agora. Podem dizer:
antigamente também havia mas escondiam-se. Ora os comunistas e os socialistas que
dominavam e dominam a comunicação social tê-los-iam posto cá fora. E um exemplo que
temos é aquela coisa que se passou, e que agora chamam pomposamente Ballet Rose, em que
estariam implicados membros do governo, o que nunca se provou. Apareceu aí um sr. Moita
Flores a escrever um livro e uma série de televisão; depois veio dizer que aquilo não
era bem a verdade, que lhe tinham pedido era para fazer uma coisa romanceada. É claro que
no livro e na série de TV tinha que aparecer um Inspector da PIDE, quando nós da
Polícia, nunca tivemos nada a haver com o caso. É assim que se faz a história do 25 de
Abril contra a Polícia, aproveitando-se todos os casos para, mentindo, dizer mal desta
instituição. Isso não me parece honesto nem sério.
Eu fui ensinado que a concepção da
política era servir e não servir-se, como agora se faz em todo o lado. Não há
actualmente nenhum político que seja pobre; antigamente contavam-se pelos dedos aqueles
que eram ricos e mesmo esses já eram ricos antes de irem para a política. Ora isto
parece responder à ideia que tenho do estado das coisas.
E acho muita graça, para não dizer
outra coisa pior, falarem no «orgulhosamente sós», como se Portugal se tivesse posto ou
sido posto à margem. Nunca houve tempo em que tivessem cá vindo tantos Chefes de Estado
e Presidentes do Conselho como a partir de 1956,1957, por exemplo; Presidente Eisenhower,
Rainha Isabel de Inglaterra, Rei da Tailândia, Negus da Abissínia, Princesa Margarida de
Inglalerra, Presidente Café Filho do Brasil, Presidente do Brasil Juscelino Kubitschek de
Oliveira, Rei da Tailândia e até o Presidente Sukarno da Indonésia. Era o tal
«orgulhosamente sós». Eu visitei variadíssimos países, e sei que não sou ninguém,
alguns até diziam mal de Portugal, e não sei quê e não sei que mais, e no entanto era
lá recebido com todas as honras, como por exemplo: Marrocos.
Hoje somos um País mendigo sempre de
mão estendida. Vivemos à custa do que vem de fora.
Devo, no entanto destacar a grande
obra que o regime do 25 de Abril realizou: a Ponte 25 de Abril que conseguiu fazer em 24
horas, e com o dinheiro do Estado Novo!!!
O que penso do futuro do País? Vai
ser mau, muito mau, um dia a Europa vai deixar de dar dinheiro.
Os heróis da democracia? Antes nunca
tinham feito nada, depois enriqueceram à conta. Aliás, é muito corrente hoje a ideia de
que ser-se político é uma forma de enriquecer.
Quando se deu o 25 de Abril, a DGS
foi extinta e todos os seus funcionários incriminados. Eu fui julgado. Nunca fui preso e
só voltei a Portugal quando tive a garantia que não me faziam nada. Nunca me apresentei
no Tribunal, nunca lhes passei, como se costuma dizer, cartão, nunca lá fui.
Fui julgado e, segundo a sentença,
apesar de eu ter sido sempre muito cumpridor, um bom funcionário com serviços prestados
à Pátria, nunca ter feito mal nenhum, era condenado a 3 meses de prisão por única e
exclusivamente ser Director da DGS. Quando recebi a cópia da sentença, mostrei a um
Americano, que era o Delegado do FBI em Madrid, que me pediu uma fotocópia a qual mandou
para a América, onde se riram da maneira como se trabalhavam as coisas em Portugal.
Para provar a consideração que o
FBI tinha pela Polícia Portuguesa, pouco tempo depois da morte de Martin Luther King,
recebi um telefonema de Londres do representante na Europa do FBI dizendo que o Director
do FBI(Edgar Hoover) me queria pedir um grande favor, que era saber se um "tal"
John Sneid (o suspeito de ser o assassino de Luther King)estaria ou teria estado em
Portugal e que no dia seguinte ele (de nome Phil Cox) viria a Lisboa. 24 horas depois
chegou, e eu com muita sorte, consegui-lhe dizer que o «homem» tinha estado em Lisboa,
mas já tinha voltado para Londres com outro passaporte dado na Embaixada do Canadá, pois
o primeiro tinha um erro de ortografia (John Sneia em vez de John Sneid).
Disse-lhe também que era natural que
ele fosse para a Bélgica com intenções de seguir para o Congo. A Scotland Yard dizia
que ele não estava em Inglaterra, mas curiosamente, dois dias depois ele foi preso no
aeroporto de Londres quando se preparava para embarcar para Bruxelas.
Agora pergunto eu: Alguma vez depois
do 25 de Abril, embora Portugal esteja integrado em todos os organismos internacionais,
lhes foram pedidas quaisquer diligências deste género?
Uma história engraçada:
Por alturas de 1972/73, o Partido
(P.C.P.) lançou uma campanha muito grande para difamar a DGS. Todos os motivos serviam.
Um deles foi absolutamente caricato e que nós chamámos, de brincadeira, a «guerra das
alfaces». Escreveram ao Presidente do Conselho dizendo que os presos estavam muito
gordos, que comiam muita carne, muito peixe, e que não comiam verduras. Pediam para serem
dados mais legumes aos presos, principalmente saladas. O Presidente do Conselho mandou
informar disso a DGS e a resposta que demos foi esta: que havia um pequeno surto de
cólera em Lisboa e que o que o Partido queria era ver se arranjava algum caso de cólera
na cadeia para fazer a sua campanha.
Claro que não se passou a dar nem
mais nem menos alfaces, mas as alfaces que se costumavam dar. Isto prova a maneira como
esta gente trabalha!
Voltando a falar na «descolonização
exemplar» que agora dizem ter sido a «descolonização possível» aparece-nos o caso de
Timor que foi ocupado pela Indonésia com o acordo das autoridades Portuguesas (encontro
secreto em Paris) e que durante 24 anos esteve liberto. Ao fim destes anos todos
conseguiu-se que fosse feito o referendo sobre o futuro de Timor e nem mesmo assim
deixaram o povo timorense escolher o seu destino. Só lhe deram duas hipóteses: ou a
integração na Indonésia ou a independência. O resultado do referendo foi uma maioria
esmagadora (78%) a favor da independência.
Desde que foi autorizado a jornalistas
irem a Timor, são todos unânimes em dizer que os timorenses pretendem lá os
portugueses, militares ou civis. Continuam a rezar e a falar português. Um facto
comovente foi ver na TV um timorense a chorar empunhando uma bandeira portuguesa, cantando
o hino nacional e a dizer
agora já estamos libertos. Esta
parece ser a melhor resposta que se pode dar a todos que duvidaram da fidelidade dos
timorenses. Por exemplo: Mário Soares no seu livro - Portugal Amordaçado - diz: Timor
nada tem a haver com Portugal e é parte integrante da Indonésia.
Tenho pena de acabar com estas
palavras que demonstram bem o patriotismo dos «libertadores» de Portugal.
Copyright
© 1999 José Manuel da Cunha Passo