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DEBAIXO DA CAMA
In : Luiz Fernando Veríssimo(1983)-"A
Velhinha de Taubaté – Novas histórias
do analista de Bagé"
- Porto Alegre –
L & P M –
142 p (história à pg.30). Uma cama larga, simbolizando o país. Sobre a cama, não
me pergunte como, um reacionário, simbolizando as classes dominantes, sua
mulher frívola e infiel, simbolizando a inconsciência nacional, e um doido,
simbolizando um doido. Fala o doido:
-- Esse ruído...
-- Que ruído? – pergunta o reacionário.
-- Debaixo da cama.
-- Não ouvi ruído nenhum.
-- Exatamente. Não é estranho? O jacaré está quieto.
--
Que jacaré?
-- O
jacaré embaixo da cama.
A mulher frívola e infiel dá um grito abafado. O reacionário diz:
-- Não há jacaré nenhum embaixo da cama.
O doido faz uma cara triunfante e pergunta:
-- Se não há um jacaré embaixo da cama, então o que é que está em
silêncio?
A lógica do argumento é inatacável. E, a julgar pelo tamanho do silêncio,
o jacaré é enorme.
-- Por que será que ele está quieto? – pergunta o reacionário.
-- Não sei – diz o doido. – A não ser que ele tenha comido alguém...
A mulher frívola e infiel leva as mãos à boca mas deixa escapar um
nome:
-- Danilo!
-- O quê? – dizem o reacionário e o doido juntos.
-- Nada, nada...
Mas ela desaparece sob o lençol para chorar seu amante. Danilo, comido
por um jacaré embaixo da cama! E com o pijama novo que ela lhe deu.
-- O jacaré deve ter comido o comunista – diz o reacionário.
-- Que comunista?
-- Tem sempre um comunista debaixo da cama.
-- Depois eu é que sou doido...Não tem comunista nenhum debaixo da
cama.
-- Se o jacaré comeu, não
tem mesmo.
--Só há uma maneira de sabermos o que realmente aconteceu – diz o
doido, sensatamente. Olharmos debaixo da cama.
Os dois espiam embaixo da cama e vêem um moço de pijama novo, que sorri
sem jeito.
O reacionário endireita-se na cama e começa a refletir. Olha para o
doido, depois olha para sua mulher que chora. Aos poucos, vai se dando conta da
situação.
-- Meu Deus! – exclama.
-- O quê? – diz o doido, pensando que é com ele.
-- O comunista comeu o jacaré.
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