O ÚLTIMO DOS DEUSES
Bombas e Droga (III)
1
Depois do rendimento de milhões
Com bombas progressistas e aviões
A Civilização gloriosa
Tem esta genial mercadoria
Ao serviço da lei da mais-valia
E do Novo Mundo cor-de-rosa
2
Bombas, guerras, droga, tudo, enfim
Vai transformar a Terra num jardim
E dá cada dia novos passos
Gente pobre, gente morta ou gente viva
O Mercado usa a mesma estimativa
A todos estendendo os longos braços
3
Se o drogado é mercadoria
Tem um ciclo a cumprir, uma valia
Até que outro tome o seu lugar
E as bombas vão caindo em qualquer lado
Conforme são precisas ao Mercado
Que não pode viver se não matar
4
Se a máquina superou o seu valor
Entenda o antigo produtor
Que é consumidor mas não é gente
E que na bitola do Mercado
Não é mais nem menos que o drogado
Comprar droga ou pão não é diferente
5
É preciso consumir, consumir sempre
Correr cada vez mais, cega e loucamente
Sem meta, sem destino e sem estrada
Porque a sociedade mercantil
É esta corrida, louca e imbecil
Febril e infinita atrás do nada
6
E como a droga traz altas receitas
Ela é o deus das mafias e das seitas
Das religiões e dos Estados
E as benfeitorias sociais
Como as carraças nos irracionais
Agarram-se às misérias dos drogados
7
E por absurdo do Mercado
Até não há drogado ou viciado
As drogas são doenças naturais
E assim há doenças e não vícios
A justificar os bons ofícios
Das piedosas pragas sociais
8
Por trás da prevenção fantoche dos Estados
Há sempre mil barões e ricos instalados
À custa dos drogados, escravos actuais
Que após serem presa de falcões
Se afogam na lama de instituições
Com nomes sonantes e gula de chacais
9
Assim o drogado serve duplamente
No campo aberto, o falcão e a serpente
E o voraz abutre, por fim, num lar fechado
Não foi feito para servir leis
É tesouro de padres, de doutores e reis
É o ouro fino do novo Mercado
10
Almas piedosas, doces, solidárias
Associações, igrejas, seitas várias
Penduradas nos cofres estatais
Arrancam aqui a última fatia
Desta genial mercadoria
Que é depois da bomba o que vale mais
11
Na sua lei cega, o Mercado brama
Que se acenda a Guerra ou se apague a chama
Com a frieza da pedra das montanhas
Cruel e absurdo, este Adamastor
Vai connosco onde a gente for
Cavalga a força das nossas entranhas
12
O Mal e o Bem não serão jamais
Inimigos velhos e mortais
À luz do valor e do Mercado
A diferença só consta do dinheiro
Se a bomba vale mais do que o carneiro
A bala vale menos que o drogado
Lisboa, Junho de 2002
Leonel Santos