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As mãos que ajudam valem mais que os lábios de rezam.
Robert G. Ingersoll
À minha Amanda, querida Amanda, pelos dois maravilhosos anos que passou conosco, e que me fez relembrar quem eu sou.
Ao meu querido Nicolas, que trouxe a alegria de volta à minha casa.
Agradecimentos *
INTRODUÇÃO *
Perguntas fundamentais
*Evolução do pensamento mitológico (Religião como hipóteses)
*Mitos de criação
*Pouco a perder (falso negativo x falso positivo)
*MÉTODOS *
O método do dogma
*O que é um mito
*Definição de mito
*Mito como produto da cultura
*Cross-Cultural
*Língua x Naturismo
*Metáforas
*Antropomorfismo
*Mito como Proto-Ciência (frazer)
*Fenômeno social (durkheim)
*Vestígios de rituais
*Mito como Símbolo
*Estrutural
*Religião é mito
*O método da razão
*Propósito
*Resultados isentos
*Não precisa prova de autoridade
*Prevê o futuro
*Renova a si mesmo
*Como escolher o método
*Conforto
*Melhoria de vida
*Conflitos entre mitos
*Provas
*Burden of Proof
*Evidence
*Mecanismos de auto-correção
*Observação como suprema corte
*A explicação mais Simples
*A EVOLUÇÃO DO MITO NO TEMPO *
Os animais e seus espíritos – Os Mitos na Pré-História
*Origem dos Mitos
*Pré-História
*Paleolítico Superior
*A caixa de pandora
*As civilizações
*Nômades Pastoris
*Mithraismo
*Zoroastrismo
*Judaísmo
*Hinduísmo
*Islã
*A Filosofia Perene
*DIVINA DIVERSIDADE *
A origem das espécies
*Os blocos de construção da vida
*Síntese
*Nova Evolução
*A grande confusão
*Direção
*Design
*Confusão de teoria com hipótese
*Novas espécies
*Como chegamos aqui?
*Surgimento da vida
*First Bacteria
*First pluricellular
*Explosão do cambriano
*First Vertebrates
*First Tetrapodes
*Birds
*First Mamals
*Humans
*Evolução Cultural
*O encontro com o divino *
Fé e melhoria de vida
*Intervenção
*Religião e tautologia
*O porque da religião
*Religião não explica
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Se as pessoas só são boas porque elas temem a punição e esperam pela recompensa, então nós estamos realmente perdidos - Albert Einstein
O hábito de embasar as convicções nas evidências, e em dar a elas somente o grau de certeza o qual a evidência garante, iria, caso se tornasse geral, curar a maioria das doenças das quais o mundo padece – Bertrand Russel.
Uma das rotinas mais famosas, e mais hilariantes, dos comediantes Lou Abbot e Bud Costello é "Quem está na primeira base?". Lou, como grande fã de beiseball, quer conhecer os nomes dos jogadores do time de Saint Louis, para que ele possa reconhecê-los quando estiverem jogando no parque. Bud diz que "hoje em dia, os nomes deles são realmente estranhos, por exemplo, Quem está na primeira base, Qual está na segunda e Não Sei na terceira". Lou insiste - Mas é isso mesmo que eu queria saber. Você sabe os nomes dos jogadores? – Estou te dizendo, responde Bud, - Quem na primeira, Qual na Segunda e Não sei na terceira. Intrigado, Abott continua – Você sabe o nome dos caras? – Sei, diz Costello – Quero dizer, o nome do cara na primeira base – acrescenta Lou - Quem, diz Costelo – O cara da primeira base do time de St. Louis! - diz Lou já irritado– Quem! Responde Bud. – O cara da primeira! – Quem está na primeira, explica Bud – E porque você está me perguntando? Eu não sei - diz Lou – Eu não estou perguntando, estou dizendo: QUEM ESTÁ NA PRIMEIRA!.... E a confusão continua, em uma hilária sucessão de mal entendidos entre os apelidos dos jogadores.
No filme Rain Man, Dustin Hoffman magistralmente interpreta o irmão autista de Tom Cruise, Raymond, que havia sido internado em uma instituição havia muitos anos, e que só é descoberto pelo irmão quando o pai veio a falecer. Apesar de sua deficiência em poder perceber o mundo como o resto das pessoas (mas provavelmente somente como uma maneira de deixar o filme bem mais interessante), Raymond tem habilidades fantásticas, como ser capaz de contar as cartas de vários baralhos ao mesmo tempo, ou de decorar toda a lista telefônica de uma pequena cidade. Estas habilidades especiais é que deram a idéia ao irmão de usá-lo para ganhar dinheiro nos cassinos (o que não vem ao caso, mas demonstra como todos nós gostaríamos de ter um prático computador na cabeça).
Uma das características de Raymond que mais me chamou a atenção é que ele levava a rotina "quem está na primeira" extremamente a sério, como se fosse um enigma impossível de ser decifrado. Ele ficava horas e horas se perguntando "- Quem está na primeira base? –Quem - ele mesmo respondia – Mas qual está na primeira? – Qual está na Segunda, Quem está na primeira. – Quem está na primeira?", e assim continuava interminavelmente. Embora dotado de um poder de percepção matemática absolutamente mais acurado que as pessoas normais, Raymond não era capaz de perceber que a rotina de Abbott e Costello era apenas uma piada, e que é engraçada porque coloca Abbott e Costello em um comportamento circular impossível de se escapar, a menos que ambos percebam que Quem, Qual e Não Sei são os nomes dos jogadores.
A série de perguntas com as quais Raymond ficava intrigado e sem resposta é muito parecida com a série de perguntas que incontáveis filósofos tem formulado ao longo dos últimos 3000 anos. Será que ficamos atolados em nossos questionamentos sobre a razão das coisas porque não existe o que perguntar? Será que não percebemos "Quem está na primeira base"? Talvez estejamos apenas perdendo tempo fazendo perguntas sobre assuntos que não sejam objeto de respostas, ou por serem irrelevantes, ou porque a própria pergunta é a projeção desta necessidade humana de determinar causas e efeitos e responsabilidades, quando na verdade só temos o puro acaso e as coincidências fortuitas. Somos seres humanos, e somos primatas. Como todos os primatas somos curiosos. Como só os seres humanos, somos curiosos sobre assuntos abstratos. Faz parte de nossa natureza questionar todos os fatos a nosso redor, e foi essa característica peculiar que fez os membros de nossa espécie se tornarem capazes de dominar todo o planeta em tão pouco tempo. Desde que o homem adquiriu a consciência de si mesmo, profundos questionamentos têm atormentado a sua vida.
As evidências arqueológicas e antropológicas demonstram que desde os primórdios da humanidade, quando nossa espécie começou a deixar suas marcas pela terra, já nos preocupávamos com os aspectos simbólicos da vida. Nossos ancestrais deixaram pinturas nas paredes das cavernas, entalhes em pedaços de ossos e em pedras, e pinturas ocre cobrindo os mortos, de uma forma praticamente universal, por todos os continentes. Nenhum outro animal na Terra, nem mesmo nenhuma outra linhagem hominídea, apresentou tanto apego ao simbolismo. A arte pré-histórica é a representação de uma preocupação com aspectos da vida que não haviam sido explorados antes. A arte nas paredes, a arte móvel e a arte ritualística, significam que passamos a fazer perguntas diferentes sobre nossas origens e sobre a razão de vivermos, e consequentemente passamos a encontrar respostas diferentes para nos confortar.
Hoje formulamos perguntas sobre coisas que são básicas para nós, coisas que só são básicas para nós porque somos uma espécie com uma característica especial, portadora da capacidade de raciocinar abstratamente. Me lembro das primeiras aulas de geometria euclideana quando somos apresentados às figuras mais simples de todas, o ponto e a reta, e aprendemos isso quando temos apenas dez ou onze anos de idade. O ponto é uma figura geométrica formada pela junção de duas linhas tão finas que nenhum lápis na terra poderia fazer, por mais apontado que estivesse. A reta, também feita por este lápis de ponta mil vezes mais fina que qualquer ponta que você pode imaginar, não tem fim nem para um lado nem para outro. Duas figuras absolutamente imaginárias, impossíveis de existir fora do mundo abstrato de nossas imaginações. Com estas figuras e mais algumas outras simples, como os planos, podemos desenhar outras, mais complexas: círculos, quadrados e, quando nos deslocamos da folha de papel para o espaço tri-dimensional, esferas, cones e cubos. Todas estas figuras são abstratas, e nenhuma delas existe na natureza, pelo menos não na perfeição – e dentro das condições especiais - com que as imaginamos. Existem na natureza formas vagamente parecidas com as formas geométricas. Uma laranja lembra uma esfera, mas cada ponto da sua casca está a uma distância diferente do centro. Se analisarmos sob o microscópio, então, a casca da laranja, levemente assemelhada a uma esfera de superfície lisa, vira uma paisagem lunar cheia de crateras e abismos, completamente diferente da esfera imaginária perfeita. Somente nós, humanos, podemos criar objetos perfeitos, que em nossas mentes existem nos mais ínfimos detalhes. Simplificamos a natureza mentalmente e criamos coisas (ao menos dentro de nossas cabeças) que são absolutamente irreais e ao mesmo tempo magnificamente simples. Toda a complexidade da casca da laranja, com seus diminutos picos e vales, desaparecem quando pensamos na esfera, com cada ponto exatamente à mesma distância do centro.
Entre nossos questionamentos filosóficos estão as perguntas sobre a razão das coisas, os fundamentos de toda a existência. Tentamos abstrair as complexidades do universo a pontos e retas, simples, porém imaginárias. As respostas que encontramos para estas perguntas formam a base de nossa filosofia de vida, servindo de alicerce para a forma como encaramos o mundo, como formulamos todas as demais perguntas e quais respostas encontramos. Se somos alegres e otimistas é porque respondemos algumas destas perguntas fundamentais deixando espaço para nossa imaginação preencher um futuro melhor. Se, ao contrário, somos tristes e pessimistas, é porque algumas das perguntas fundamentais foram respondidas de forma diferente. Mais do que simplesmente o encaminhamento de nosso humor, a base de todas as organizações sociais (e mesmo do bem estar mental) se deve à forma como repondemos estas poucas perguntas interessantes e sobre as quais não parece haver consenso. Quase todas estas perguntas podem ser resumidas em "qual o propósito da existência?" De qualquer forma, necessitamos de respostas àquelas perguntas que torturam nosso mais íntimo ser, que nos fazem pensar sobre qual o propósito de todas as coisas, e que nos levam a imaginar que somos apenas peões dentro de um jogo cujo propósito nos escapa.
Através das eras, as pessoas que refletem sobre o mundo e o seu lugar nele chegam a questões filosoficamente parecidas, e universais, e que até agora permanecem sem uma resposta de consenso: O que é ser? Porque existe algo ao invés de nada? Porque as coisas são da maneira como são? Qual a origem de tudo? De onde nós viemos? Quem somos nós? Para onde estamos indo? Qual o propósito disto tudo? Existe um ser superior? Deus criou os homens, ou se foram os homens que criaram os deuses? O que é o bem e o que é o mal? O que é verdadeiro? Como devemos agir? como podemos ser felizes? Porque não podemos viver para sempre? Afinal, qual o sentido da vida? Por que vivemos se vamos morrer? Qual a origem e o destino do universo? Somos somente passageiros solitários em uma nave azul que cruza a imensidão do espaço, em meio a bilhões e bilhões de estrelas, ciclicamente percorrendo o mesmo percurso, ano após ano? Digo que até agora não encontramos uma resposta de consenso porque várias culturas encontraram diferentes respostas para estas questões, e em geral são respostas dogmáticas e conflitantes entre si, e que têm a característica comum de serem impossíveis de ser testadas, e portanto qualquer discussão sobre elas é mera retórica irrelevante. Porque são impossíveis de serem testadas, pode-se afirmar exatamente o contrário, e não se pode dizer se a afirmação ou seu contrário é que são verdadeiras. Quaisquer que tenham sido as respostas que os povos encontraram para estas questões, elas nunca trouxeram uma certeza, e no fundo as pessoas sempre ficaram em dúvida.
Podemos resumir as dúvidas existenciais em uma única pergunta que expressa nossa impotência diante de todas as perguntas sem resposta: Existe algum plano maior que dê sentido àquilo por que passamos todos os dias, as dores e as angústias, o stress, o trabalho, alguns momentos felizes porém passageiros? Um plano maior certamente seria muito conveniente porque passaria a preencher o vazio que só nós humanos temos, que é aquela necessidade de achar a razão para as coisas.
Durante a nossa evolução, aprendemos que conseguimos atingir um objetivo realizando alguma coisa, em uma relação de causa e efeito. Se queremos comida durante o inverno, plantamos. Se queremos abrigo da chuva, construímos, e assim por diante. Não conseguimos assimilar a idéia de uma plantação para não ser colhida, ou de uma casa para não ser habitada. Como disse o reverendo
Paley, se encontramos um relógio, ele deve ter sido construído por um relojoeiro.Projetamos este sentimento para tudo, e dizemos que se estamos aqui deve existir uma razão, pensamos, e se não decobrimos ainda esta razão é porque não procuramos com cuidado suficiente, ou porque não utilizamos os meios corretos em nossa procura, ou porque somos como formigas no deck de um petrolheiro, e o todo é tão grande e complexo que não conseguimos vê-lo inteiramente. Melhor ainda, descobrindo o plano teremos a possibilidade de poder controlá-lo, como um navio muito maior que seus tripulantes é controlado pelo capitão. Conquistamos a natureza na Terra desta maneira. Os cientistas pesquisam detalhadamente um assunto, reunindo o maior número possível de informações. De base destas informações os engenheiros fazem seu papel, alterando a natureza conforme objetivos bem definidos. Se descobrirmos o plano superior, podemos estudá-lo, detalhá-lo, descobrir suas leis, e depois, acreditamos, poderemos moldá-lo conforme nosso gosto. Caçamos incessantemente esta razão maior, que daria um sentido a todas as nossas vidas.
Quando perguntamos se existe ou não um plano maior, não estamos esperando uma afirmativa tipo "sim" ou "não", ao contrário, queremos ter acesso a este mapa para poder segui-lo da melhor forma possível, escapando dos infortúnios e perseguindo a felicidade. Procuramos classificar tudo que encontramos, tentando achar aquela relação escondida nas coisas. Desde seu primórdio, a humanidade sempre seguiu um plano ditado pela organização e classificação do mundo feita através da mente. Quando nossos antepassados reuniram leões, leopardos, chitas e rinocerontes enfurecidos em uma categoria mental "animais perigosos", imediatamente traçaram um plano: "não ficar ao alcance de animais perigosos". Hoje classificamos e ordenamos o mundo de muitas maneiras diferentes, que vão de "eletrodomésticos", "bebidas alcóolicas", "governos", "instituições não governamentais", "plantas", "animais", "seres eucariontes", "profissionais liberais" até conceitos extremamente sofisticados que remontam as próprias personalidades das pessoas, como "expansivo", "tímido", "cartesiano", "erudito", etc... e fazemos isso para que possamos ter nosso próprio plano de vida, que sem modéstia acreditamos ditar também a vida dos outros. Quando acionamos uma destas categorias, poupamos nosso trabalho de explicar detalhadamente cada um dos objetos ou pessoas a quem nos referimos porque já temos uma idéia do grupo a que eles pertencem. Quando nos dizem que "tal pessoa é tímida" puxamos do fundo de nossas mentes o plano mestre de categorias, e achamos "tímido – Característica: não vai falar muito, Ação a tomar: a conversa tem de partir de mim".
Lineu, pai da Taxonomia, ciência de classificação dos seres vivos, escrevia no século XVIII que a base do conhecimento humano é a separação das coisas em grupos distintos, de tal forma que possamos analisar os fatos dentro de conjuntos de semelhantes. A ordem, para Lineu, era tão fundamental ao conhecimento que prescindia a explicação detalhada dos fenômenos. Ele escreve:
Todo o real conhecimento que possuímos depende do método através do qual distinguimos o similar do dissimilar . Quanto maior o número de distinções naturais que este método compreende, mais claro se tornam nossas idéias das coisas. Quanto mais numerosos os objetos que atraem nossa atenção, mais difícil se torna formal formar tal método, e mais necessário.
Certamente a classificação das coisas do mundo é uma característica comum a todas as culturas, e portanto uma característica dos seres humanos. Além de comum a todos os homens, essa necessidade de classificar tudo não é uma característica recente, que surgiu depois da idade da razão, ao contrário, a classificação e separação das coisas é muito antiga, remontando às mais antigas civilizações da humanidade.
Aristóteles classificava todas as coisas como sendo feitas de quatro elementos, seguindo a classificação que o filósofo Empedocles havia criado no século 5 antes de nossa era. Por esta classificação os elementos fundamentais eram a terra, a água o fogo e o ar, e a partir destes elementos tudo o mais era formado. Como uma característica comum a várias culturas, a redução de todas as coisas a uns poucos elementos comuns aparece também na china, quando Pinyin Wu Xing proclama que existem cinco elementos básicos: a terra, a água, o fogo, a maderia e o metal, ou ainda quando no terceiro século antes de nossa era os indianos consideravam o espaço, o ar, o fogo, a água e a terra como os elementos fundamentais. Talles de Milleto, grande personalidade da Grécia antiga, considerava que tudo, no seu íntimo, era formado de água, e os atomistas, como Demóstenes, acreditavam nos blocos de contrução ideais e indivizíveis, que seriam os contrutores de tudo. Evidentemente todos estes sistemas de classificação das coisas se mostraram errados, ou incompletos, de uma forma ou de outra. Alguns sistemas se mostraram errados simplesmente porque eram sistemas arbitrários, como o de Aristóteles, porque o mundo é muito mais complexo do que os elementos que ele vislumbrava como fundamentais. Outros se mostraram errados porque foram descartados experimentalmente ou teoricamente, como o átomo perfeito e indivizível dos gregos. Por mais próximo que tenham chegado da verdade, o átomo é mais complexo do que a filosofia grega poderia imaginar, e somente a experimentação em laboratório pode desvendar a organização fundamental da matéria. De qualquer forma fomos capazes de descobrir leis da natureza classificando e separando as coisas em grupos com características semelhantes. Descobrimos que as coisas realmente se ordenam em grupos lógicos que podem ser estudados separadamente, e isso nos impressiona muito, porque não existe nada que diga que tenha de ser assim. Poderia ser o caos total, mas não é. Leis simples e surpreendentemente matemáticas governam a natureza, e destas leis surge uma complexidade monumental.Somos todos fascinados com os padrões que emergem da natureza. E somos tão fascinados que às vezes acreditamos em padrões que são simplesmente superficiais, e que são grandes simplificações que, por acaso, emergem da complexidade do universo. As pessoas passam a achar que estes padrões fazem parte de uma "lei" maior, governada por uma razão suprema. Todas as culturas, de uma forma ou de outra, desenvolveram métodos para responder às dúvidas sobre nossa existência, o inter-relacionamento com os demais seres e objetos da natureza, os propósitos e razões ocultas e as formas de se apoderar do controle sobre o
destino, o futuro. Nesta busca de padrões subjetivos, da ordem que se encontra atrás das coisas, mitos e deuses são criados, destruídos e substituídos a toda hora, em todos os lugares do mundo, e sempre foram sustentáculos para teorias que tentam nos separar de nossa insignificância e temporariedade de nossa existência perante o universo. Estamos sempre à procura deste mapa, ou deste plano, que facilitará nossa busca pelas respostas às perguntas que fazemos sobre todas as coisas, das mais simples e mundanas até as filosoficamente complexas. Procuramos colocar ordem em um mundo muitas vezes estranho e hostil, tentamos encontrar as razões ocultas que estão por trás dos fatos que observamos, e tentamos encontrar explicações para as coincidências e para os padrões que observamos.A própria busca por estes padrões, por este mapa, indica nossas escolhas, dentre muitas alternativas possíveis, e esta busca forma um conjunto de idéias filosóficas que determinarão nosso conjunto de idéias sobre o mundo, assim como as regras básicas de valores que determinarão nossa conduta moral e ética. Em suma, a filosofia está relacionada ao modo de se aplicar a ciência, ou o conhecimento, para responder as questões fundamentais. Por que, poderia perguntar um observador desatento, devemos nos preocupar com questões filosóficas, que não acrescentarão nada ao nosso dia a dia? Alan Woods responde a esta pergunta dizendo "Por mais estranho que possa parecer, todos temos uma filosofia. Uma filosofia é uma maneira de encarar o mundo" . Assim, quando decidimos o que é bom ou mau, o que é certo e errado, levamos em conta uma série de parâmetros que estão enraizados em nossas mentes, que nos foram transmitidos através das notícias que lemos nos jornais, dos programas que vemos na televisão, nas escolas e livros, assim como as opiniões de todas as pessoas com quem convivemos durante toda a nossa vida. Utilizando a filosofia, seja ela explícita e claramente determinada como tal – como faz um cientista seguindo um método, ou um religioso seguindo um dogma - ou quando utilizamos a filosofia diária subjetivamente incorporada na nossa forma de pensar, tomamos decisões que irão influenciar o destino de nossas vidas, de nossos filhos e até de toda a humanidade. Tentamos achar perguntas para as questões mais profundas sobre nós mesmos como seres humanos e sobre o mundo no qual vivemos – perguntas as quais a maioria dos pensadores já fizeram, de formas diferentes, de uma época para outra. Os filósofos estudam o que os grandes filósofos do passado disseram sobre estas questões, e também tentam achar suas próprias respostas . Ao tentar colocar ordem e sentido na vida, muitas vezes percorremos caminhos incertos, incoerentes, encontrando ligações imaginárias, onde só existe o caos e não existe ordem, forçamos um sentido. Criamos mitos, religiões, filosofias, ciência e superstição. Murrey Gell-Mann - o físico que nomeou os Quarks e que recebeu o premio Nobel por seu trabalho em física teórica - definiu superstição como "a tendência para ver padrões que não existem...e ceticismo para não ver padrões onde existem".
O naturalistaThomas Berry escreve que estamos sempre procurando seguir este mapa que nos traz sentido, e que é esta história fundamental que define a maneira pela qual encaramos nossa posição frente ao universo. Também escreve que sempre procuramos uma relação que traga sentido e resposta, e que faça sentido. Criamos e desenhamos estas histórias que formam nossa identidade cultural, e dão um sentido para o nosso dia a dia. Esta história que criamos não tem muito compromisso com a verdade, mas somente com o suporte emocional que nos dá, provendo um sentido não somente histórico como ético e cultural. Com a mudança da sociedade, mudamos também estas histórias fundamentais. Berry escreve:
É tudo uma questão de história. Estamos com problemas agora porque não temos uma boa história. Estamos entre histórias. A história antiga, que dizia como o mundo veio a existir e como nos encaixamos nele, não é mais efetiva. E ainda não aprendemos a nova história. Nossa história tradicional do universo nos sustentou por um longo período de tempo. Ela formou nossas atitudes emocionais, nos proporcionou propósitos na vida e energizou as ações. Ela consagrou o sofrimento e integrou o conhecimento. Nós acordávamos de manhã e sabíamos onde estávamos. Podíamos responder às perguntas de nossas crianças. Podíamos identificar o crime, punir os transgressores. Tudo estava bem porque a história estava lá. Ela não transformava as pessoas em melhores ou piores, nem retirava as dores e estupidezes da vida, ou trazia sempre calor às associações humanas. Ela dava um contexto no qual a vida podia funcionar de uma maneira com sentido.
George Johnson, descrevendo a diversidade de culturas no Novo México, onde cientistas do Santa Fé Institute e de Los Alamos convivem com os Tewa - descendentes dos Anasazi - fundamentalistas cristãos, católicos, lojas de produtos homeopáticos, representantes das crenças da "nova era" e outras subculturas, todos procurando achar as explicações para as coisas do mundo, escreve:
Todos estão tentando achar sentido para a imensa complexidade da vida, todos buscam alguma explicação para o fato de que, apesar de nossos panos bem elaborados, estamos à mercê das contingências. Cada uma dessa subculturas está tentando, embora de formas bem diversas, substituir o acaso pela ordem, tecer teias de ritual e razão, se convencer de que se não vivemos no centro da criação, pelo menos podemos compreendê-la – de que há motivo para acreditar que a mente humana é capaz de decifrar os segredos do universo. Cada uma delas está tentando descobrir porque estamos aqui, como espécie, como sociedade e como indivíduos. Tanto na ciência como na religião, o que buscamos são os mitos de criação, histórias que emprestem algum significado a nossas vidas.
O livro de Johnson é todo voltado à influência que esta busca dos padrões tem e teve sobre as diversas culturas, e de que forma todas as culturas criaram mitos e histórias para explicar e ordenar a natureza de alguma forma. É a busca da ordem, a busca de resposta para questões fundamentais, que nos faz criar artificialmente relações onde não existem, formando a base dos mitos, ou criar desejo de conhecimento, onde antes existiam dogmas, criando as bases da ciência.
Carl Sagan e Ann Druyan escreveram em Sombras de Antepassados Esquecidos que "ao tentar saber quem somos, cada cultura humana inventou um conjunto de mitos".
Nós todos estamos interessados em achar os verdadeiros princípios que governam o universo. Este é o objetivo final de cientistas, filósofos, místicos e muitos outros. Mas como nós fazemos isso com alguma confiança? Existiram incontáveis visionários que viram "a luz" que lhes deu experiências de êxtase e o sentimento de grandes insights intuitivos: cultos milenaristas sem fim que proclamaram o fim do mundo ou contatos com cometas ou alienígenas, partidários de movimentos ideologicamente dominados como o comunismo e o fascismo e também tem existido pessoas com tábuas douradas que salvariam o mundo. Como separamos os ilusoriamente iluminados daqueles com genuínos insights? O único método que até agora se mostrou de valor confiável é o método científico.
Evolução do pensamento mitológico (Religião como hipóteses)
Fazendeiros, poetas, astrônomo e religiosos, há 6.000 anos, observaram o ciclo das estações do ano e acharam uma correlação com o movimento dos astros. O movimento das estrelas no céu se tornou muito útil para a determinação das épocas corretas de plantio e colheita. Formou-se um método de determinar quando plantar e quando colher, baseando-se na configuração das estrelas que apareciam a cada época do ano. Nossas mentes, selecionadas pela evolução para encontrar padrões, desenhou as constelações, unindo pontos e formando figuras imaginárias. Esta dependência com relação à formação dos céus tornou-se uma parte forte em muitas culturas. O mistério da noite, com suas luzes fixas encravadas no manto negro, com tanta relação com as chuvas e as secas, a época de colheita e de plantio, fez com que as pessoas criassem histórias sobre estas constelações, estes desenhos arbitrários que unem os pontos formados pelas estrelas.
Nossos antepassados poderiam ter ligado os pontos de qualquer forma desejada, porque as ligações que formas as constelações são completamente arbitrárias. Contra o firmamento só existe um grande número de pontos brancos, cada um representando uma estrela. Como formamos as constelações, ligando os pontos através de uma linha imaginária, depende fundamentalmente de uma escolha qualquer porque uma ligação faz tanto sentido como qualquer outra. Hoje em dia utilizamos as constelações como um processo mnemônico, uma forma mais fácil de localizar uma estrela em particular no firmamento. Sabemos que não existe relação nenhuma entre as estrelas de uma constelação.
A constelação de escorpião, por exemplo, contém estrelas muito distantes uma das outras, como Antares, a 135,9 anos luz da Terra, e Graffias, a 362,4 anos luz, que projetadas contra a abóbada celeste aparecem como pontos luminosos um perto do outro, que ligados através de uma linha imaginária formam aquela constelação. Como processo mnemônico para astrônomos e leigos, a identificação das estrelas como "pertencentes" a uma constelação, é extremamente eficiente. Ao invés de procurar todo o céu procurando uma estrela em particular, divide-se o céu em grupos, divide-se estes grupos em conjuntos de estrelas, cada qual com sua posição bem definida com relação às demais. Sem ser instrumento de um processo mnemônico, as estrelas que formam uma constelação são arbitrárias, contento um conjunto de estrelas mais ou menos próximas uma das outras somente quando observamos a projeção de suas luminosidades contra a abóbada celeste. No espaço real, em que existem três dimensões e não apenas as duas da abódoba celetes, estas estrelas estão bastante longe uma das outras. Quando levantamos a reais posições das estrelas no espaço, as constelações não existem.
Os astrônomos atuais utilizam as constelações para localizar as estrelas no céu. Eles sabem que perto de Antaris está Graffias, e assim podem esquadrinhar os céus muito mais rapidamente do que se fossem procurar cada estrela eliminando e verificando todas as outras. Talvez para formar um processo mnemônico parecido com o que os astrônomos utilizam hoje em dia para identificar uma estrela em particular no firmamento, histórias foram criadas sobre as constelações pelos primeiros homens que observaram os céus, os primeiros astrônomos. Os mesmos padrões que utilizamos hoje para achar mais rápido um local no céu foram utilizados pelos homens da antiguidade, mas com o objetivo de dar um pouco de sentido às suas vidas e encontrar explicações para as coisas do mundo e da natureza.
Os gregos antigos viam a figura de Orion, o caçador, no céu noturno. Existem várias histórias diferentes sobre Orion. De acordo com uma versão do mito, Orion era o filho de um pobre pastor chamado Hirieu, que não tinha filhos. Zeus, Hermes e Possêidon, pararam na casa de Hirieu uma vez e ele foi tão generoso para com seus hóspedes que matou o único animal que tinha – um touro – mesmo sem saber que seus convidados eram deuses. Os deuses, por sua vez, resolveram recompensar a generosidade de Hirieu, dando a ele um desejo. O maior desejo de Hirieu era ter um filho, e os deuses falaram que ele deveria enterrar o touro que ele havia sacrificado e urinaram em cima. Depois de nove meses, um menino nasceu naquele local. O menino se tornou muito bonito e virou um homem muito forte. Era um caçador tão bom que foi contratado pelo rei Oenopion para matar as bestas ferozes que estavam aterrorizando os habitantes da ilha de Chios. Feliz por seu sucesso, Orion disse que iria matar todos os animais selvagens da Terra. Gaia, a deusa da terra, que era mãe de todos os animais, não ficou muito feliz com suas intenções e então mandou um escorpião enorme contra Orion. Orion logo percebeu que sua força e espada eram nada contra a poderosa besta. Ele tentou escapar, mas o escorpião lhe deu uma picada mortal. Como recompensa, Gaia colocou o escorpião no céu, como uma constelação, que parece estar constantemente perseguindo Orion, cuja figura também foi colocada entre as estrelas. Outras histórias contam que Orion caçava com Artemis muitas vezes, e que logo começou a desejar as ninfas virgens. Artemis o achou forçando uma ninfa, e mandou o escorpião atrás dele. Zeus ficou com pena e o colocou entre as estrelas, para ser perseguido para sempre pelo escorpião, sem que este nunca venha a pegá-lo. Existem outras versões da história, mas sempre o caçador, e o escorpião, acabam sendo colocados no céu em suas constelações .
Os Maias, excelentes observadores dos movimentos dos astros, não viam no céu o caçador Orion. Eles Ligaram os pontos luminosos do firmamento de maneira um pouco diferente, mais em sintonia com a sua cultura, e o cinto do caçador Orion passou a representar o eixo da Tartaruga que sustenta o Mundo. Desta tartaruga saiu o Primeiro Pai, Deus supremo da criação, que havia assumido a forma do Deus do Milho. Os Maias também viam no céu, nesta constelação, a chama da criação, simbolizada pela Nebulosa de Orion (que parece levemente enfumaçada), colocada no forno entre a estrela Alnitak e as estrelas Saiph e Rigel (as fogueiras Maia na Guatemala eram compostas por três pedras colocadas nos cantos de um triângulo, com o fogo queimando no centro)
Na nossa busca por ordem, nada mais natural do que fazer uma correlação entre os movimentos cíclicos e precisos dos astros no céu com as complicadas coisas da Terra. Desde os tempos dos babilônicos, 1800-1700 A.C., aparecem as primeiras tentativas de correlacionar os problemas comuns, como pestes, guerras, fome, com a posição das estrelas e dos planetas. A Astrologia surgiu como uma explicável procura de conhecimento, uma tentativa de se correlacionar as coisas do dia a dia com o movimento dos astros, que foi se desviando ao longo do tempo até se tornar uma crença sem absolutamente nenhum embasamento nos novos conhecimentos que foram surgindo ao longo dos tempos. Achamos relação em coisas que não existem, para explicar o acaso do dia a dia, poderia dizer Gell-Mann.
No oriente Confúcio e Lao-Tsé propagavam uma imagem do mundo um pouco diferente daquela desenvolvida no ocidente. O Confucionismo, mais prático, era a "filosofia da organização social, do senso comum e do conhecimento prático, que fornecia à sociedade chinesa um sistema de educação e as convenções estritas do comportamento social". O Taoismo, por sua vez, tinha sua principal característica na natureza cíclica do movimento e suas mudanças incessantes, provavelmente inspirados no movimento cíclico dos astros e das estações do ano, representados pelos arquétipos do yin e yang. Da interação cíclica do yin e yang, os chineses criaram o I Ching, ou Livro das Mutações. O I ching se baseia em 64 figuras, cada uma composta por 6 linhas, que por isso são chamadas de hexagramas. Cada uma destas linhas pode ser cheia, representando o yang, ou partida, representado o yin.
Os chineses viam nas combinações possíveis destas linhas, as 64 figuras, as representações da sincronia cósmica, e utilizavam os resultados da análise do I Ching para realizar previsões, porque "representam os padrões do Tao na natureza e nas situações humanas". Cada hexagrama recebeu um nome e foi acompanhado de um texto (julgamento) que supostamente representaria o rumo de ação adequado ao "padrão cósmico". Um segundo texto (imagem), acrescentado posteriormente, elabora o significado do hexagrama em poéticas linhas. Um terceiro texto interpreta cada uma das seis linhas do hexagrama "numa linguagem carregada de imagens míticas quase sempre de entendimento difícil" .
O que os chineses fizeram foi encontrar um padrão razoavelmente simples de correlacionar o padrão cósmico (ou seja, um padrão que correlacionava tudo, do movimento dos astros ao resultado dos hexagramas) através de um sistemas de símbolos. Uma vez que sabemos o "caminho das pedras", ou todas as correlações da natureza, podemos utilizar este mapa para adivinhações, ou então permitir, ao ser consultado, determinar a situação "cósmica" atual, e com base nestes dados tomar decisões sobre o futuro. Como o Taoismo se baseia profundamente na existência de um todo único composto de duas metades entrelaçadas e opostas (claro/escuro, homem/mulher, inverno/verão, bom/ruim, Yin/Yang), sempre recebeu muito bem estas formas de adivinhação como forma de interpretação da unidade do universo.
Mais interessante do que as formas tradicionais e coletivas de imposição de ordem na vida, são as superstições pessoais, que consistem de crenças e práticas adotadas pelas pessoas, sem entretanto levar ao conhecimento dos outros. "As pessoas costumam ter seus próprios dias, cores, objetos e lugares de sorte ou de azar para uso privado", escreve Gustav Jahoda, "Têm de executar certos atos segundo determinado ritual a fim de assegurarem êxito em seus empreendimentos ou para afastarem alguns perigos". Vemos isso claramente quando as pessoas usam a mesma camisa para assistir a um jogo de futebol porque "- Era a camisa que eu estava usando quando meu time foi campeão da última vez". Em geral estas superstições pessoais não tem nenhuma correlação com o que realmente ocorre na vida, ou o que as outras pessoas pensam, ou seja, não é um fenômeno cultural que passa de uma pessoa a outra pela linguagem ou pelos hábitos. A superstição pessoal parece estar firmemente gravada em nossos cérebros. Buscamos a ordem e a relação entre eventos distintos, não importa a cultura, a razão ou quaisquer outros argumentos.
O plano supremo, escondidos nas coisas mais comuns, suscitam uma explicação, e cada cultura tenta encontrar o meio de interpretar estes sinais. E cada cultura é única em si mesma, e portanto inúmeras maneiras diferentes foram encontradas para interpretar esses sinais diferentes. A Cultura em si continua uma propriedade, comum e vital, se não exclusivamente humana que, só é definida em termos de si mesma, como uma cor primária.
Os povos da mesopotâmia e os fenícios acreditavam que examinando o fígado de animais recém sacrificados, ou através da análise do vôo de aves recém libertadas, poderiam encontrar um padrão, e com base neste padrão poderiam e prever o futuro. Os povos da Mesopotâmia procuravam descobrir o que o futuro escondia em todos os evento ao seu redor. Eles acreditavam que os deuses enviavam sinais através de todos os acontecimentos, e que estas advertências dos deuses podiam ser lidas. Sabendo o que o futuro reservava, ele podia ser alterado por meio de penitência, oração, e rituais apropriados, de tal forma que até o Deus mais duro tivesse pena de tanto arrependimento. O objetivo da adivinhação era determinar o futuro e a vontade das deidades assistindo o comportamento de um sacrifício animal. Tais reações como uma mudança em cor, aparecimento das entranhas, movimento da fumaça de um sacrifício, ajudaria o padre ou o haruspex a prever o futuro. Os fatos do acaso e a boa ou má sorte subsequentes se uniam não tanto como causa e efeito, mas como sinais ou avisos antecipados de eventos. Estes eventos do acaso e os eventos correlacionados subsequentes se constituíam em um par chamado "presságio", que eram colecionados em longas listas e que eventualmente se transformaram nos grandes compêndios que chamamos de "série de presságios". Presságios poderiam ser provocados observando as formas que o óleo tomava quando derramado em água ou observando as configurações da fumaça que sobe de um incenso, mas a técnica de adivinhação mais antiga, e que sobreviveu por mais tempo, de todas as técnicas divinatórias babilônicas, foram adivinhação das entranhas do cordeiro, desde que inclui adivinhação a partir das observações da bexiga, do baço, dos pulmões, e do fígado. A Hepatoscopia permaneceu como um dos principais meios de se consultar a vontade dos deuses até o reinado de Rei Nabonidus (555-539 A.C.), mesmo com o surgimento da forte Astrologia babilônica. Estas práticas perduraram até no império romano, quando as revelações dos padrões de vôo dos pássaros e das entranhas de animais sacrificados eram utilizados para predizer o futuro. Os profissionais que se encarregavam desta tarefa apresentavam a descrição da situação presente da relação dos homens com os deuses, e também davam descrições detalhadas de situações do futuro, o que contribuiu para que ganhassem rapidamente a atenção de Roma. No ano de 47, o imperador Claudius chegou inclusive a criar uma ordem de haruspícios, que eram consultados por decreto do senado quando outras técnicas de adivinhação não davam respostas satisfatórias.
Tarot
Quiromancia
Etc...
Dentre as histórias que se enquadram na definição coletiva de mito, talvez as mais importantes sejam aquelas que explicam a criação do universo e dos homens, porque são as histórias que servem como base para todas as demais. Os mitos de criação, além de dar uma explicação às profundas questões existenciais (De onde viemos?, Para onde vamos?, Porque existimos ao invés de não existir?, etc...), em geral servem de base para todos os outros mitos, lendas e sagas, que são criados a partir destes. Os mitos de criação, como base cultural de uma religião qualquer, têm de responder às questões fundamentais e ainda proporcionar uma explicação razoavelmente aceita para as características daquela sociedade em que a história se insere. Em outras palavras, o mito de criação em geral retrata as fundações sobre as quais uma cultura em particular poderá se desenvolver.
Ao longo da história, a humanidade tem criado diferentes teorias da criação talvez por representar a nossa questão mais profunda, ou talvez porque é a questão que dá suporte a todas as demais. Através da comparação dos mitos de criação, podemos verificar como as diversas culturas acharam respostas para perguntas sobre a origem do universo e sobre nossas origens. Como pode algo sair de nada? Como pode existir o nada, e depois existir algo? Ou será que sempre existiu um ser divino, completo em si mesmo, do qual todos os outros nascem e do qual fazem parte? Ou será que o ser divino possui o poder da palavra, no qual a força do pensamento é suficiente para dobrar todas as leis naturais e materializar o fruto de tal pensamento? Cada cultura encontrou uma forma diferente para explicar estas questões. Leakey escreve que "Toda sociedade humana tem um mito de origem, a história mais fundamental de todas". Leakey acrescenta ainda que estes mitos de criação são um retrato da introspecção consciente humana:
Estes mitos de origem têm como fonte a consciência reflexiva, a voz interior que procura explicações para tudo. Desde que a consciência reflexiva passou a arder brilhantemente na mente do homem, a mitologia e a religião têm sido parte da história humana. Mesmo nesta era cientifica, elas provavelmente continuarão a fazê-lo.
Um mito de criação serve para colocar ordem aos temas referentes às origens, e portanto são os mitos mais elevados. O mito de criação tem a finalidade primeira de explicar porque o mundo existe, e porque existem todas as coisas, qual o propósito de tudo e estabelece como se dá o processo desta criação. As mais diversas histórias de criação são encontradas nas diversas culturas e religiões. É importante ter em mente que os mitos de criação não são fechados em si mesmo, ou seja, não são logicamente completos. Em geral estes mitos explicam a formação dos homens e do universo, mas não explicam a formação da causa primeira, seja esta causa um Deus onipotente ou um ovo primordial. O mito criado pelas religiões também estabelece como o processo criativo se desenvolve, em profunda afinidade com cada cultura. Se o estilo de vida dominante é voltado para guerras e conquistas, ou foi fortemente dominado pelas guerras na época de criação dos mitos, o processo criativo é violento, e o mundo é oriundo de guerras, desmembramentos ou morte; nas sociedades mais simples e voltadas à utilização daquilo que a natureza oferece, os processos de criação são conduzidos pelos animais e plantas. Em geral o processo de criação, além de refletir a cultura em que uma sociedade está inserida, representa a necessidade de estabelecer a ordem no caos. Mais importante do que a função didática, de explicar como as coisas aconteceram, os mitos de criação constroem visões de mundo, estabelecendo hierarquias de valores, que refletirão não somente o pensamento das normas sociais profundas como também das normas que regulam o dia a dia.
No mito de criação descrito na Bíblia Judaica-Cristã, por exemplo, a divindade é masculina, e a figura feminina é ocupa um papel secundário, se não marginalizado. O mito de criação hebreu estabelece claramente o poder masculino sobre o feminino, refletindo o que deveria ser comum na história dos povos nômades da eurásia de 5,000 anos atrás. Também no gêneses hebreu, a criação estabelece os seres humanos como superiores aos demais seres vivos, destinados a controlar (e explorar) o resto na natureza. Desta forma, o comportamento do homem matando, torturando e escravizando os animais é justificado, facilitando a divulgação das estruturas pastoris. No hinduísmo, como cada casta representa uma parte do corpo de Brahma, ser supremo, a divisão hierárquica social e de profissões é justificada e mantida através da alegação de refletir uma característica divina, o que foi particularmente propício para um povo guerreiro que estava dominando uma outra civilização. Em várias culturas antigas, onde o rei exercia um papel divino, a hierarquia de valores estabelecia uma justificativa da estrutura social monárquica. O Faraó era uma espécie de divindade humana, ou o poder real emanando diretamente de deus, como justificativa da estrutura social, é recorrente na maioria das sociedades em que o papel religioso é exercido pelo monarca.
Ao explicar como as coisas surgiram, o mito passa a explicar porque as coisas surgiram. Ao identificar o porque das coisas, os mitos de criação determinam a quem culpar pelos erros e falta de justiça do mundo. Eva come a fruta do conhecimento do bem e do mal, e portanto a mulher é a culpada pela expulsão dos homens do paraíso. A colocação de toda a culpa dos sofrimentos nas mulheres demonstra uma clara negação aos cultos matriarcais de fertilidade, antecedentes do pensamento masculino que surgiu com a religião hebraica. Como estas visões de mundo (a deusa-mãe dona da fertilidade e a mulher-fonte-de-pecado) são profundamente antagônicas, o mito de criação não somente distribui as responsabilidades pelos problemas humandos como também estabelece uma barreira contra a influência do mito concorrente. Não se pode idolatrar a deusa-mãe e ao mesmo tempo acreditar na culpa feminina apregoada na lenda de expulsão do paraíso.
Para algumas culturas existe uma unidade total e que faz todas as coisas serem iguais, ou que faz todas as coisas serem portadoras de uma mesma essência. Assim, os mitos de criação reproduzem a visão holística destas sociedades, dizendo que tudo – em especial os seres vivos – são partes de um todo.
A mulher aranha, em algumas mitologias dos índios americanos, é um ser completo em si mesmo, que contém todo o poder e toda a existência do universo. Antes, ela era sozinha, não existia o universos, as estrelas, planetas, não existia o frio ou calor, somente ela. Ela escolheu trazer mais seres para a existência, e – através da dança e das canções – o universo nasceu. Antes do nascimento do universo era só ela, e o Universo foi gerado a partir dela, e é uma parte dela. Por este mito, segundo Christy Taylor, a criação do universo é fruto de um propósito, consciente, que explica a eterna pergunta de como algo pode ser criado do nada. No caso da mulher aranha, o universo não pode ser criado do nada mas pode ser criado de um ser que contém o universo em si mesmo. Para os hindus, Brahma é o Deus supremo. Seus três poderes, de criação, preservação e destruição, são representados pelos Deuses Brahma, Vishnu e Siva. Brahma é o criador do universo e a fonte da qual todos os deuses se originaram, e para a qual todos serão ultimamente absorvidos. Na mitologia hindu, Brahma é tão completo em si mesmo que é imune ao tempo. Ele, e o universo, não foi criado em nenhum momento especial. O tempo tem uma natureza circular, de tal forma que a criação é repetida eternamente, em um ciclo de criação e destruição.
Outras culturas se preocuparam mais com a dicotomia existente no mundo, esta divisão de todos os assuntos em pares opostos. Se o dia contrabalança a noite, e se a mulher contrabalança o homem, deve existir uma ordem dicotômica Criador/Destruidor, ou Deus e Diabo, se for preferível, que governe as coisas do mundo e justifique a presença de tantas coisas nobres e boas associadas a tanta tristeza e dor. A dicotomia também é um forte reflexo das culturas tribais que vêem no outro a negação da sua identidade cultural, criando a diferença "membro da tribo" e todos os demais.
Na Pérsia antiga, Zoroastro acreditava na existência de um ser supremo, que criou outros dois seres poderosos e deu a eles tanto de sua própria natureza quanto lhe pareceu conveniente. Destes, Ormuzd manteve-se fiel a seu criador, e era tido como a fonte de todo o bem, enquanto Ahriman se rebelou e se tornou o autor de todo o mal sobre a Terra. Ormuzd criou o homem e deu a ele tudo o necessário para a felicidade, mas Ahriman atrapalhou esta felicidade introduzindo o mal no mundo, e criando os animais selvagens e plantas e répteis venenosos. Como conseqüência, o bem e o mal agora estão misturados em todos os cantos do mundo, e os seguidores do bem e do mal, travam uma guerra incessante. Virá o tempo em que os seguidores do bem, aliados a Ormuzd, serão vitoriosos em todos os lugares, enquanto Ahriman e seus seguidores serão confinados na escuridão para sempre.
Existem culturas, ainda, que delegam toda a responsabilidade da existência para um Deus supremo, sozinho ou superior a todos os demais deuses. Com a introdução do monoteísmo, que remonta ao Faraó Akhenathen, 1200 A.C., no antigo Egito, o Deus Supremo passa a ser o único, que não somente criou o mundo e o universo, mas também aquele que faz as intervenções, alterando a ordem natural, quando necessárias.
A mitologia Judaica - Cristã, mais conhecida no ocidente (e extremamente influenciada pela cultura de Zoroastro), é explicada no Gênesis bíblico. Deus é único, eterno, omnisciente e criador de tudo e de todos. Através de sua vontade a palavra se torna realidade. Bem no começo, Deus cria os céus e a Terra. No primeiro dia Deus cria a luz e a separa da escuridão, formando o dia e a noite. No segundo dia Deus separa as águas, e cria o firmamento. No terceiro dia deus cria a terra firme e seca na superfície da Terra, separando-a dos oceanos, e sobre a terra firme criou as plantas e as árvores. No quarto dia, Deus cria os grandes corpos celestes (O sol, a lua e as estrelas), além de criar as estações do ano. No quinto dia são criados os pássaros e todas as criaturas marinhas. No sexto dia são criados os demais animais. No sexto dia Deus cria o homem, à sua imagem e semelhança, e o ordena a subjugar e governar sobre todas as demais criaturas da Terra. Então no último dia, vendo seu trabalho terminado, Deus descansou.
Na Nova Zelândia, Io, o Ser Supremo dos Maori, é tido como eterno, omnisciente, criador do Universo e dos Deuses, e também dos homens. O universo estava em escuridão, com água por todo o lado. Não existia a luz. Então ele disse as palavras "Escuridão transforme-se em escuridão com luz", e a luz apareceu. Ele, com o poder das palavras, separou as águas, e o céu se formou, e o firmamento ficou suspenso. Também através de sua vontade, de seu pensamento expresso através das palavras, apareceu a Terra
Um tema muito comum a várias culturas é o Deus renascido, ou ressuscitado, que passa pela experiência da morte para fazer a criação. Em geral estes deuses passam por testes e provações antes de poderem se tornar todo-poderosos, provavelmente para representar valores (como força, coragem, etc...) que sejam facilmente admiráveis pelos seus devotos porque representam os mesmos ideais perseguidos no dia a dia. A morte e renascimento é o reflexo de uma cultura que está se voltando para a agricultura, em que os ciclos se sucedem a cada colheita e plantio, e a vida provém da morte.
No mito de criação Maya, O Primeiro Pai, o ancestral divino que levantou os céus como um teto sobre a terra, sustentado por uma árvore no eixo de rotação da abóbada celeste, é morto em Xibalba, o mundo subterrâneo, pelos Deuses da noite. Seus filhos – os gêmeos heróis – vão até Xibalba e vencem os reis da morte em seus próprio jogo e tramam a ressurreição de seu pai através de uma rachadura no casco da tartaruga do mundo (para os maias, o mundo era uma tartaruga, e o acabamento da casca da tartaruga era a superfície rochosa da terra). O Primeiro Pai renasce como o Deus do Milho, e sua emergência da terra reinjeta vida no mundo, através do retorno rítmico dos grãos. Retornando como o Deus do Milho, o Primeiro Pai encheu o mundo de seres humanos. Quando renasceu das costas da tartaruga do mundo, o Primeiro Pai criou uma casa no céu. Ele dividiu o universo em oito salas, uma para cada direção, e as sustentou com uma árvore (o eixo polar), que começaram a girar em volta do coração negro da noite (o polo norte celestial). Seus filhos heróicos foram também colocados no céu (Sol e Vênus), assim como sua mulher (a lua).
Muito interessante se notar como no mito cristão, o Deus-pai é o criador, mas o Deus-filho é que passa pelas provações do açoitamento e crussificação, ressucita e desce até o inferno para depois subir aos céus e poder governar o mundo sentado ao lado do trono de seu pai. A morte e a ressureição, e o elo dos pai criador com os filhos, que governam o mundo é um tema recorrente em várias mitologias.
Em muitos mitos de criação, o caos dá origem à ordem. Nós humanos, como grandes classificadores, achamos que o mundo e todas as coisas, representam uma ordem implícita na natureza. Se o que vemos hoje é ordenado dentro de categorias bem distintas, no passado deveria haver somente a desordem, o caos. Os mitos de criação onde tudo surge do caos é bastante comum em várias sociedades, porque a visão do caos é mais direta, e menos abstrata, do que a idéia de tudo surgindo da não-existência.
Os Gregos acreditavam que no princípio era o caos e a escuridão. Do grande mar do caos saiu Eurynome, a grande deusa, que começou a dançar, porque não existia terra onde se apoiar. O vento sul soprou e a fez rodopiar, de tal forma que o vento norte, que tem poderes de fertilidade, a abençoou. Do mar veio a grande serpente Ophion, que fez amor com Eurynome. Eurynome se transformou em um pássaro e pôs um ovo, que Ophion abriu. Do ovo saíram todas as criaturas da terra. Durante um tempo, Ophion e Eurynome foram amantes, até ele começar a se vangloriar de ser o pai de todas as coisas, o verdadeiro criador de tudo. Como punição, Eurynome expulsou Ophion para as profundezas do Tartarus (nível mais baixo do inferno), e criou os sete astros (Sol, Lua e os cinco planetas visíveis) e criou um titâ e uma titanesa para cada um deles .
O padrão de interação entre os homens e as divindades estabelece os padrões morais. Em várias mitologias este padrão moral é descrito de forma literal, como um conjunto de leis (tábua de Moisés, Dharma, etc...), mas em geral a moral é subentendida no corpo das histórias, seja através de parábolas, seja através de símbolos que separam o "bem" do "mal", ou o comportamento socialmente aceito daquele que não é socialmente aceito.
Alguns mitos de criação incluem uma visão do mundo em que os aspectos sociais são incluídos de forma bastante clara. De uma forma geral, como tudo tem início com o mito de criação, a inclusão de aspectos do comportamento social torna estas regras de comportamento incontestáveis. No mito de criação japonês, por exemplo, o papel da mulher submissa ao homem foi incluído, estabelecendo uma relação rígida entre os sexos que guiaria toda a sociedade.
Na mitologia japonesa, Antes dos céus e da terra existirem, tudo era um caos inimaginável, sem limites e sem nenhuma forma definida. Desta massa indefinida, como um ovo, o que era leve e transparente subiu e formou o Céu . Nele se materializou uma divindade chamada Ame-no-Minaka-Nushi-no-Mikoto. Depois, os céus deram nascimento a uma divindade chamada Takami-Musubi-no-Mikoto e outra chamada Kammi-Musubi-no-Mikoto. Estas três divindades são chamadas de as Três Divindades da Criação. Ao mesmo tempo, o que era pesado e opaco, gradualmente, durante milhões e milhões de anos, precipitou e formou a Terra. De repente, como o broto de uma planta, um par de imortais nasceu de seu seio. Eram as divindades Umashi-Ashi-Kahibi-Hikoji-no-Mikoto e Ame-no-Tokotachi-no-Mikoto. Muitos deuses nasceram em sucessão mas enquanto o mundo permaneceu em um estado caótico, não havia nada para eles fazerem. Neste ponto, todas as divindades celestes se somaram em dois seres, Izanagi and Izanami, que desceram à terra, e os Deuses deram a eles uma lança cravejada de pedras preciosas chamada Ama-no-Nuboko e ordenaram que eles regessem a terra. A dupla divina recebeu a arma sagrada respeitosamente e cerimoniosamente e saiu da presença dos Deuses, pronta para executar sua augusta missão. Seguindo em direção à Ponte Flutuante de Céu, que se estende entre o céu e a terra, eles se levantaram para contemplar em por algum tempo aquilo que existia embaixo. O que eles viram era um mundo que ainda não havia se condensado, mais se parecendo um mar de névoa, uma membrana, que flutuava para lá e para cá no ar. Eles ficaram perplexos sobre como e onde começar quando Izanagi sugeriu ao companheiro que eles deveriam tentar o efeito de misturar a salmoura com a lança. Então, ele empurrou a lança contra aquela massa, retirou-a e, examinando, descobriu que os grandes pingos que caiam dela quase imediatamente se coagularam numa ilha, que é, até os dias de hoje, a ilha de Onokoro. Maravilhados com o resultado, as duas divindades desceram da Ponte Flutuante até a ilha miraculosamente criada, e a fizeram de base para a tarefa subsequente de criar um país.
Como eles queriam se casar, construíram no centro do lago da ilha um pilar e, um seguindo pela direita e outro pela esquerda, se encontraram do outro lado, quando Izanami, a Deusa, falou primeiro - Como é bom encontrar um jovem tão bonito e Izagani, o Deus, replicou - Como estou maravilhado de encontrar uma moça tão encantadora. Depois de se casarem, o Deus falou que não estava certo que a mulher falasse antecipadamente ao homem em um cumprimento. De qualquer forma, se uniram carnalmente e tiveram um filho, mas a criança nasceu sem ossos, como uma sanguessuga. Enojados com a aparência da criança, eles a abandonaram nas águas, colocando-a em um bote. Seu segundo filho foi tão desapontador como o primeiro, então, realmente desapontados por suas falhas, ascenderam aos céus para perguntar às divindades celestes, qual a causa de seus azares. Os Deuses prepararam uma cerimônia de adivinhação e no final disseram que - É culpa da mulher. Não foi certo e apropriado que ela falasse primeiro antes do homem. As duas divindades viram a verdade na sugestão divina e, a fim de retificar o erro feito, voltaram ao pilar, cada um por um lado, mas desta vez o Deus falou primeiro - Como estou maravilhado de encontrar uma moça tão encantadora, ao que a Deusa respondeu - Como é bom encontrar um jovem tão bonito. Este processo foi mais apropriado e de acordo com a lei da natureza. Depois disso, todas as crianças nascidas deles não tinham nenhum problemas. Primeiramente nasceu a ilha de Awaji, depois Shikoku, a ilha de Oki, seguida por Kyushu, a ilha de Tsushima e, por último, Honshu, a principal ilha do Japão. A essas oito ilhas foi dado o nome de Oyashi-ma-kuni (país com oito grandes ilhas). As duas divindades se tornaram pais de numerosas ilhas menores, destinadas a circundar as maiores. Tendo feito um país daquilo que anteriormente não era mais que uma mera massa flutuante, as duas divindades, Izanagi e Izanami, geraram os deuses destinados a presidir sobre toda a terra, mar, montanha, rios, árvores e ervas. Seu primeiro filho se tornou o Deus do mar, e depois vieram os deuses patronos dos portos, o Deus do vento (que dispersou as nuvens que cobriam a terra desde o início dos tempos com sua respiração), o Deus das árvores, o Deus das montanhas e assim por diante .
Outros mitos de criação envolvem a natureza já existente como própria parte da criação de todo o resto. Essa dificuldade de separar o homem da natureza, e esta dos Deuses, é muito comum nas religiões animistas. Nestas culturas a natureza é, em si mesmo, uma dádiva tão poderosa que se torna desnecessário um criador. A própria natureza sempre existiu, e é ela que comanda, ou inicia (muitas vezes sem querer), o processo de criação do homem.
Um mito da Nova Zelândia diz que a Terra é a Mãe, e o céu é o pai. Da sua união nascem sete filhos. Nesta época, a Terra e o Céu estão tão juntos que não existe espaço para as crianças crescerem. Então os deuses discutem o que fazer. Um Deus, Tu-Matauenga (pai da guerra e da discussão) sugere matar o pai. Outro Deus, Tana-mahuta, sugere que eles simplesmente empurrem o pai para longe da mãe, de tal forma que eles possam ter espaço. Somente o Deus Ta-Whiri-Matea (Deus do vento) não gostou da idéia. Sua respiração mostrava sua desaprovação, mas os outros Deuses foram em frente. Um a um, eles tentaram separar o céu da Terra. Rongo-matane, Deus da Agricultura, tentou mas somente podia separá-los tanto quanto a altura de uma planta. O Deus do mar podia separá-los somente à altura de uma onda, e o Deus das plantas silvestres poderia separá-los somente até a altura de uma bananeira. Finalmente Tane-mahuta tentou, empurrando o céu para cima, como uma árvore, de tal forma que haveria espaço para os Deuses. O Pai Céu ainda chora por ser separado de sua mulher, Rangi, e suas lágrimas formam a chuva, ou orvalho.
O mito de criação de Madagascar, compilado por Taylor, professa que no começo existia um criador e sua filha, a Mãe Terra. A Mãe Terra brincava fazendo bonecas de barro, e o criador soprava vida nestas bonecas. Estas novas criaturas multiplicavam-se e prosperavam. Elas elogiavam a Mãe Terra, e se esqueceram do Criador, então o Criador decidiu que ficaria com metade das almas das criaturas como tributo. Então, porque ele é bom e paciente, ele pega as almas principalmente dos velhos e doentes. Como foi o criador que fez as almas, ele pode fazer isso. Os corpos das criaturas, entretanto, pertencem à Mãe Terra, e quando as almas partem são devolvidas ao Criador, e os corpos retornam para a mãe.
Várias culturas adotaram a figura da criação a partir de uma grande quantidade de água. A água poderia simbolizar para as populações antigas, não somente o líquido que dá a vida e sem o qual todos os seres vivos morrem, mas também o que retira a vida. Devemos pensar que a grande maioria destas populações vivia à beira de rios caudalosos sujeita às forças das enchentes, que são incontroláveis e que o caminho escolhido pela água em sua destruição é absolutamente desordenado e imprevisível. A água também representa o limite máximo, o oceano, através do qual não se pode passar.
O mito de criação para os antigos egípcios começa com uma grande quantidade de água chamada Nu, que dá a luz ao Deus do sol (Kheyera, ao nascer, Ra, ao meio dia, e Turn no poente). Ra criou sua esposa Tefnut, que fez a chuva. Juntos, criaram Seb, Deus da Terra, e Nat, Deusa do céu. Seb e Nat eram os pais de Osiris, Isis, Set e Nepthys. Ra criou os céus e a terra, e todas as criaturas. De acordo com a lenda egípcia, Ra somente pensava e a criatura tomava forma. Ra criou o homem de seu olho, e também se tornou o primeiro rei na Terra (o que deu origem à crença de que o Faraó era tanto Deus como Rei). Ra abandonou seu reinado para cavalgar através dos céus. Osiris tornou-se rei, tomando Isis por rainha. Osiris foi quem ensinou os homens a serem civilizados e a agricultura .
A mitologia nórdica diz que no passado não havia céu acima, ou terra abaixo, mas somente uma profundeza sem fundo, e um mundo de névoas do qual saía uma fonte. Doze rios saiam desta fonte, e quando eles já haviam corrido para longe, congelavam e, acumulando uma camada de gelo sobre a outra, preenchiam o grande vazio. Ao sul do mundo das névoas existia o mundo da luz. Deste saia um vento quente, que derretia o gelo. Os vapores subiram no ar e formaram nuvens, da qual surgiu Ymir, o gigante congelado, e a vaca Audhumbla, de cujo leite o gigante se alimentava. A vaca lambia o gelo para retirar sal e se alimentar. Um dia, quando a vaca estava lambendo o gelo, apareceu o cabelo de um homem, no dia seguinte apareceu a cabeça e no terceiro dia o homem inteiro. Este novo ser era um Deus. Dele e de sua mulher, uma filha da raça de gigantes, saíram os três irmãos Odin, Vili e Ve. Eles mataram o gigante Ymir, e de seu corpo formaram a Terra, de seu sangue os mares, de seus ossos as montanhas, de seu cabelo as árvores, de sua crânio os céus, de seu cérebro as nuvens, carregadas de neve e granizo. Das sobrancelhas de Ymir, os Deuses formaram Midgard, destinada a ser a terra do homem. Odin então regulou os períodos de dia e noite e as estações do ano, colocando no céu o sol e a lua e determinando seus respectivos cursos. Logo que o sol começou a lançar seus raios sobre a Terra, a vegetação começou a crescer e a se espalhar. Logo após a criação do mundo, os Deuses andaram ao longo do mar, felizes com seu trabalho, mas acharam que ainda estava incompleto, porque esta sem seres humanos. Eles então pegaram uma árvore e dela fizeram o homem, e depois fizeram uma mulher. Odim deu a eles vida e uma alma, Vili deu a razão e o movimento, e Ve os sentidos, expressão e a fala. A eles foi dada midgard como residência, e eles se tornaram os progenitores da raça humana. A poderosa árvore Ygdrasill sustentava todo o universo. Ela saía do corpo de Ymir, e tinha três raízes imensas, uma se estendendo até Asgard (o reino dos Deuses), outra se estendendo para Jotunheim (o reino dos gigantes) e a terceira para Niffleheim (a região da escuridão e do frio). Ao lado de cada uma destas raízes existe um riacho, que as rega. A raiz que se extende até Asgard é cuidadosamente cuidada pelas três deusas (norns), responsáveis pelo destino. Elas são Urdur (o passado), Verdanti (o presente) e Skuld (o futuro). O riacho em Jotunheim é o poço de Ymir, no qual a sabedoria e a inteligência estão escondidas. Mas o riacho em Niffleheim alimenta a escuridão, que constantemente rói a raiz. Quatro corações cruzam os galhos da árvore e mordem os brotos, representando os quatro ventos. Debaixo da árvore está deitado Ymir, e quando ele tenta se levantar, a terra treme.
O que diferencia cada um destes mitos de criação? Basicamente a cultura da qual eles surgiram. Sociedades diferentes deram origem a mitos de criação diferentes, que enfocam diferentes aspectos. Se para algumas sociedades era fundamental a reforçar a identidade do grupo, rejeitando as demais divindades, em outras era fundamental inserir a hierarquia social, enquanto outras ainda professavam a unidade de tudo o que existe no universo.
Se o mito é fundamentalmente uma expressão da cultura em que as pessoas estão inseridas, então – necessariamente – nenhum é mais verdadeiro do que os outros, e portanto todos são igualmente falsos.
Pouco a perder (falso negativo x falso positivo)
Deve existir alguma maneira de separar a mentira daquilo que é verdade. Todas as respostas servem para responder às nossas perguntas, mas apenas um pequeno conjunto delas é possível, e ainda um conjunto menor ainda é provável, e possivelmente só uma é verdade. Dentre todas estas possibilidade, como saber quais respostas são adequadas? De uma maneira genérica, desenvolvemos duas formas básicas de encarar nossa incerteza e nossas dúvidas perante a natureza: fé e ciência. Entretanto, aquilo que é pregado pelas religiões compõe o pano de fundo da ética social, e não tem compromisso com a realidade, e aquilo que compõe a natureza como ela é não tem compromisso com a ética.
Alguns autores renomados, e cientistas famosos, afirmam não existir a necessidade de um conflito entre estas duas linhas de raciocínio, que estas formas de pensamento podem coexistir pacificamente, desde que cada uma ocupe seu próprio espaço e não interfira com a outra. Entre estes renomados pensadores, encontra-se Albert Einstein, que em resposta ao clube de pastores liberais da cidade de Nova York, reconhecendo as diferenças entre religião e ciência, tentou separá-las em dois grupos distintos. A ciência como uma forma metódica de fazermos perguntas e procurarmos respostas, e a religião como responsável por ditar a conduta ética da sociedade:
[A ciência], podemos defini-la para todos os nossos propósitos como "pensamento metódico direcionado para achar conecções reguladoras entre nossas experiências sensoriais" (...). Quanto à religião, ..., está preocupada com a postura do homem perante a natureza como um todo, com o estabelecimento de ideais para o indivíduo e a vida comunitária, e para o relacionamento humano mútuo. A religião tenta se ater a estes ideais exercendo uma influência educacional na tradição e através do desenvolvimento e promulgação de pensamento e narrativas facilmente acessíveis, que são aptas a influenciar a avaliação e a atuar junto com as linhas dos ideais aceitos.
Einstein separa assim ciência e religião como ferramentas distintas com objetivos distintos. Enquanto a ciência serve, descartando mitos e histórias fantástica, para procurar respostas objetivas a questões desvinculadas da ética e da moral, a religião, através de mitos e histórias fantásticas, incute na cultura a própria ética e a moral. Enquanto a ciência é uma forma objetiva de se formular e responder a perguntas que esclareçam aquilo que percebemos sobre o mundo, a religião cuida de incutir o comportamento social (ética, moral e comportamental) nos indivíduos, utilizando para isso a tradição.De uma forma geral Einstein retomou o que
Galileu já havia dito, muitos séculos antes, que caberia a ele - e aos cientistas - dizer como era o céu, e que caberia aos padres dizer como se chega lá.Para responder às perguntas fundamentais e melhorar nossa vida, necessitamos de um método, uma estrutura de raciocínio que nos guie na formulação das nossas hipóteses, na coleta de informações que embasarão estas hipóteses e na forma de eliminar e criticar os erros e as idéias equivocadas. Dentre a diversidade de métodos adotados pelas diversas culturas, podemos classificar dois ramos: os métodos que contém uma forma rígida e inflexível de procedimentos, por um lado, e os métodos retóricos, baseados na capacidade de argumentação, embora pouco rígidos quanto à crítica, de outro. Vemos constantemente o conflito destes dois métodos frente aos argumentos utilizados em qualquer discussão. Muitas vezes vemos as pessoas defenderem suas idéias através da retórica confundindo possibilidade com verdade. Se determinado evento é possível, nada nos leva a crer que ele seja verdadeiro, da mesma forma - e em sentido contrário - um evento improvável não deixa de ser verdadeiro.
Pensar que aquele que manda no universo virá correndo em minha ajuda, e irá dobrar as leis na natureza por mim é o máximo da arrogância.
Dan Barker
Todas as sociedades humanas procuraram encontrar as relações entre os fatos da natureza, tentaram encontrar o mapa da ordem universal, e muitas destas tentativas de ciência ainda perduram até os dias de hoje, como a numerologia, cartomancia, quiromancia e inúmeras formas diferentes de encontrar relações entre coisas desconexas. Todas estas formas de encontrarmos soluções para os problemas do dia a dia e para enfrentarmos as incertezas são formas de ordenarmos os eventos. A mente humana não conseguiria ser tão bem sucedida na Terra sem esta capacidade fenomenal de observação e classificação. Se podemos, então, classificar as coisas simples, porque não supor que existe uma ordem maior escondida nas coisas maiores, como o início da vida, o depois da morte ou a criação do universo? As religiões tentam fazer esta ponte entre o mapa que traz as correlações da natureza e nós. Tentamos fazer esta re-ligação entre o ordenamento das coisas para acharmos onde nos encontramos e qual a razão pela qual estamos aqui e porque sofremos e porque ficamos felizes.
[...] um mito surge sempre que fica perigoso ou impossível falar claramente sobre certos assuntos sociais ou religiosos, ou relações afetivas [...]
Todas as religiões têm elementos que interagem e se inter-conectam, como a formação de uma comunidade religiosa, rituais e adorações, princípios éticos, envolvimento social e político, mitos, conceitos, estéticas e uma realidade espiritual, ou transcendente, diferente daquela do mundo normal. Frank Whaling escreveu que "estes elementos estão presentes em tradições separadas, com diferentes pesos e diferentes ênfases".
Definição de mito
Qualquer forma que encontramos para analisar a mitologia, sempre a reduzimos a uma encenação ou uma especulação filosófica. Levi-Strauss afirma que "Mitos são largamente interpretados de maneira conflituosa: como sonhos coletivos, como resultado de um tipo de encenação estética, ou como a base do ritual. Figuras mitológicas são consideradas personificações de abstrações, heróis divinizados ou deuses caídos". Mircea Eliade acredita que existem aspectos comuns que podem ser identificados em todas as histórias mitológicas:
O mito narra uma história sagrada; e é relacionado a um evento que ocorreu em um tempo primordial, [...] o mito conta como, através das ações de seres sobrenaturais, a realidade passou a existir, seja o todo da realidade, o Cosmos, ou somente um fragmento da realidade – uma ilha, uma espécie de planta, um tipo particular de comportamento humano, uma instituição
Esta história sagrada não somente relata como as coisas vieram a existir como dá os fundamentos para todo o comportamento humano e todas as instituições sociais e culturais. Assim, a criação dos mitos e religiões é natural aos grupos humanos, e surge como um fenômeno cultural que dá sustentação às organizações sociais e dá identidade aos grupos humanos.
Lowell Edmonds, em Approches to Greek Myth, define os mitos gregos como uma série de histórias com várias versões diferentes que coexistem. Ele escreve: "uma série de variantes multiformes da mesma história, que existe ou como textos escritos, em prosa ou verso ou na forma oral, ou em ambas, ou ainda em pinturas ou artes pásticas"; também acrescenta que estas histórias são sobre seres divinos ou sobrenaturais, e que aconteceram muito no passado. Assim, o mito pode ser encarado como uma lenda sem autor, e cada variante é definida como o encontro desta lenda tradicional com a pessoa que a conta.
O mito é a forma de comunicação da sociedade com seus membros: os conceitos e atitudes sociais determinados pela história e as instituições da sociedade são transmitidas para seus membros através de seus mitos
A construção de mitos tenta responder nossas dúvidas mais profundas através de histórias que contém a base da filosofia sobre a qual aquela cultura se desenvolverá. Vários antropólogos, sociólogos, estudiosos de mitologia tentam encontrar uma definição para "Mito", entretanto nenhuma definição é completa em si mesma. Robert Brockway propõe uma definição coletiva, utilizando partes das definições de vários estudiosos, para se chegar a uma visão mais completa dos mitos. Ele diz que a definição coletiva de mitos é composta de muitas teorias que podem ser enquadradas parafraseando-se algumas definições:
Mitos são histórias em geral sobre deuses e outros seres supernaturais (Frye), contando histórias sobre as origens, como o mundo e tudo nele passou a existir (Eliade). Geralmente os mitos são profundamente estruturados e seus sentidos somente podem ser descobertos através de análises lingüísticas (Lévi-Strauss). Às vezes, eles são sonhos públicos que, como os sonhos privados, emergem da mente inconsciente (Freud), também, freqüentemente revelam os arquétipos do inconsciente coletivo (Jung). São simbólicos e metafóricos (Cassirer). Orientam as pessoas para a dimensão metafísica, explicam as origens e natureza do cosmos, validam os assuntos sociais e, no plano psicológico, se dirigem para as profundezas da psique (Campbell). Alguns são explanatórios, sendo tentativas pré-científicas para interpretação do mundo natural (Frazer). Assim sendo, eles são usualmente funcionais, e são a ciência das pessoas primitivas (Malinowski). Geralmente, atuam em rituais (Hooke). Mitos religiosos são histórias sagradas (Eliade), e distinguem-se do profano (Durkheim). Porém, sendo expressões semióticas (Saussure), eles são "doença da linguagem" (Muller). São de escopo tanto individual como social, mas são primeiramente histórias (Kirk)
Joseph Campbell, que foi provavelmente o mais influente estudiosos de mitologia nos tempos morenos, dedicou grande parte de seus estudos à análise dos pontos básicos dos mitos, independentemente da carga cultural. Comparando os mitos de uma cultura com os das demais, passou a acreditar que as histórias de deuses e seres sobrenaturais tinham raízes nas experiências humanas. Para Campbell o mito teria quatro funções básicas: a função mística de contemplação da maravilha da existência do universo e de seus mistérios; a função de proto-ciência, com a obrigação de encontrar respostas satisfatórias para os fenômenos da natureza, a origem de todas as coisas e de definir os fenômenos; os mitos também exercem uma função social, validando e amparando uma certa ordem social, uma classe dominante, a separação das sociedades em castas, e criando vínculos entre os fiéis; por último, a função educadora, ensinando as pessoas como se comportar e, mais profundamente, como suportar a vida. Campbell não achava que as pessoas estivessem, fundamentalmente, preocupadas com o sentido da vida, mas sim que estavam procurando a experiência de estar vivo "... de tal forma que as nossas experiências de vida no plano puramente físico tenha ressonâncias com nosso ser e realidade mais íntimo".
Também podem ser o sub-produto do desenvolvimento da língua.
A linguagem não é um espelho da realidade. Ao contrário, a linguagem se adequa às regularidades e irregularidades da experiência.
Depois de se especializar em Sânscrito na Alemanha, Max Müller foi para Oxford, onde viveu até a sua morte. Max Muller teve um papel fundamental na popularização da filologia e do estudo da mitologia. Devido a seu grande interesse em religião comparada ele desenvolveu extensos trabalhos na análise das religiões indianas, inclusive a edição do Rig-Veda com comentários, trabalho em 6 volumes. A partir de 1875 até sua morte, Max Müller se dedicou à edição dos livros sagrados do oriente, um trabalho gigantesto, em 51 volumes, composto de traduções de importantes livros religiosos asiáticos.
Através de seu ensaio de 1856, entitulado "Mitologia Comparativa", Max Müller trouxe uma nova visão ao estudo da origem dos mitos. Através do estudo da linguagem, comparando o Sânscrito com o grego, ele mostrou os relacionamentos entre os nomes dos deuses da mitologia grega e dos deuses indianos presentes no Veda. Muller mostrou estas relações quando organizou um quadro em que colocava lado a lado os nomes das divindades Gregas e das divindades dos antigos arianos da índia. Através do estudo do idioma, ele explorou a mente dos antigos homens. O homem ariano tinha sido grego, romano, alemão e índio. Quando Muller se refere à raça ariana, ele quer dizer aquele de língua ariana.. Max Muller acreditava que a religião e o mito surgiam em função da natureza da formação das palavras. Müller era principalmente um lingüista. Ele viu religião como uma "doença do idioma" por qual o nomen (" nome ") se tornou o numen (santo "). Um exemplo seria o desenvolvimento do conceito de alma humana a partir da palavra "respiração". O processo de atribuir uma existência real e independente para entidades abstratas ou assumir que um conceito meramente nomeado tem que ter existência material, foi proposto como uma explicação das origens de religião.
Andrew Lang
, em Custom and Myth, de 1883 e Modern Mythology, de 1897, atacou as teorias de Max Müller, demonstrando que o processo de reificação não poderia ser acompanhado através de todas as formas de religião.
Através da metáfora podemos organizar os padrões de nossa experiência física e organizá-la para utilizarmos nossos mais abstratos poderes de entendimento. Projetamos a experiência cotidiana do concreto para o abstrato, e utilizamos as metáforas para realizarmos esta transposição.
"O mecanismo pelo qual a espiritualidade se torna passional é a metáfora. Um deus infalível requer a metáfora não somente para ser imaginado mas para ser contatado, exortado, evadido, confrontado, permitir que se brigue com ele e ser amado. Através da metáfora a vivacidade, intensidade e sentido da experiência comum se torna a base da espiritualidade passional. [Deus] se torna vital através da metáfora: O Ser Supremo. A Causa Primordial. O Criador. O Todo-Poderoso. O Pai. Rei dos Reis. Pastor. Oleiro. Legislador. Juiz. Mãe. Amante. Sopro".
Os cientista da cognição têm chegado à conclusão que os conceitos de espaço e movimento estão sob o sentido literal ou figurativo de milhares de palavras e constuções em qualquer língua. Estes conceitos aparecem como frutos da linguagem do pensamento, à forma pela qual a consciência se expressa.
"Tudo que não é concreto é metafórico - claramente, isto envolve a vasta maioria de nossas experiências cotidianas. A estrutura do inconsciente [...] é a da metáfora. O inconsciente não contém nenhum substantivo, só verbos - a parte de idioma que leva a representação das relações e processos que determinam a qualidade de nossas vidas. Isto em parte contas para o fato que a produção típica do inconsciente é metafórica: sonhos, poemas, danças, canções e histórias".
"Embora [a linguagem] nos permita aprender da experiência dos outros, e a segmentar e recombinar nosso próprio conhecimento de novas maneiras, ela cria uma forma diferente de rigidez. Como Aldoux Huxley disse: ´Todo indivíduo é ao mesmo tempo beneficiário e vítima da tradição linguística na qual ele nasceu – é beneficiário enquanto a linguagem dá acesso ao registro acumulado das experiências das outras pessoas, e é vítima enquato [...] é muito apto a pegar seus conceitos como dados, suas palavras por coisas reais´"
" Também é importante reconhecer que, além de poder introduzir, processe, e informação de produção, todos os sistemas de representational têm a capacidade para representar informação de pelo menos dois modos: literalmente e figurativamente. Quer dizer, cada de nossos sistemas sensórios pode formar mapas que têm uma correspondência direta ou uma correspondência mais metafórica ao fenômeno que nós estamos representando. [...] representações metafóricas são freqüentemente mais significantes e de mais impacto porque eles levam níveis múltiplos de informação "
Em 1871 Edward B. Tylor publicou Cultura Primitiva, no qual defendia a idéia de que as religiões se desenvolviam evolutivamente, e que a religião primordial da qual evoluíram todas as demais era o animismo.
Um ordenação das ações para um fim é observado em todos os corpos que obedecem a uma lei natural, até mesmo quando lhes faltam consciência...Entretanto, nada a que falte consciência tende a uma meta, exceto sob a direção de alguém com consciência e com entendimento; por exemplo, a seta requer um arqueiro. Então, tudo na natureza é dirigido à sua meta por alguém com entendimento, e isto nós chamamos de Deus
No final do século passado, Tylor desenvolveu o conceito do animismo, que é a crença de que espíritos ou divindades residem em todos os objetos e coisas da terra. Tylor via o animismo como o estágio mais primitivo de religião, que transferia para o mundo a visão antropomórfica do que acontecia durante o sono. Ele sugeriu que os povos primitivos passavam a acreditar na existência de duas personalidades em cada corpo: um indivíduo racional, que ocupava o espaço acordado, e um outro indivíduo, mágico e capaz de executar tarefas sobrenaturais, que surgia para o mundo quando o homem estava dormindo. Durante o sono, também apareciam parentes, amigos e conhecidos que estavam mortos, e eles apareciam de maneira bem real. O conceito de alma, ou espírito que habita os corpos dos homens é obtido quando a morte passa a ser encarada como um sono eterno, no qual aquela segunda personalidade, que habita os sonhos, passa a viver para sempre. Por analogia, todos os demais animais e coisas da natureza (rios, florestas, etc...) deveriam possuir igual espírito.
Mito como Proto-Ciência (frazer)
A religião também exerce o papel de proto-ciência, encontrando explicações para os fenômenos que ainda não tenham sido explicados de forma completa, ou que não apresentem explicações melhores fora do sobrenatural. Assim, apesar de fornecer uma base filosófica completa e distinta sobre o relacionamento do homem com sua cultura, as religiões animistas em muito refletem explicações sobre fenômenos desconhecidos. O fogo queima porque o deus que o habita consome as coisas, e o trovão faz barulho porque é a voz do deus do trovão. Sendo proto-ciência o papel das divindades vai diminuindo assim que as pessoas adiquirem maior conhecimento dos fenômenos naturais, e Deus passa a ser um Deus dos buracos, ocupando os interstícios onde a ciência (ainda) não chega. Assim, não existe "Nenhum Deus na matemática, Nenhum Deus na ciência. Não o vemos ou o medimos com microscópio ou com o telescópio"
O antropólogo britânico James Frazer, publicou no final do século passado o livro The Golden Bough: A Study in Comparative Religion, traçando a evolução do comportamento humano, mitos antigos e primitivos, mágica e taboo. Neste livro (que nas edições posteriores foi publicado em 12 volumes), ele argumentava que em todos os lugares, a evolução mental dos homens havia levado à crença na mágica, que depois se transformava em religião, e que se seguia da ciência - pelo menos no ocidente. As práticas e costumes de uma época anterior persistiam e sobreviviam até as eras posteriores, onde eram frequentemente reinterpretadas segundo o pensamento dominante.
Um das tarefas dos antropólogos é recolher e colecionar material mitológico de uma variedade de culturas e compará-las, tentando achar alguma base comum entre elas, que possa sugerir que as diferentes culturas desenvolveram mitologias em resposta a estímulos basicamente semelhantes (nascimento, morte, casamento, reprodução, etc.). Em The Golden Bough Frazer reuniu uma grande quantidade de informações de várias culturas (da antiga Grécia e Roma até cultos modernos) fazendo uma tentativa de correlacioná-las e de encontrar a natureza das crenças mais primitivas. Através da comparação de diversos mitos, Frazer chega à conclusão que o desenvolvimento de histórias mitológicas e o impulso religioso humano é uma divagação sobre os processos naturais.
Analisando o mito de Dionísio, Frazer observa que "acreditava-se que ele tivesse tido uma morte violenta, mas que houvesse sido trazido para a vida de novo", um tema comum em várias mitologias como a egípcia, com Osiris, a Síria, com Adonis, etc.., assim como em várias histórias heróicas. Esta recorrência do tema da morte violenta seguida de ressurreição é encarada por Frazer como uma divagação dos ciclos da natureza, em que a morte que segue à vida é regenerada no próximo plantio, por exemplo.
Desde os mais remotos tempos, os homens têm se engajado na busca por regras gerais pelas quais possa transformar a ordem dos fenômenos naturais para sua própria vantagem, e na longa procura ele alcançou uma grande quantidade de tais máximas, algumas de ouro, outras meras bobagens. As verdadeiras regras de ouro constituem o corpo das ciências aplicadas as quais chamamos de artes; as falsas são a mágica.
Mágica é um sistema espúrio de leis naturais assim como um guia de conduta falacioso ... é uma falsa ciência assim como uma arte abortiva
A falha fatal das mentiras da mágica não é a suposição geral de que uma seqüência de eventos é determinada por uma lei, mas sua concepção totalmente errada da natureza das leis que particularmente governam aquela seqüência.
Os seres humanos, tentando construir uma teia de relações explicáveis para o mundo acabam chegando a mitos e religiões que são histórias e crenças que tornam os fenômenos de suas vidas mais fáceis de serem entendidos. A explicação mais simples e mais psicologicamente satisfatória de um fenômeno é que ele aconteceu daquela forma porque alguém quis que ele acontecesse daquela forma.
Cada sociedade desenvolve uma religião em profundo sincronismo com suas atividades sociais e desenvolvimento tecnológico. François Houtart, em Sociologia da Religião, descreve a religião como um processo cultural, e escreve "a religião faz parte das idealizações, ou seja, das representações que os seres humanos fazem de seu mundo e de si mesmos". O processo sociológico da religiosidade não é simplesmente passivo, segundo Houtart, mas um esforço intelectual e coletivo feito pelas sociedades procurando encontrar explicações para todos os fatos, e portanto pode ser analisado como um fenômeno da cultura e sociedade em que o homem está imerso.
O pai da sociologia, Emile Durkheim, acreditava que encontrando-se a religião mais primitiva, ou seja, aquela encontrada na sociedade organizada de maneira mais simples e que pode ser explicada sem utilizar elementos emprestados de outras religiões, poderíamos dar respostas sociológicas a questões filosóficas, e então "mostrar um aspecto permanente e essencial da humanidade". Uma das grandes preocupações na época de Durkheim seria que, com o declínio da religiosidade, não existiria mais a moral e portanto o comportamento das pessoas impediria a continuidade da sociedade, que rumaria para o caos. O argumento de Durkheim era que hoje em dia os homens modernos podem perceber diretamente como são dependentes da sociedade, enquanto que antigamente, esta dependência do homem em relação à sua sociedade era percebida somente através da representação religiosa. Sendo convencido que a "sociedade tem que estar presente dentro do indivíduo," Durkheim foi conduzido ao estudo de religião, uma das forças que criam dentro dos indivíduos a sensação de obrigação moral para aderir às demandas de sociedade. Religião, ele disse, não só é uma criação social, mas é de fato a sociedade divinizada. Durkheim declarou que as divindades que os homens adoram são só projeções do poder de sociedade. A religião é eminentemente social: acontece em um contexto social, e de forma mais importante, quando os homens celebram coisas sagradas, eles celebram o poder da sua sociedade. A religião em sua essência é uma representação transcendental dos poderes de sociedade. " Nós temos que descobrir os substitutos racionais para estas noções religiosas que por muito tempo serviram como o veículo para as idéias de moral mais essenciais". Cerimônias religiosas que reúnem as pessoas servem para reafirmar os seus laços comuns e reforçar solidariedade social. Observância religiosa mantém e revitaliza a herança social do grupo e ajuda a transmir seus valores às gerações futuras. A religião também tem uma função de euforia que serve para contrariar os sentimentos de frustração e perda de certeza, restabelecendo a sensação de bem estar naqueles que crêem, uma sensação de retidão essencial ao seu mundo moral. De forma mais geral, a religião como uma instituição social serve para dar significado aos preceitos existenciais do homem, ligando o indivíduo à esfera supra-individual de valores transcendentes que está, no final das contas, arraigada na sua sociedade.
Em seu livro The Elementary Forms of The Religious Life, de 1912, Durkheim começa definindo o que seriam as religiões, primeiramente rejeitando as definições que ele considerava preconceituosas. Nesta categoria, Durkheim colocava as definições que diziam que a religião tinha algo a ver com o supernatural, porque achava que, ao contrário, as religiões apresentavam explicações para as coisas do dia a dia, e aqueles que praticavam os ritos não consideravam-nos sobrenaturais. "Para a marcha regular do universo, para o movimento das estrelas, o rítimo das estações, o crescimento anual da vegetação, a perpetuação das espécies, etc... Está longe da verdade a noção que o religioso coincide com aquilo que é extraordinário ou inesperado. Ele também considerava preconceituosa a definição de Tylor, que considerava que a religião era baseada na idéia de "seres espirituais", basicamente porque grandes correntes religiosas simplesmente prescindiam da necessidade destas figuras, como Budiscom, Jainismo, Brahmanismo, etc.... Mesmo destro das correntes religiosas que aceitam estes seres espirituais, existem ritos que são completamente independentes deste conceito. Assim, Durkheim concluiu que "todos os poderes religiosos não emanam de personalidades divinas, e existem relações de cultos que tem outros objetos quando unem o homem à divindade. Religião é mais que a idéia de deuses e espíritos, e consequentemente não pode ser definida em relação [a eles]"
Rejeitando estes conceitos, Durkheim passa a analisar as características em comum de todas as religiões, e chega à conclusão que a separação entre sagrado e profano é o que caracteriza, fundamentalmente, todas elas. Ele escreve:
Todas as crenças religiosas conhecidas apresentam uma característica em comum: elas pressupõem uma classificação de todas as coisas, reais e ideais, das quais o homem pensa, em duas classes ou grupos opostos, geralmente designados por dois termos distintos que são traduzidos bem o suficiente pelas palavras profano e sagrado.
Assim, para Durkheim, as religiões são um sistema de crenças e práticas unificado relacionados às coisas sagradas, ou seja, as coisas separadas e proibidas. Ele propôs que estas crenças e práticas uniam em uma única comunidade moral todos aqueles que a elas aderiam.
Durkheim, ao contrário do que propunham Tylor e F. Max Muller, conclui que a religião mais primitiva seria o totenismo, porque como nem o homem nem a natureza tem em si mesmos características sagradas, eles devem pegar estas características sagradas de outra fonte. A parte da individualidade humana e do mundo físico deveria existir alguma outra realidade, em relação à qual esta variedade de delírios, que todas as religiões são, de uma forma, tenha um significado e um objeto de valor. Em outras palavras, ..., deve existir outra forma de culto mais fundamental e mais primitivo, do qual as primeiras são somente formas derivadas ou aspectos particulares, e esta forma de culto, para Durkheim, era o totenismo. Analisando o totenismo, ele conclui que o sagrado contém aquilo que é fundamentalmente social, e que o profano contém tudo aquilo que é individual.
O mais fundamental, nas crenças totêmicas, é que os membros do clã consideram-se unidos por um tipo especial de parentesco que não é baseado no sangue, mas no fato de que eles compartilham o mesmo nome, tirado de uma determinada espécie de objeto (em geral um animal) com o qual os membros do clã tem a mesma relação. Mas este totem é também o emblema do clã, o que os transforma em "sagrados" enquanto eles pertencem à espécie totêmica. Desta crença nascem os mitos genealógicos que explicam a origem do homem a partir de ancestrais animais, ou até vegetais, dependendo do totem da tribo.
Durkheim acreditava que, uma vez que os homens se organizavam socialmente, eles eram capazes de organizar as coisas de acordo com seu modelo social, então as categorias de compreensão, as classes em que as coisas são classificadas, aparecem como o produto de certas formas de organizações sociais. Embora ele não negasse que os indivíduos podem perceber as semelhanças e diferenças entre os objetos, ele negava que estas imagens vagas seriam suficientes para formar a idéia das classes. Esta classificação dos objetos, proveniente da organização social dos homens, também era uma classificação moral, e todas as coisas, em um mesmo clã, eram consideradas ou sagradas (extensões do animal totêmico) ou profanas (indiviuais).
Segundo a sua análise, Durkheim chega à conclusão que o totenismo não é uma religião de emblemas, ou de animais, ou de homens, mas sim de uma força impessoal e anônima. Explicar o totenismo, desta forma, é explicar a crença em uma força difusa e impessoal: a própria sociedade. Esta força não é considerada metaforicamente, mas sim uma força real (física ou moral) que une os indivíduos.
Durkheim chegou à conclusão que a religião é a própria sociedade, expressa de uma forma sacra. Ele chega a esta conclusão baseado no fato de que os objetos totêmicos (os animais, plantas, etc...) não são do tipo que inspiraria fortes emoções religiosas. Ao contrário, estes símbolos são simplesmente representações do clã. Durkheim faz a hipótese de que deus é nada mais que a apoteose da sociedade:
O deus do clã, o princípio totêmico, pode então ser nada mais que o clã em si mesmo, personificado e representado para a imaginação sob a forma visível do animal ou vegetal que serve de totem.
Segundo o seu raciocínio, uma sociedade teria tudo o necessário para chegar à idéia do divino, porque a sociedade é para seus membros o mesmo que um deus é aos seus adoradores. A sociedade é fisica e moralmente superior aos indivíduos, e assim ambos temem seu poder e respeitam sua autoridade, mas a sociedade não pode existir exceto através a consciência individual, e assim demanda tanto nossos sacrifícios como periodicamente fortalece e eleva o princípio " divino" dentro de cada um de nós - especialmente durante períodos de entusiasmo coletivo, quando seu poder é particularmente perceptível. Assim a sociedade "em todos os seus apectos e em todos os períodos de sua história é possível somente por um grande simbolismo"
Durkheim insistiu que nenhuma idéia da alma, espíritos, ou deuses representam qualquer papel. Estas idéias universais entre as religiões conhecidas poderiam ter evoluído de "concepções mais essenciais". Toda sociedade conhecida, por exemplo, reconhece a existência de um segundo "Eu" etéreo que mora dentro do corpo e o anima; Durkheim concluiu que a alma humana simplesmente é o princípio totêmico encarnado, e a forma mais primitiva da concepção da "dualidade da natureza humana". Ele considerava que a alma simplesmente é a representação individualizada do clã, contendo sua própria moral, a moral social, e que é imortal porque o clã sobrevive seus indivíduos. A convicção na imortalidade da alma é assim um dos primeiros meios simbólicos por meio dos quais os homens representaram a verdade de que a sociedade continua, enquanto eles têm que morrer. Religião é só a forma simbólica de sociedade que demanda nossos sacrifícios e abnegação do ego, suprimindo nossos instintos, e faz violenta nossas inclinações naturais. Há um ascetismo inumano em toda vida social e Durkheim argumentou que este é a fonte de todo o ascetismo religioso. Durkheim expressou que os deuses dependem dos seus adoradores, da mesma forma como os adoradores dependem dos seus deuses, porque a sociedade só pode existir nos indivíduos e através dos indivíduos.
Durkheim, estudando o totenismo, descobriu que a maioria das religiões tem três tipos de objetos sagrados: o próprio poder divino, o símbolo do poder divino, e os membros do seu grupo. Por exemplo, no Cristianismo, o enfoque principal do objeto sagrado, o totem, é a representação da imagem de Jesus na cruz, ao invés do próprio objeto. A figura de Jesus na cruz representa a energia sagrada e a identidade do clã. Durkheim então pergunta:" Se é o símbolo do deus e [o símbolo] da sociedade, não é porque deus e a sociedade são um?" Ele não argumenta se a religião criou sociedade, mas afirma que aquela religião é a expressão da criação própria e o desenvolvimento autônomo daquela sociedade humana. A religião, assim, é o apogeu da representação da própria sociedade. Todos em uma determinada sociedade são muito conectados, têm valores morais e religiosos semelhantes, freqüentam os mesmos templos, vão à mesma igreja. Nas suas cerimônia, as pessoas se sentem dominadas por uma força maior, resultado da "efervescência coletiva" da ocasião. Desta forma, ele explicou por que o culto, ao contrário da idéia, é tão importante na religião. "A sociedade não pode fazer com que sua influência seja sentida a menos que esteja em ação, e não está em ação a menos que os indivíduos que a compõem sejam colocados juntos e ajam em comum".
Como funcionalista, Durkheim se preocupava mais com o que os fenômenos, práticas e instituições sociais faziam do que com o que eles eram. Então ele propunha que a religião tinha a função de integração, isto é, a função de assegurar que os valores de uma sociedade fossem amntidos e simbolizados. A religião passa a ser a forma pela qual a sociedade, com seus valores e moralidade, que são criadas da vida coletiva, penetra no indivíduo. Assim, a sociedade é a causa da religião, que representa a solidariedade da vida social e a função da religião é integrar e manter a ordem social. A religião também dá à sociedade uma consciência coletiva, validado as normas e valores dominantes, assim como a estrutura social. A religião também atua firmando os laços sociais porque os que a ela aderem aproveitam da integração social que os membros de um grupo têm.
Uma das grandes preocupações na época de Durkheim seria que, com o declínio da religiosidade, não existiria mais a moral e portanto o comportamento das pessoas impediria a continuidade da sociedade, que rumaria para o caos. O argumento de Durkheim era que hoje em dia os homens modernos podem perceber diretamente como são dependentes da sociedade, enquanto que antigamente, esta dependência do homem em relação à sua sociedade era percebida somente através da representação religiosa.
Durkheim, estudando o totenismo, descobriu que a maioria das religiões tem três tipos de objetos sagrados: o próprio poder divino, o símbolo do poder divino, e os membros do seu grupo. Por exemplo, no Cristianismo, o enfoque principal do objeto sagrado, o totem, é a representação da imagem de Jesus na cruz, ao invés do próprio objeto. A figura de Jesus na cruz representa a energia sagrada e a identidade do clã. Durkheim então pergunta:" Se é o símbolo do deus e [o símbolo] da sociedade, não é porque deus e a sociedade são um?" Ele não argumenta se a religião criou sociedade, mas afirma que aquela religião é a expressão da criação própria e o desenvolvimento autônomo daquela sociedade humana
A religião, assim, é o apogeu da representação da própria sociedade. Todos em uma determinada sociedade são muito conectados, têm valores morais e religiosos semelhantes, freqüentam os mesmos templos, vão à mesma igreja. Nas suas cerimônia, as pessoas se sentem dominadas por uma força maior, resultado da "efervescência coletiva" da ocasião.
A religião também dá à sociedade uma consciência coletiva, validado as normas e valores dominantes, assim como a estrutura social. A religião também atua firmando os laços sociais porque os que a ela aderem aproveitam da integração social que os membros de um grupo têm.
Sendo convencido que a "sociedade tem que estar presente dentro do indivíduo," o estudo da religião feito por Durkheim teve como linha mestra o estudo das maneiras com que as forças sociais criam nos indivíduos a sensação de obrigação moral. Religião, segundo este raciocínio, não só é uma criação social, mas é de fato a sociedade divinizada. Durkheim declarou que as divindades que os homens adoram são só projeções do poder de sociedade. A religião é eminentemente social: acontece em um contexto social e, quando os homens celebram coisas sagradas, eles celebram o poder da sua sociedade. A religião em sua essência é uma representação transcendental dos poderes de sociedade. "Nós temos que descobrir os substitutos racionais para estas noções religiosas que por muito tempo serviram como o veículo para as idéias de moral mais essenciais". Cerimônias religiosas que reúnem as pessoas servem para reafirmar os seus laços comuns e reforçar solidariedade social. Observância religiosa mantém e revitaliza a herança social do grupo e ajuda a transmir seus valores às gerações futuras. A religião também tem uma função de euforia que serve para contrariar os sentimentos de frustração e perda de certeza, restabelecendo a sensação de bem estar naqueles que crêem, uma sensação de retidão essencial ao seu mundo moral. De forma mais geral, a religião como uma instituição social serve para dar significado aos preceitos existenciais do homem, ligando o indivíduo à esfera supra-individual de valores transcendentes que está, no final das contas, arraigada na sua sociedade. O princípio de Durkheime era que "As pessoas, locais, eventos e situações expressos pelos mitos eram inevitavelmente representações de importantes realidades sociais e culturais"
As mitologias também podem ser vestígios de rituais esquecidos. Atualmente grupos pseudo-pagãos fazem procissões a stonehenge e outros sítios megalíticos para adorar a natureza, e fazer a apologia de seus pensamentos mitológicos, quando muitas destas estruturas foram criadas com o objetivo legítimo de marcar o calendário, com alinhamentos especiais nos solstícios e equinócios. Aquilo que foi criado como um instrumento de observação astronômica de precisão, com o passar do tempo tem sua função esquecida, e passa a ser englobada no mito religioso.
No início do cristianismo na Inglaterra, a recomendação era que não se destruíssem os templos que as populações nativas utilizam para adorações dos deuses Celtas, pagãos, mas que os ídolos que lá estivessem fossem substituídos pelas imagens do cristianismo. A igreja determinava que fossem construídos altares nestes templos, e que se colocassem relíquias cristãs no seu interior, porque quando as pessoas vissem que seus templos não tinham sido destruídos elas iriam naturalmente passar a adorar o deus cristão. Não só os templos pagãos eram convertidos em igrejas cristãs como também as festas pagães foram adaptadas para celebrações cristãs. "Sem dúvida é impossível cortar de suas mentes teimosas tudo de uma fez"
De uma forma geral, mitos são símbolos. Um símbolo funciona como um indicador de um fenômeno que, por associação, é conectado com a imagem de outro fenômeno. A nuvem de chuva é um indicador de uma tempestade que virá no futuro, a fumaça é a indicação de fogo, etc... Assim, todo símbolo acaba funcionando como um sintoma, uma base de reconhecimento, de outros objetos, ou outros fenômenos. Ao contrário do símbolo, os sinais são indicações naturais, que não evocam a imagem de outro fenômeno, mas ação imediata. Existe também a conecção objetiva entre um sinal e o objeto designado, perfazendo a ação de dar nomes. O sistema de linguagem é formado por uma combinação de sinais, objetivos e relacionais, símbolos e super-sinais (frases, combinações de palavras, etc...). Devido à coneccção de sinais, a linguagem adquire a qualidade de ser super-sinal, encorporando novos significados para a combinação de sinais mais simples, e assim se torna o meio de formação das práticas de organização social e de pensamento.
Talvez o aspecto mais forte das mitologias é que elas são expressões simbólicas do pensamento individual.
Ernst Cassirer propôs que as formas simbólicas, não são imitações mas sim agentes da realidade, que trazem os objetos para o nosso conhecimento intelectual, tornando-os visíveis e permitindo que os analisemos. Assim, a análise da realidade não precede a linguagem, mas a linguagem em si inicia a análise. Seguindo este ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem como símbolos, como forças que produzem e propõem mundos diferentes. Ele escreve: "[O trabalho de dar nome] é o que transforma o mundo de impressões sensoriais [...] em um mundo mental, de idéias e significados"
Levi-Strauss, explicava a origem de padrões sociais, assim como temas mitológicos, como decorrentes da função e extrutura do cérebro. "Mitos nos ensinam bastante sobre as sociedades das quais se originaram, eles nos ajudam a [...] entender as razões de suas crenças, costumes [...] e mais importante, eles tornam possível descobrir os modos operacionais da mente humana, que permaneceram tão constantes pelos séculos, e são tão disseminados ... que podemos assumí-los como fundamentais e podemos procurar achá-los em outras sociedades e em outras áreas da vida mental". A função do mito é, então, prover uma forma lógica de mediação entre contradições reais ou aparentes, geradas pela tendência humana de ver as coisas de uma maneira dual, como preto e branco, bem e o mal, etc...
Tentamos encontrar um sentido na natureza, mas nossa imaginação fica presa nos dualismos, criando paradoxos que não conseguimos explicar, senão através dos mitos. Todos os mitos existem por causa da necessidade obsessiva de resolver estes paradoxos ao longo das eras.
A visão de Claude Levi-Strauss é que existe uma única forma global de pensamento. Os homens, quaisquer que sejam as suas culturas, acabam desenvolvendo uma série de idéias comuns, porque estão fadados a chegar a soluções mais ou menos semelhantes, uma vez que todos os seres humanos carregam em si o mesmo "projeto estrutural". Apesar dos conceitos serem similares e compartilhados por todas as pessoas, cada cultura os expressa de uma forma diferente, e isso fica claro na análise do sistema de crenças e na mitologia de cada cultura. "O pensamento mitólógico é um tipo de bricolagem intelectual" escreve Levi-Strauss. Assim, embora a concepção seja comum, o aspecto final da mitologia de uma determinada cultura será alterado em função dos elementos utilizados para construí-la. Nesta linha de pensamento, conceitos comuns a todas as culturas, como os conceitos da criação, de que tudo teve um início, por exemplo, mudam de forma conforme os elementos nos quais aquela cultura estiver inserida. Os caçadores-coletores provavelmente irão considerar nos seus mitos elementos mais ligados à natureza com a qual convivem, enquanto culturas mais agrícolas considerarão elementos cíclicos. As histórias são diferentes entre as diferentes culturas porque cada uma tem um entendimento do mundo diferente. Mesmo que os mitos de criação sejam todos diferentes, o princípio comum em todos eles continua sendo o mesmo: o de explicar o início da vida (em geral também explicando a situação especial ou de superioridade dos homens) e o início do ambiente em que os homens vivem.
O antropólogo Claude Lévi-Strauss considera que aquilo que constitui um mito não são as versões individuais, mas todas as versões juntas. O estudo de um mito deveria habilitar a extração de um padrão geral ou uma seqüência, a partir das muitas versões diferentes daquele mito. Cada uma destas versões deveriam ser construídas através de partes menores, cada uma destas partes com um significado distinto. Em Structural Anthropology, ele descreve seu método de análise de mitos a partir de uma constatação universal: "Se por um lado parece que no curso de um mito qualquer coisa pode acontecer, por outro lado esta arbitrariedade aparente é desmentida pela semelhança espantosa entre mitos diferentes".
O método de Levi-Strauss para estudar os mitos, é a análise de sua estrutura. Ele parte o mito em seus mitemas constituintes, pequenas partes que se referem a um assunto, ou um simbolismo em particular, e atribui números a estas partes. Assim, todas as passagens que se referem à "ligações de sangue", por exemplo, recebem o número 1, e todas as que se referem à "quebra de ligações de sangue" o número 2, e assim por diante. Depois ele arruma estas passagens em colunas, colocando todas as passagens de número 1 em uma coluna, e todas as de número 2 na coluna seguinte, e também tomando o cuidado de arrumar o texto cronologicamente de cima para baixo, deixando os primeiros eventos em cima e os últimos em baixo, à medida que aparecem na estória. Lendo-se o texto de cima para baixo e da esquerda para direita, ignorando-se a quebra de colunas, como fazemos normalmente, teremos toda a história. Se observarmos as colunas, ao contrário, veremos a ligação entre os mitemas, que segundo o princípio mais famoso de Levi-Strauss, devem apresentar o "progresso desde o reconhecimento dos opostos até a sua resolução". No mito de Édipo, nós podemos ver o que isso significa. O mito tem a ver com a inabilidade, para uma cultura que tem a convicção que gênero humano é nato, achar uma transição satisfatória para o conhecimento que os seres humanos nascem da união de homem e mulher. As partes constituintes do mito falam sobre as relações de sangue, e a origem autônoma do homem. Embora o problema não possa ser resolvido facilmente, o mito de Édipo dá um tipo de ferramenta lógica para o problema: embora a experiência contradiga a teoria, e mostre que os homens nascem da união entre homem e mulher, a vida social valida a cosmologia por sua semelhança de estrutura. Ou seja, mesmo que Édipo não soubesse como é que as coisas acontecem, elas aconteceriam de qualquer forma porque assim estava dito – Mesmo que achemos que somos criados da união de dois diferentes, isso não importa porque não podemos ir contra a verdade.
Roland Barhtes afirma que "mito é um sistema de comunicação, é uma mensagem". Com isso ele quer dizer que nesta base, não podemos interpretar os mitos como conceitos, objetos ou como uma idéia, mas que devemos encará-lo como uma forma, um modo de comunicação.
O sono da razão produz monstros. - Inscrição em uma pintura de Goya
Se 50 milhões de pessoas acreditam em uma bobabem, ainda assim continua sendo bobagem. Anatole France
Edward.B. Tylor pode ser reconhecido como o fundador da anthropologia moderna como nós conhecemos, e seu método era estudar os fatos "puxando as coisas" para que juntas fizessem sentido. Ele afirmava que uma cultura é definida como "aquele todo complexo que inclui o conhecimento, a crença, a arte, moral, lei, costumes e qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Portanto, passando a estudar as culturas como uma consequência da vida coletiva dos homens, Tylor estudou as diferentes formas com que o homem se relaciona com o divino sob uma perspectiva nova. "Não somente como uma questão de curiosidade de pesquisa, mas como um guia prático importante para a compreensão do presente e formação do futuro, a investigação do primeiro desenvolvimento da civilização deve ser fomentada com zelo. Começou-se a estudar as religiões como um produdo humano. Ele escreveu:
Na maior parte do mundo civilizado e na maioria das grandes religiões históricas, consideramos história sagrada tudo aquilo que faz parte de nossa religião ou seita, enquanto aqueles que pertencem a outra religião ou a outra seita consideram essas narrativas puras lendas
Ao analisarmos as religiões e mitos todos como formas iguais de um pensamento místico gerado pelos homens para fazer frente às suas necessídades psicológicas e sociais, o pensamento mítico passa a poder ser encarado como mediador, fazendo a ligação do físico (encarado como o dia-a-dia das pessoas) com o não-físico.
Uma Religião, como processo cultural criado por uma sociedade, não é mais verdadeira que outra. Para dar sustento a seus processos culturais, as sociedades criam mitos, que tratam como verdadeiros, embora não o sejam. Os mitos são um conjunto de estórias e conceitos que só tem sentido dentro de um contexto, de uma cultura. O mito de uma religião é uma ficção para outra religião. Simplesmente se considera um mito da mesma forma como uma ficção, simplesmente algo que não é verdade. Os estudiosos de mitologia, entretanto encontram outra definição para um mito: "[mito] é um tipo especial de história, que tenta interpretar alguns aspectos do mundo ao nosso redor". Segundo Michael Shermer, editor da revista Squeptical Inquirer, os mitos surgem como uma resposta à natureza psicológica dos homens, que encontram neles formas de lidar com as grandes passagens do tempo, como o nascimento, a morte, as transições da infância para a idade adulta, etc...
Nós construímos representações do mundo, não de uma maneira automática, como o "reflexo de um espelho que somente pode apreender a realidade tal como ela é, mas sim que a mente humana sempre está realizando um trabalho intelectual sobre a realidade para interpretá-la. Não existe na mente humana nem tampouco na cultura de um grupo humano uma representação que não seja fruto de um trabalho da mente". Assim, formamos em nossa mente um mundo que é limitado pelas condições históricas e sociais.
"Neste sentido, do ponto de vista sociológico, a religião é uma das representações que os homens fazem do mundo e de si mesmos. Especificamente, é a representação que faz referência ao sobrenatural".
Lênin
comparou a religião ao ópio que entorpece o povo. É muito mais grave. A religião é o ópio que é dado a um paciente com infecção grave, que deveria gastar seu dinheiro com antibióticos e dedicar todos os seus esforços para curar esta infecção, ao invés de obter um pouco de alívio passageiro com entorpecentes. Karl Marx já considerava que a religião aliena o homem do conhecimento de si mesmo, sendo a base para o consolo e justificativa de uma consciência de mundo invertida.A definição de Tylor era simplesmente que religião é "acreditar em seres espirituais"
Frazer definia religião em termos de "propiciar e conviliar poderes que se acreditam superiores ao homem"
"A religião é um sistema unificado de crenças e práticas relativas às coisas sagradas"
Funcionalmente, a religião tem um caráter de obsessão coletiva.
Rudolf Otto descreveu a religião como a experiência individual do grande e fascinante mistério, que coloca a existência humana como contingente e pequena
A religião é aquele conjunto de crenças, práticas, rituais e sentimentos que são direcionados ao "Centro", o "tempo primário", a "área da realidade absoluta"
A religião é um sistema de símbolos que atuam como poderosos, persuasivos e duradouros estados de espírito e motivações nos homens, através da formulação de conceitos de uma ordem geral da existência e da roupagem destes conceitos com uma aura de factualidade tal que estes estados de espírito e motivações parecem realísticas
[Religião] significa a sujeição expontânea de si mesmo a Deus
Nosso estudo das religiões se desenvolve naquilo que é visível, ou seja as ideologias, os ensinamentos, rituais, cultos, etc..., mas a religião também é composta por uma parcela invisível que é a própria experiência individual, sentido e função das religiões.
A função neurótica das convicções religiosas, sua ajuda como uma " fuga da liberdade", realmente é encontrado frequentemente
Se nós soubéssemos com qualquer certeza como e por que a religião surgiu, então nós poderíamos saber então que religião é. A procura pelo conhecimento sobre as origens da religião era o motivo intelectual por detrás da pesquisa antropológica sobre religião levada a cabo por estudiosos como Muller, Tylor, Frazer, Spencer, Marett, Durkeim, e outros. Este esforço para descobrir as origens de religião não pode ser descartado como especulativo ou somente desconsiderado porque há discordância considerável entre estudiosos neste assunto. Os dados antropológicos não permitem concluir que o humano é essencialmente um Homo religiosus, mas nós não conhecemos nenhum período de história na qual o humano não se expressou religiosamente. A religião pode ser ou pode não ser inata aos seres humanos, mas a evidência para seu inevitabilidade está ganhando.
O aspecto social de fé é uma herança que pode incluir a " tradição cumulativa " mas entra mais fundo nas qualidades sentimentais que passam de uma geração a outra, dos membros mais antigos da família para os mais jovens.
Um homem sábio tem suas crenças proporcionais às evidências
David Hume
Os homens de experiência estão como a formiga, eles só colecionam e usam; os raciocinadores se assemelham a aranhas que fazem teias de sua própria substância. Mas a abelha toma o curso mediano: coleta seu material das flores do jardim e do campo, mas o transforma e digere através de um poder próprio. Não diferente, este é o verdadeiro negócio da [ciência]; nem confia somente ou principalmente nos poderes da mente, nem joga em um buraco da memória o material que colhe da história natural e das experiências mecânicas, como o acha, mas coloca-o na pilha de conhecimento alterado e digerido. Então, de uma liga mais íntima e pura entre estas duas faculdades, o experimental e o racional (como nunca foi feito), muito pode ser esperado.
O que é que faz uma hipótese ser científica ou não? Karl Popper propôs um critério de demarcação que parece ter ganho uma aceitação bastante generalizada. Toda a teoria científica genuína deve ser testável, e portanto passível de ser falsificável. A regra geral consiste em se determinar se uma hipótese pode ser falsificável, e neste caso é uma hipótese científica porque pode vir a ser eliminada se depois dos testes, ou não possa ser falsificável, e neste caso não é uma hipótese científica porque não se pode descartá-la mesmo depois de testes, apesar de ser uma hipótese possível. A afirmação "todo objeto solto ao ar sobe em direção aos céus" é uma hipótese científica porque podemos facilmente testar (e no caso descartar a afirmação, porque sabemos que existem objetos – quase todos, exceto aqueles cujo empuxo é maior que o peso – que caem quando soltos ao ar). enquanto a afirmação "Alguns remédios homeopáticos podem curar algumas doenças" não é científica porque é tão genérica que não se pode ser descartada (para ser descartada, teríamos que testar TODOS os remédios homeopáticos para TODAS as doenças, o que é impossível).
O universo pode ter um propósito, mas nada do que sabemos sugere que, assim sendo, esse propósito tenha alguma similaridade com o nosso.
Bertrand Russell
Se perguntarmos "De onde o Universo veio?" Nossa resposta pode ser somente "ele não vem de lugar algum" [...] Não existe "lugar" de onde ele possa ter vindo.
Peter A. Angeles
Não importa a razão pela qual você faz a investigação. Os resultados finais são isentos.
Não precisa prova de autoridade
Não se precisa acreditar em nada, ou acreditar não faz diferença.
Prevê o futuro.
Renova a si mesma. Traz em si a fórmula para renovação.
"Na ciência, por definição, nada é sagrado; a teoria mais respeitada pode ser derrubada por um experimento que a contradiga. É por causa desta disposição de submeter as idéias ao teste da realidade que a ciência, como nenhum outro sistema de crenças, nos deu tanto poder para prever e controlar a natureza. Sob este aspecto, ela é muito diferente de qualquer religião ou filosofia".
"A ciência é um processo que se auto-corrige. Para serem aceitas, novas idéias devem sobreviver aos mais rigorosos testes de evidência
... My answer to him was, "... when people thought the Earth was flat, the were wrong. When people thought the Earth was spherical they were wrong. But if you think that thinking the Earth is spherical is just as wrong as thinking the Earth is flat, then your view is wronger than both of them put together."
Isaac Asimov,The Relativity of Wrong, Kensington Books, New York, 1996, p 226.
As respostas mais fáceis a estas perguntas são aquelas que evocam eventos fora de nossa experiência normal, aquilo que passamos a chamar de sobrenatural. Mas será que existe o sobrenatural? Uso um argumento da racionalidade: se o sobrenatural é necessário para explicar uma série de eventos, e dar resposta a uma série de perguntas, ele é tão natural quanto qualquer outra coisa da natureza, e assim sendo não existe por definição nada que seja sobrenatural. Quase todas são perguntas sem resposta, ou pelo menos sem uma resposta que venha a ser unânime, ou que traga paz de espírito à humanidade. Mas perguntas não deixam de ser importantes porque não temos respostas, nem deixam de ser a representação daquilo que nós somos bem no fundo, bem no íntimo. Até este momento somos uma espécie única no universo. Dentre todos os milhões de seres vivos, somos os únicos capazes de fazer perguntas abstratas, com o único fim de aplacar nossa curiosidade sobre as questões mais profundas, sobre nossa própria existência. Sendo únicos, somos solitários em nossa busca por explicações, e somos impelidos a buscar as respostas nas mais diferentes fontes possíveis.
O método mais rígido pode não trazer as respostas mais agradáveis, mais imediatamente, ou mais suavemente, entretanto traz respostas paupáveis, verificáveis e – por que não – flexíveis às mudanças, desde que estas sejam baseadas em novas evidências. O método menos rígido, baseado na crença e na interpretação individual, traz respostas agradáveis, imediatamente e suavemente, embora as respostas sejam absolutamente não testáveis e inflexíveis (um dogma é seguido por aqueles que creem nele, mesmo no caso em que todas as evidências, e o bom senso, serem em contrário).
A grande questão será sempre sobre a máxima utilização dos nossos recursos para melhoria dos padrões de vida de todos. Os seres humanos já avançaram muito sobre a superstição, em conhecimento, em sabedoria e em ação, assim, cada minuto, cada segundo que perdemos com superstições, com mitos, com religiões, jogamos fora um precioso tempo que cada um poderia esta utilizando para, dento de suas habilidades, melhorar nossa próprias vidas, as vidas de nossa família, de nossos semelhantes humanos, ou ainda a vida em nosso planeta. Será que conseguimos melhorar nossas vidas escutando sermões religiosos, impregnados de preconceitos e continuamente deturpados por um clero que passou a se auto-intitular detentor da verdade, ou será que melhoramos nossas vidas com os avanços do conhecimento obtido através da ciência? Nosso recurso mais precioso, o tempo, é extremamente escasso. Durante uma vida passamos a maior parte do tempo atendendo às nossa necessidades fisiológicas mais básicas, dormindo, nos alimentando, cuidando da higiene, procriando e trabalhando para obter mais recursos. Sobra muito pouco tempo para que possamos pensar em melhorar a nossa vida e a vida de nossos filhos. Nestes poucos momentos, não podemos desperdiçar esse recurso tão raro com rituais, cerimônias e, porque não, pensamentos religiosos, simplesmente porque estes não trazem nada de bom à humanidade, à exceção de algum conforto passageiro para o religioso.
Dentre todos os avanços obtidos pelos procedimentos de investigação rígidos, os maiores se deram nas áreas das ciências naturais. Pelo menos no que se refere às respostas às dúvidas existenciais, porque remontam às origens do universo e da vida e, ultimamente, respondem às questões sobre como chegamos, onde estamos e para onde vamos. É verdade que a ciência como um todo merece uma reverência enorme, pois através deste método conseguimos aumentar a expectativa de vida da humanidade, conseguimos compreender as questões que nos atormentam, conseguimos acabar com a dor física, e até diminuir a dor emocional. Sem querer diminuir os enormes avanços das ciências políticas, sociais e econômicas, as ciências naturais é que nos fornecem as respostas mais fundamentais sobre os princípios que regulam todas as demais realizações humanas, e portanto as que melhor explicam as questões básicas e filosoficamente fundamentais. Também as ciências naturais trabalham com menor número de graus de liberdade, isto é, um menor número de fatores podem ser analisados para que cheguemos a uma conclusão sobre como determinado evento funciona. À medida que aumentamos os graus de liberdade, a quantidade de variáveis é tão absurdamente grande que é praticamente impossível estudar os efeitos de cada uma separadamente, ou de se estudar o resultado do conjunto por completo. Por estas e outras razões, a física e a química conseguem explicar seus fenômenos com melhor precisão do que a biologia molecular, e esta melhor que o comportamento dos tecidos, e estes melhor do que o dos indivíduos e assim por diante. Portanto, quanto menor o graus de liberdades da disciplina que estudamos, mais podemos descobrir as causas mais fundamentais de cada processo envolvido.
As vezes pensamos que o grande conflito seja entre a fé e a ciência, mas não é o caso. O grande conflito está nas escolhas entre hipóteses diferentes para explicar o mundo, e neste particular cada religião conta com as suas, e a ciência é um método de separar as hipóteses que se encaixam com as evidências e aquelas que não se encaixam.
A fé obriga os seus seguidores a dispensarem qualquer prova, pois a exigência de prova é contrária à fé, enquanto a ciência exige a prova, pois a falta de prova é contrária à ciência. Estes são preceitos fundamentais para uma ou para outra e portanto temos uma divisão quanto às bases de cada método. As crenças religiosas são comumente conflitantes entre si, e não temos nenhuma razão para supor que uma seja melhor do que outra.
"As experiências religiosas em uma cultura comumente são conflitantes com aquelas de outra cultura. Não se pode aceitar todas elas como verídicas e ainda, não parece haver uma maneira de separar as experiências verídicas do resto."
Richard Feyman escreve: "Durante a idade média existiam todos os tipos de idéias malucas, tais como a que um pedaço de chifre de rinoceronte aumentaria a potência. Depois um método foi descoberto para separar as idéias, que foi "tente uma para ver se funciona, e se não funciona, elimine-a". Este método se ficou organizado, é claro, na ciência. E se desenvolveu muito bem, de tal forma que hoje estamos na idade científica. É tanto a idade científica que temos dificuldade em entender como curandeiros puderam existir, quando nada do que eles propunham realmente funcionava, ou muito pouco funcionava" .
A verdade, ao contrário do mito, deve surgir do mundo, e não devemos "entortar" as evidências para que elas caibam dentro de nossas crenças. Assim, precisamos de um método que seja isento, ou pelo menos um método que procure ser isento. Descartes, introduziu formalmente o conceito da necessidade de um método confiável para a análise dos fenômenos no mundo e resposta aos questionamentos. Na introdução de seu livro mais famoso, o Discurso do Método, escreveu:
O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer outra coisa não costumam desejar mais bom senso do que têm. Assim, não é verossímil que todos se enganem; mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual em todos os homens; e portanto que a diversidade de nossas opiniões não decorre de uns serem mais razoáveis que os outros, mas somente de que conduzimos nossos pensamentos por diversas vias, e não consideramos as mesmas coisas.
Todas as pessoas são cépticas por natureza. Os judeus não acreditam na crença dos árabes, que não acreditam nas dos católicos, que estão muito ocupados não acreditando na crença dos evangélicos, apesar de ambos seguirem todos as mesmas divindades, e todas as religiões do livro não acreditam nas crenças dos budistas, que por sua vez não acreditam nos cristãos ortodoxos, que também não acreditam nos hindús, e assim por diante, até que todos, sem exceção, não acreditam em Zeus e em todos os outros deuses dos antigos gregos .
The paradox of theodicy is as follows: "How could a good God create a world tormented by suffering and evil?" (Turner, James, Without God, Without Creed, Baltimore, Johns Hopkins University,1985, pp 204 )
O método da fé, para obtenção de respostas às perguntas filosóficas, é baseado na certeza de que as coisas se comportam conforme o dogma da religião. Sendo assim, a religião oferece respostas definitivas e rígidas, embora profundamente desvinculadas da verdade. A ciência, por outro lado, é um método baseado em negativas e extremamente flexível e profundamente vinculado à verdade. Enquanto na religião os dogmas estão certos até serem provados falsos, e em geral até mesmo depois, em ciência as teorias são colocadas à prova a todos os instantes, e não considera-se nada como verdadeiro, nem mesmo as teorias mais testadas e mais utilizadas, somente afirmamos que – baseados nas evidências da observação - não se pode descartar a hipótese.
Para a verdade das conclusões nas ciências físicas, a observação é a suprema corte de apelações. Não se segue que todos os itens que nós confiantemente aceitamos como conhecimento físico tenham sido certificados pela corte; nossa confiança é que seriam certificados pela corte se a ela fossem submetidos. Mas se segue que cada cada item do conhecimento físico é de uma forma que possa ser submetido à corte. Deve ser de tal forma que possamos especificar (embora talvez impráticável de realizar) uma procedimento observacional que decidiria se é verdadeiro ou não. Claramente, uma afirmação não pode ser testada pela observação a não ser que seja uma afirmação sobre os resultados da observação. Todos os itens do conhecimento físico devem, destaforma, ser afirmações sobre o qual foi ou o qual seria o resultado caso um procedimento observacional especificado fosse executado.
O filósofo Willian de Occan, no século XIII, propunha que as entidades não devem ser multiplicadas além do necessário, um princípio que ficou conhecido como navalha de Occam. Segundo este princípio, um problema deve ser formulado em seus termos mais básicos e simples, e em ciência, deveremos escolher como verdadeira a teoria mais simples que descreve um fenômeno.
William of Occam (1284-1347) was an English philosopher and theologian. His work on knowledge, logic and scientificinquiry played a major role in the transition from medieval to modern thought. He based scientific knowledge onexperience and self-evident truths, and on logical propositions resulting from those two sources. In his writings, Occamstressed the Aristotelian principle that entities must not be multiplied beyond what is necessary. This principle becameknown as Occam's Razor, a problem should be stated in its basic and simplest terms. In science, the simplest theory thatfits the facts of a problem is the one that should be selected.
Os animais e seus espíritos – Os Mitos na Pré-História
Todas as religiões mudam e se desenvolvem. Se não fizerem isso elas se tornam obsoletas
K. Armstrong
Talvez os mitos e os sentimentos religiosos tenham se originado antes da existência dos seres humanos. Apesar de muitos estudiosos terem procurado as características que nos fazem verdadeiramente humanos, aquelas características que só os humanos têm, nunca encontraram. Ao contrário, cada vez mais percebemos que somente uma questão de grau nos separa de nossos parentes primatas, e dos animais em geral. Antes achava-se que o que separava os homens dos animais era que os homens eram os únicos que utilizavam ferramentas, mas hoje sabemos que várias outras espécies de animais, incluindo primatas e aves, as utilizam.
No início do século o psicólogo Wolfgang Kohler realizou experiências com símios em cativeiro e verificou que eles eram capazes de utilizar ferramentas simples para solucionar problemas imediatos. Kohler estudou quatro chimpanzés, chamados Chica, Grande, Konsul e Sultão. Nas suas experiências ele os colocava em uma área isolada e em um local mais ou menos inacessível, um prêmio - um cacho de bananas, por exemplo. Ele também colocava bastões e caixas de madeira nas proximidades, para observar como os chimpanzés utilizariam aqueles objetos para chegar até o prêmio. Kohler descobriu que os chimpanzés utilizavam os bastões como ferramentas, utilizando-os especificamente para chegar até as bananas. Da mesma maneira, quando o cacho de bananas era colocado no alto, eles empilhavam as caixas de madeira e as utilizavam como uma escada, como uma ferramenta específica para pegar o cacho de banana que estava pendurado. Entre as suas várias experiências, Kohler havia provado que, pelo menos em cativeiro, os Chimpanzés podiam utilizar ferramentas criativamente. Alguns dos críticos de Kohler argumentaram que estes animais só utilizavam as ferramentas porque elas haviam sido postas alí, e também porque os chimpanzés viviam a tanto tempo com os humanos que foram treinados para realizar tais "truques".
O contra-argumento aos críticos de Kohler só viria, como o estudo dos animais em estado selvagem. Em 1960, chegou à África uma jovem Britânica chamada Jane Goodall, com o objetivo de estudar o comportamento dos Chimpanzés. A expedição de Goodall havia sido patrocinada pelo famoso antropólogo Luis Leakey, que pensava que poderia obter informações sobre o comportamento de nossos antepassados hominídeos estudando o comportamento dos grandes símios modernos. No começo todos acharam que Jane não aguentaria realizar um estudo prolongado na dureza das condições da selva Africana, mas logo viram que estavam enganados. Em 1965 Jane conseguiu seu PHD em etnologia, e logo voltava para a África onde ela estudou por mais de trinta e cinco anos os chimpanzés selvagens no lago Tanganyika na Tanzânia, fazendo o mais completo estudo do comportamento destes símios na natureza até hoje.
Em seu extenso trabalho com os chimpanzés, ela verificou que eles não fabricavam ferramentas no laboratório porque eram induzidos a isso pelo pesquisador, ou pelo contato com os humanos. Ela verificou que também na natureza os chimpanzés são capazes de fabricar e utilizar ferramentas, que isso era um comportamento natural desta espécie.
Uma das passagens mais famosas de Jane Goodall é quando ela escreve a Louis Leakey descrevendo as suas primeiras observações dos chimpanzés selvagens de Gombe, e dizendo que eles fabricavam e utilizavam ferramentas para fins específicos: eles retiravam as folhas de galhos que haviam sido cuidadosamente escolhidos com antecedência e utilizavam este galho sem folhas como um artefato para retirar cupins de dentro do cupinzeiro, uma espécie de vara de pescar cupins. Leakey imediatamente reconheceu a importância desta observação, e respondeu "Agora deveremos redefinir ferramentas, redefinir Humanos, ou aceitar os chimpanzés como humanos".
Dentre seus relatos, Goodall conta que em um dia de chuva, ela estudava um grupo de chimpanzés, com sete machos adultos, várias fêmeas e jovens, quando um estrondo repentino de trovão assustou a todos. Como se o trovão fosse um sinal, um dos machos ficou em pé e começou a se balançar de um lado para outro, ritmicamente. Então ele correu em disparada ribanceira abaixo, e rodopiou ao redor de uma pequena árvore, que se quebrou diante de sua pressa impetuosa. Depois ele se sentou na relva, parado. Quase imediatamente, dois outros machos se lançaram rampa abaixo depois dele. Um quebrou um galho baixo de uma árvore e correu e brandiu o galho no ar antes de jogá-lo à sua frente. O outro, ao alcançar o fim da corrida, ficou em pé e ritmicamente balançou de um lado para outro os galhos de uma árvore, antes de arrancar um galho enorme e arrastá-lo mais adiante, rampa abaixo. Todos os machos se lançaram no mesmo ritual, e continuaram a fazê-lo várias vezes, por mais de vinte minutos, enquanto os raios e trovões cruzavam os céus. Será que este ritual poderia ser descrito como uma superstição? Certamente o estrondo causado por um trovão pode ter gerado a mesma reação em nossos antepassados hominídeos, que provavelmente também fabricavam ferramentas simples. É o poder de fora, incontrolável, superior à nossa vontade e à nossa inteligência, superior à nossa compreensão. Joseph Campbell escreve que "Este estrondo é a primeira sugestão da existência de um poder superior ao da comunidade humana" .
A percepção da existência de um poder sobrenatural implica na percepção de si mesmo, e do grupo, o que em geral se traduz em uma cultura. Outras espécies, como primatas e talvez alguns ancestrais de toda a humanidade, podem ter, ou ter tido, cultura, no sentido de uma percepção de si mesmo que e de seu grupo que é transmitida a seus descendentes. Alguns primatas aprendem comportamentos novos, e os transmitem a outros membros de sua comunidade. Pelo menos duas espécies, o macaco japonês (Macaca fuscata) e os chimpanzés (Pan troglodytes) apresentam inovação, disseminação, criação de padrões, durabilidade, difusão e tradição, tanto em atividades de subsistência como em outras atividades, conforme revelam décadas de estudos, e essas características são as que definem cultura.
Alguns grupos de chimpanzés transmitem a seus membros mais jovens como abrir nozes com o auxílio de pedras, e outros grupos ensinam aos mais jovens como pescar cupins com auxílio de galhos flexíveis. Certamente são comportamentos diferentes em grupos diferentes, e os estudos de campo mostram que não são comportamentos instintivos, mas que são realmente transmitidos de uma geração à outra. Podemos definir cultura como a programação coletiva da mente que distingue os membros de uma categoria de pessoas de outra . Dentro desta definição, fora a palavra pessoas, podemos dizer que os chimpanzés têm cultura. A essência de uma cultura não está nos seus artefatos, ferramentas ou outros elementos tangíveis, mas em como os membros do grupo interpretam e percebem estes elementos. Os indivíduos que estão inseridos dentro de uma mesma cultura interpretam o significado dos símbolos, artefatos e comportamentos de maneira igual ou similar.
Nossos antepassados podem ter desenvolvido uma cultura, e com ela um pensamento místico para explicar as coisas desconhecidas e os poderes da natureza. Da mesma maneira como os chimpanzés da Dra. Goodall inventaram um ritual para ser executado nos dias de chuva forte e trovoadas, os hominídeos nossos antepassados podem e devem ter criado os seus rituais, e com eles a sua mitologia e religião. Uma vez que alguns animais modernos podem apresentar cultura, transmitir as suas descobertas para outras gerações, e possivelmente apresentar comportamentos próximos do comportamento ritualístico do homem, faz-nos pensar se nossos remotos antepassados, através de seu parentesco comum com os atuais grandes primatas, também apresentassem primórdios de um pensamento místico. Joseph Campbell acha que sim. Esta hipótese propõe que nossos ancestrais mais remotos, australopitecos, tenham tido a introspeção necessária para a formação de cultura, e de um pensamento mítico. Colocado desta forma comparativa, esta hipótese é possível, mas dificilmente poderemos ter certeza. É mais fácil acharmos os ossos fossilizados de nossos ancestrais do que suas idéias.
Nosso conhecimento sobre a mitologia e a forma de explicação, de ordenamento no mundo, na pré-história são geralmente baseados nas formas artísticas deixadas pelos nossos antepassados em suas pinturas nas caverna e , quando em civilizações um pouco mais avançadas, em cerâmicas e outros objetos representativos que são interpretados pelos atuais pesquisadores. De certa forma, nunca teremos certeza absoluta se as interpretações que damos às evidências materiais que podemos analisar representam fielmente as idéias que foram expressas nas formas de arte deixadas para trás e resgatadas depois de milênios. Esta dificuldade de interpretação das idéias por detrás das evidências arqueológicas é bem clara, e todos os antropólogos, arqueólogos, paleontólogos e estudiosos que tentam descobrir pistas do passado sabem disso. Michael Pye, editor do jornal de Religião da Universidade de Marburg, na Alemanha, descreve a falta de conhecimento que temos sobre o pensamento religioso e místico na pré-história da seguinte forma:
"Na verdade, aproximadamente não se sabe nada sobre a "sabedoria espiritual" da raça humana nos tempos pré-históricos. Nós só podemos esperar que ao menos alguns de nossos ancestrais distantes, [...], realmente tenham achado alguma sabedoria espiritual para lidar com os trabalhos e perigos com que eles tinham que conviver".
Só podemos especular um pouco mais sobre o pensamento místico de nossos antepassados pré-históricos através dos restos que eles deixaram para trás. Várias ferramentas, instrumentos e outros vestígios podem ser utilizados para conhecermos um pouco mais da cultura das sociedades antigas. Tentamos deduzir, através da análise destes resquícios, o que se passava nas cabeças destas pessoas. Será que com base nestas evidências podemos descobrir um pouco como estas antigas sociedades interpretavam os fatos na natureza e como elas encontravam resposta para as perguntas mais fundamentais feitas pelo homem? Certamente as histórias e os mitos que estas populações encontraram para justificar suas vidas e fornecer conforto, explicação e esperança não se fossilizam, mas algumas outras pistas nos dão acesso a estas histórias.
Ao contrário dos antepassados mais distantes, com milhões de anos de idade, nossos antepassados mais próximos deixaram evidências de seu pensamento místico. Os Neanderthais deixaram túmulos, sepulturas com restos de ossos que pertenciam a indivíduos que foram intencionalmente colocados debaixo da terra depois de mortos. Estes Neanderthais, que formaram uma linhagem humana que se extinguiu cerca de 30,000 anos atrás, são os primeiros seres que deram algum tratamento aos seus mortos. Embora estudos utilizando a comparação do DNA, indiquem de que os Neanderthais formam uma linhagem paralela aos atuais humanos, que se separou do ancestral comum há 500,000 anos, seu comportamento e hábitos eram bem parecidos com os das populações mais antigas de Homo sapiens sapiens, independentemente de não serem ancestrais diretos. Exceto pela compleição física e alguns outros detalhes morfológicos, os Neanderthais apresentavam as mesmas características que nós: Eles tinham o mesmo tamanho de cérebro (na verdade o tamanho médio da caixa craniana era até maior do que nos humanos modernos – 1500 cm3 em média, contra 1350 cm3 dos humanos atuais), faziam ferramentas, utilizavam a pedra lascada, caçavam, e dominaram a Europa e o Oriente médio por mais de 150,000 anos. Os Neanderthais viviam em grupos de 30 a 50 indivíduos, como podemos descobrir hoje em dia pelos restos de seus assentamentos, e portanto apresentavam comportamento comunitário. Eles inventaram muitas das ferramentas que seriam aperfeiçoadas pelos humanos modernos, e tinham armas adequadas para lidar com o leão e o urso das cavernas, que dominavam a Europa durante a era glacial. Eles usavam pintura no corpo, enterravam seus mortos e tinham elaborados trabalhos com pedras, sinais evidentes de que possuíam capacidade para pensamentos abstratos e simbólicos.
Inumar os mortos é um comportamento tipicamente ritualístico, que exige uma série de conceitos abstratos. Primeiro é necessária a compreensão da diferença entre a vida e a morte, assim como a percepção do papel exercido por cada indivíduo dentro da comunidade. Também se espera que exista uma história, uma mitologia, uma razão que justifique lidar com o corpo de uma maneira em particular, e não de outra qualquer, como a cremação, por exemplo. Sociedades em que dão ao corpo do indivíduo falecido um tratamento ritualístico qualquer (sepultamento, cremação, ou qualquer outro), certamente dispõem de alguma introspeção e uma visão mística da vida. Richard Leakey, em A Origem da Espécie Humana, explica porque o enterro dos mortos é tão representativo do pensamento introspectivo de uma mitologia ou religião, assim como faz parte dos achados mais importantes para termos acesso à mente de nossos antepassados. Ele escreve:
Todas as sociedades têm maneiras pelas quais a morte é aceita como parte de sua mitologia e religião. Há miríades de maneiras pelas quais isto é feito nos tempos modernos, variando do cuidado extensivo do cadáver durante um longo período, talvez envolvendo a sua movimentação de uma locação especial para outra depois de um período de um ano ou mesmo mais, até uma atenção mínima ao corpo. Algumas vezes, mas não freqüentemente, o ritual envolve o sepultamento. O sepultamento ritual nas sociedades antigas ofereceria a oportunidade para que a cerimônia se tomasse "congelada" no tempo, disponível mais tarde a um arqueólogo disposto a quebrar a cabeça com ela.
Os túmulos mais antigos de Neanderthais remontam há aproximadamente 100,000 anos. Os sepultamentos que mais chamam atenção como indícios de um ritual mágico são datados em 60,000 anos. Nas montanhas Zagros ao norte do Iraque foi achada a cova de um macho adulto, com aproximadamente 40 anos, que havia sido enterrado na entrada da caverna. Segundo Leakey, "seu corpo aparentemente havia sido colocado sobre uma câmara de flores de potencial curativo, a julgar pelo pólen encontrado em torno do esqueleto fossilizado." Esta cova é conhecida como Shanidar IV e acredita-se que o corpo que foi enterrado ali era de alguém muito importante, possivelmente um shamã, devido aos supostos poderes curativos das plantas encontradas junto ao corpo .
Evidentemente que a suposição de um ritual elaborado, com plantas e flores com poder medicinal, pode estar errada, afinal os trabalhadores que atuaram neste sítio arqueológico vinham da mesma área em que as mesmas flores existem, e podem ter carregado consigo o pólen, principalmente porque trabalharam naquele local durante a primavera. Robert Gargett, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, também tem levantado várias dúvidas sobre a verdadeira interpretação do funeral em Shanidar, e suspeita que ele pode ser resultado da geologia local, sem ter nada a ver com um procedimento ritualístico Recentemente, o Dr. Jeffrey D. Sommer, da University of Michigan, sugeriu que o pólen havia sido carregado para a caverna não pelos contemporâneos do morto, em um ritual místico, mas sim por um pequeno roedor muito comum na região. Certamente o esqueleto em shanidar IV tem uma história interessante, e várias informações sobre a história daquele homem, e do modo de vida dos Neanderthais, foram obtidas a partir das marcas em seu esqueleto, mas sobre seus rituais e religião, ainda existem dúvidas e controvérsias.
Foram achados túmulos de Neanderthais em diversas localidades, espalhadas por quase toda a Europa e Oriente Médio. As evidências que mostram que estes indivíduos foram enterrados propositadamente são em geral relacionadas à presença de ocre vermelho, possivelmente utilizado para pintar o morto, a disposição do corpo em posições pouco usuais, com as pernas flexionadas em posição fetal, e a presença de artefatos ou ossos na mesma tumba. Túmulos de Neanderthais foram achados em La Chapelle-Aux-Saints, Le Moustier, La Ferrassie, Monte Circeo, e diversos outros locais. Em La Chappelle-aux-Sainte, na França, o corpo foi sepultado conjuntamente com uma perna de bisão, e em Monte Circeo o crânio Neanderthal foi encontrado com um anel de pedras à sua volta. Há evidências que o Neanderthal de Regourdon foi intencionalmente enterrado com restos de ursos. Em La Ferrassie foram encontrados seis corpos, entre os quais o de uma criança cuja cova havia sido coberta por um bloco de pedra que continha marcas entalhadas, que alguns antropólogos acreditam ter significado simbólico. Estes são algum exemplos entre os vários túmulos de Neanderthais apresentam evidências de um sepultamento ritualístico. Alguns destes túmulos são compostos de uma fossa escavada e rodeada por um círculo de pedras, coberta posteriormente por um pequeno monte de pedras. Dentro destas tumbas são achados os restos do morto, e a disposição do corpo, em geral com as pernas dobradas como na posição fetal, mostra que ele havia sido propositadamente enterrado, e não coberto pela terra com o passar dos anos, como seria esperado se o sepultamento fosse um evento puramente natural e sem a intervenção dos demais membros do grupo.
Os Neanderthais podem ter tido um pensamento místico muito parecido com o dos atuais caçadores coletores, incluindo rituais de curandeirismo, chamados de rituais xamanísticos, e culto aos espíritos dos animais, conhecido como animismo. Culturalmente a vida dos Neanderthais (e do Homo sapiens em quase toda a sua história) não parece ter sido muito diferente dos Aborígenes da Austrália, dos Pigmeus da África ou dos Yanomamis da Amazônia, e portanto seu pensamento místico e sua religião podem ter sido essencialmente parecidos.
Em Hortus, um sítio arqueológico datado em 50,000 anos, localizado no sul da França, os arqueólogos encontraram junto com o esqueleto de um Neanderthal os ossos da pata e do rabo de um leopardo. Não foram achados os demais ossos do leopardo, o que indica que o animal não foi enterrado inteiro junto com o homem, caso em que pelo menos os dentes, que são extremamente resistentes, teriam sido encontrados. Alguns pesquisadores sugerem que os ossos que foram encontrados são fragmentos de uma capa feita da pele do leopardo. Esta capa seria utilizada da mesma forma como curandeiros em sociedades modernas o fazem, representando o espírito do animal.. Homens fantasiados de animais são comuns nas celebrações e rituais de várias sociedades de caçadores-coletores modermos, e geralmente são indicações de rituais de cura ligados ao xamanismo.
Outro indício da presença do pensamento mitológico entre os Neanderthais é o "culto do urso da caverna", um animal que está atualmente extinto, e que era muito abundante na Europa durante a era glacial (Ursus spelaeus). Alguns estudiosos acreditam que as populações humanas e os ursos competiam pela ocupação das cavernas, uma vez que em várias cavernas em que resquícios de ocupações humanas foram encontrados, também haviam restos de ursos. Possivelmente ambos competiam pela ocupação das cavernas como abrigo, o que pode ter gerado grandes conflitos e consequentemente um crescimento do respeito pelo urso como oponente. Nas sociedades de caçadores-coletores, a relação dos homens com os animais é bem mais intensa do que na nossa sociedade atual. Nós não vemos nem sentimos a morte que nos dará o alimento. Nas sociedades de caçadores, a morte da caça é o que dá sustento ao homem. "O sistema de crenças típico dos povos caçadores", escreve Joseph Campbell, "admite ser o animal equivalente à humana, só que sob um aspecto diferente". Campbell descreve uma caverna na Suíça onde existe um santuário de crânios do urso negro, datado de 60,000 anos, onde os Neanderthais possivelmente cultuavam o "animal-chefe", o urso, reverenciado e temido.
Na região alpina da Suíça e da Silésia foi encontrada meia dúzia de pequenas cavernas-capelas contendo nichos com crânios de ursos, esconderijos onde haviam sido preservados os referidos crânios. Alguns deles tinham anéis de pedra à sua volta. Outros traziam na boca um osso de urso, como se este tivesse comido sua própria carne. Outros, ainda, têm um osso de urso atravessado nas órbitas – talvez por medo de mau-olhado.
Em Drachenloch, na Suíça, uma quantidade de crânios de ursos foi achada em uma arca de pedra com um metro de lado, coberta por uma imensa laje de pedra. Acredita-se que a estrutura tenha sido construída por Neanderthais que habitavam a entrada da caverna. "Dentro haviam sete crânios de ursos, arranjados com seus focinhos encarando a entrada da caverna, e ainda mais fundo na caverna, seis crânios de ursos em nichos ao longo das paredes. Em Le Régourdou foi encontrado um santuário similar, contendo os restos de mais de vinte ursos (em sua maioria crânios) em uma cova coberta por lajes de pedra. Neste sítio foi encontrada uma sepultura neanderthal, lado a lado com uma sepultura de urso.
Ossadas de urso foram encontradas em vários locais da Europa, dispostos em situações mais ou menos arrumadas, dando a impressão de um arranjo intencional: Crânios de urso já foram achados empilhados debaixo de lajes de pedra; ossos arrumados ao longo das paredes; um crânio colocado dentro de um nicho; crânios em cujas narinas ou arcadas zigomáticas teriam sido enfiados outros ossos; crânios cobertos com um monte de argila; uma sepultura que foi feita deliberadamente para se enterrar um urso; crânios dispostos intencionalmente sobre o solo. É possível que estas disposições das ossadas de ursos sejam conseqüência de fenômenos naturais, mas existe igualmente a possibilidade de terem sido feitos intencionalmente, como forma de reverência ao animal. É verdade que os ursos hibernam em cavernas, e que a sua própria movimentação espalharia os esqueletos dos outros ursos que anteriormente habitavam aquele lugar e que lá morreram. Também seria esperado encontrarmos mais crânios de ursos nas cavernas, onde eles habitam e hibernam, do que em outros locais. Outra hipótese para explicar as ossadas é que os ursos podem ter sido trazidos pelos homens até suas comunidades, onde podem ter sido enterrados propositadamente para não apodrecer, ou para não atrair outros animais, e não em função de um ritual místico. Entretanto, não seria estranho supor que havia um culto ao animal que provavelmente representava grande perigo e era um teste de bravura aos caçadores coletores de outrora, da mesma forma como algumas tribos atuais na savana africana reverenciam o leão ou o leopardo. A expressão de respeito ao espírito animal, em sociedades de caçadores, é presente até os dias de hoje. Os antropólogos recolheram inúmeros exemplos de mitologias em sociedades indígenas, em que os animais e os homens compartilham a mesma essência divina. Para os caçadores Montagnais-Naskapi, da península do Labrador no Canadá, por exemplo, os animais, a tundra e as águas existem em uma relação íntima. Para estes homens modernos, a caçada é uma ocupação sagrada e o respeito aos animais caçados é grande, porque eles não consideram o animal como inferior ao homem:
os animais seguem uma existência correspondente àquela do homem no que se refere às emoções e ao propósito na vida. A diferença entre homem e animais, eles acreditam, está basicamente na forma exterior.
Ao contrário das sociedades modernas, onde o alimento encontra-se asceticamente embalado e pronto para consumo e que o processo de matança não é visível nas gôndolas dos supermercados, as sociedades de caçadores retiram a vida dos animais direta e deliberadamente para sua subsistência. A proteína da carne vem diretamente da morte de um animal, que dá a sua vida, através das mãos do caçador, para sustentar a vida de outro. Quando o ser humano começa a se questionar sobre sua própria mortalidade, procura encontrar alguma explicação que também justifique porque ele mesmo retira a vida de outros animais. Seria natural esperar que as sociedades baseadas na caça reverenciem o animal caçado. No Japão, segundo Joseph Campbell, existe um culto ao Urso, seguido pelos Ainos, uma raça caucasóide que ingressou e se instalou naquele país séculos antes dos japoneses mongóis, e hoje se encontra confinada às ilhas de Hokkaido e Sakhalin. É uma sociedade de caçadores-coletores, mas que nos dá uma clara visão de como o relacionamento do homem com a morte dos animais provocada por sua caçada dá origem a explicações místicas. Os Ainos acharam uma boa desculpa para matar e comer os animais que caçam: eles acreditam que matando os animais eles estão fazendo um bem porque estão liberando as suas almas. Campbell escreve:
Este curioso povo tem a idéia clara de que este mundo é mais atraente que o próximo, e que os seres divinos [...] são propensos a nos retribuir visitas. Eles chegam até nós sob a forma de animais; porém, uma vez que tenham vestido seus uniformes de animais, são incapazes de removê-los. Por isso, não podem voltar para casa sem a ajuda humana. E assim, o aino realmente os ajuda – matando-os, removendo e ingerindo os uniformes e, cerimonialmente, desejando aos visitantes bon voyage
O culto ritual ao Urso é realizado por várias culturas onde a caça é o centro das atividades da comunidade. Tribos na Sibéria cultuam o urso como um homem primordial, e se desculpam antes de matá-lo.
A organização dos ossos dos animais em um padrão específico, ou a utilização dos ossos cerimonialmente é bastante comum nas sociedades baseadas na caça porque os ossos representam aquilo que sobra após a morte, uma espécie de lembrete sobre o ser que possuía aqueles ossos. Entre os povos caçadores, os ossos representam a fonte final de vida, a partir da qual a espécie é reconstituída. Para estas sociedades, os ossos representam a fonte de vida, e reduzir um ser vivente a um esqueleto é o equivalente a re-entrar no útero primordial da vida para uma renovação completa, um renascimento místico. A idéia que a matriz inesgotável de vida da espécie se encontra nos ossos do animal é característica das relações místicas entre o homem e a sua presa, que são fundamentais para as sociedades de caçadores. As tribos das Planícies Norte Americanas, como os Dakota, acreditam que os ossos dos bisões que eles mataram e despiram da carne se levantarão vestidos com carne renovada, e estimulados com a vida, e ficarão gordos, e prontos para a morte na próxima estação.
Os padrões encontrados nos vários sítios arqueológicos Neanderthais se enquadram bem no esquema dos atuais caçadores e coletores. Em todo o mundo estas culturas apresentam uma mitologia que se enquadra às suas atividades corriqueiras. Seja reverenciando os animais, estabelecendo cerimônias para marcar a morte ou se utilizando de ossos e outros artefatos, todas estas culturas demonstram um desejo de explicar o mundo dentro de seus padrões, dentro daquilo que conhecem.
O pensamento místico e religioso fica muito mais claro posteriormente aos Neanderthais, com o surgimento de nossa espécie, o Homo sapiens propriamente dito. Entre 30,000 e 40,000 anos atrás os Neanderthais desaparecem da Europa, e todos os humanos posteriores são iguais a nós, não só anatomicamente como também em relação ao seu padrão de comportamento. Os Neanderthais com sobrancelhas protuberantes, com o cérebro diretamente atrás da face, narizes robustos, e aquela cara estereotipada de "homem das cavernas" desaparecem subitamente, um fato que até hoje os pesquisadores tentam explicar. A Europa passou a ser dominada pelo homem de cro-magnon, com sua cabeça arredondada que abriga um cérebro cheio de pensamentos simbólicos. Os homens anatomicamente modernos provavelmente surgiram na África, cerca de 200,000 anos atrás, conforme demostram os estudos comparativos de DNA realizados na última década. Nossa espécie já florescia no sul do continente Africano há 100,000 anos, provavelmente até mesmo antes, e dalí se espalhou para o Oriente Médio, e logo depois para a Europa.Mas porque os Neanderthais desapareceram? Eles estavam muito bem adaptados à Europa, e lá viveram por mais de 200,000 anos, caçando e coletando. Não se sabe de nenhuma evidência de que eles estivessem mal adaptados, ao contrário, estavam perfeitamente bem até o surgimento dos humanos modernos.
Existem várias hipóteses para explicar este súbito declínio de uma espécie tão bem estabelecida. A taxa de nascimento dos Neanderthais era menor que a do Homo sapiens, e alguns paleoantropólogos sugerem que eles foram simplesmente substituídos em poucas gerações por uma espécie mais flexível e mais avançada tecnologicamente, basicamente em função de sucesso reprodutivo diferenciado. Os homens de cro-magnon também viviam até idades mais avançadas, possivelmente cinqüenta ou sessenta anos, enquanto os Nearderthais geralmente não passavam dos quarenta anos, morrendo logo depois do término da idade reprodutiva. Uma das hipóteses para o desaparecimento dos Neanderthais é que eles simplesmente se misturaram com outras populações de humanos, e que seus genes ficaram diluídos na população. Assim muitos estudiosos vêem uma substituição gradual, não de pessoas, mas de genes, que se espalharam por todas as populações humanas, transformando-as na nossa espécie. Em abril de 1999, João Zilhão, diretor do Instituto Arqueológico de Portugal, anunciou a descoberta de um esqueleto no sítio de Lagar Velho, ao norte de Lisboa, que parece favorecer a hipótese de cruzamentos entre Neanderthais e humanos arcaicos. Os restos praticamente completos do esqueleto de uma criança de 4 anos, enterrada com conchas perfuradas e ocre vermelho, foram datados em 24,500 anos. Segundo estudos feitos em conjunto com Erik Trinkaus, paleoantropólogo da Universidade de Washington em St. Louis, e especialista em Neanderthais, o crânio, a mandíbula, a dentição e a região pública apresentam um mosaico de características dos primeiros humanos e dos Neanderthais. Enquanto o osso temporal, a mandíbula, a públis e o tamanho dos dentes se enquadram com as proporções dos esqueletos dos humanos anatomicamente modernos, as proporções do corpo, especialmente a relação dos tamanhos fêmur-tíbia, e as inserções dos músculos alinham o esqueleto com os Neanderthais. Segundo estes estudos, este mosaico de características morfológicas indica uma mistura entre os Neanderthais e os antigos humanos anatomicamente modernos, pelo menos na região ibérica, onde os Neanderthais podem ter ficado isolados. A análise do DNA extraído de fósseis de Neanderthais, por outro lado, demonstrou que eles não se misturaram para formar os humanos atuais. Ao contrário, os Neanderthais parecem ser uma linhagem completamente extinta, que não deixou descendentes. Em 1997, pesquisadores em Munique, na Alemanha, conseguiram extrair fragmentos de DNA do osso do braço de um espécime do Neanderthal encontrado no Vale de Neander em 1858. Eles conseguiram colocar em seqüência 379 pares de base do DNA mitocondrial (mtDNA), oriundos das organelas responsáveis pela produção de energia dentro das células. Ao analisar esta seqüência, os pesquisadores descobriram que ela diferia bastante das seqüências similares encontradas nos humanos atuais, o que suporta a hipótese dos Neanderthais terem desaparecido sem deixar descendentes nas populações modernas. O estudo foi repetido independentemente com um exemplar de 29.000 anos, proveniente da caverna Mezmaiskaya, no Cáucaso, por Ovchinnikov e outros colaboradores. Este estudo corrobora a autenticidade do trabalho feito na Alemanha e também trouxe resultados ainda mais interessantes, demostrando que as seqüências extraídas dos dois exemplares, embora distantes geograficamente, apresentavam menos variações do que quando comparados com as populações humanas atuais. Ou seja, os dois exemplares eram mais próximos entre si do que conosco, o que seria de se esperar de uma linhagem independente da nossa. É certo, porém, que os Neanderthais conviveram com os humanos anatomicamente modernos por milhares de anos. Existem esqueletos de Nearderthais que habitaram a Europa há 36,000 anos atrás, coexistindo com os homens de Cro-magnon. No paleolítico, os Neanderthais e dos homens de Cro-magnon tinham a mesma tecnologia, e os sítios arqueológicos apresentam artefatos e ferramentas que podem tanto ser de Neanderthais como de homens de cro-magnon porque são absolutamente indistinguíveis. Mesmo Assim, existem muitas dúvidas se o pensamento mitológico e cultural Neanderthal existia realmente, da maneira como entendemos hoje, ou se aqueles indícios são meramente especulações baseadas em nossa visão deturpada dos artefatos deixados por estas populações.
Com o término da última glaciação, e a extinção dos Neanderthais, surge a humanidade como nós a conhecemos. Nessa época os humanos viviam basicamente daquilo que caçavam e do que conseguiam coletar em estado selvagem, como raízes, frutas, tubérculos, etc..., não diferentemente dos Neanderthais que se extinguiram, em um contato profundo com os demais seres vivos. No paleolítico superior surge o comportamento e a arte genuinamente simbólica, muito possivelmente as primeiras manifestações de pensamentos místicos. Os humanos de repente passaram a deixar as marcas de sua presença nas paredes de pedra das cavernas e em outros objetos móveis, como em entalhes em ossos e pedras. Uma possível explicação do porque deste surgimento súbito da arte no Paleolítico superior pode ser um aumento na capacidade mental humana, ou talvez o surgimento de uma maior complexidade econômica e social. Como resposta a novas exigências culturais, aquelas populações passaram a desenvolver outros sistemas que permitissem a transmissão de informações entre as pessoas, ou entre os grupos que passaram a se encontrar com maior freqüência.
O sudoeste da Europa, principalmente a região entre o norte da Espanha e sul da França, é especialmente prolífico em sítios arqueológicos que demonstram as novas habilidades dos grupos humanos. A região era um refúgio tanto para os humanos como para outras espécies animais no Paleolítico. As temperaturas nesta região eram mais quentes, talvez em função da corrente do golfo, que nesta época banhava o litoral de Portugal, enquanto a maioria da Europa central e do norte estava ou completamente coberta pelas geleiras ou era tão fria que não estimulava o assentamento de populações humanas ou de animais. A diversidade da fauna na região da Franco-Cantábria era surpreendente. Somente na região da costa Norte da Espanha, são conhecidos mais de 80 sítios arqueológicos com pinturas nas paredes feitas pelos seus antigos habitantes há quase 20,000 anos. Dentre estes sítios, alguns só têm a representação de uma figura, mas outros, como El Castilho e Altamira, que estão dentre os principais sítios de pintura paleolítica do mundo, chegam a ter centenas de pinturas e entalhes. Através da utilização de técnicas de radiocarbono, foram estimadas as idades de algumas das principais pinturas do paleolítico. As pinturas de Altamira têm entre 14,500 e 18,500 anos, El Castilho está entre 10,300 e 16,900 anos e Niaux entre 4,800 e 10,200 anos. A caverna onde foram encontradas as pinturas mais antigas é a Grotte Chauvet, na França. As pinturas demonstram que os seus criadores já possuíam grande habilidade artística, com técnicas de sombreamento e utilização de perspectivas. O totenismo e o pensamento antropomórfico, ambos os quais são universais para os modernos caçadores-coletores, surgiu nesta época .
As mais antigas formas de arte pré-histórica são representadas por traços simples feitos nas paredes de argila e as chamadas "mãos em negativo". Estas mãos foram pintadas soprando-se pó colorido, obtido de rochas trituradas, por sobre a mão, deixando a marca da mão em negativo sobre a parede, com o pigmento colorido demarcando o contorno. Em um período posterior ao dos traços e das mãos, os artistas pré-históricos passaram a retratar animais, quase sempre no fundo das cavernas, onde se descobriu que aqueles homens antigos faziam uso de luz artificial, recobrindo tochas e pedras com gordura, para permitir a pintura nos escuros recantos das cavernas. Existem milhares de exemplos de pinturas pré-históricas, encontradas em centenas de cavernas, em praticamente todos os continentes. Pelo menos três culturas no Paleolítico Superior Europeu se desenvolveram na arte da pintura de cavernas e entalhes, e o estilo de arte entre um e outro é bem diferenciado. Estes períodos distintos são denominados Aurinhacense (principalmente representado pela caverna de Lascaux, na França), Solutrense e Magdaleniense (representado pelas pinturas em Altamira, na Espanha) .
A história da arte paleolítica começa em 1864. Um pedaço de marfim com 25 cm foi escavado de um abrigo de pedra à beira do rio Vezere, no sudoeste da França, em um local chamado de La Magdeleine. Neste pedaço de marfim havia o entalhe de um mamute. Pela primeira vez os homens puderam ver como era, realmente, uma espécie já extinta. A gravura de La Magdeleine era uma enorme evidência que humanos capazes de criar arte realmente tinham vivido no passado. Desde esta primeira descoberta, foram achadas milhares de imagens feitas por homens no período paleolítico em vários locais pela Europa, assim como por outras regiões do mundo. Margareth Conkey, da Universidade da California em Berkeley, por exemplo, relata que examinou mais de 1200 ossos entalhados para sua tese de doutorado, em um acervo que cobria basicamente só a região da cantábria.
As imagens gravadas foram delicadamente produzidas e reproduzem imagens realistas de cavalos, veados, Ibex, vários outros animais, alguns desenhos que parecem figuras humanas e diversos outros símbolos. Espátulas entalhadas que foram recolhidas em várias localidade na costa norte Espanha mostram que a cabeça do veado vermelho era mais retratada.
A caverna de Altamira, cerca de 30 Km de Santander, na vila de Santillana del Mar, na Espanha, as pinturas focam principalmente o bisonte. Na pintura do teto (Altamira é muitas vezes chamada de A Capela Sistina da pré-história em função das belíssimas pinturas em seu teto), existem 15 bisontes, intercalados com alguns animais esparsos, incluindo um cavalo. A importância deste animal na sociedade paleolítica pode ser inferida em função da atividade predominantemente caçadora destas populações. Os animais representados, particularmente nas paredes são o bisonte, o cervo e outras combinações que representam as espécies selvagens da época, entre 9,000 e 16,000 atrás, no período Magdalenense . Muitas destas figuras aparecem emparelhadas, e os estudiosos da arte parietal pré-histórica afirmam ser uma referência ao dualismo macho-fêmea. Reexaminando a galeria final em Altamira, os pesquisadores concluíram que existem claras analogias entre os bisontes e os humanos, e que o mesmo não acontece com os veados vermelhos. A identidade sexual dos bisões e de outros animais, individualmente, são importantes e os alinhamentos dos bisões são representações do relacionamento macho-fêmea através da junção para o acasalamento. O esboço de um bisão com formas humanas ainda sugere uma poderosa relação metafórica .
Nas primeiras interpretações das demonstrações artísticas do Paleolítico Superior, todas aquelas obras foram consideradas como objetos criados por puro lazer, e portanto seriam demonstrações de arte estética, com o objetivo único de serem objetos bonitos, que seriam utilizados para adornar as casas e as pessoas. Até os dias de hoje, ainda existem muitos críticos que duvidam que as pinturas e entalhes deixados por nossos antepassados das cavernas são realmente obras de valor simbólico, místico, e acreditam que possam ser apenas representações da vida cotidiana no Paleolítico, demonstrando as atividades de caça, a fauna da época ou ainda sendo representações puramente artísticas, de valor decorativo, como se os "homens das cavernas" estivessem pendurando quadros nas paredes de suas casas. Essa idéia tem decrescido bem rapidamente nos últimos anos, principalmente quando se passou a analisar estas obras sob focos quantitativos. A análise estatística destas pinturas e objetos demonstra algumas regularidade que não seriam encontradas se não existisse um sentido simbólico nestes trabalhos. Por exemplo, ao contrário do que seria de se esperar se a arte Paleolítica fosse puramente estética, alguns animais aparecem representados mais vezes do que outros, e em geral em proporções diferentes do que eles apareciam na natureza. Pesquisas comparativas realizadas com os objetos de arte do Paleolítico demonstraram que em uma amostra significativa, quase metade das pinturas nas paredes, e três quartos de toda a arte móvel, representavam somente duas espécies de animais.
As pinturas e entalhes muito provavelmente têm uma relação profunda com a obtenção do suprimento de carne, que era conseguido diretamente da morte do animal caçado. Uma das indicações de que a representação dos animais é simbólica vem do fato dos animais mais abundantes na natureza naquela época não correspondem aos que são mais representados nas pinturas das cavernas. Rice e Peterson demonstraram que a correlação entre o peso dos animais e a freqüência com que eles são retratados é dezenas de vezes maior do que a correlação com a presença dos animais na fauna. Evidentemente os homens do Paleolítico não estavam representando na sua arte aquilo que eles viam, mas sim aquilo que era importante para eles por alguma razão. Como eles consumiam uma alimentação consideravelmente diferente daquela representada nas suas pinturas e entalhes, alguns pesquisadores passaram a considerar que a arte paleolítica não deveriam servir como mágica de caça. Outros, ao contrário, acreditam que os animais não correspondem à dieta porque não representam os animais que eram caçados, mas os que seriam bons de serem caçados. Os animais maiores, e que geram maior contribuição econômica à dieta, pois com o mesmo dia gasto em caçada pode-se conseguir mais carne, são representados mais freqüentemente, da mesma forma como aqueles que são mais difíceis de serem caçados. Assim, a arte paleolítica estaria representando a vontade de abater aqueles animais, e cada pintura estaria dizendo "em breve você será o próximo". Em um processo meramente decorativo, a disposição dos desenhos seria aleatória, e não apresentaria padrões constantes, e seria de se esperar que os desenhos se correlacionassem bem com a realidade da fauna natural, e as proporções de espécies animais nas pinturas deveria ser igual à proporção de espécies selvagens.
Leroi-Gourhan, há mais de 50 anos, analisou a distribuição estatística dos desenhos e entalhes, acabou demonstrando que eles não eram feitos aleatoriamente. Ele utilizou métodos estatísticos para fazer várias análises quantitativas nos desenhos e entalhes do paleolítico e descobriu muitas coisas interessantes. Primeiro ele chegou à conclusão que as figuras eram localizadas em partes específicas das cavernas, no fundo e em áreas de difícil acesso - por exemplo, o que não seria de se esperar se os desenhos fossem feitos aleatoriamente. Também descobriu que os símbolos e figuras de animais apareciam alinhados, e que alguns animais se sobressaiam a outros. Vários resultados diferentes das análises estatísticas acabaram comprovando a presença de misticismo nas pessoas que fizeram aqueles desenhos e entalhes. Ele escreve:
A extraordinária constância do dispositivo simbólico é a prova de que existia uma mitologia, constituída desde muito cedo, uma vez que já no Aurinhacense se atesta o emparelhamento dos animais e dos signos.
É certo que existe muita especulação sobre a religião e a mitologia do paleolítico, como o próprio Leroi-Gourhan chama a atenção. Mitos, lendas, danças, tradição oral e pensamentos não se fossilizam para a história como crânios e outros ossos. Se não temos acesso às razões que faziam nossos antepassados se expressarem daquela forma em particular, pelo menos sabemos com razoável certeza em que época eles realizaram seus trabalhos, e também sabemos que são trabalhos simbólicos e não figurativos. De qualquer forma, o registro artístico que chega até o presente é mais do que suficiente para inferirmos que as populações antigas tinham alguma forma de reverência a seus animais sagrados, e provavelmente também alguma forma de religião, que buscava dar sentido, se não ao mundo, pelo menos às suas caçadas. André Leroi-Gourhan, em seu livro, As Religiões da Pré-História, mostra como a busca da ordem parece estar demonstrada na arte Paleolítica.
A religião paleolítica chegou até nós através do seu expoente figurativo e quando refletimos neste fato vemos que o mesmo acontece com os santuários de todas as outras religiões. Encontra-se aí uma certa imagem da ordem universal, simbolizada por personagens humanos ou animais. [...].
A análise de Leroi-Gourhan tentava eliminar toda a analogia que havia sido feita anteriormente entre as pinturas das cavernas e outras culturas atuais. Ele partia da idéia de que é impossível saber o pensamento que imbui um povo através da comparação dos restos deixados por esta cultura contra outras culturas diferentes, que provavelmente dão valor simbólico diferente aos mesmos objetos. Para ele, a única forma de se extrair alguma informação útil da arte da pré-história é através da pesquisa dos próprios artefatos. Utilizando uma análise interna das próprias figuras, sem recorrer a comparações com outras culturas, ele procurou evitar uma comparação de dois sistemas de crenças e costumes absolutamente diferentes, o que geraria um possível equívoco na interpretação dos resultados. Assim, ele desenvolve uma análise estatística das figuras representadas nas cavernas, demonstrando a predominância da figura de alguns tipos de animais sobre os outros (marcadamente bisontes e cavalos), assim como o emparelhamento destas figuras duas a duas. O emparelhamento ocorre tanto para os símbolos de animais assim como para os demais símbolos não figurativos, que ele separou em dois grupos: os símbolos femininos e os masculinos . Ele chega à conclusão que estas representações referem-se à dualidade da vida, ao misticismo do sexo, como escreve:
Sabemos, com uma razoável certeza, que esta decoração, parietal e móvel, comporta numerosas figuras masculinas e femininas (representadas de forma realista ou por meio de signos), colocadas no centro do dispositivo. [...]. A estas representações acrescenta-se um casal estatístico constituído pelo bisonte e pelo cavalo ou, freqüentemente, um casal de bisontes e um casal de cavalos, que parecem representar dois grupos complementares. [...]
Além da identificação do misticismo ligado ao sexo e à figura feminina, Leroi-Gourhan levanta a questão do posicionamento do homem pré-histórico perante o sentimento de morte. Através do levantamento estatístico e sistemático das figuras encontradas na arte Paleolítica, ele encontrou uma relação de imagens entre símbolos femininos e símbolos que denotam a morte. Ele pode observar que os bisontes eram representados ou com feridas ou com vulvas. Para os pintores paleolíticos, não existia diferença. Ele escreve: "Que um bisonte possa ostentar indiferentemente sobre o flanco uma vulva ou uma ferida, indica, de maneira inexplícita porém sensível, o acesso a uma verdadeira metafísica da morte. [...]"
Outras explicações sobre a função e a representação da arte do Paleolítico aparecem, muitas vezes em função de melhores técnicas para análise dos artefatos. Observando o mamute de Magdeleine com o auxílio de um microscópio, Alexander Marshack, pode ver que ele não era uma figura feita de uma só vez, mas tinha três ou quatro dorsos, um segundo rabo em pé, e vários dentes extras, cada um entalhado sobre o outro. Também tinha várias flechas gravadas ao redor do corpo. Para Marshack, O mamute tinha sido morto ritualmente, e isso estava claro pelas representações abstratas de feridas e flechas encravadas em seu corpo, e tinha sido renovado para ser utilizado de novo e de novo e de novo. Muitas representações da arte das cavernas se assemelham ao mamute de La Magdeleine tanto na maneira como os animais são mortos assim como na sua função presumida como imagens simbólicas. Nos Pirineus da França meridional, na caverna de Les Trois Frères, do mesmo período Magdalenense, há centenas de imagens animais, entre elas a imagem de um formoso bisão morto ritualmente com muitos dardos ou lanças. Esta imagem também foi renovada, segundo Marshack, e usada de novo, e isso pode ser observado porque foi somando um segundo rabo vertical, em um processo igual ao feito no mamute de La Magdeleine. Muitos animais hoje, inclusive elefantes e rinocerontes, elevam os rabos quando em perigo ou sob ataque. Há muitas tais imagens em cavernas de Idade do Gelo.
A caverna de Lascaux, que foi descoberta em 1940 por um grupo de adolescentes, Contém mais de 1500 figuras de animais que foram pintadas nas suas paredes há 17,000 anos atrás, e é considerada a mais bonita caverna deste período. "A caverna evidentemente era um santuário para a execução de ritos sagrados e cerimônias". Em Lascaux existem representações de renas, com minucioso desenho dos chifres e corpos inacabados. A perfeição anatômica de vacas e bisontes na sala dos touros, onde os desenhos passam volume e movimento, é impressionante. Os animais mansos, como renas e bodes, são representados em traços comportados, enquanto mamutes e bisontes são ferozes. Em Lascaux um bisão lanceado e estripado é mostrado avançando contra uma figura humana com rabo em pé.
Em um período mais frio e mais antigo da Idade de Gelo, o vale do Reno, era um refúgio. A cultura Solutreana evoluiu nesta região deixando suas pinturas e entalhes nas cavernas, mostrando exemplos de animais ritualmente marcados com pintas: um leão em Chauvet; aurochs selvagens em Tete du Lion; dois cavalos e um mamute em Pech-Merle; vários animais em Cougnac, e La Pileta na costa meridional de Espanha. Até mesmo as impressões de mãos eram cercadas de pontos. Uma imagem muito mais poderosa, em Chauvet, são os extintos rinocerontes peludos. Em La Colombiere, um destes rinocerontes foi morto, simbolicamente, por três dardos emplumados que foram fincados na barriga, e depois renovado com dois ou três novos chifres. Pontas de flechas de sítios Solutreanos sugerem que o arco e flecha foram inventados neste período. Existe muita evidência que, em Chauvet, do que deve ter sido um ritual sazonal de renovação. Muitos dos rinocerontes foram renovados e reutilizados, e isso pode ser visto pelos encraves de novos contornos a seus corpos, da mesma maneira como o mamute de La Magdeleine e o bisão em Les Trois Frères. Ainda em Chauvet, quatro cabeças de cavalo foram pintadas umas sobre as outras. Aparentemente as cabeças foram pintadas em diferentes épocas, com diferentes habilidades e provavelmente com diferentes misturas de tintas. Elas não representam um bando, mas sim a renovação da imagem do cavalo.
As imagens de animais mais antigas foram encontradas em entalhes na caverna de Vogelherd, nas colinas do centro-sul da Alemanha, feitos 30,000 anos atrás, e representam um estilo chamado de Aurignaciano. Fora os rinocerontes, os mesmos animais que seriam feitos em Chauvet 12,000 mais tarde estão presentes: leões, bisões, mamutes, cavalos, renas e ursos. Estudos microscópicos das imagens de Vogelherd indicam que eles também eram mortos ritualmente, quando eram acrescentados dardos e marcas de feridas. Uma figura humana, com a cabeça de leão, entalhado no marfim, foi achada em Hohlenstein-Stadel. Talvez ela representa um humano usando uma máscara – possivelmente um curandeiro – ou um místico espírito de leão em sua forma humana. Qualquer que seja a interpretação ela representa algum aspecto do poder do leão. O leão de Vogelherd também havia sido ritualmente marcado, talvez ritualmente morto.
As técnicas modernas, com o estudo das obras de arte do Paleolítico auxiliadas pela utilização de microscópios e luzes ultravioleta, permitiu uma análise detalhada dos painéis pintados e entalhados nas paredes das cavernas, assim como das figuras da arte móvel, como os entalhes em ossos e pedras. Esta análise da arte do Paleolítico Europeu mostra que os passos na produção destes objetos eram geralmente descontínuos, ou seja, eram feitos uns sobre os outros. Isto indica uma função para o objeto, ao invés de ser simplesmente uma arte representativa. A utilização de um mesmo objeto repetidas vezes reflete uma função, possivelmente uma renovação sazonal da imagem. Marshack, após analisar a arte Paleolítica com a utilização de várias das ferramentas mais modernas, vê a utilização destes entalhes e pinturas em rituais que marcam uma renovação, possivelmente a renovação sazonal dos rebanhos que acompanha a chegada da primavera. Os desenhos e entalhes demonstram que foram utilizados e reutilizados em diferentes épocas. Ele escreve:
As culturas baseadas na caça sempre criaram mitos e conduziram rituais em que a espécie animal de seu tempo representa um papel. As diferentes espécies tem sido usadas como símbolos do clã, ou da tribo, como espíritos auxiliadores, como personagens nos mitos de criação, como explicações do comportamento humano, como guardiãs das estações e da natureza e comumente como criaturas sacrificadas em certas épocas rituais. É possível que os animais representados na idade do Gelo fossem utilizados da mesma maneira.
Uma outra interpretação da arte deixada nas paredes das cavernas é que ela representaria símbolos de rituais de iniciação aos futuros caçadores, tal como algumas culturas de caçadores-coletores atuais fazem. Le Trois Freres, que foi descoberta em 1914, e veio a ter este nome em homenagem aos três irmãos que a descobriram, apresenta uma entrada longa, baixa e estreita, de tal forma que só se pode chegar até a câmara principal rastejando. Bem no fundo, ao se chegar à câmara principal, a caverna tem pintada em suas paredes uma figura de uns 80 centímetros, meio homem e meio animal. O feiticeiro de Les Trois Frères, como é chamado, tem patas e sexo de leão, galhada de gamos, pernas e barba de homem, o flanco e rabo são de cavalos e olhos de coruja. O feiticeiro de Les Trois Frères é uma das figuras mais conhecidas da arte da Idade do gelo na Europa.
Denis Vialou, que estudou a caverna em detalhes, descreve a imagem: "O corpo é incerto, mas é algum tipo de animal grande. As pernas de são humanas, até sobre os joelhos. O rabo é um tipo de um lobo ou uma raposa. As pernas dianteiras são anormais, com mãos parecidas com humanas. A face é a face de um pássaro, estranho, com os chifres de cervos. Até certo ponto incomum para imagens do Paleolítico, o feiticeiro está fitando diretamente fora da parede. Debaixo do feiticeiro estão vários painéis pesadamente gravados, várias figuras animais sem ordem aparente. No meio de tudo isso está outra figura humano-animal, novamente com pernas humanas. Pernas humanas em animais são comuns em arte do Paleolítico superior. Este theriantropo está de pé, na vertical, e tem o corpo de um bisão e a cabeça de um bisão, com chifres, mas uma face um pouco humana. As pernas dianteiras são estranhas, da mesma maneira como os membros da frente do feiticeiros. Este indivíduo está segurando o que pode ser um arco ou um instrumento musical. Frédéric Demouche, Ludovic Slimak and Daniel Deflandre sugeriram uma nova interpretação à figura do pequeno feiticeiro na caverna de Les Trois Frères. Eles propõem que ela devia ser vista horizontalmente e que, nesta posição, o feiticeiro seria visto como um caçador disfarçado, engatinhando sobre as mãos e joelhos. Eles chegaram a esta conclusão após a análise dos desenhos feitos por Breuil, que reproduziu a figura do feiticeiro em 1952. Retirando-se as superposições de outras pinturas de animais feitas posteriormente, que se confundiriam com os braços e pernas do feiticeiro, e observando-se a figura como se estivesse na horizontal, Demouche e seus colegas chegaram à conclusão que o feiticeiro é a representação de um caçador utilizando uma pele de bisão, e que aquilo que parece um rabo, quando visto na vertical, é na verdade uma trilha. Michael Estham diz que certamente o painel que existe entalhado e pintado na caverna, não é a mesma coisa representada no desenho de Henri Breuil. Ele diz que nas cavernas como Les Trois Frères, onde as pinturas não representam imagens externas cercadas de vegetação, é relativamente difícil encontrar qual a orientação correta para visualizar uma imagem. Estham ainda sugere que Max Begouën, um dos três irmãos que encontrou a caverna, também concordaria com a orientação sugerida por Demouche e seus colegas. A associação desta figura com os diversos grupos de animais parece indicar alguma atividade cerimonial.
Alguns antropólogos sugerem que esta caverna era utilizada para rituais de passagem da infância para a idade adulta, em que os jovens caçadores, após terem vencido o medo de entrar rastejando através da estreita passagem, caem em um salão cheio de figuras místicas, completamente ornamentado com vários dos animais sagrados. A figura do feiticeiro pode ser tanto a idealização de um deus, como o símbolo da união do homem e de todos os outros animais em um ser único ou ainda um símbolo pintado em função de algum transe shamanístico.
Há uma profusão de símbolos que não representam figuras conhecidas. São padrões geométricos na arte das cavernas, como pontos, malhas, curvas e ziguezagues, e muitos outros. Vários destes padrões são achados sobrepostos a imagens de animais, mas várias vezes também estão representados em separado. A existência destes motivos geométricos simultaneamente com imagens que representam animais, paisagens e pessoas é um dos aspectos mais enigmáticos da arte do Paleolítico Superior. Para Breuil, estes padrões geométricos, ou sinais, como eles são chamados, eram parte da parafernália de caça, representando redes, armadilhas, ou até mesmo armas. Leroi-Gourhan os incluiu na sua dualidade estrutural como elementos ou femininos ou masculinos, dependendo da sua forma. Recentemente um arqueólogo Sul-Africano, David Lewis-Williams, sugeriu que nenhuma interpretação está correta. Eles são, ele diz, imagens arrancadas de uma mente no estado de alucinação, um sinal seguro de arte de shamanística. Quando Lewis-Williams começou a estudar arte do povo San do Kalahari, quatro décadas atrás, ela era interpretada como representando imagens simples, esquemáticas de vida cotidiana dos San. Ele percebeu que as imagens, ao contrário de serem realistas, eram arte shamanística, que tem um tipo diferente de realidade: a realidade de outro mundo, gerado por uma mente em alucinação. A pesquisa dele mostrou que nos primeiros estágios de alucinação shamanística, geralmente induzida por drogas, você vê formas geométricas, como malhas, ziguezagues, pontos, espirais, e curvas. Estas imagens, seis tipos diferentes ao todo, são vislumbradas, incandescentes e poderosas. São chamadas imagens entópticas (visão de dentro) e são produtos da arquitetura neural básica do cérebro humano. Porque elas derivam do sistema nervoso humano, todas as pessoas que entram em certos estados alterados de consciência, não importando qual o fundo cultural, estão sujeitas a ver as mesmas imagens. Em um estado mais fundo de alucinação, estágio dois, as pessoas tentam fazer sentido destas imagens. Os resultados dependem da cultura de um indivíduo e da preocupação presente. Uma série de curvas pode ser descrita como colinas se o estudado está pensando em uma paisagem rural, por exemplo, ou ondas do mar se ele tem pensamentos de navegação. Pessoas que passam da fase dois da alucinação para a fase três sofrem uma sensação de um vórtice ou túnel giratório ao seu redor, e logo tem alucinações preenchidas de ícones, não só sinais, que é quando aparecem figuras semi-humanas, theriantropos, como são chamadas, ou ainda monstros, e animais. A arte do Paleolítico superior inclui muitos dos sinais geométricos que foram identificados como elementos entópticos através de pesquisa de laboratório, além de apresentar imagens de todos os outros estágios. As imagens mais interessantes são os theriantropos. O primeiro animal no estouro representado no Corredor de Touros, em Lescaux, é um enigma. Conhecido como o Unicórnio - injustamente, porque tem dois chifres muito diretos - esta besta tem um corpo inchado em membros espessos e uma cabeça que não é de nenhum animal conhecido. Há seis macas circulares no corpo e o esboço parcial de um cavalo. Olhando a cabeça de relance, pode-se perceber o perfil de um homem barbado. O exemplo mais famoso de figura theriantropo é o feiticeiro da caverna de Trois Freres.
Os grupos modernos de caçadores coletores têm formas elaboradas de totenismo e mágica de caça, que poderiam ser bastante análogas às representadas nas cavernas da Europa. Uma analogia entre estas sociedades atuais e os grupos antigos foi feita levando-se em conta as pinturas das cavernas. Se aqueles povos antigos pensassem como os atuais caçadores-coletores, as pinturas teriam sido executadas nas cavernas porque elas passaram a ser vistas como locais de rituais, santuários nos quais se visava aumentar a caça, utilizando a mágica das pinturas e entalhes, assim como locais próprios para fazer a iniciação dos adolescentes, em cerimônias de preparação dos futuros caçadores. Alguns defendem a tese de que pintando, o homem passava a Possuir o animal, facilitando sua morte. Caçar era fundamental nestes povos antigos e, para eles, dentro de seu mundo mágico, pintar um bisonte era pintar o bisonte, o que revela uma notável capacidade de abstração, o surgimento do simbolismo. A razão é simples: pintando um bicho de presa quebrada, por exemplo, o efeito da mágica só valeria para aquele animal. Outro argumento a favor da hipótese da pintura mística, com força religiosa, é que muitas vezes uma figura era pintada sobre outra, embora espaço não faltasse na caverna, ou seja, as pinturas não se distribuíam aleatoriamente pelas paredes mas, ao contrário, obedeciam a alguma ordem. "Concluiu-se que os artistas pré-históricos não queriam decorar a caverna, e que o fundo dela era um lugar especial, onde a magia era mais eficiente".
A magia destas populações Paleolíticas, da mesma forma como nas sociedades primitivas atuais, expressava a visão de um mundo povoado e controlado por espíritos e forças espirituais ocultas, que habitavam os animais, as árvores, ou o mar e o vento, e a função da magia consistia em submeter estas forças ao seu objetivo, forçando os espíritos a cooperar. A magia foi um modo legítimo de expressar uma síntese do mundo natural e do seu relacionamento com o homem. O sentido místico da pinturas das cavernas pode também ser inferido pela sonoridade. Dentro das cavernas, as pinturas são localizadas onde existe maior ressonância musical. Flautas feitas de ossos de pássaros também foram encontradas nas cavernas. Isso pode sugerir que as cavernas eram áreas de culto que serviam a rituais que envolviam música, o que é comum em várias religiões.
Outra forma de arte bastante expressiva e enigmática deixada pelos nossos ancestrais caçadores-coletores está representada através de estatuetas, principalmente as que representam mulheres obesas. O Museu Canadense da Civilização, divulgando a exibição de algumas destas estatuetas, informa que a maioria das figuras encontradas representam animais, mas algumas estatuetas representavam figuras humanas, como as Vênus de Willendorf, encontradas na Áustria.
As esculturas representam a mais antiga forma de arte deixada pelos homens, e foram datadas como sendo de 22,000 a 28,000 anos atrás. Estas estatuetas são formas de representação muito peculiares. As chamadas Vênus do Paleolítico são figuras que em geral representam mulheres com grandes nádegas, seios e barriga, e onde os rostos não são representados, ou então apresentam somente uma representação grosseira do rosto. Elas também não têm pés, e a escultura acaba em ponta. Várias hipóteses foram levantadas sobre a origem e o significado estas Vênus, desde a "arte pela arte", que era uma hipótese comum no século passado, a "Deusa Mãe", ou ainda como símbolos animistas ou shamanísticos da fertilidade, basicamente porque algumas destas figuras parecem grávidas. As Vênus paleolíticas aparentemente são os primeiros trabalhos já produzidos pela arte humana. Campbell, em Para Viver os Mitos, associa a arte das Vênus Paleolíticas ao culto do mistério representado pela mulher. Ele escreve: "A mulher é imediatamente mítica em si mesma", e continua, "e é vivenciada como tal não apenas como a fonte e a doadora de vida, mas também na magia de seu toque e de sua presença. A harmonia de suas estações com os ciclos da Lua é também uma questão de mistério". Ele sugere que as estatuetas do paleolítico superior seriam uma forma mística de representação, ou de adoração, deste mistério incorporado na mulher. As figuras femininas seriam as portadoras do simbolismo da família e do ambiente doméstico. Ele escreve:
[...]. As estatuetas eram moldadas sem os pés porque se pretendia que fossem fincadas na terra, instaladas em pequenos santuários domésticos. [...] quando as figuras masculinas aparecem nas pinturas murais do mesmo período, elas estão sempre vestidas com algum tipo de traje; essas figurinhas femininas estão totalmente nuas, simplesmente em pé, sem adornos. Isso diz algo a respeito dos valores psicológicos e, consequentemente, míticos, respectivamente, das presenças masculina e feminina.
Campbell ainda acrescenta que o macho teria seu papel fortemente ligado a poderes, ou funções específicas, como iniciador dos mais jovens em seus papéis sociais. Por isso, enquanto as imagens femininas eram encontradas em ambientes domésticos (perto de indícios de fogueiras e acampamentos), as imagens pintadas de homens aparece no fundo das cavernas, ao lado dos animais místicos, representando a função específica da caça, talvez na iniciação dos jovens
Os arqueólogos não rejeitem a idéia que as figuras femininas fossem centrais a uma adoração da fertilidade, e possivelmente símbolos da unidade familiar, ou do lar. Porém, várias hipóteses alternativas foram sugeridas, e não existe consenso sobre o verdadeiro sentido das estatuetas do Paleolítico Superior, que também são encontradas em períodos posteriores, até o Neolítico. A função e o significado destas estatuetas continua sendo um tema controverso. Alguns arqueólogos levantam a possibilidade de que elas representem alguma forma de arte relacionada ao erotismo, e que foram criadas por garotos adolescentes para satisfazer suas fantasias sexuais. Arqueólogos como LeRoy McDermott sugerem que as figuras do Paleolítico superior possam ter sido criadas como auto-retratos feitos por mulheres grávidas. Embora ele não tenha feito nenhum comentário sobre a possível utilização simbólica destas figuras, a idéia de que pudessem ser simples retratos lança dúvidas sobre a hipótese de uma utilização sagrada em algum tipo de culto à fertilidade.
O culto aos mortos, no Paleolítico superior é bem melhor documentado do que nas épocas anteriores. Centenas de locais de sepultamento foram encontrados na Europa, Ásia, Américas, África e Austrália. Se nas épocas anteriores os enterros de pessoas tinham seu significado místico pouco claro, no Paleolítico superior isto muda completamente, e o aspecto ritualístico do enterro passa a ser bem definido. Alguns autores acreditam que as causas naturais podem explicar os sepultamentos Neanderthais, enquanto outros acreditam que, embora os enterros fossem deliberados, não existem indícios de rituais. No Paleolítico, ao contrário, passa a ficar evidente a presença de rituais simbólicos associados à morte. Para que os locais de enterro contenham um significado claramente ritualístico ou religioso, ou ainda uma correta expressão do sentido de vida após a morte, as covas devem conter alguns objetos especiais, diferentes daqueles encontrados em outros contextos. Muitos dos objetos de arte móvel, como entalhes em pedra, marfim ou ossos, eram enterrados junto aos mortos no Paleolítico. O Homem de cro-magnon, então, apresenta nos enterros de seus mortos características diferentes dos Neanderthais. Os enterros do Paleolítico superior refletem um profundo lado espiritual: estes nossos antepassados ofereciam objetos elaborados para os túmulos, para acompanhar o morto em sua vida após a morte. Nas cavernas de Qafzeh e Skhull, no oriente médio, por exemplo, onde foram encontradas algumas das covas mais antigas com corpos dos primeiros humanos anatomicamente modernos, ficou demonstrado que eles não somente enterravam seus mortos mas também colocavam partes de animais em suas covas. Estes sítios arqueológicos datados como tendo cerca de 100,000 anos, já indicam alguma forma de conexão entre certas pessoas e tipos específicos de animais, um pensamento que pode ser considerado como introspectivo, e em última análise místico.
Os caçadores coletores, paleolíticos ou modernos, tendem a seguir uma crença animista, porque esta crença é a que melhor reflete a sociedade onde eles estão inscritos. O animismo é a crença na existência de seres espirituais em todas as coisas, e em especial nos seres vivos. A base do animismo é o reconhecimento da existência de um reino espiritual com o qual os humanos dividem o universo. Em geral é associado ao conceito de que os humanos possuem almas (ou espíritos) e que as almas têm uma vida diferente dos corpos, antes e depois da morte. Também considera que os animais, as plantas e os corpos celestes também têm espíritos. Embora as crenças animistas variem muito entre uma sociedade e outra, algumas características são comuns, como a presença de pessoas sagradas, visões, transes, danças, itens sagrados, locais sagrados e a conecção com espíritos de ancestrais. Nas culturas de caçadores-coletores, o mundo espiritual interage ativamente na vida das pessoas. O centro da crença animista é baseado na suposição de que a vida é controlada e influenciada por estes espíritos.
Existem quatro categorias de crenças e práticas nas religiões animistas: O culto aos mortos (necrolatria), em que as almas, ou os espíritos de pessoas e animais são adoradas, reverenciadas ou temidas, assim como os ancestrais ; a crença no espírito contido nas forças das natureza, personificando a água, montanhas, o ar, o fogo, animais, ou a terra, que são apaziguados através de rituais; o naturalismo, reverenciando os eventos e entidades físicas, como tempestades, vulcões, o céu, a lua, o sol, etc...; e o Totenismo, que enfatiza a unidade da tribo com alguma planta ou animal sagrado, simbolizando a continuidade vista pelos indivíduos entre a vida humana e o resto da natureza ao seu redor.
A religiosidade das comunidades de caçadores-coletores do paleolítico, assim como nas sociedades indígenas modernas, onde o relacionamento do homem com a natureza é mais constante, se transforma em uma religiosidade animista, onde cada animal é a encarnação de uma divindade, e a cerimônia religiosa atua ou para apaziguar os deuses animais que estão sendo mortos, ou que virão a ser mortos, ou para favorecer as caçadas futuras. A re-ligação se dá entre o homem, que provoca a morte através de suas caçadas, e os animais, que dão a vida para promover a sobrevivência dos homens. O relacionamento animista do homem caçador com seus símbolos religiosos é transferido para os locais à medida em que este homem caçador vai se tornando mais e mais sedentário. O antes deus-animal passa a se tornar o espírito que habita uma determinada caverna, uma floresta ou um riacho particularmente importante para a aldeia que se forma. Com menos mobilidade, o campo de caça se torna fundamentalmente importante. É de um local fixo que saem todas as provisões que mantêm a aldeia viva. O local se torna sagrado, assim como o animal que provê a carne, o campo provê o animal, criando uma relação do homem com o ambiente muito peculiar.
Nas culturas animistas, não existe como separar o homem dos animais e dos locais onde eles habitam porque todos possuem uma alma sagrada, ou um espírito. O caçador-coletor vive de uma simbiose com a natureza que o cerca, sem a qual não existe possibilidade de sobrevivência. A sua religião, então, passa a idolatrar esta natureza. Podemos ver como esse relacionamento entre homem – animal – local é profundo através da carta do Chefe Seattle ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1885, quando o presidente tentou fazer uma oferta para comprar as suas terras:
Cada parte desta terra é sagrada para o meu povo. Cada agulha brilhante de pinheiro, cada costa arenosa, cada bruma nos bosques escuros, cada pradaria, cada inseto zumbindo. Tudo é sagrado na memória e experiência do meu povo [...]
[...] As flores perfumadas são nossas irmãs. O Urso, o veado, a grande águia, estes são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sucos dos prado, o calor do corpo do pônei, e dos homens, tudo pertence à mesma família.[...] O ar compartilha seu espírito com toda a vida que ele mantém ... O vento também dá o espírito da vida para nossas crianças. [...]
[..] Isso nós sabemos: A terra não pertence ao homem, o homem pertence à terra. Todas as coisas são conectadas como o sangue que nos une a todos. O homem não teceu a teia da vida, ele é meramente uma parte dela. Tudo o que ele fizer à teia, ele faz a si mesmo.
Seu destino é um mistério para nós. O que acontecerá quando o búfalo for todo massacrado, os cavalos selvagens todos domados, os cantos secretos das florestas pesados com o cheiro de muitos homens e a vista da colina engarrafada pelos fios falantes, [...] é o vim da vida, e o começo da sobrevivência.
Esta carta do chefe Seattle é provavelmente uma das mais bonitas mensagens ecológicas de todos os tempos, mas mais do que isso, é também uma demonstração do alinhamento entre mito (religião, pensamento religioso, ou pensamento espiritual) e a cultura. Devemos pensar que estes povos não tinham meios de manter grandes estoques de alimentos e portanto dependiam dos ciclos de renovação da caça selvagem a cada estação, e daquilo que poderiam retirar da natureza. A obtenção de alimento, também, é muito mais direta, e o contato com a morte próximo. O caçador tem de abater a sua presa, assim como observa a coragem do animal em seus esforços do evitar ser morto. É natural que as sociedades de caçadores-coletores passem a acreditar que os animais, e por conseqüência todas as coisas que dão vida, como os rios, ar, árvores, etc, possuam um espírito se não igual, pelo menos similar ao dos homens.
Como a religião dos caçadores coletores reflete sua estrutura social, tem a tendência de elevar o terreno local a um nível sobrenatural, e os objetos naturais são imbuídos de presenças sagradas, e as cerimônias rituais envolvem estas entidades supernaturais e servem para garantir a prosperidade da comunidade e do indivíduo. Divindades ligadas aos animais proliferam onde as culturas são ligadas à caça. Entre os Celtas, por exemplo, existiam divindades relacionadas a vários animais, como o cavalo, o porco, os ursos, o touro, etc..., e essas divindades só diminuem de poder quando se dá o início da agricultura, e a fertilidade passa a ser mais valorizada do que a coragem ou as características relacionadas à "personalidade" dos animais.
Os índios Lakota, por exemplo, eram típicos nômades que caçavam búfalo nas planícies Norte Americanas. O seu sistema religioso é dominado por rituais que visavam apaziguar os espíritos, e assim garantir caçadas bem sucedidas. Os apaches do sudoeste americano tinham uma religião centrada na possibilidade de desenvolver uma relação de cooperação com o poder sobrenatural que se manifesta em todo o mundo, principalmente através de experiências visionárias ou rituais shamanísticos. Nas sociedades de caçadores-coletores, o segredo da vida é guardado pelos shamãns e sacerdotes, que acreditam que tudo é divino, e que os animais falarão com aqueles que quiserem escutar. Os antigos shamãns adotavam o guiso dos animais, usavam as peles e máscaras para simbolizar o poder que cada espécie e cada aspecto do ambiente tinham. Estas crenças colocavam uma ponte entre o mundo natural e o sobrenatural. Nas viagens ao mundo sobrenatural, os curandeiros das tribos norte-americanas, por exemplo, geralmente são descritos como montados em um cavalo, representando a ligação entre o homem e o animal, tão próxima é esta ligação na cultura da tribo. Eles também executam ritos de passagem, marcando os ciclos da vida
Para muitas tribos de índios das Planícies norte Americanas, com culturas baseadas na caça ao búfalo, e que floresceram durante os séculos XVIII e XIX, a Dança do Sol era a cerimônia religiosa mais importante, simbolizando a renovação através de um ritual que "recria, reforma, reanima a Terra, a vegetação, [e] a vida animal". A Dança do Sol era realizada por praticamente todos os povos das planícies, tais como: Arapaho, Arikara, Assiniboin, Bannock, Blackfeet, Sangue, Cheyenne, Cree, Gros, Hidatsa, Kiowa, Mandans, Ojibway, Omaha, Ponca, Sarsi, Shoshone, Sioux (Dakota), e Ute. As iterações com animais, particularmente a águia e o búfalo, é o fundamento da dança de sol dos índios das Planícies. Os animais que compartilham o ambiente das Planícies são vistos como sábios, poderosos, e são os intermediários entre as pessoas e as forças sobrenaturais. A águia é um animal sagrado altamente importante nas convicção dos povos Planícies, porque sobrevoam toda a região intocadas e intocáveis. "Da mesma maneira que [estes] pássaros voam sobre a terra, assim faz o Pai". A águia, por sua coragem, velocidade, força e pelo seu vôo extraordinariamente alto, é a criatura que está mais próxima do sol, e em contato mas próximo com o Grande Mistério. Águias " têm olhos afiados e sabem tudo ", e por observar todo o mundo do alto, o tempo todo, os shamans acreditam que as águias detêm o conhecimento de todas as coisas que ocorrem aqui em baixo: "em uma águia há toda a sabedoria do mundo ". O búfalo, entretanto, é o centro da cerimônia. Ele é tão central que a proximidade dos rebanhos durante as suas migrações, determinam a data e a localidade para o grande cerimonial. Mitos Ute e Shoshone revelam que o próprio búfalo iniciou a Dança do Sol, ensinando aos homens todos os pormenores do ritual, para que fosse realizado e trouxesse os benefícios esperados. Os Sioux também faziam uma cerimônia para honrar o búfalo e trazer o espírito dele para a dança, que seria presente durante toda a cerimônia. O búfalo era tão central para estes povos que algumas tribos viviam completamente em função deste animal:
"É desta pessoa-búfalo que nosso povo vive; ele nos dá nossas casas, nossa roupa, nossa comida, tudo do que nós precisamos. Oh búfalo bezerro, eu dou agora a você um lugar sagrado [...]. Veja o que eu estou a ponto de fazer! Através desta cerimônia, todas as coisas que movem e voam na terra e nos céus ficarão contentes"
Charles Eastman, um Sioux, diz que nos rituais o homem era pintado vermelho e o búfalo de preto, indicando que o homem estava agradecendo, e que ele estaria morto se não fosse o búfalo. Ele escreve: "A pintura indicava que o homem, que estava a ponto de agradecer publicamente, tinha estado potencialmente morto, mas [...] a interferência do Doador da Vida, o permitia viver. Jamake Highwater enfatiza que a relação dos índios americanos com o ambiente ao seu redor se desenvolve como uma relação de parentesco. Tendo esta visão de animais como parentes, uma sociedade de caçadores-coletores, que necessariamente se sustenta através do abate de animais para comida, é forçada a encarar o fato de matar e comer criaturas consideradas como próximas. As cerimônias de renovação, como a Dança do Sol, que simbolizam a renovação de todo o mundo, mas que se concentram nos animais que são sacrificados, em especial o búfalo, servem para provocar uma reconciliação simbólica. Elevando-se o búfalo a um estado sagrado que não é dado a qualquer outro animal, procura-se mostrar grande respeito e reverência, diminuindo a culpa pelo ato de se alimentar de sua carne . Há uma resultante sensação de afinidade que ajuda restabelecer harmonia entre as pessoas e o búfalo. Ainda para ajudar a aliviar a culpa gerada pelo ato de matar e comer o animal, estes povos das planícies desenvolveram a convicção de que animais se oferecem de boa vontade aos caçadores. Esta idéia é refletida na observação que " os índios das Planícies não falam que dirigem o búfalo mas que os orientam; não os perseguem mas os chamam. Certos homens entre os Cheyenne e os Blackfeet possuíam "o poder de encantar o búfalo para um curral ou para um precipício " . O sacrifício voluntário do búfalo gera a necessidade de uma reciprocidade, que se dá na forma dos rituais que simbolicamente tentam pagar a dívida com o animal. " Da mesma forma como os búfalos se permitiam utilizar para a que o povo Crow pudesse viver, parecia ajustando... oferecer uma parte deles ao sol e outras entidades espirituais". Esse sacrifício do animal é pago como o sacrifício dos dançarinos através do jejum, da sede, e dor, que reflete o desejo de devolver algo para a natureza, em troca dos benefícios passados e futuros. Assim, as cerimônias envolvem homens vestidos de búfalos, utilizando máscaras e imitando os movimentos e o comportamento dos animais, que são simbolicamente alimentados. Desta forma passa a existir a garantiria que no futuro os búfalos, que foram ritualmente alimentados pelos dançarinos, mais uma vez retornarão, desta vez para doar a sua carne e retribuir, fornecendo comida aos caçadores.
Principalmente nas representações funerárias, as culturas animistas das sociedades de coletores caçadores envolvem o espírito como uma entidade separada do corpo, de tal forma que a morte não seja vista como o término da existência, mas somente o abandono do espírito daquele corpo que ele habitava. Por exemplo, antes da chegada dos europeus, a economia dos indígenas Bororo, do Brasil central, não era baseada na agricultura, embora eles dominassem a tecnologia de domesticação de algumas plantas, e possuíssem roças de milho, algodão e urucum, cultivadas pelas mulheres. A base do sustento dos Bororo era a caça e a pesca. No instante em que um Bororo cessa de viver ele passa a ser considerado um espírito, e como espírito não pode ser visto pelas mulheres e pelas crianças. Por isso seu corpo é coberto por uma esteira. Posteriormente às cerimônias de "velar o cadáver", que incluem muitos cantos e danças rituais, ele é sepultado. Esta inumação, entretanto, é temporária e visa apenas à putrefação que dura duas ou três luas. Depois deste período, começam os funerais que se compõem de caçadas, vários rituais, representações e banquetes.
A natureza provêm a subsistência aos caçadores-coletores, e os grandes ritos são aqueles que valorizam a habilidade individual de extrair o máximo da natureza através de sua habilidade, destreza, força e heroísmo. Na cultura dos índios brasileiros, por exemplo, que são o exemplo mais próximo que temos de populações com a tecnologia e estilo de vida do paleolítico, o que se valoriza é a habilidade de caça, pesca, de movimentação e localização dentro da floresta, e de interpretação dos sinais dos animais e plantas. Em geral, todas as habilidades culturalmente valorizadas nas comunidades coletoras-caçadoras são habilidades individuais que demonstram a superioridade daquela determinada pessoa em alguma área específica (em geral relativa à superioridade física). No processo de educação dos indígenas Xavante, por exemplo, dá-se ênfase especial à superação do cansaço, da dor e do medo. As cerimônias sempre valorizam a força e a coragem. Desde pequenos, os meninos são estimulados a lutarem entre si., como no OI’O, onde adversários de clãs opostos se confrontam armados com raízes, e vence quem resistir mais à dor. Periodicamente, os padrinhos levam os adolescentes ao centro da aldeia, onde é preparada uma terra arada, para a luta do WA’I. Nesta atividade, os padrinhos testam a crescimento físico de seus afilhados.
No começo os mortais tinham uma vida fácil e boa, e em um dia podiam produzir o suficiente para o sustento de todo um ano. Então o titã Prometheus engana Zeus e rouba o fogo e traz o fogo aos homens. Como o fogo era dos deuses, Zeus o condena a ficar para sempre acorrentado a uma pedra, onde uma águia vem todos os dias comer seu fígado. Zeus conta para Prometheus que sua vingança será dar aos homens um presente que eles abraçarão e se encantarão, um presente mais espetacular que o fogo trazido por Prometheus, mas que este presente trará a ruína dos homens. Zeus então ordena Hephaistos a misturar terra e água, e a dar voz e força àquele barro, e a moldar as mais belas feições. A estátua de barro deveria ficar tão bela como as deusas. Hephaistos segue as ordens de Zeus, e do barro faz uma bela criatura, a primeira mulher. Athena ensina tecelagem às mãos da mulher, e Afrodite a enche com a habilidade para incitar desejo. Athena a veste com ajuda de Charites e Peitho, suas assistentes, e as Horai, damas meio-divinas que lhe dão uma coroa de flores primaveris. Hermes lhe dá uma mente inteligente e uma natureza dúbia. Então Zeus a chama de Pandora ("presente de todos"), porque ela seria um presente de todos os deuses do Olimpo à humanidade. Zeus manda que Hermes leve Pandora para a Terra, e que lhe dê de presente ao titã Epimetheus, para com ele gerar toda a humanidade. Epimetheus havia esquecido que seu irmão Prometheus tinha avisado para não aceitar qualquer presente dos deuses, e então ele recebe Pandora. Antes de sair do Olimpo, os deuses dão de presente a Pandora uma caixa, que deveria acompanhá-la como parte do presente aos homens. Zeus tinha advertido que, não importando o que houvesse, Pandora nunca deveria abrir aquela caixa. Ela não agüenta de curiosidade, e abre a tampa da caixa para ver o que há dentro e neste instante todos os males do mundo saem da caixa, espalhando as pestes, as doenças, e o trabalho duro. Pandora tenta fechar a caixa, mas é tarde demais e no fundo só havia ficado a esperança. Todos os males já haviam escapado e se difundido pelo mundo.
O grande salto no desenvolvimento humano se deu no período Neolítico, há aproximadamente 10,000 anos, quando os homens dominaram a produção de alimentos, com a domesticação de plantas e animais selvagens. Os arqueólogos estimam o domínio da agricultura como uma transformação dramática que trouxe o surgimento de cidades e da civilização. Esta nova tecnologia de produção de alimentos e começo dos assentamento de populações humanas é conhecida como a Revolução do Neolítico, uma das mais dramáticas revoluções econômicas do mundo, talvez a maior desde a descoberta do fogo.
Existem várias hipótese que tentam explicar como as populações de caçadores coletores, especialmente no Oriente Próximo, onde as civilizações agrícolas aparecem pela primeira vez, passaram a dominar estas tecnologias. Dentre todos os modelos propostos, talvez as pressões exercidas por todos os fatores conjuntamente, tenha direcionado de alguma forma as primeiras populações à agricultura e à criação de animais. Hoyle comenta:
Poucos tópicos na pré-história engendraram tantas discussões e resultaram em tão poucas respostas satisfatórias como a tentativa de explicar porque os caçadores coletores começaram a cultivar plantas e criar animais. Mudanças climáticas, pressões populacionais, sedentarismo, concentração de recursos decorrente da desertificação, hormônios femininos, propriedade da terra, genialidade, rituais, conflitos programados, chutes genéticos aleatórios, seleção natural, adaptação de largo espectro e explicações multicausais tem sido proferidos para explicar a domesticação. Todos tem maiores falhas...os dados não se adaptam bem com nenhum destes modelos.
Alguns antropólogos acreditam que os homens deixaram o estilo de vida do paleolítico, baseado na caça e coleta, em função de uma pressão ambiental que forçou as populações a procurarem outras alternativas de sustento. As teorias que envolvem a pressão ambiental consideram que, se não tivessem domesticado plantas e animais, as populações das regiões abaladas pela mudança de clima teriam ou se mudado ou desaparecido. Até algumas décadas atrás, a teoria dominante sobre a origem da agricultura era a hipótese proposta por V. Gordon Child, que estipulava que a agricultura surgiria de uma mudança nas condições ambientais. Com o final da idade do gelo houve uma progressiva desertificação em algumas áreas, em particular no oriente médio, e as populações seriam então obrigadas a se estabelecer perto dos leitos dos rios permanentes e ao redor dos oásis, para procurar mais intensivamente os meios de subsistência. Child sustentou que os homens e os animais ficaram cada vez mais confinados a pequenas áreas, separados por desertos, o que proporcionava o contato íntimo entre homens, plantas e animais, terminando com a domesticação. Segundo a teoria do oásis, conforme ficou conhecida, as plantas e animais que poderiam servir à domesticação passaram a crescer perto dos homens, que acabaram percebendo que poderiam utilizá-los. Quando os homens eram nômades, e se espalhavam por grandes áreas, não podiam perceber quais plantas seriam domesticáveis e quais não, mas com o surgimento dos primeiros assentamentos sedentários, ao redor destes oásis, ou áreas verdes localizadas, as pessoas tem a possibilidade de identificar estas plantas. A vantagem da teoria de Child era que era testável. Se realmente uma pressão climática fosse responsável pelo surgimento da agricultura, a datação dos locais onde a agricultura surgiu deveria ser compatível com os registros geológicos das rochas da região, demonstrando a mudança do clima na mesma época.
Robert Braidwood fez os primeiros trabalhos de campo buscando evidências que comprovassem as teorias sobre o surgimento da agricultura. Os geólogos de sua equipe, que trabalhavam nas escavações em Qalat Jarmo, uma vila tão antiga quanto Jericó, situada nos planaltos do atual Iraque, demonstraram que as geleiras das montanhas Zagros haviam se retraído muito antes do início da agricultura. Os povos agrícolas haviam desenvolvido suas tecnologias de produção de alimentos sem a necessidade dos Oásis, ou de uma desertificação crescente como havia sido proposto por Child. Braidwood, responsável pelos trabalhos em Jarmo, desenvolveu a teoria de que quando os caçadores-coletores começam a se estabelecer em locais fixos, por quaisquer razões, e se transformam em populações sedentárias, também começaram a experimentar as plantas e animais daquelas regiões. Este processo de experimentação desvendaria as plantas e animais que se mostram mais apropriadas à domesticação. A proposta de Bradwood supunha que o início da agricultura se daria logo que uma população se fixasse em um local, um núcleo, simplesmente porque elas podiam fazê-lo, independentemente de qualquer pressão ambiental. Esta teoria foi criticada por outros autores, que duvidavam desta relação que afirmava que o próprio assentamento permanente geraria a evolução da agricultura. Os críticos argumentavam que não encontravam um explicação, pela teoria de Braidwood, de porque a agricultura não havia se desenvolvido 2,000 anos antes, quando os agrupamentos sedentários começaram a surgir. Se à medida que as populações deixassem o nomadismo passassem a experimentar as plantas locais, e consequentemente produzissem a agricultura, deveria haver evidências que as primeiras populações sedentárias já dominavam a produção de alimentos, e isso não era demonstrado por qualquer evidência. Os primeiros povos que se estabeleceram em localidades fixas, no Levante e na Mesopotâmia, mantiveram-se caçando e coletando seus alimentos por várias gerações, até que finalmente passaram a dominar a agricultura e a pecuária.
Binford propôs uma hipótese alternativa baseada em uma visão cultural – ecológica. Quando as sociedades que dependem da coleta de plantas selvagens atinge o limite da capacidade de carregamento dos alimentos coletados, elas expulsam seus excessos populacionais para áreas periféricas, em geral menos hospitaleiras. Se a população aumenta, por exemplo, o grupo não consegue mais caçar e coletar em um determinado vale ocupado por esta tribo, e uma parcela da população acaba saindo do vale para procurar outros locais. Estas comunidades "forçadas a residir em um ambiente incompatível à sua particular adaptação cultural", viriam a entrar em contato, e talvez em conflito, com outras culturas que previamente habitavam estes locais. Estas áreas de contato, onde haveria forte tensão, seriam áreas onde uma maior produtividade significaria mais vantagens. Assim, a agricultura era desenvolvida como uma alternativa à guerra. Também as populações sairiam carregando algum estoque das plantas e animais de suas regiões primárias. Estes estoques, em novas localidades, só pode se manter através da domesticação. Assim, as comunidades domesticam plantas e animais para terem sempre a mão aquelas plantas e animais de suas localidades originais.
A integração das comunidades humanas com o ambiente, retornando às hipóteses de Child, passou a ser sustentada pelas pesquisas geológicas. O especialista em clima H.E. Wright Jr, demonstrou no final da década de 60, através do seqüenciamento de pólen, que realmente existiam mudanças climáticas que coincidiam com as origens da agricultura, e as evidências contra a hipótese de estabilidade climática proposta por Braidwood só aumentaram nas últimas décadas. Entretanto, ao contrário da teoria de Oásis de Child, Wright encontrou evidências de que o clima havia melhorado na região, onde o clima frio e seco deu lugar a um clima mais aquecido e úmido, e que só posteriormente o clima havia ficado severo de novo. Ele teorizou que as gramíneas selvagens, que eram as precursoras do trigo e centeio, não eram comuns até antes desta mudança de clima. As áreas nucleares, onde homens e as potenciais plantas e animais domesticáveis coexistiam, conforme proposto por Braidwood, não existiram na Mesopotâmia até 11,000 anos atrás.
Mais preocupado com a ecologia do início da produção agrícola, e como ela se relacionaria com os primeiros assentamentos humanos, Kent Flannery postulou uma interação profunda entre a cultura humana e o ambiente, como fator que propicia o surgimento da agricultura. Flannery tinha a idéia de uma revolução de largo espectro, começando há 20,000 anos, e caracterizada por várias pré-adaptações à agricultura. As sociedade predominantemente caçadoras e coletoras passaram à caça de animais menores, que viriam a ser domesticados, passaram a coletar os cereais selvagens, e a dominar a armazenagem das plantas coletadas, que viria a demonstrar quais sementes poderiam ser utilizadas para agricultura, assim como passaram a adotaram a pesca. Estas pré-adaptações viriam a desenvolver as ferramentas e tecnologias (como ferramentas de plantio e colheita, tecnologia de armazenagem, etc...) necessárias ao desenvolvimento de uma agricultura sofisticada. Os seres humanos também teriam um grande papel no desenvolvimento das próprias plantas que propiciariam a agricultura, porque transportaram plantas para novos nichos ecológicos, removeram certas pressões da seleção natural, permitindo que algumas variedades sobrevivessem, e eventualmente selecionaram características que não seriam selecionadas na natureza. A mudança para a agricultura viria a ocorrer quando o crescimento populacional excedesse a possibilidade de carregamento da caça e coleta de suas áreas selvagens até os assentamentos
Algumas técnicas também podem ter sido criadas para solucionar problemas em áreas completamente diferentes, gerando uma base que seria utilizada para a agricultura, posteriormente. Ainda na década de 50, Carl Sauer propôs que a agricultura não se originava de uma redução das fontes de alimentos disponíveis. Ao contrário, a domesticação deveria ter começado nas áreas onde havia marcante diversidade de plantas e animais, e depois se difundido. Sauer propunha que a agricultura deveria ter começado em áreas de floresta e só se transferido para os vales dos grandes rios depois que a agricultura já estivesse dominada, uma vez que as técnicas de drenagem, contenção - através de barragens - e irrigação só pode ser realizada de uma vez, através da intervenção em larga escala de um grande conjunto de pessoas. Assim, Sauer propunha que os inventores da agricultura deveriam ter adquirido outras habilidades anteriores que os predispunhas aos experimentos de cultivo. Assim, os mais indicados para serem os primeiros agricultores seriam as tribos sedentárias que se dedicavam à pesca, principalmente aquelas localizadas perto de áreas de água doce. Em 1954, Edgar Anderson propôs que algumas culturas se iniciaram puramente por acidente, ou através da observação de um subproduto da própria atividade de coleta. Segundo esta hipótese, algumas sementes jogadas no lixo acabaram por germinar, e as pessoas perceberam que poderiam repetir este processo. Os ambientes que haviam sido perturbados pelos assentamentos urbanos também passaram a apresentar maior possibilidade de gerar plantas híbridas e portanto gerar maior variedade genética nas plantas que poderiam estar sujeitas à seleção. Com novas variedades disponíveis, as primeiras sociedades sedentárias teriam podido escolher as variedades que melhor se adaptavam à domesticação.
Com uma visão mais demográfica, seguindo uma linha de pensamento econômico criada pelo economista Thomas Malthus, que correlacionava tamanho de população e capacidade de produção de alimentos, Mark Cohen propõe que durante a pré-história, o crescimento populacional gerou um declínio da disponibilidade de coleta de alimentos, porque um número maior de pessoas passava a coletar e caçar em uma mesma área, o que acabou gerando uma crise de falta de alimentos. Como resposta à falta de alimentos, algumas populações desenvolveram a agricultura. A crítica que tem sido feita contra a hipótese de Cohen afirma que somente os níveis populacionais de caçadores-coletores não teriam sido suficientes para causar um grande decréscimo na disponibilidade de caça e plantas selvagens. McCorriston e Hole se preocuparam com a pressão exercida pela sazonalidade das estações do ano. Eles acreditam que a produção de alimentos de alta qualidade e de maneira intensiva e abundante seria necessária para se enfrentar a sazonalidade, durante os invernos, por exemplo. A produção abundante em algumas épocas do ano permitiriam a estocagem de alimentos durante os períodos em que houvesse grandes mudanças no clima e que não permitissem a coleta e a caça, por exemplo. Estações secas prolongadas, como uma extensão da sazonalidade anual, levariam ao sedentarismo e ao estoque de comida. Para que esta hipótese seja viável, o território ocupado por estes agrupamentos humanos deve ser tal que as pessoas não consigam superar a sazonalidade através de deslocamentos para outra áreas menos afetadas. Outros autores sugerem a utilização de uma perspectiva evolucionária para lançar luz sobre a origem da agricultura. David Rindos, por exemplo, sustenta que a adoção da agricultura não tem relação com uma mudança intencional, mas simplesmente uma reação de plantas e pessoas perante uma nova contingência. A perspectiva evolucionária avalia as relações entre os humanos e as plantas em co-evolução, e avalia que estas relações são um fenômeno completamente natural e não algo misterioso. No modelo evolucionário não requer nem uma mudança intencional no comportamento humano, nem pressões populacionais atuando como força externa.
As últimas pesquisas confirmam que existiram mudanças climáticas na mesma época do surgimento da agricultura. Existem evidências da interação entre clima e cultura em diversas regiões do planeta. Cerca de 10,000 anos atrás pelo menos três regiões independentes apresentaram uma mudança no perfil de exploração das plantas, que vieram a culminar no desenvolvimento da agricultura. No norte da China, a domesticação de plantas ocorre concomitantemente a uma rápida transformação de uma área de florestas para uma área de estepes. Evidências arqueológicas vindas da Nova Guiné indicam que a estratégia de subsistência das populações das terras mais elevadas já considerava que algumas áreas fossem destinadas à produção de alimentos. Cerca de 9000 anos atrás, o pântano de Kuk era drenado para utilização como terra seca, coincidindo com uma mudança climática na região. Outras razões também ligadas às condições ambientais globais podem ter influenciado o início da agricultura. Não somente parecem existir evidências de mudanças climáticas como na mesma época, cerca de 10,000 anos atrás, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera também pode ter favorecido o aumento de produtividade de algumas das plantas, favorecendo a sua domesticação.
Mudanças de clima certamente afetam o perfil econômico das sociedades, que buscam novas alternativas de sustento para fazer frente às novas condições ambientais. As mudanças climáticas são notórias pela influência que têm nas populações humanas. Nas planícies Maya, por exemplo, o desenvolvimento cultural e expansão populacional ocorreram sob condições favoráveis à agricultura. O declínio das culturas Maya é associado a prolongadas secas. A análise dos níveis dos lagos nos Andes demonstra que houve uma prolongada seca, cerca de 850 anos atrás, gerando uma pesada perda para o sistema agrícola no altiplano de Tiwanaku, que era baseada na agricultura de charcos. Estudos realizados com o gelo dos Andes demonstram que possivelmente esta seca está relacionada a um grande El-Niño. Embora a agricultura tenha começado mais ou menos simultaneamente em diferentes partes do mundo, e muito possivelmente influenciadas pelas condições climáticas, as circunstâncias em cada cultura que levaram as populações a produzirem alimentos provavelmente foram provavelmente bastante diferentes, levando a crer que não existe uma razão única para o desenvolvimento da domesticação de plantas e animais.
Existem algumas grandes diferenças entre as sociedades caçadoras – coletoras e as economias agrícolas. O tamanho da população nas sociedades agrícolas tem de ser maior porque o cultivo requer mais trabalho. Por outro lado, a agricultura pode sustentar mais pessoas em áreas menores, o que permite que as pessoas se assentem em acampamentos permanentes. A agricultura também permite a produção de mais alimentos do que o necessário para a subsistência do agricultor, permitindo a formação de estoques que podem sustentar classes sociais especializadas que não se envolvem com a produção de alimentos diretamente, como artesãos, construtores, o clero, a nobreza e os administradores. Nas economias agrícolas, as crianças se transformam em um ativo, porque podem passar a produzir alimentos. A agricultura também traz consigo um ciclo vicioso, em que mais pessoas geram a necessidade de mais alimentos, que para serem produzidos necessitam de mais trabalho e portanto as famílias aumentam, com mais crianças para ajudar nos campos.
Atualmente, a pesquisa genética está sendo utilizada para determinar onde a agricultura começou. Uma equipe de pesquisadores analisou o DNA de plantas cultivadas, e comparou com o DNA de plantas selvagem, coletadas em várias localidades, principalmente no crescente fértil. Eles descobriram que um grupo de plantas das montanhas Karacada, do sudoeste da Turquia, eram geneticamente mais parecidas com as plantas cultivadas, indicando uma possível ancestralidade comum. Já se sabia, pelas evidências arqueológicas, que as montanhas Karacada tinham tantos cereais selvagens que os caçadores coletores, muito antes de começarem a plantar, já colhiam as variedades existentes. Nas primeiras e mais antigas vilas desta região, são encontradas variedades cultivadas e selvagens de cereais. A domesticação dos cereais no Crescente foi fácil e rápida porque as variedades cultivadas e selvagens são muito parecidas, e lá é que estavam as espécies selvagens ancestrais às mais úteis espécies de plantas e animais que viriam a ser domesticáveis. Ao noroeste do crescente, às margens do mar Cáspio, cresce uma planta selvagem que pode gerar o híbrido mais importante de todos os cultivos do mundo moderno, que é o trigo, utilizado para fazer pão. Assim, "a diversidade de espécies úteis selvagens de plantas e animais no crescente, convivendo em proximidade uma com as outras, permitiu aos primeiros fazendeiros do crescente rapidamente montarem um pacote de domesticados, alcançando todas as necessidades básicas da humanidade: carbohidratos, proteínas, óleo, leite, transporte e tração animal, e fibras vegetais e animais para fazer cordas e roupas"
Sabemos com certeza que com o fim da idade do gelo, 14,000 a 12,000 anos atrás, as geleiras se retraíram deixando o mundo mais quente e mais úmido. Com mais chuvas, as zonas temperada verificaram um grande desenvolvimento da vegetação, árvores frutíferas e gramíneas, entre as quais o trigo e a cevada selvagens. O desenvolvimentos de pastos atraiu concentração de animais herbívoros para os novos locais que surgiam nestas regiões. Os caçadores coletores se concentraram nestas regiões, coletando estas gramíneas e caçando estes herbívoros. As tribos nômades passaram a ficar cada vez mais tempo acampadas, já que não tinham de se deslocar para outras áreas acompanhando a sazonalidade da caça. Com o tempo eles se assentaram em vilas, tornando-se sedentários, e passando a viver da coleta das gramíneas que cresciam nos campos, e dos pequenos herbívoros que se alimentavam nos pastos. Essas condições foram particularmente favoráveis no Oriente Médio, na Turquia, Iraque e Irã. Cerca de 11,000 anos atrás, houve um retorno do clima frio e seco, que durou algumas centenas de anos. As comunidade humanas, já assentadas em vilas que viviam da coleta e da caça, se viram às voltas com as secas que reduziam a disponibilidade de plantas e animais nos campos, e passaram a estocar grãos para os tempos difíceis. Eles passaram a plantar alguns destes grãos, selecionando os que cresciam mais fácil, ou que fossem mais saborosos, ou que melhor se adaptassem ao plantio, enfim acabaram escolhendo aqueles que melhor se saíam no cultivo. Por causa da diversidade de plantas e animais próprios para domesticação, o crescente fértil foi privilegiado. A geografia da Eurásia provavelmente favoreceu a disseminação da agricultura, porque ela pode se expandir ao longo do eixo leste-oeste, ou seja na mesma latitude. Sem grandes mudanças climáticas, os mesmos tipos de grãos domesticados inicialmente puderam ser utilizados por todas as regiões por onde a agricultura ia sendo divulgada. Nas Américas, no sub continente Indiano e na África, ao contrário, a orientação Norte-Sul provavelmente retardou a difusão das inovações agrícolas. Nestes locais, onde as diferenças de latitude geram diferenças de temperatura e umidade, a agricultura acabou sendo descoberta independentemente por várias culturas, cada uma selecionando as plantas que melhor se adaptavam a cada clima. A agricultura e domesticação de animais surgem no sudeste da Ásia; o Sudoeste da Ásia, a Ásia menor e sudeste da Europa; e a América central e sul. Estes também são os centros onde as populações nômades, de caçadores e coletores, passaram a se fixar, primeiro em vilas, que se tornariam cidades e depois grandes centros urbanos. Antes do processo de urbanização, entretanto, os assentamentos não somente viviam da agricultura. Estas populações não haviam deixado a caça, a pesca e a coleta de plantas selvagens, elas simplesmente acrescentaram a domesticação como mais uma parte das dádivas da natureza.
No Crescente Fértil, onde a agricultura se desenvolveu pela primeira vez, existem evidências de que as populações semi-nômades se fixavam pelo menos durante o período compreendido entre o começo da primavera e final do Outono. Em Abu Hureyra, um sítio na atual Síria, mais de 150 espécies de plantas foram identificadas. Entre estas espécies de planta encontram-se sementes de centeio cultivado, que se destinguem das espécies selvagens pelo seu tamanho e por serem mais cheias. Estas sementes foram datadas por Gordon Hillaman e Susan Colledge, da University College de Londres em 13,000 anos de idade. Há cerca de 10,500 anos, a agricultura no Oriente Médio já era diversificada e existem claras evidências de cultivo de trigo e cevada. O cultivo de arroz na China, de acordo com as evidências mais recentes, começou há 11,500 anos, conforme demonstram estudos realizados por pesquisadores Japoneses e Chineses baseados nos resquícios de grãos encontrados em potes cerâmicos provenientes dos sítios arqueológicos das províncias de Hubei e Hunan, no médio Yangtze. A agricultura se expandiu fortemente na China posteriormente, de 7,500 a 7,200 anos atrás, com fortes evidências do cultivo de várias espécies de plantas. A agricultura na América Central, no México em particular, uma mudança climática por volta do ano 7500 AC provocou uma diminuição das chuvas e vários lagos secaram. A Megafauna se tornou extinta, e consequentemente os homens americanos que viviam da caça e coleta foram forçados a diversificar suas fontes de alimentos, incluindo o pequeno gamo, raízes, sementes, frutas, etc.. Aparentemente, esta mudança nos hábitos alimentares foi acompanhada dos primeiros experimentos com a agricultura, primeiramente com o milho, em Tehuacán e depois com abóbora e feijões. As chuvas retornaram aproximadamente mil anos mais tarde, permitindo o total desenvolvimento da agricultura. Kent Flannery, da Universidade de Michigan, escavou nos anos 60 a caverna de Guilá Naquitz, no México, encontrando traços de sementes de abóbora e as identificou como uma espécie cultivada, Cucurbita pepo, diferente das espécies selvagens, e estimou a sua idade em 10,000 anos, bem mais antiga do que as estimativas anteriores. Mas foi o trabalho de Bruce Smith, do Smithsonian Institute, que confirmou esta idade, quando utilizou técnicas de datação por isótopos radioativos. Smith datou sementes de abóbora encontradas em Oaxaca, no México em 10,000 anos. Cerca de 5000 anos atrás a agricultura nas Américas se diversificou, originando uma sociedade sedentária e baseada no cultivo. As sociedades que cultivavam as sementes datadas por Smith não eram fundamentalmente agrícolas, mas sim caçadores-coletores semi-nômades que cultivavam algumas espécies de abóboras de forma esporádica e oportunista, e provavelmente ainda mantinham a estrutura comunitária de caçadores-coletores, diferentes dos povos assentados de fazendeiros que se seguiram.
Quando os homens abandonam a caça e a coleta, passam a ficar dependentes das colheitas, que por sua vez dependem das condições do tempo, das chuvas, do sol e dos rios. O controle sobre sua subsistência, sobre a produção de alimentos, não depende mais de sua habilidade individual para dominar o animal através da caça, ou da localização do acampamento, porque as manadas de animais selvagens, ou frutas e raízes silvestres, não são mais a fonte de sustento da tribo. Com o domínio da domesticação, a habilidade de produzir sustento sai do controle do homem e passa a ser definida pelos acasos do clima, das tempestades e das chuvas. A habilidade individual, que separava o grande caçador do medíocre, perde o significado. Não existe o "grande agricultor". A agricultura e a pecuária são atividades muito mais dependentes da coletividade do que a caça e a coleta. Mesmo que a caça e a coleta sejam executadas em grupos, em sofisticados esquemas de cooperação mútua para capturar e matar a presa - e estes esquemas são especialmente necessários quando os animais caçados são grandes Mamutes, por exemplo - mesmo assim a coragem individual do caçador é muito mais predominante do que no cultivo de plantas. A agricultura é uma atividade executada por todos, homens e mulheres, em que cada um dos fazendeiros faz exatamente a mesma coisa que os demais. Para as sociedades rurais, o que interessa é o número de enxadas, e não a qualidade da enxada. Qualquer habilidade individual é menos importante do que a quantidade de pessoas. O poder que os homens tinham diretamente sobre o seu sustento desaparece, e a agricultura é executada por qualquer pessoa. Ao contrário das sociedade baseadas na caça, onde o aspecto viril masculino é valorizado em rituais de coragem, força e habilidade, nas sociedades agrícolas isso não existe.
Uma das mudanças mais marcantes na forma do homem encarar o mundo é que ele passa a ficar mais dependente de poucas espécies de plantas e animais. Toda a comunidade, reunida em um assentamento, passa a depender de uma variedade relativamente pequena de fontes de alimento, o que instintivamente faz aumentar o medo da escassez. O temor que aquelas poucas espécies, que são a base de todo o sustento, venham a faltar. Para os caçadores-coletores, se não é a estação de caça ao veado, existem as cabras selvagens, os diversos peixes dos rios e mares, a coleta de moluscos e crustáceos, e assim por diante. Da mesma forma, as diversas plantas selvagens estão prontas para colheita em diversas épocas diferentes, e se o trigo selvagem não está pronto, talvez outras gramíneas o estejam, ou ainda frutas, tubérculos, raízes, cogumelos, etc...Com a instituição da agricultura, isso muda de forma drástica. Toda a vila, todo o assentamento, passa a depender de algumas poucas variedades de plantas e animais, especialmente cereais. Até os dias de hoje, grande parte da proteínas e calorias na dieta da maioria das pessoas provém dos cereais, que dominam a produção agrícola mundial. Hoje, 80% da produção mundial de alimentos se baseia no cultivo de apenas 3 tipos de cereais. O trigo representa 28% de tudo produzido, o milho 27%, e o arroz 25%. Todas as outras plantas respondem com 20% da produção mundial de alimentos . De uma forma geral, as vilas agrícolas são muito mais dependentes do sucesso destas poucas espécies do que as comunidades de caçadores-coletores, que facilmente podem modificar sua dieta no caso de falta ou escassez de uma espécie em particular.
As vilas agrícolas também são extremamente vulneráveis às condições do tempo, do qual depende a colheita daquelas poucas espécies plantadas. Cada espécie de planta se adapta a um tipo de clima, um nível pluviométrico, uma faixa de temperatura. As sociedades que se baseiam na coleta das plantas selvagens têm acesso a uma grande variedade de espécies, e se em determinado ano as condições atmosféricas são propícias a uma espécie em particular em detrimento de outra, a única alteração significativa para os coletores é a proporção relativa desta planta nos cardápios. O mesmo vale para a caça. Ao contrário, aqueles que dependem da agricultura apostam no plantio de uma determinada espécie e esperam que as condições climática se comportem conforme o esperado. Condições de tempo desfavoráveis, com mais chuvas do que esperado, ou com uma estação seca mais prolongada, prejudicará enormemente o desenvolvimento daquela espécie de planta, e a colheita – e consequentemente o sustento de toda a população - estará ameaçada. O sustento futuro, nas sociedades agrícolas, depende muito mais da sorte, que traz condições de chuva na hora certa, de sol na hora certa, que afasta as inundações e afasta as pragas que atacam aquela planta em particular. Se nas comunidades anteriores o sucesso dependia da sua própria habilidade, e o melhor caçador gerava mais comida e sustento a seu grupo, nas vilas agrícolas a produção de alimentos passa a depender dos céus que controlam a chuva e o sol. O homem agrícola não tem mais o controle sobre seu futuro, que passa a depender de fatores absolutamente externos. Pior ainda é que os padrões de tempo e condições atmosférica variam ao longo do tempo, em qualquer lugar do planeta. Isso quer dizer que, independentemente do conhecimento agrícola, da tecnologia utilizada, o homem assentado nunca terá a certeza da produção de suas terras no próximo ano. A escolha das sementes a serem plantadas é uma questão de sorte, e plantas que sempre geraram excelentes colheitas em uma determinada localidade podem apresentar quebra de safra repentinamente. Esta incerteza quanto ao futuro faz com que as sociedades agrícolas tentem adivinhar o que se sucederá, assim como faz com que tente alterar a natureza.
Ainda mais incertezas são provenientes das novas condições das pessoas morando junto umas das outras nos assentamentos agrícolas. As populações passam a conviver com doenças muito mais freqüentes do que anteriormente. A pobreza da diversidade de alimentação também contribui para que a saúde nos assentamentos agrícolas seja pior do que a saúde nos acampamentos dos caçadores. Aparece a peste, que dizima várias pessoas de uma vez. Não existem evidências de doenças endêmicas dizimando populações de caçadores-coletores subnutridos. Ao contrário, os primeiros fazendeiros eram mais sujeitos às doenças porque estavam mais perto uns dos outros, o que favorecia o contágio e transmissão das doenças infeciosas, mais sujeitos às doenças decorrentes da contaminação da água e do ambiente pelo lixo e esgoto dos assentamentos, assim como mais sujeitos às doenças transmitidas por vetores (principalmente insetos e roedores) que passaram a conviver junto aos assentamentos. A população aumentando, concentrada nas vilas agrícolas, também convive com o declínio das condições de saúde.
Provavelmente a mudança psicológica mais fundamental do início da agricultura é o horizonte de tempo. Para se sustentar, as populações agrícolas devem obter todo o seu sustento das colheitas. Os cereais e outras plantas que sustentarão toda a comunidade até a próxima colheita devem ser guardados, estocados e consumidos parcimoniosamente. Todo o sustento é gerado em poucos dias, ao contrário de uma coleta e caça contínua ao longo de todo o ano. Estas comunidades assentadas passam a pensar no futuro, ao invés do presente. O planejamento passa a ser fundamental e nada pode interromper as etapas do processo agrícola. As sementes devem ser plantadas na época certa, e as colheitas, especialmente, devem ser realizadas em datas precisamente determinadas, ou então as plantas apodrecerão nos campos. Nada pode interferir com este processo porque a janela de oportunidade passa a ser muito estreita. Os agricultores não somente tem de realizar suas tarefas dentro de datas previamente demarcadas como também têm de guardar a produção pelo tempo necessário até a próxima colheita. E guardar é proteger da umidade, das pragas e dos ladrões, assim como também é pensar no futuro com antecedência.
Surge também uma atividade inédita, e a que mais mudaria a vida das sociedades, que é o trabalho. Embora as populações passem a ter os benefícios da produção em excesso, ou seja, de alimentos que podem estocar e comercializar, também têm de trabalhar continuamente. A vantagem do cultivo sobre a coleta é a habilidade de sustentar mais pessoas por unidade de terra, não de se trabalhar menos. Ao contrário, a quantidade de trabalho necessária para sustentar esta população é muito maior e muito mais contínua. O balanço energético da produção de alimentos através da agricultura é pior do que o da caça e da coleta, ou seja, gasta-se mais tempo para produzir um quilo de comida com agricultura do que através da caça. Enquanto as populações que caçam e coletam gastam grande parte do tempo em atividades de lazer, as populações que vivem da produção agrícola têm de trabalhar incessantemente, da manhã ao por do sol. Da mesma forma como os leões na savana africana passam a maior parte do dia deitados sob a sombra das árvores, e somente gastam alguns momentos caçando um antílope, enquanto as formigas, que domesticaram os pulgões e por isso têm de lhes fornecer folhas, trabalham incessantemente, o conhecimento proveniente do domínio da agricultura também trouxe consigo a necessidade deste sacrifício. Algumas sociedades de caçadores coletores não precisam de mais do que 20 horas de trabalho por semana para sua subsistência, enquanto as sociedades agrícolas exigem o trabalho contínuo preparando o solo, plantando e colhendo. Os caçadores coletores tipicamente fazem menos trabalho para a mesma quantidade de comida, apresentam uma saúde melhor e são menos sujeitos a passar fome do que os fazendeiros primitivos. O surgimento do trabalho contínuo é o surgimento do sacrifício que se faz hoje para ter recompensas no futuro. Também é o reconhecimento de que o sacrifício é proveniente do conhecimento. O sacrifício do trabalho diário só aparece quando não se pode mais sair vagando pelos campos coletando e caçando o que a natureza oferece, e o conhecimento das técnicas agrícolas, e o conhecimento do planejamento para o futuro é que trazem este sacrifício. As recompensas passam a ser futuras, e não presentes. A caixa de pandora foi aberta, e todos os males foram espalhados pelo mundo.
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A diferença entre a religião dos caçadores-coletores para as sociedades agrícolas pode ser identificada por algumas características bem delineadas. Nas sociedades de caçadores coletores, existe o cerimonialismo animal, a procura pelo poder espiritual, o macho como ser supremo, cerimônias anuais de rejuvenescimento cósmico, poucos locais fixos de culto, shamanismo e a crença na vida após a morte depois do horizonte, ou no céu. Nas religiões influenciadas pela adoção da agricultura, aparecem as cerimônias da chuva e da fertilidade, rituais com sacerdotes, deuses e deusas, ritos de fertilidade por todo o ano, templos e santuários permanentes e vida após a morte em submundos debaixo da terra ou entre as nuvens. Assim como durante o Paleolítico, o homem caçador-coletor identificou suas crenças com os animais que caçava, no Neolítico o homem fazendeiro desenvolve as religiões e crenças ligadas à fertilidade, aos ciclos de vida e morte e às plantas.
Michael Everson escreve que "podemos caracterizar a antiga religião Européia como um labirinto de símbolos conceitualmente relacionados à dialética de formação, destruição e reformação". Este conjunto de símbolos deveria retratar o sistema de vida Neolítico, com o homem no domínio da agricultura. "O crescimento, o desvanecimento e regeneração são as realidades da economia agrícola e não é surpresa que a relação dos primeiros fazendeiros com seu modo de vida achasse uma expressão na religião". Continua Everson: "Eles entendiam a vida como cíclica, seguindo padrões de nascimento, morte e renascimento. Pode-se sugerir que tal sistema simbólico pudesse ser simplesmente uma metáfora para os padrões diários da vida Neolítica (ou Paleolítica!) ..."
Na aurora da agricultura, com o desenvolvimento das primeiras vilas no Crescente Fértil, no flanco das montanhas Zagros, nascente dos rios Tigres e Eufrates, surgiu o culto à Deusa, que se espalhou do platô da Anatólia, na atual Turquia, para os vales da antiga Europa e Oriente Médio. O primeiro Deus, o Deus da Terra, era uma mulher, que incorporava a fertilidade e a renovação da terra; Jung acha que esta mulher representa o mãe que dá a vida, e que nutre e sustenta os pequenos. Ele escreve:
O conceito da grande mãe [...] engloba vários tipos de Deusas-Mãe. [...] O símbolo é obviamente derivado do arquétipo materno. Se nos arriscarmos a investigar o embasamento da imagem da Grande Mãe do ponto de vista da psicologia, então o arquétipo da mãe,..., deverá formar a base da nossa discussão".
O conceito da Deusa está no centro das antigas religiões voltadas à Terra. Os arqueólogos já identificaram os cultos à fertilidade nas culturas neolíticas com mais de 9000 anos. Desde a época de seu surgimento, as religiões da Deusa deixaram evidências em numerosas esculturas de mulheres grávidas, mulheres sem face com bustos, nádegas ou vulvas exageradas. Estas figuras são conhecidas pelos arqueólogos como Vênus ou Ídolos do Culto da Grande Mãe. São esculturas feitas em pedra, ossos ou barro e foram descobertas perto das primeiras habitações humanas. Estas estátuas seriam dispostas em nichos nas paredes, como um altar. Os sítios arqueológicos onde foram achadas estas figuras femininas se espalham por toda a Europa, em especial na Espanha, França, Alemanha, Áustria, Czechoslovakia e Rússia e aparentemente cobrem um período de pelo menos uma dezena de milhares de anos. Claramente, o nascimento, a maternidade e sexualidade feminina eram consideradas sagradas. Da mesma forma como em algumas culturas isoladas ainda existentes, as culturas onde havia a adoração da deusa da fertilidade não tinham noção do papel masculino na reprodução e as mulheres eram tidas como as únicas responsáveis por gerar a vida. Sem o conhecimento do papel masculino na geração de vida, é provável que as crianças pertencessem somente às suas mães e à comunidade e que as crianças adotassem os nomes das mães, fazendo com que a descendência se desse através da linha feminina, formando uma estrutura social chamada de Matrilinear que ainda existe em partes da África, Índia e da Ásia.
A capacidade de dar a vida e de nutrir a vida foi observada por estas antigas populações, à medida que começaram a manipular a vida através da agricultura e da criação, e eles viram o poder incorporado nas figuras femininas. Em várias sociedades aborígenes e indígenas americanas, a Mãe-Terra, ou a Grande-Mãe era considerada o "começo e o fim de toda a vida na Terra" Nascimento, regeneração, e todo o ciclo da vida, parecia ligado aos ciclos da lua e do sol, que propiciavam o nascimento dos grãos da terra e da menstruação, que propiciava o nascimento dos homens. Desta ligação cresceu um sistema de crenças baseado na Mãe-Terra, que continuou a evoluir em conjunto com a terra, a cultura e a civilização, para produzir uma religião que era preocupada com a natureza e com a Terra. As testemunhas do milagre de dar à luz associaram os seres femininos ao nascimento, à fertilidade e à renovação. A Deusa se tornou o símbolo da vida em si mesma, e assim ela passou a ser responsável por trazer as chuvas, a vegetação verdejante e se tornou a imagem da própria terra, a Deusa-Mãe, a Deusa-Terra.
O culto à Deusa-Mãe se disseminou nas sociedades agrícolas através da Europa antiga e no Oriente Médio, freqüentemente associada a cobras, pássaros, ovos, peixes, flores, abelhas e borboletas. Outras associações incluíam também o touro e a vaca, a lua, as estrelas e a vegetação em geral, e aos cereais em particular. As pessoas davam formas à Deusa, através de vasos de barro, estátuas e estatuetas. Pequenos santuários forma criados à sua honra e, depois, grandes templos foram construídos e dedicados ao seu culto. Durante a maior parte do Neolítico, estas primeiras sociedades agrícolas parecem ter vivido em harmonia, em vales férteis e planícies alagadiças, em locais relativamente desprotegidos. Perto do fim do Neolítico, com a chegada da idade do Bronze, invasores das estepes, desertos e montanhas começaram a aparecer e os assentamentos mudaram dos fundos dos vales para o alto das montanhas e as cidades abertas viraram cidades muradas. O culto à Deusa-Mãe unificada se tornou mais diferenciado, fragmentando-se em várias divindades femininas, cada uma com uma função, assim como foram introduzidos os deuses masculinos, que rapidamente se diversificaram.
Marija Gimbutas, arqueóloga da University of California, desenvolveu um enorme trabalho à religião da deusa feminina na Europa do período neolítico. Esta imagem da deusa estaria fortemente associada à fertilidade, através dos símbolos de morte e regeneração. Entre 1967 e 1980, Marija Gimbutas se tornou diretora de projeto em cinco escavações de sítios neolíticos no sudoeste da Europa, na antiga Iugoslávia, Itália, Grécia e Macedônia. Seu trabalho preliminar nestes sítios resultou na publicação em 1982 de The Goddesses and Gods of Old Europe, onde ela demonstra que todos os aspectos da vida cotidiana no Neolítico Europeu expressavam um simbolismo religioso sofisticado. Marija Gimbutas passou, então a se dedicar ao estudo das imagens e símbolos do Neolítico, tentando descobrir o seu significado social e mitológico. Em The Language of the Goddess, seu livro de 1989, Marija Gimbutas apresenta os principais temas da arte e religião da Europa antiga, onde aborda a figura feminina, presente em milhares de imagens, refletindo a centralidade da mulher na cultura e religião antigas, expressando uma participação sagrada nos grandes ciclos naturais de fertilidade/nascimento, morte e regeneração. Mais tarde, em The Civilization of the Goddess, de 1991, ela descreveu as culturas Neolíticas através de uma visão geral que incluía os padrões de habitação, estrutura social, arte e religião de uma sociedade matriarcal em comparação com a sociedade indo-européia da idade do bronze, tipicamente patriarcal. Durante a idade do bronze, segundo Gimbutas, as culturas de adoração da Deusa foram violentamente invadidas por sociedades guerreiras, Indo-Européias e patriarcais. Estas sociedades iriam emergir como os Celtas, Eslavos, Germanos, Romanos, Micenáreos e Gregos. Como resultado destas invasões, a Deusa foi sintetizada, entrando para o panteão de deuses guerreiros indo-europeus.
Segundo Marija Gimbutas, a relação dos povos neolíticos da Europa, antes da invasão dos nômades indo-europeus, com o início da agricultura e assentamentos humanos, se reflete na mitologia e religião. Ela escreve "Os símbolos e imagens se agrupam em torno de uma deusa auto-gerada e suas funções básicas de dar a vida, ser o arauto da morte e agente de regeneração. [...] A ênfase destas culturas estava nas tecnologias que nutriam a vida das pessoas...". Gimbutas sugere que as aves de rapina, como o abutre, a águia ou a coruja, são o símbolo desta deusa em diversas localidades, aparecendo como arauto da morte, e que estas figuras de pássaros freqüentemente apresentam características femininas como vulvas ou seios, representando o potencial de renascimento. Estas figuras pássaro-femininas são encontradas não somente nas estruturas megalíticas como também na arte das tumbas. Gimbutas sugeria também que estas sociedades seriam pacíficas, vivendo em harmonia com suas tecnologias agrícolas, matriarcal e matrilinear, e que o feminismo destas sociedades neolíticas trazia uma relação entre as pessoas praticamente utópica. Os costumes sexuais das antigas religiões femininas, também encorajavam a descendência matrilinear e davam às mulheres poder sobre os homens, segundo evidências arqueológicas e documentais levantadas por Merlin Stone em When God Was a Woman. O judaísmo e o cristianismo continuaram o declínio da religião da Deusa que havia tido início com as invasões Indo-Européias. A religião patriarcal cristã se sentia ameaçada pelo poder religioso das mulheres, e como resultado, a religião da Deusa foi reduzida a um símbolo de perversa sexualidade.
Provavelmente a maior vila agrícola do mundo é Çatalhöyük, um assentamento datado em aproximadamente 9,000 anos. Esta gigantesca vila neolítica foi primeiramente escavada pelo arqueólogo James Mallaart nos anos 60, que descobriu mais de 150 habitações e salas, muitas decoradas com murais, esculturas e outras obras de arte. Foram encontradas centenas de habitações de tijolo, onde se estima que milhares de pessoas viviam, criando ovelhas ou cabras, caçando o gado selvagem, cavalos e gamos, cultivando cereais, ervilhas e lentilhas e coletando plantas selvagens como tubérculos. Em tamanho e complexidade, Çatalhöyük é única no mundo para sítios daquela época. As escavações neste sítio localizado na atual Turquia foram encerradas pelo governo local em 1960 devido ao pouco cuidado com a conservação do sítio. Em 1993 foi concedida nova permissão de estudo para esta cidade, em um trabalho que visa também a conservação, a reconstrução de áreas destruídas, construção de um museu e várias expedições arqueológicas. A arquitetura de Çatalhöyük é basicamente composta de habitações retangulares de teto reto, bastante coladas umas nas outras. A entrada dos prédios era feita pelo teto. Este tipo de arquitetura ainda pode ser encontrada em algumas províncias da Turquia. Apesar da extrema proximidade entre as casas, elas têm paredes em separado, com uma pequena distância entre uma e outra. As paredes foram construídas de tijolos de barro seco, suportadas por vigas de madeira, uma técnica de construção ainda em uso em certas áreas de Anatólia. Como as plantas e dimensões de quase todos os prédios são similares, é muito difícil ter certeza se todos eram habitações comuns ou se algum em particular era um templo ou local sagrado. Os sepultamentos em Çatalhöyük tinham um ritual muito peculiar. Os corpos eram deixados aos abutres e depois que estes limpavam toda a carne os esqueletos eram enrolados em panos, enquanto os crânios eram pintados e decorados e enterrados no interior das casas. Estas cenas foram pintadas nas paredes dos prédios. Oferendas também foram encontradas nas sepulturas. Os antigos habitantes deixavam objetos com os mortos. Foram encontrados espelhos e jóias, pontas de lança e outros apetrechos. Em praticamente em todas as casas podem ser encontrados objetos simbólicos e religiosos, como estátuas, amuletos e principalmente as pinturas, que em geral eram executadas nas paredes, umas sobre as outras, chegando a apresentar até duzentos níveis. A maioria das pinturas encontradas apresenta motivos religiosos. As casas de Çatalhöyük, com suas pinturas nas paredes, cabeças de touro e estátuas indica que o povo local obviamente tinha crenças e atos de adoração.
As mais importantes obras de arte em Çatalhöyük são os murais e as figuras de barro cozido. Um dos prédios, identificado como um templo, apresenta pinturas nas paredes representando cenas de funerais e caçadas. As pinturas também apresentam cenas de grandes abutres observando um grupo de homens sem cabeça. Em um pote de grãos, neste templo, foi achada uma estatueta representando uma mulher dando a luz, sentada em um trono, tendo dois leopardos (ou outro felino) ao seu lado. Ian Rodder, da University of Cambridge, diretor do projeto arqueológico em em Çatalhöyük comenta, "é difícil argumentar contra a importância feminina no simbolismo. Especialmente nos níveis mais recentes no sítio, a imagem da mulher sentada ou entronada é poderosa".
Ian Hodder também nota que as mulheres em Çatalhöyük eram enterradas com ornamentos e caixas de cosméticos, enquanto os homens eram enterrados com seus instrumentos de caça e de guerra, ou de agricultura. As pequenas esculturas representavam muito mais freqüentemente mulheres do que homens, geralmente sem roupas, enquanto os homens eram retratados mais freqüentemente nas pinturas das paredes, com roupas e usualmente em cenas de caça. A arte em Çatalhöyük é muito mais representativa da natureza do que da agricultura ou as tarefas domésticas.
A idéia de uma sociedade utópica e pacífica baseada em uma sociedade com predomínio feminino estimulou todo o tipo de fanáticos da Nova Era. Starhawk, ativista pela paz e líder no movimento espiritual feminista, autora do best seller The Spiral Dance , embora não cite nenhum trabalho arqueológico e baseie a maior parte de seu livro nos trabalhos de Merlin Stone e Margaret Murray, é responsável, em grande parte, pela popularização da idéia da Deusa do Neolítico sustentando uma vida pacifica nas sociedades matriarcais. Ela afirma que Çatal Hüyuk é o sítio arqueológico que mais claramente demonstra a existência de uma sociedade matriarcal. Marija Gimbutas já dedicava grande parte de seu trabalho a esta localidade e escreve que lá existem santuários dedicados a touros, e que estes animais supostamente representam figuras femininas, porque são utilizados como símbolos do sistema reprodutivo das mulheres, em que os chifres são as trompas e a cabeça o útero ou ainda mulheres na posição de parto.
Cultos à mãe-terra semelhantes foram encontrados em mais de diversos sítios arqueológicos em todo o mediterrâneo, incluindo Creta, Grécia e Euskadi. Por toda a Europa, América, Ásia e África são encontrados cultos de fertilidade nas sociedades pré-agrícolas. As estátuas de deusas de fertilidade desta época somam mais de 30,000, segundo Gimbutas. A Deusa-Mãe ou mãe-terra, ou deusa da fertilidade é bastante importante em quase todas as religiões antigas do início da agricultura. O primeiro conceito divino sociedades agrícolas era a Deusa, uma figura feminina, um ícone de fertilidade e doador de vida, na realidade a fonte de toda a vida, humana, animal, e vegetal. A linhagem da verdadeira Deusa-Mãe Fertilidade - Terra pode ser acompanhada desde os primórdios da Europa, o Oriente Próximo, Oriente Médio e Norte da África até o amanhecer da civilização na Mesopotâmia onde ela foi chamada Inanna pelo Sumérios antigos. Ela continuou evoluindo na forma de Ishtar da Babilônia, e em Hathor e Isis do Egito, Ashtoreth, da Cananéia e Astarte, fenícia. Seguindo uma evolução posterior, a Deusa assumiu atributos diferentes que foram identificados com personalidades diferentes. Ela tinha se dividido em uma multidão de deusas complexas pelo Período grego Clássico, cada deusa cumprindo um papel especializado. Cada uma das deusas departamentais está agora separada da Deusa-Mãe original, e elas estão, a partir deste ponto, divididas e passaram até mesmo a competir entre si. Na Grécia ela se tornou Afrodite, Artemis, Athena, Deméter, Hera, Hestia, e Perséfone. E em Roma estas deusas corresponderam a Vênus, Diana, Minerva, Ceres, Juno, Vesta, e Proserpina.
As figuras femininas, encontradas no Leste Europeu, Egito, Levante, Turquia, Grécia, Chipre e nos Balcãs, encontram suas formas mais elaboradas nas ilhas de Malta, datadas do terceiro milênio A.C. Em Malta, o culto às imagens de mulheres corpulentas se difundiu e, ao contrário de todo o resto do mediterrâneo, onde o culto às imagens femininas envolviam rituais domésticos, em Malta estas imagens aparecem em templos e em artefatos encontrados em sepulturas. Alguns arqueólogos sugerem a hipótese de que Malta tenha tido uma sociedade matriarcal dominada por sacerdotes mulheres, líderes femininas e com o culto à Deusa-Mãe da fertilidade. É verdade que estas hipóteses sempre se basearam em uma fé implícita de que as figuras representassem a Deusa-Mãe, simbolizando a fertilidade. As escavações no Círculo de Brochtorff, em Gozo, encontraram evidências ligando as estatuetas femininas, e representações de animais, aos rituais funerários daqueles povos pré-históricos. As evidências mais modernas demonstram que, embora a fertilidade possa ter sido um componente importante da religião de Malta, não eram o único. As gordas figuras femininas eram cultuadas, mas outros aspectos devem ser igualmente levados em consideração. Aparentemente, a obesidade e os animais tinham alguma ligação com os mortos, e não somente com o culto da fertilidade.
Outro importante centro arqueológico da Deusa é Creta, principalmente no período correspondente ao início da idade do Bronze. A exploração de Creta começou no século passado, quando algumas das salas do palácio de Knossos foram descobertas em 1878 por Minos Kalokairinos, mas o governo Turco, que na época controlava a ilha, não permitiu que um grande projeto de escavações fosse levado a cabo. Heinrich Schliemann, o arqueólogo que descobriu Tróia, queria escavar Knossos, mas não conseguiu chegar a um acordo com o dono do terreno, e desistiu do projeto. Foi Sir Arthur Evans, um inglês bem educado, que teve sucesso revelando a cultura Minoana, depois da independência da ilha. Com a ajuda de Duncan McKenzie, um escavador experiente, Evans desenterrou vários níveis do palácio de knossos. Ele descobriu, entre outras coisas, cerâmicas de origem estrangeira, particularmente egípcia. Outras obras de arte recuperadas em Knossos incluíram estatuetas de deusas, afrescos, cerâmicas, e muitos outros objetos. A arte em Creta, representada principalmente pelos afrescos, cerâmica e pela arquitetura, indicam uma cultura intensamente dinâmica e original .
Evans descobriu duas estátuas grandes, ambas usando a roupa típica da corte Minoana, que consistia em uma saia larga com um corpete apertado, duro e com os seios expostos. Evans identificou a estátua maior como a deusa da serpente ou uma Deusa-Mãe. A menor geralmente é aceita como sua filha, ou então uma sacerdotisa. A característica mais marcante da religião Minoana é que ela era politeísta e matriarcal. Os deuses eram todos femininos e nenhum deus masculino foi identificado até os períodos mais recentes. Encabeçando o panteão de deuses Cretenses parece ter sido uma deusa todo-poderosa que regia sobre tudo no universo. É difícil de avaliar a natureza da Deusa-Mãe de Creta. As numerosas representações de deusas conduzem à conclusão que os Cretenses eram politeístas, mas outros estudiosos afirmam que estas representações são apenas as diversas manifestações da uma única deusa. "Podemos eventualmente pensar em termos de um Espírito Universal Minoano, que se manifestava em diferentes transformações, cada uma com um nome, caráter e função diferente, e ainda assim consideradas uma única divindade". Dentre as representações de deusas femininas, há a deusa-caçadora, representada dominando ou superando animais, a deusa-montanha, que está se levantando em uma montanha e aparentemente protege os animais e o mundo natural e a popular Deusa-Serpente que tem serpentes enlaçada no corpo ou nas mãos. Esta estatueta representando a Deusa-Serpente só é achada em casas e em santuários pequenos nos palácios, o que leva a se acreditar que ela é algum tipo de deusa doméstica ou deusa da casa.
Existem várias evidências arqueológicas indicando que as mulheres ocuparam um papel importante na religião Minoana. A principal Deusa apareceria com o nome de Potnia, e pode ter sido a forma feminina do Deus masculino Potidas, ou Poteidan, que depois seria transformado no Deus Grego Posseidon, que estaria intimamente associado a Creta. Outras deusas aparecem em Creta com o nome de Diktynna e Britomartis. Os Minoanos adoravam várias deusas, ou então uma deusa única em várias formas. A predominância de deusas femininas, em detrimento das figuras masculinas, e da importância religiosa dada às mulheres, pode ser atestada pelo sarcófago de Agia Triadha, em que aparecem as pinturas de sacerdotes mulheres ultrapassando em muito a quantidade de sacerdotes homens. As imagens de mulheres ocorre muito mais frequentemente que a de homens no registro arqueológico Minoano, tanto em Creta como nas recentes escavações em Thera. Muito da cultura Minoana veio do Egito, com o qual os cretenses mantinham intenso comércio. Entre os objetos escavados por Evans estava uma estátua de uma figura egípcia, que foi identificada pelos hieróglifos que continha como sendo um sacerdote dedicado ao culto do Wadjyt, o olho de Rá. O Wadjyt simbolizava uma deusa da fertilidade que tinha como símbolo a serpente, podendo tanto ser Sekhmet como Hator. As deusas associadas ao Wadjyt parecem ter sido protetora das mulheres, especialmente que estivessem grávidas ou amamentando, e mulheres com crianças. Posteriormente, Sekhmet e Hator acabaram se desenvolvendo e sendo incorporadas ao culto à Deusa Isis.
Isis do Egito era uma deusa considerada como a criadora de toda a vida no cosmos, assim como necessária ao sustento da vida. A Deusa Neolítica assumindo uma posição de provedora de vida e soberana sobre a morte, em profundo relacionamento com a natureza cíclica dos povos agrícolas em que a vida e a morte aparecem como diferentes aspectos de um mesmo fenômeno. Apuleius escreveu ilustrando o discurso de Isis em Metamorfoses:
Eu sou Natureza, [...], Soberana Rainha dos Espírito dos Mortos, Rainha do Imortais, A única incorporação de todas as deusas e deuses. Minha vontade governa os movimentos das estrelas. Os ventos dos mares, E o silêncio terrível do submundo. Eu sou adorada sob muitos aspectos, Conhecida por incontáveis nomes. Eu sou Isis.
A deusa Isis foi adorada em todo o Egito e daí seu culto se espalhou para várias das principais civilizações da antigüidade, chegando à Fenícia, Síria, Palestina, Ásia Menor, Chipre, Rodes, Creta, Samos e outras ilhas no mar Egeu e várias cidades da continentais da Grécia como Corintos, Argos e Thessaly. O culto a Isis também chegou até Malta e à Sicília, e finalmente entrou na capital do império romano. No primeiro século AC, Isis era provavelmente a Deusa mais popular em Roma, de onde seu culto se difundiu para todos os limites do império.
A idéia de uma deusa ligada ao nascimento, morte e regeneração não é exclusiva da mitologia européia mediterrânea. Praticamente todas as sociedades que adotavam a agricultura acrescentavam ao seu panteão as divindades femininas, se não em poder superior ao das divindades masculinas, pelo menos em posição de igualdade. Na década de 20 foram descobertos selos entalhados nas planícies de Punjab, atual Paquistão, indicando a presença de uma civilização. Esta civilização foi chamada de Harappan, ou civilização do vale do Indus, e desde a sua descoberta são achadas evidências cada vez mais impressionantes desse povo. Por mais de uma década as escavações em Harappa têm sido lideradas pelo Dr. Jonathan Kenoyer, professor da Universidade de Wisconsin, em Madison. Ele mostra que esta civilização era muito maior que a do Egito e da Mesopotâmia, que se desenvolveram em torno da mesma época. A civilização de Harappa construiu cidades bem organizadas ao invés de templos e santuários, utilizaram o mesmo sistema de pesos e medidas por mais de mil anos, e eram grandes comerciantes que estabeleceram colônias no golfo pérsico e na Mesopotâmia. Mais de setenta cidades foram construídas, entre elas Mohenjo-Daro e Harappa, cada uma com mais de 40,000 habitantes. Cada uma destas cidades foi construída com tijolos cozidos padronizados, seguindo um planejamento urbano pré-estabelecido, e com espaço destinado a uma grande praça de mercado. Eles produziam em massa potes decorados com figuras geométricas, e estatuetas. Eles cultivavam trigo, arroz, mostarda e algodão, entre outras plantas. Eles tinham cachorros, gatos, camelos, ovelhas, porcos, cabras, búfalos, elefantes e galinhas. Sendo povos agrícolas, o povo de Mohenjo-Daro e Harappa tinha religiões que eram focadas na fertilidade, na terra dando a vida. Eles tinham uma deusa de fertilidade, representada pela estatueta de uma figura feminina sem roupas, que era colocada em nas casas. Eles também adoravam um deus-touro e um deus com três cabeças e um falo ereto, todos associados à fertilidade.. Imagens dos deuses da fertilidade, também representados por "unicórnios", ou divindades com chifres, além das estatuetas, foram encontradas pintadas em jarros que evidentemente eram de melhor qualidade que os normalmente produzidos, indicando uma possível utilização ritual. A religião da cultura Harappan se manifestava como uma entidade sistêmica, influenciando toda a organização social. A ideologia religiosa e os rituais eram possivelmente destinados a reafirmar a generosidade da vida oferecida pela mãe arquetípica Pasupati-Siva, a deusa-mãe . Eles também tinham cultos ao fogo, em que o fogo tinha o significado do eterno ciclo de regeneração, começado e manobrado pela grande mãe.
Também para os Mayas, as figuras de divindades femininas estavam intimamente ligadas à agricultura e à fertilidade, representando o milho, base da sua sociedade. As Deusas Mayas regiam a procriação e o nascimento, através de Ix Chel, que é representada como virgem ou como amante do deus criador do universo, e também é a deusa da Lua. Em várias mitologias, a deusa da Fertilidade é uma Virgem ou uma amante, que em ambos os casos reafirma a sua independência dos deuses masculinos. Ix Ahau era outra divindade Maya, que incorporava os aspectos mais femininos das divindades, e era representava a amante das artes criativas. O próprio milho, ao redor do qual a sociedade agrícola da América pré-colombiana se desenvolvia, havia sido criado por
Xob. Todos os deuses do milho – e havia vários porque a agricultura desta planta era fundamental na sociedade Maya – saíram das sementes de Xob, que eram as sementes do próprio milho. Muito embora as principais divindades Mayas serem associadas aos céus e às figuras celestes, representadas no calendário, as deusas femininas é que determinavam a fertilidade e o sucesso das colheitas, assim como eram as deusas que davam a vida e o conhecimento, através das sementes.O sítio arqueológico de Niuheliang, recentemente descoberto no nordeste da China, comprova que a região foi ocupada durante a parte final da cultura Hongshan, uma das mais antigas do mundo. Foram encontradas neste sítio várias estátuas de figuras femininas, um grande número de ornamentos de jade finamente trabalhados, covas de pessoas de alta posição social e um prédio de formato irregular tido como um centro cerimonial. Outros sítios mostram que a cultura Hongshan já dominava a agricultura de grãos e a criação de animais. Possivelmente estas figuras femininas também representem uma tentativa de antropomorfizar a fertilidade, embora mais pesquisas sejam ainda necessárias para confirmar esta possibilidade.
Ainda mais forte do que a utilização da figura feminina para a representação dos ciclos de nascimento, morte e renascimento, é a idéia de que a morte gera a vida, e a incorporação das oferendas vivas aos Deuses, através de sacrifícios. Em algumas culturas as oferendas passam a incorporar os sacrifícios humanos. O sacrifício surge em algumas sociedades que começam a dominar a agricultura por várias razões distintas. Seja como complemento do conceito de que a morte gera a vida, e portanto mais morte vai gerar mais vida, seja como agradecimento pelas condições favoráveis que as divindades forneceram ou seja como medida preventiva para manter as divindades satisfeitas, o sacrifício entra nas culturas agrícolas. O similar, nas culturas de caçadores coletores, são as tarefas que devem ser ritualmente cumpridas para se demonstrar que se é melhor em alguma coisa, ou que se é mais forte ou mais corajoso. O sacrifício das sociedades agrícolas é completamente diferentes porque são destinados a uma outra entidade, completamente separada do indivíduo, que se quer agradar, subornar a divindade para que ela faça algo que se quer, ou mostra agradecimento. Mesmo nas sociedades em que a figura feminina - que no crescente fértil e em grande parte da Europa foram encarnadas pela Deusa-Terra, ou quaisquer outras divindades relacionadas à fertilidade - não é tão preponderante, o sacrifício, geralmente de comida, é presente.
Oferecer à divindade o sacrifício de carne e sangue pode representar o retorno da própria substância original da divindade. O sacrifício humano também garantiria que a divindade fosse, simbolicamente, alimentada de acordo com os mais elevados padrões. Caso não se sentisse devidamente alimentada, a divindade iria descer entre os homens, para reclamar sua parcela de sacrifício, com crueldade e ferocidade inigualáveis. O sacrifício é a oferenda de uma criatura a uma divindade, preferencialmente uma criatura viva. A essência do sacrifício é o retorno ao criador de uma de suas criaturas, em reconhecimento de sua criação e reafirmação de que a Ele tudo pertence.
Caso sejam os Deuses do céu, que dominam as chuvas e as colheitas, quer sejam os ancestrais, que influenciam o mundo dos vivos, várias culturas, inclusive de povos atuais como os Thonga, Minyanka e Gurmantche, na África, adotam o sacrifício como forma de "atar ou desatar as ligações ambíguas com o invisível". O sacrifício é representado como um pagamento pelo conhecimento adquirido, em especial, e talvez inconscientemente, o domínio da produção de alimentos, ou o domínio sobre as forças da natureza. Por exemplo, a tribo Minyanka, domestica e sacrifica cães, seguindo o mito de que no passado um caçador e seu cão caçaram um macaco que tinha três sacos pendurados no pescoço, e o cão abriu os sacos liberando o conhecimento que alí havia sido guardado pelos ancestrais. Por ter traído os ancestrais, os Minyanka punem ritualmente os cães que lhes forneceram o conhecimento, especialmente para evitar a fúrias dos deuses. História similar se espalhou pelo oriente médio, onde o sacrifício passa a ser uma parte da vida desde o momento em que Eva come a fruta da árvore do conhecimento.
Na península itálica, há 7000 ou 7500 anos atrás, já existia uma sociedade agrícola formada. Cavernas foram encontradas, no vale do rio Aude e em Gazel, com ossos de ovelhas que certamente eram animais domesticados. Uma foto aérea de Passo di Corvo, na Itália, acidentalmente mostrou um grande número de formas circulares na paisagem. O os arqueólogos identificaram estas formas circulares como áreas fechadas que eram utilizadas para a agricultura e a criação de animais. As áreas menores continham grãos e cereais e as áreas com mais de 500 metros de raio eram utilizadas para criação de cabras e ovelhas domesticadas.Para agradecer os deuses por qualquer razão, seja fosse sorte nas batalha ou uma colheita excepcional, os romanos sacrificaram animais. Eles passaram a considerar a ovelha como um símbolo de sacrifício. Enquanto o touro representava força, coragem e fertilidade, as ovelhas se tornam uma representação daquilo que os romanos não queriam ser, porque representavam submissão cega e estupidez. Sacrificando a ovelha, de certa forma, os romanos tentam se libertar destas qualidades fracas, enquanto aos mesmo tempo oferecem um presente aos deuses, porque a ovelha lhes dava sustento. Esta imagem do cordeiro só é reforçada pela troca dramática do simbolismo do cordeiro quando Cristianismo chegou no Império romano. Os cristãos viram a ovelha e especialmente o cordeiro como o Símbolo de Cristo que representava bondade, gentileza e pureza. Passou a se pensar na ovelha sacrificial como pura porque abria mão de suas possessões mais preciosas, a lã e o leite.
Na china, durante a dinastia Shang, o Sacrifício constituído de animais, comida e eventualmente seres humanos, fazia parte da complexa religião. Algumas divindades da Natureza, como rios e montanhas, necessitavam de seus próprios sacrifícios. Ao contrário de outros estados agrícolas, não eram oferecidos sacrifícios para o sol ou para a lua. Possivelmente estas populações temiam mais os caprichos do rio, com suas inundações devastadoras, que o do sol, especialmente porque o cultivo de arroz em regiões alagadiças é mais afetado pelo excesso de água que por uma estação seca. Temos certeza que na dinastia Chou, o rio era anualmente agraciado com um sacrifício que representava o seu casamento com uma virgem, que era colocada em uma jangada e afogada. Os animais oferecidos em sacrifício incluíam cachorros, ovelhas, touros e porcos. Sob os muros da capital Shang foram desenterradas centenas de ossadas de cachorros. Os Shang geralmente queimavam suas oferendas como uma maneira de alimentar os espíritos na forma de fumaça subindo aos céus. Os sacrifícios humanos existiam para satisfizer aos ancestrais ou para colocar a culpa em alguém que era visto como a causa de uma desgraça (falta de chuva, etc...). Aparentemente, a utilização dos sacrifícios humanos só passou a ser utilizada quando a cultura atingiu o desenvolvimento agrícola. Existem também amplas evidências que os sacrifícios humanos nos funerais foram gradualmente substituídos por figuras de barro e madeira. Anteriormente, várias pessoas eram enterradas junto com os nobres. Um dos exemplos mais marcantes são os 117 homens enterrados durante o funeral do duque Mu.
Os celtas já faziam sacrifícios humanos, aparentemente com o duplo objetivo de adivinhações e oferendas. Os celtas apunhalavam o homem destinado aos sacrifício pelas costas, e faziam profecias baseadas nos seus espasmos de morte, sempre na presença dos Druidas. Eles também construíam grandes figuras com palha e madeira e jogavam dentro gado, animais selvagens e homens, e ateavam fogo, como uma oferenda a seus deuses . Segundo registros romanos, os Celtas que eram afligidos pelas doenças e pelos perigos de uma batalha ou sacrificam vítimas humanas ou faziam votos de o fazerem. O pensamento celta julgavam que a vida humana só era dada em troca de outra vida humana, sem a qual os deuses não eram aplacados. Assim, até mesmo entre os Celtas, a figura da morte e renascimento caminhavam juntas.
Gimbutas sustentava que as pessoas tinham religiões ligadas à fertilidade, ao culto da Deusa-Mãe, vivendo em sociedades matriarcais, pacíficas e igualitárias, que só acabaram com a invasão dos nômades pastoris na Europa. Uma enorme quantidade da dados arqueológicos, mitológicos e lingüísticos não deixam muitas dúvidas com relação a uma prolongada expansão dos povos de língua Indo-Européia para a Europa, provavelmente começando em 1650 AC com a migração dos Hititas vindos da Anatólia. Durante este período houve a introdução na Europa de uma cultura estrangeira que trouxe consigo novos padrões de vida, típicos da idade do bronze, que são significativamente representados pelo começo da utilização do cavalo e da carruagem de guerra. Certamente estes são símbolos masculinos, e nada pacíficos, mas também nada nos garante que as sociedades, cultuando a Deusa-Mãe ou não, tenham sido utopicamente pacíficas e igualitárias. Talvez algumas feministas, como Stalhawk, tenham simplesmente eliminado o significado do patriarcado em suas histórias sagradas.
Lynn Meskell, arqueóloga e feminista, argumenta que o papel da arqueologia deve ser examinar como os diferentes sexos tinham diferentes papéis nas sociedades antigas, porém sem cair na armadilha de ciar papéis sexuais rígidos, sexismo reverso e fantasia. Ela avisa que o conhecimento humano das sociedades antigas só poderá avançar se houver uma leitura crítica das evidências. Ela acrescenta que Peter Ucko já havia demonstrado que as figuras femininas não dominam os achados arqueológicos do neolítico, e que existe igual número de figuras masculinas, assexuadas e zoomórficas. Ronald Hutton, historiador dos movimentos pagãos contemporâneos, demonstra que a idéia de uma sociedade baseada na Deusa emergiu do pensamento de Antropólogos que acreditavam na evolução sistemática das culturas mais bárbaras para as mais complexas. Este pensamento evolucionista acabou disseminado pela cultura popular. Ele se foca nos trabalhos de Jacquetta Hawkes e Marija Gimbutas, que detinha uma posição de autoridade entre os arqueólogos, e demonstra como suas visões políticas alteraram a interpretação de seus trabalhos.
Um time dirigido por Ian Hodder e que inclui uma equipe da Universidade da Califórnia em Berkeley, liderada por Ruth Tringham, continua as escavações em Çatalhöyük, dando continuidade ao trabalho de James Mallaart. As novas escavações parecem demonstrar que Çatalhöyük não é realmente uma cidade, mas um assentamento, embora provavelmente o maior assentamento neolítico no Oriente Médio. Mesmo abrigando 10,000 pessoas, Çatalhöyük não é uma cidade, mas uma vila. A diferença entre uma vila e uma cidade, para os arqueólogos, não é o tamanho, mas a relação entre as pessoas, indicando a divisão de trabalho. A agricultura permite o acúmulo de excessos, que passam a sustentar outras profissões que não produzem sua própria comida, como artesãos, padres, construtores, administradores, etc...Os fazendeiros, que proporcionam este acréscimo de alimentos que sustentam os centros urbanos, entretanto, não vivem nas cidades, mas sim nas vilas em volta delas. As cidades mais antigas da humanidade, como Uruk na Mesopotâmia, já apresentavam estas característica, enquanto as novas escavações em Çatalhöyük não demonstram nenhuma especialização do trabalho. Embora as construções das casas siga um plano muito parecido, a análise micromorfológica das paredes, feita por Wendy Matthews, do British Institute of Archaeology em Ancara, mostra grande variação nas misturas de solos e plantas encontrados nos materiais de construção utilizados, demonstrando que as habitações não foram feitas por uma equipe de especialistas utilizando técnicas padronizadas. Ian Hodder também afirma existirem evidências em massa, dos resíduos de obsidiana, para sustentar que os objetos ricamente trabalhados, como facas e espelhos, não foram produzidos por artesãos especializados, mas sim individualmente, dentro de cada uma das casas.
Outra característica importante nas cidades que não existe em Çatalhöyük é a arquitetura pública, tal como templos, ou outros prédios públicos, que os centros urbanos como Uruk têm em abundância. Embora somente uma pequena parcela deste assentamento, estimada em menos de 8%, tenha sido escavada, um estudo detalhado da região que inclui a meticulosa pesquisa do solo superficial e a procura por variações locais no campo magnético da Terra, que poderia ser a indicação de grandes estruturas enterradas, não demonstrou a existência de nenhuma grande estrutura a ser encontrada no futuro e que seja diferente do aglomerado de pequenas habitações com paredes de barro. A área periférica ao assentamento, pesquisada por Neil Roberts e outros, da Universidade Loughborough, sugere que Çatalhöyük foi construída no leito de um rio, agora seco, e que as freqüentes inundações criavam um ambiente de alagadiços. Os restos de plantas achados dentro e ao redor das casas sugere que as pessoas comiam tanto plantas cultivadas como selvagens. Nerissa Russell, da Universidade de Cornell, e Louise Martin, do Instituto de Arqueologia de Londres, estudando os restos animais encontrados em Çatalhöyük, concluiu que o gado correspondia a somente ¼ das espécies e que a maior parte dos animais encontrados são ovelhas, que foram domesticadas muito mais cedo do que o gado. Russell afirma que "Çatalhöyük não parece mais ser uma economia centralizada na criação de gado". Baseado nestas evidências, e nas outras que demonstram o que estava acontecendo dentro das casas – incluindo os padrões dos enterros - Hodder conclui que a estrutura social de Çatalhöyük é basicamente composta de extensões familiares, agrupadas em quatro ou cinco casas, que conduzia suas atividades de forma autônoma. Çatalhöyük, baseada nesta nova visão, é uma comunidade descentralizada, com uma mínima divisão de trabalho e com uma agricultura e pecuária em seu estágio mais primitivo. Ou seja: Çatalhöyük era uma enorme vila. Hodder argumenta que a chave para se entender a razão que leva milhares de pessoas a se assentar e se agrupar em um lugar tão apertado é mais cultural do que econômica. Os aspectos simbólicos e religiosos da vida do assentamento é o que mantinha aquela sociedade junta. O simbolismo é um elemento bastante presente em Çatalhöyük, e isso pode ser observado pela grande quantidade de objetos de arte que já foram encontrados, incluindo a famosa mulher sentada com suas mãos nas cabeças de dois leopardos. Peter Andrews e Theya Molleson, antropólogos do Museu de História natural de Londres, estudaram as idades dos esqueletos achados em Çatalhöyük e sugerem que o ciclo das casas, que tinham seus tetos derrubados periodicamente, coincidiam com a vida de uma família estendida, e que o primeiros enterros eram de crianças e os últimos de adultos, ou velhos. Ainda, todos os murais são encontrados nas paredes ao redor de plataformas elevadas em um dos cantos da sala, onde existe uma grande concentração de sepulturas. Esta associação entre sepultura e pintura parece sugerir, segundo Hodder e Tringham, que a arte tente abrandar os espíritos que tiraram a vida das pessoas jovens, ou talvez uma tentativa de proteger os vivos dos espíritos dos mortos. Hodder também sugere que as cenas dos murais encontrados em Çatalhöyük são parte de uma tentativa de domesticar o selvagem trazendo um pouco de seu simbolismo para dentro de casa para poder controlá-lo.
Mesmo que todos concordem com a influência feminina e da importância dos cultos de fertilidade no início da agricultura, a maioria dos pesquisadores hoje duvida seriamente da proposta de uma sociedade utopicamente igualitária e feminista nos primeiros assentamentos permanentes da Europa e oriente médio. Interpretações diferentes daquelas dadas por Gimbutas provêm cada vez mais das evidências arqueológicas. Timothy Taylor, da University of Bradford, acredita que as figuras femininas encontradas na pré-história refletem a sexualidade daquelas populações, discordando de Gimbutas com relação ao papel da mulher em uma sociedade supostamente matriarcal, guiada pela divindade feminina. De qualquer forma, a sexualidade examinada por Taylor representa, igualmente, o papel fundamental da fertilidade nas sociedades pré-agrícolas. Ele escreve: "Para os primeiros fazendeiros, a fertilidade deve ter sido de importância crucial – não somente de campos mas também das mulheres". Na caverna de Franchthi, na Grécia, os arqueólogos recolheram diversas figuras produzidas durante o período Neolítico feitas especialmente de cerâmicas e entalhes. Nestas peças, várias representam seres humanos e existe uma grande predominância de figuras femininas, enquanto as figuras masculinas nunca estão claramente definidas. Embora a interpretação tradicional das figuras Neolíticas na Grécia seja de uma Deusa-Mãe indiferenciada, as peças de Franchthi sugerem que estas imagens serviram para diversas funções. As informações colhidas pelos arqueólogos indicam que algumas das figuras podem ter sido associadas a poderes sobre-humanos, curativos ou mágicos, enquanto outras aparentam ter sido utilizadas para fins educacionais e domésticos, como bonecas ou brinquedos. Algumas destas figuras também funcionaram como instrumentos mágicos a fim de garantir a fertilidade dos rebanhos.
A idéia proposta por Gimbutas que mais vem sofrendo ataques, e que está mais descartada, é de uma comunidade igualitária, feminista e agrária, vivendo em harmonia. Mesmo que o culto à Deusa-Mãe, representante da fertilidade, seja poderoso e difundido por toda a Europa e grande parte de todas as sociedades pré-agrícolas, isso não implica que elas sejam pacíficas e utopicamente igualitárias. O principal argumento de Gimbutas para propor que aquelas sociedades seriam pacíficas é que os assentamentos mais antigos não são cercados de muros, como são os do começo da idade do bronze, e que não são localizados em áreas protegidas, como as encostas das montanhas, mas sim estão no meio de planícies abertas. Entretanto, cada vez mais são localizados sinais de que estas sociedades tinham muito pouco de pacíficas. Na Anatólia central, um sítio chamado Asikli, 1000 anos mais antigo que Çatalhöyük, e provavelmente mais complexo, embora menor, tem sido escavado por Ufuk Esin, da Universidade de Istambul, e eles encontraram um grande grupo de habitações de barro parcialmente cercado por muros de pedra, assim como grupos de prédios públicos que podem ter sido um complexo de templos.
Mesmo que a formação de uma sociedade matriarcal na antiga Europa, voltada ao culto de uma divindade feminina, conforme proposto por Marija Gimbutas e outros, seja uma análise exagerada, existem várias evidências da correlação do estilo de vida das populações que se iniciavam na agricultura com as suas divindades femininas, em especial na identificação dos ciclos de nascimento, morte e fertilidade. O domínio da agricultura trouxe aos povos a adoção de divindades cíclicas, ou que representassem os ciclos de semeaduras e colheitas, de nascimento e morte. Nas religiões antigas, do período neolítico, antes da emergência do monoteísmo patriarcal, principalmente, as deusas eram mais freqüentes e mais poderosas, mesmo quando dividiam a adoração dos fiéis com outros deuses, ou quando não eram as deidades mais proeminentes. A idéia de uma sociedade matriarcal na Europa Antiga ou uma única "grande deusa" da fertilidade na antigüidade é descartada pela maioria dos pesquisadores. As deusas antigas, pelo menos no oriente médio e Europa, tinham poder sobre a sexualidade, fertilidade e reprodução, e este poder provavelmente não interferia com as atribuições das divindades masculinas, ligadas às forças dos céus.
Seja como Deusas de fertilidade ou como sofrimento e sacrifício, as populações do começo da agricultura acabaram por trocar seus deuses pelos deuses masculinos. Com o desenvolvimento das cidades, os deuses masculinos acabaram subjugando e dominando as deusas na mitologia e na crença dos povos das cidades. As deusas que sobreviveram tornaram-se consortes e esposas dos deuses masculinos dominantes. Os deuses do céu, representados pelos objetos do firmamento, passaram a ser mais poderosos que os deuses da Terra, fossem estes representantes femininos da fertilidade, ou representantes animistas de animais e lugares. O poder masculino, que veio substituir o poder feminino representado pela Deusa-Mãe, reguladora dos ciclos de morte e renascimento, surgiu acompanhado de uma mudança na estrutura da sociedade e da religião. Ester Harding, por exemplo, escreve:
O crescimento do poder masculino e da sociedade patriarcal provavelmente começou quando os homens começaram a acumular a propriedade privada, em detrimento da propriedade comunitária, e passou a ver que sua força e poder poderiam aumentar estas posses. Esta mudança em uma estrutura de poder milenar coincidiu com o crescimento da adoração do sol sob um clero masculino, que começava a exceder os muito mais antigos cultos à lua .
Existem várias teorias que apresentam razões para o declínio do poder da grande Deusa assim que surgem as concentrações urbanas. Recentemente Leonard Shain, chefe de cirurgia laparoscópica no California Medical Center em São Francisco, publicou sua teoria de que o desenvolvimento da escrita é o responsável pelo declínio das religiões com aspectos femininos. Shain fez uma viagem pelos sítios arqueológicos do mediterrâneo em 1991 e em todos os sítios gregos o seu guia explicava que os santuários haviam sido utilizados para adoração de uma divindade feminina e que depois, por alguma razão, se transformaram em santuários a divindades masculinas. Shain então desenvolveu uma hipótese para esta mudança, encontrando o que seria a sua resposta, do ponto de vista médico, para o declínio das religiões de culto à Deusa-Mãe e a substituição pelos Deuses masculinos. Ele apresenta esta tese em The Alphabet Versus the Goddess. O surgimento do alfabeto, e da escrita, alterou as ligações cerebrais das pessoas, o que acabou trazendo as inevitáveis conseqüências para a cultura, história e religião dos povos. Shain considera que com o advento da sociedade letrada o ato de codificação e decodificação do alfabeto atuou sobre o hemisfério esquerdo do cérebro ligado à abstração e ao pensamento linear, características predominantemente masculinas. As características femininas do hemisfério direito, como identificação visual, pensamento concreto e holístico, foram menos determinantes, e consequentemente passaram a ser menos importantes na sociedade. Esta mudança rompeu o equilíbrio entre homens e mulheres e fomentou o declínio das religiões das deusas, da adoração de ícones, visuais, e do poder feminino dentro das sociedades, culminando com o que veio a ser o longo reinado do patriarcado.
O estilo das diversas figuras femininas representando deidades na antigüidade diferenciam-se nas diversas culturas e diversos momentos da história medida que o monoteísmo substituiu o politeísmo, as figuras das deusas foram marginalizadas ou substituídas por deuses masculinos. Isso ocorreu mais fortemente entre o primeiro e segundo milênio antes da nossa era, acompanhado de um declínio da importância social das mulheres. Segundo Frymer-Kensky, especialista em textos Sumérios e Assírios, "O mundo no fim do segundo milênio [antes de nossa era] era um mundo masculino, acima e embaixo, e todas as antigas deusas desapareceram".
Provavelmente os cultos à fertilidade, na forma de adoração de Deusas arquetípicas ou de rituais de sacrifício tenham declinado em função da mudança da sociedade. Novas situações requerem novas explicações, e portanto novas e mais sofisticadas mitologias. Jaques Cauvin argumenta que o touro selvagem simbolizava para as populações neolíticas a força bruta instintiva, a violência, o grande poder, grande virilidade e grande ferocidade. Ele era reverenciado como o guerreiro supernatural, da mesma forma como a águia e o Jaguar eram os patronos dos guerreiros Aztecas. O touro e as Deusas da Fertilidade eram os principais temas nas culturas neolíticas, sendo as figuras mais proeminentes nos santuários e na arte. É provável que o touro tenha estabelecido os primórdios do que viria a ser o panteão de deuses do céu que dominaram os mitos a partir do começo da idade do bronze, e que Deuses guerreiros, como Zeus, tenham tomado a forma do touro como própria continuação do mito neolítico. Com a expansão das culturas do oriente médio para a Europa é provável que o touro tenha sido o primeiro símbolo de divindade a substituir as deusas de fertilidade, uma vez que a sua imagem de poder é mais compatível com uma sociedade em que a atividade guerreira ocupa uma posição de destaque. A expansão das populações neolíticas pelo sudeste, norte e oeste da Europa foi acompanhada de muitas lutas pelo poder e pela posse das terras, que em geral acarretaram a substituição das tribos locais pelos novos colonizadores.
De uma forma geral, a posição social das mulheres decresceu nas comunidades agrícolas assentadas. Embora elas tenham continuado a trabalhar nos campos, os homens dominaram as tarefas que envolviam o trabalho pesado como por exemplo a limpeza dos campos e arar a terra. Os homens passaram a monopolizar as ferramentas e as armas, assim como os sistemas de irrigação. Os homens também tomaram a frente na criação dos animais grandes associados tanto com as comunidades agrícolas como com as comunidades pastorais.
Então, embora a arte neolítica sugira que os cultos de fertilidade e da terra, geralmente focados em divindades femininas ainda mantivessem seu apelo, a posição social e econômica das mulheres começou a declinar com a mudança para a agricultura sedentária. Na Europa, as Deusas de fertilidade ainda permaneceram por mais algum tempo, diluídas na mitologia dos vários povos. Na civilização clássica, a Deusa-Mãe é desmembrada em várias Deusas e Deuses, cada um com uma atividade específica. Como incorporação da reprodução, e do lado fértil e independente da Deusa feminina, só resta Afrodite, deusa do Amor. "Afrodite quase é, ..., a última forma, a última personificação, das necessidades que cinco mil ou mais anos atrás foram expressas pelos Sumérios na sua deusa Inanna... às vezes uma deusa feroz, mas sobre tudo a deusa da cama e abundância fértil"
O homem pode ter ganho ascendência sobre a natureza, mas ainda não ganhou controle sobre sua própria natureza
Carl Jung
(acrescentar Platão sobre Atlantis)
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As vilas do neolítico acabaram se transformando em cidades e em grandes centros urbanos, um fenômeno conhecido como a Revolução Urbana. A revolução urbana acontece quanto as pessoas, que eram dispersas e divididas em pequenas vilas, se tornaram concentradas em áreas urbanas, que se transformam em grandes e complexas cidades. As pessoas passam então a serem distribuídas conforme hierarquias, classes sociais. Talvez como reflexo de um controle administrativo, do desejo de tornar o comércio mais fácil, melhorar a eficiência dos recursos hídricos ou tornar a vida mais fácil através da especialização de tarefas complementares, nas cidades as pessoas têm profissões. A elaboração em massa de cerâmica, metalurgia e outros artefatos, indica que a divisão de trabalho se torna bastante complexa e atesta a especialização das funções. Enquanto nos assentamentos do neolítico cada família cuidava de todos os aspectos da sua sobrevivência, produzindo seus artefatos, construindo suas casas e seus canais de irrigação, e plantando seus alimentos, nas cidades existem especialistas que se dedicam em tempo integral a estas funções, assim surgem as profissões, e as pessoas passam a ser comerciantes, contadores, escribas, guerreiros, padres, artesãos, etc... em tempo integral. Uma divisão mais complicada do trabalho necessita uma administração centralizada que integre os diferentes setores da economia. As cidades e agrupamentos urbanos tendem a se localizar ao longo de rios e canais, perto dos locais de maior produtividade agrícola, fazendo com que a utilização de sistemas de irrigação centralizados, em larga escala, criados e mantidos pela administração centralizada, substitua a manutenção de canais de irrigação privados, de baixa produtividade e abrangência. O surgimento de um clero especialista na condução dos ritos religiosos traz, na época de surgimento das cidade, a substituição dos centros cerimoniais mais simples pelos grandes templos e edifícios religiosos, assim como os grandes monumentos de orientação religiosa (complexos funerários, estátuas em adoração a deuses, etc...), geralmente adornados com decorações em mosaico e artesanato sofisticado. Da mesma forma, os prédios para estoque de alimentos, escritórios administrativos, bibliotecas e outros prédios públicos surgem com a administração centralizada que acompanha o surgimento das cidades. A estratificação econômica e social se torna mais pronunciada conforme evidenciado pela diferença na riqueza de templos e tumbas, assim como na diferença de tamanho e qualidade das habitações. Com o surgimento das cidades, o comércio de longa distância aumenta significativamente. Todos estes fatores, como mudanças na população, especialização, irrigação, religião, estratificação, comércio e outros interagem profundamente na formação de uma civilização urbana.
Com a contínua evolução da civilização, cada cultura desenvolveu um panteão completo de deuses masculinos e femininos, e grandes civilizações floresceram no Egito, na Mesopotâmia e na Grécia. O mesmo padrão pode ser encontrado na América Central e na Ásia, seguindo a evolução das cidades que foram criadas em função do domínio da agricultura, o início da era dos metais, a invenção da escrita e da irrigação. Os deuses e deusas eram transformados e se difundiam de uma cultura para a próxima, em geral com poucas mudanças em suas características, quando um nação conquistava outra. Enquanto alguns dos deuses dos conquistadores eram introduzidos nas sociedades conquistadas, os deuses e deusas das civilizações originais eram assimilados pelos novos conquistadores, proporcionando um fluxo de divindades entre as diversas culturas. Os novos medos e receios das sociedades que se formavam foram acalmados por novos Deuses, ou por novas funções dos antigos Deuses. A Mitologia, como sempre, serve para explicar o mundo em que as pessoas estão inseridas.
Aos poucos, no final do Neolítico, as populações foram ficando mais e mais acostumadas com o estilo de vida encontrado nas cidades, gerado pela domesticação das plantas e animais. Com a utilização das novas tecnologias de plantio e colheita e criação de animais, que permitiram o controle das fontes de alimento, os humanos puderam se assentar em comunidades, passando a ocupar regiões bem estabelecidas e abandonando permanentemente o nomadismo. "A transição da vida nômade para a vida sedentária permitiu o crescimento da população e dos assentamento em vilas, o desenvolvimento de artefatos como cerâmicas e metalurgia e eventualmente para cidades-estados centralizadas que institucionalizaram as inigualdades sociais".
Os agrupamentos de grandes populações humanas em uma mesma localidade, trouxe a necessidade da divisão das funções por especialidades, surgindo as profissões. A estratificação social trouxe consigo o clero como fonte de referência religiosa e grupo social exclusivamente encarregado da divulgação das idéias mitológicas, da execução dos ritos, da relação do homem com seu ambiente e do fomento da imaginação sobrenatural. A burocracia estatal, responsável pela administração do Estado também passa a ser sustentada por mitos e crenças, que asseguram aos governantes a sua posição privilegiada. A estratificação social criou formas de poder religioso que se disseminaram rapidamente pelas sociedades, em todos os locais do mundo onde as cidades iam sendo criadas.
Várias sociedades organizadas em estados apareceram no sudoeste da Ásia, Índia, Grécia, China, sudeste da Ásia, México e nos Andes. Em comum, todas as civilizações urbanas que desenvolveram-se em Estados são unidades políticas autônomas; As relações de parentesco são menos importantes que as relações de especialização econômica; Existe uma rígida estratificação social; O poder é centralizado nas mãos de uma elite privilegiada que ocupa o topo da pirâmide social; Surgem as castas, compostas de artistas, sacerdotes e outros especialistas. Não há consenso sobre as razões que levaram as comunidades a formarem estados centralizados, e é provável que seja um fenômeno multicausal, onde vários fatores distintos estimulam e propiciam o surgimento das civilizações. Provavelmente razões sociais, econômicas e administrativas atuam para a centralização do poder em um governo.
Gordon Childe foi o primeiro estudioso a associar diretamente razões econômicas à formação dos Estados. Ele propunha que a especialização é a força que faz com que as sociedades se transformem em estados, com governos e burocracia centralizada. Com os excessos da produção agrícola gerados pela agricultura de irrigação novas profissões especializadas, como a manufatura de artefatos, metalurgia, a escrita, e tantas outras atividades, que geraram ainda mais produtividade e complexidade social. O governo centralizado surge para regular a produção e distribuição de bens, que agora passa a ser muitos e muito variados. Porém, é possível achar especialização na manufatura de artefatos dentro de tribos e grupos que não são de forma nenhuma sociedades complexas e estratificadas. Embora a especialização na manufatura de artefatos dificilmente seja por si só a causa da formação de estados centralizados, pode ter servido de fundação sobre a qual os estados conseguiram se desenvolver, como uma condição necessária mas não suficiente. Karl Wittfogel apontou o desenvolvimento de agricultura de irrigação como a força motriz para a formação de sociedades estatais, e o controle da água como instrumento da criação das estruturas de poder hierarquizadas que se transformaram nas complexas sociedades estatais. A intensificação da produção de alimentos sob supervisão do poder central tomava muitas formas, e muitas vezes envolvia o controle do suprimento de água. Os canais de irrigação controlados pelo estado no Egito e na Mesopotâmia, por exemplo, eram vitais às primeiras economias urbanas no Oriente Médio, e alguns sistemas de controle de água foram criados no ano 3000 antes de Cristo. Da mesma forma, os governantes Aztecas no México que também desenvolveram um enorme sistema de irrigação, principalmente através de terraços e alagadiços, que supostamente poderia sustentar 600,000 pessoas. Entretanto, há sistemas de irrigação que foram construídos e operaram sem a existência de uma burocracia complexa. Os Hohokam do Arizona, por exemplo, também desenvolveram agricultura de irrigação, mas os arqueólogos não acham evidência que os Hohokam tiveram uma organização estatal. A Agricultura dos Hohokam era uma interação engenhosa entre as pessoas e o deserto onde eles viveram. Como o deserto tem poucas fontes de água, os Hohokam construíram canais com quilômetros de extensão que purgaram água de rios perenes e um complexo sistema de irrigação através de fossos curtos que distribuíam esta água.
[...] os Hohokam provavelmente plantavam suas colheitas em uma série de montículos de terra. Milho, feijões, abóbora, e algodão, eram todos plantados no mesmo montículo, de forma que cada planta dava nutrientes e proteção contra erva daninha às demais. Plantado em março depois da última neve do inverno, as plantações estavam prontas colher em julho. Aldeãos preparavam grande parte da colheita para uso durante inverno e primavera.
A pressão exercida pelo crescimento populacional pode ser um fator importante para o surgimento das civilizações. A historiadora de economia Ester Boserup argumenta que o crescimento da população precede o desenvolvimento da agricultura, forçando as populações a procurar novas tecnologias que venham a aumentar a produção de alimentos. Segundo esta visão, o crescimento populacional e a criação de organizações sociais complexas são parte de um ciclo causal. Com o aumento da população, novas e mais sofisticadas tecnologias, como sistemas de irrigação, rotatividade das plantações, etc..., são criadas para produzir alimentos. O aumento da população, segundo este modelo, age como estímulo à produção de tecnologias mais apuradas, que acabam gerando a necessidade de organizações sociais cada vez mais complexas. A repetição deste ciclo eventualmente acabaria por produzir a administração central, ou o Estado, simplesmente para administrar mais eficientemente estas inovações. O arqueólogo Robert Leonard Carneiro propõe que os Estados seriam formados em função da conformação da região onde as sociedades se desenvolveram, como respostas às pressões populacionais. Em regiões abertas o aumento de população poderia ser absorvido pela saída de uma parcela da sociedade que se encarregaria da colonização de novas áreas. Esta migração para novas áreas absorveria o excesso populacional. Em regiões confinadas fisicamente, como ilhas ou planícies férteis em meio a desertos, ou socialmente, quando a possibilidade de colonização de outras áreas é bloqueada pelos vizinhos, o excesso populacional gera um inevitável conflito pela posse de recursos limitados (como terra fértil, água, etc...). Carneiro argumenta que em situações de conflito, os grupos que desenvolvem autoridade central apresentam vantagem porque aumentam a sua eficiência militar e portanto os primeiros Estados e Hierarquias Administrativas se originaram desta vantagem.
Vários arqueólogos, entre eles Wiliam Rathje, acreditam que a pressão que faz as sociedades se organizarem em estados é econômica. A formação dos Estados, segundo algumas teorias, é baseada na necessidade de comércio enfrentada pelas populações que se organizavam em centros urbanos. As populações locais abririam mão de sua autonomia política em função da maior possibilidade de comércio com as outras populações. Rathje argumenta que as primeiras sociedades complexas apareceram em áreas com alto potencial agrícola, em vales férteis, mas que entretanto eram áreas pobres nos demais recursos como pedra, minérios, etc... Para assegurar a disponibilidade destes recursos escassos, redes de comércio se estabeleceram e alguns membros da sociedade se transformaram em comerciantes que faziam a troca dos excessos agrícolas pelos recursos necessários presentes em outras sociedades. Com o tempo, os comerciantes assumiram o controle dos recursos, assim como formaram uma hierarquia administrativa. A teoria de Rathje estabelece que em qualquer localidade, as sociedades complexas se desenvolvem antes nas áreas pobres em recursos em função da necessidade de comércio, que poderia ser controlado pelos chefes, sacerdotes ou empreendedores. Pressões econômicas também podem gerar a necessidade das pessoas trocarem bens entre si, e que passem a conviver em simbiose, com cada pessoa fornecendo os bens que são abundantes para si às outras, e recebendo em troca dos bens que necessitam. Para regular este sistema de trocas pode surgir o estado. William Sanders sugere que a organização dos Estados tende a aparecer em áreas de diversidade ambiental, onde os recursos mais importantes estão presentes mas não igualmente distribuídos. O Estado surge para regular a produção e distribuição de recursos, proporcionando a formação de uma simbiose econômica entre diversos grupos que controlam cada um dos recursos. A coordenação central, uma vez que é mais eficiente para controlar diversas áreas econômicas e geográficas, culmina com o desenvolvimento dos primeiros Estados.
O surgimento da civilização também pode ser ligado a uma complicada relação entre poder, estratificação social e práticas religiosas. Robert Drennan, da University of Pittisburgh, observa que todas as sociedades desenvolveram alguma forma de religião, parcialmente em função do desejo humano de controlar e influenciar a natureza, e consequentemente diminuir a sua insegurança e seus medos. A formação de um pensamento religioso leva à criação da classe de sacerdotes, ou especialistas nos processos e ritos. Com o surgimento das primeiras sociedades agrícolas, os sacerdotes puderam aumentar sua influência através da construção de templos e outras formas de arquitetura sacra, porque grandes parcelas da população ficavam disponíveis para o trabalho nos períodos entre o plantio e a colheita. A própria dependência das populações em poucas espécies de plantas e animais domesticados aumentava o temor e a necessidade de influenciar a natureza. Drennan argumenta que uma maior insegurança aumentaria a influência dos sacerdotes, que poderiam recrutar mais pessoas para a construção de suas obras sagradas, aumentando ainda mais o seu prestígio. Este ciclo levaria à formação de centros rituais dominados por uma elite teocrática, que neste modelo seria o começo do Estado centralizado.
Pode não ter havido uma única razão ou um único modo pelo qual os estados surgiram, e pressões econômicas, sociais, culturais e ambientais devem ter atuado em conjunto, cada um destes fatores apresentando um peso diferente, para a formação das civilizações. De qualquer forma, o domínio da agricultura permitiu o desenvolvimento das sociedades organizadas em estados, e a estratificação social, porque permitiu a formação de excessos de meios de subsistência. Para viver nas cidades, cada um deveria cumprir uma função diferente, e muitas destas funções eram não produtivas, ou melhor, não relacionadas à subsistência direta das famílias. A produção de alimentos em grande escala trouxe mudanças à vida humana, aumentando consideravelmente a capacidade de explorar e manipular o ambiente natural. As populações urbanas enfrentam uma nova forma de pensamento, que é fundamentada na perda total de contato com os meios de subsistência. Se a transição das sociedades de caçadores-coletores trouxe a dependência com relação a algumas poucas espécies de plantas, cultivadas em larga escala, o surgimento das cidades, com a estratificação social trouxe mais uma dependência, a dependência no outro, naquele que produzia o alimento. A maioria das classes sociais que se formam, produtivas ou não, são especializadas em tarefas que não são diretamente envolvidos com o sustento de suas famílias. Artesãos, construtores, escribas, comerciantes, metalúrgicos, nobres, sacerdotes e funcionários administrativos passam a depender da produção dos camponeses, localizados na base da pirâmide social. Com a emergência das civilizações e estados, com densas populações urbanas e novas hierarquias de poder, as sociedades se tornaram mais interdependentes e em mais competição por terras e recursos. Os estados puderam se formar, e ser mantidos, pela intensa capacidade de produção de alimentos extras, permitindo o sustento de um grande número de pessoas que formavam as classes sociais que não produziam comida, assim como também permitiu que os excessos de produção fossem comercializados com outras populações que tinham outros recursos (minerais, animais, etc...) que faltavam às comunidades fixadas em uma determinada região.
Prédios públicos elaborados, que serviam como templos, centros administrativos ou palácios para a elite são os marcos da presença dos Estados, e das civilizações. As civilizações com administração centralizada passam a apresentar um estilo arquitetônico definido, que muitas vezes é o que distingue uma sociedade das demais com as quais compartilha uma mesma região. A função de construir templos e monumentos geralmente é centralizada nas mãos dos Reis, Governantes e do clero, mas muitos dos prédios que são encontrados também são palácios para habitação da elite nobre.
A formação de Estados para governar sociedades complexas não traz necessariamente vantagens para todo mundo, ao contrário, traz a diferenciação social profunda, através da formação de elites, grupos de pessoas com poder e recursos muito maiores que o resto da população. Os primeiros Estados eram sociedades onde a desigualdade era uma realidade, e onde o governo era coercitivo. O Governo era normalmente controlado por um número muito pequeno das pessoas que mantinha seu monopólio pelo uso de força, e do sistema de justiça. Os primeiros estados letrados se desenvolveram emergindo das primeiras comunidades de vilas. As vilas neolíticas, onde todos os habitantes eram envolvidos na produção de alimentos através da agricultura ou da criação de animais, evoluíram para sociedades estratificadas, ainda predominantemente rurais, orientadas ao comércio ou à autonomia econômica, terminando com o desenvolvimento das cidades e da vida urbana e geralmente um governo central. Os exemplos de vilas agrárias incluem aquelas administradas por reis ou por sacerdotes, mantidos como propriedades privadas por famílias da elite (ou senhorios) ou de propriedade coletiva pelos aldeães residentes.
Com o aumento da complexidade das comunidades, surge a necessidade de se registrar a burocracia do estado centralizado, manter anotações sobre os ciclos dos astros que marcam o calendário religioso e manter registros das transações econômicas. Todas estas pressões parecem favorecer à origem de um sistema padronizado de escrita. Provavelmente a contribuição Sumeriana mais importante para a civilização ocidental tenha sido a invenção e criação de uma escrita padrão e a utilização deste padrão para gerar literatura. Os Sumérios até tinham bibliotecas. Três mil anos antes de cristo, os Sumérios já tinham uma civilização altamente desenvolvida. Seu idioma não tem nenhuma relação conhecida a qualquer outro idioma, seja na gramática ou vocabulário. Porém, a sua escrita foi copiada pelo Akkadianos, Semitas do norte de Sumer. Isso só foi possível porque a escrita Sumeriana era pictográfica, e não representava sons, o que permitiu que outras civilizações se utilizassem das mesmas representações. A escrita Sumeriana não foi inventada e não apareceu instantaneamente já em sua forma acabada. Ao contrário, ela foi se desenvolvendo ao longo do tempo , vindo a se transformar em uma forma altamente desenvolvida de escrita, chamada cuneiforme. Os textos mais antigos conhecidos foram descobertos em Uruk (atual Warka, no Iraque), e são textos com imagens simples, feitos entre 3800 e 4100 antes de cristo.
Todas as teorias arqueológicas referentes às origens da escrita indicam que ela foi motivada por uma necessidade econômica, que gerou a necessidade de uma contabilidade mais acurada para os sistemas de troca, assim como para a prestação de contas e como forma de sustento a uma sociedade mais estratificada. Arnold Toynbee sugere que a dificuldade da vida no deserto produziu a escrita. Como a única maneira de existir uma sociedade agrícola na planície semi-árida do deserto da Mesopotâmia é através da utilização dos rios para irrigação, e que a escavação de canais e construção de diques exige organização, esta organização gerou a necessidade de maior especialização. Toynbee sustenta que é mais prático especializar uma pessoa em plantar enquanto outra se especializa em sistemas de irrigação. Estas condições, por si só, levam a uma organização de comércio, ou trocas, que necessita de um sistema de contabilidade. Denese Schmandt-Besserat
, professora de estudos do Oriente Médio na Universidade do Texas, em Austin, acha que existem evidências suficientes para comprovar que o desenvolvimento da escrita se seguiu a um sistema de contabilidade. Ela escreve que, escavando o sítio de Nuzi, no Iraque, Leo Oppenhime encontrou um grande número de fichas feitas em barro e ainda um invólucro na forma de ovo no qual havia o registro da propriedade de 48 animais, e dentro do ovo havia 48 fichas, sugerindo um sistema de contabilidade dual. Schmandt visitou vários museus nos Estados Unidos, Europa e no Oriente Médio para examinar estes pequenos artefatos de barro, anotando a sua localização original e o estrato da qual provinham. Muito embora os museus tivessem rotulado estas fichas como "brinquedos" ou "amuletos", ela demonstrou que eles apresentavam um padrão de comunicação único a diversas culturas, do 5o ao 4o milênio antes de cristo. Até 3100 antes de cristo, o esquema de fichas funcionou bastante bem. Após esta data, com o desenvolvimento de uma economia agrícola e o surgimento das cidades, surgiu a necessidade de uma forma bem mais avançada de se manterem os registros. Por volta do quarto milênio antes de nossa era, os envelopes na forma de ovo começam a surgir, tais como aqueles encontrados por Oppenhime em Nuzi. Os mais antigos destes envelopes continham somente o selo com o nome. Porém, se uma transação fosse feita, os selos tinham de ser quebrados para mostrar o conteúdo, e evidentemente perdia-se a inscrição no envelope. Este problema foi solucionado imprimindo os tokens no barro macio, antes de selá-los dentro do ovo, e portanto preservando-se tanto o envelope como o conteúdo. Depois, as fichas, passando a ser desnecessárias, foram descartadas, mas os sinais permaneceram e foram incorporados à escrita.Jean Claude Margureon, arqueólogo francês, sustenta que a estratificação social e o surgimento de classes sociais exploradoras do trabalho de outras classes foi o impulso necessário ao surgimento da estrita. A escrita surge como resposta a uma necessidade prática de uma classe social prestar contas à uma outra, que deveria controlar a primeira. Ele escreve:
Nascido de necessidade econômica, o desenvolvimento da escrita foi devido ao desenvolvimento do cultivo e das fazendas dentro de uma estrutura social que necessitava da apresentação de contas ao dono que vivia em outro lugar. Quando contas ficaram muito grandes memorizar, a ingenuidade humana foi desafiada a achar um substituto.
Para o sustento das grandes cidades, a agricultura deveria ser precisa. O controle da produção de alimentos em excesso passou a ser fundamental porque a burocracia administrativa e as diversas novas profissões não produziam comida, embora a consumissem. Não é possível sustentar 10 ou 20 mil pessoas sem uma estrutura agrícola fortemente estabelecida, diversificada e com conhecimentos suficientes das melhores técnicas de irrigação e marcação correta das épocas de plantio e colheita. Para a determinação das épocas de plantio e colheita, a análise dos astros fica mais precisa e elaborada. Todas as culturas que se transformaram em civilizações, com estados centralizados, divisão de poderes, surgimento de uma casta administrativa e religiosa não produtiva, passaram a verificar a constância dos ciclos astronômicos e passaram a se importam com os fenômenos celestes. As estações do ano são governadas pelo movimento da Terra ao redor do Sol. Cada ciclo das estações marca o retorno da Terra ao mesmo local no seu circuito. Os homens precisam de um calendário para encontrar sua distância das estações.
A astronomia nas primeiras civilizações de agricultores, aparece extremamente misturada com os aspectos religiosos e sociais. É fácil se esquecer do fascínio dos astros quando moramos em cidades tão intensamente iluminadas e abastecidas de energia elétrica. Na escuridão de uma noite sem nuvens, que não seja ofuscada pela luminosidade da cidade, a lua e as estrelas parecem ter uma opressiva vida própria, que certamente chamou a atenção de nossos antepassados. As primeiras observações astronômicas sistemáticas, com a marcação de solstícios e equinócios, surgem da necessidade de marcar o calendário de plantios e colheitas. Entretanto, mesmo surgindo de uma necessidade tão mundana, a observação do movimento dos astros logo é tão misturadas de misticismo que é impossível separar uma influência da outra. Antoni Alveni, da Universidade Colgate, faz um estudo de algumas culturas que se dedicavam a observações astronômicas em seu livro Stairways to the Stars: Skywatching in Three Great Ancient Cultures. As grandes estruturas Megalíticas, monumentos literalmente construídos por grandes pedras, como Stonehenge, por exemplo, representam não somente um local para observação dos astros como também áreas de intensa atividade religiosa e social. Estes locais não eram somente utilizados como observatórios das estrelas. Além desta motivação "justificada", a adoração religiosa e a festividade social eram incentivadas, e as práticas da astronomia era misturada no misticismo. Alveni escreve:
Durante as últimas décadas, a reflexão, junto com novas medidas e análise de sítios Megalíticos por times interdisciplinares de investigadores, parece ter reduzido as presumidas motivações científicas de nossos antepassados. [O novo modelo] deixa espaço para uma fusão de ideologia científica com adoração religiosa e preocupações sociais.
Muitas culturas antigas eram interessadas na observação dos céus noturnos, e ainda mais na capacidade que estes eventos celestes tinham de predizer o futuro ou de indicar a vontade dos deuses. Os astros pareciam dizer, com uma precisão que não poderia ser descrita de outra forma senão "divina", quando as chuvas chegariam, quando seria a noite mais longa do ano, ou quando seria o primeiro dia do inverno. Era como se os astros estivessem mandando que a Terra esfriasse, ou esquentasse, ou que as plantas fossem colhidas e plantadas. Os deuses passaram a ser os astros. O aparecimento da ciência astronômica e a transferência dos deuses para os céus é muito mais comum, entretanto, quando as sociedades se tornam mais urbanas, letradas, estratificadas e dependentes de grande produção agrícola para sustentar as novas classes improdutivas, como a burocracia administrativa e o clero. Aos poucos os ciclos dos astros domina o pensamento místico e a religião passa a ter seus deuses localizados no firmamento, junto com as estrelas, fazendo ciclos periódicos que se associaram aos ciclos agricultura e aos ciclos de vida e morte das pessoas. Os Deuses, e deixam de habitar a natureza, assim como deixam para trás o símbolo de fertilidade representado pela Deusa Neolítica. A fertilidade, que antes era uma dádiva da natureza, passa a ser dominada pela agricultura. O que permanece desconhecido é se as chuvas e secas, e as temperaturas adequadas, chegarão na época certa, e ninguém melhor do que os astros para marcar estas épocas.
Os primeiros astrônomos conhecidos surgiram na Mesopotâmia, mas surgiram em várias civilizações como na China antiga, na Índia, na América Central e do Sul, na Europa, e em todos os locais onde as cidades e os estados foram surgindo. Geralmente o surgimento da astronomia é associada à necessidade de marcações precisas de datas, uma vez que as sociedades com grandes complexos urbanos tornam-se fundamentalmente dependentes das produções agrícolas. Mais ainda, os centros urbanos podem se dar ao luxo de contar com classes de pessoas que se dedicam integralmente ao estudo do movimento dos astros, geralmente pertencentes ao clero. A utilização da astronomia para a marcação de datas chave, as datas que marcam a troca das estações, surge em todas as antigas sociedades fortemente agrícolas, e é impulsionada nas sociedades urbanas.
A astronomia chinesa, por exemplo, é muito bem documentada, e se desenvolveu junto com a formação dos Estados, aglomerações urbanas e estratificação social. Desde a dinastia Shang a observação dos astros faz parte da cultura chinesa. O Zhou bi suan jing é um tratado Chinês em astronomia e matemática, que veio se desenvolvendo ao longo da antigüidade, e só atingiu sua forma definitiva perto do século 1 depois de Cristo. É interessante notar que o desenvolvimento das práticas de observação dos astros, acompanhado pelo desenvolvimento dos processos matemáticos necessários às previsões astronômicas, na China antiga, são bastante correlacionados ao surgimento do Estado, com a centralização administrativa e uma forte concentração urbana, assim como o desenvolvimento da política. Especialmente na dinastia Han, os conhecimentos sobre a astronomia são gerados, difundidos e validados. Na dinastia Shang os meses eram calculados de acordo com as fases da lua. O ano novo vinha um mês após o Solstício de Inverno. Então, o ano novo estava intimamente conectado com o começo da primavera e da estação de plantio.
O primeiros astrônomos da Mesopotâmia descobriram a regularidade no avanço das constelações para prever as estações do ano, nomearam diversas estrelas e fizeram a distinção entre planetas e estrelas. Os astrônomos-sacerdotes da Mesopotâmia conseguiam prever, inclusive, os eclipses lunares. Eles fizeram uma correlação entre a regularidade do movimento das estrelas e das estações de plantio e colheita, e acharam que se o movimento dos astros afetava o clima, então também deveria afetar a vida cotidiana das pessoas, e estabeleceram diversas relações que coletivamente podemos chamar de astrologia. Das civilizações da Mesopotâmia, os astrônomos mais importantes eram os babilônicos, que vieram depois dos Sumérios. Os Sumérios desenvolveram a escrita, formas rudimentares de matemática e conceitos de marcação do tempo, que serviram a uma sociedade agrícola e hierárquica, na qual produção de excesso era usada para sustentar o clero, os governantes, e a construção de templos, palácios, e cidades muradas. Os babilônicos estavam claramente mais preocupados com a idéia de que os movimentos das estrelas amoldavam ou refletiam o destino humano na Terra. A astrologia, por mais primitiva que possa soar ao observador moderno, exige processos de pensamento complexos, principalmente para traçar e registrar o movimento dos astros e descobrir os padrões cíclicos das estrelas. A astronomia babilônica já fazia a previsão de eclipses solares e lunares. Aliado a um sistema de observação astronômica bastante sofisticado, a observação dos astros na babilônia conduziu à astrologia, com o surgimento do uso dos primeiros horóscopos pessoais, que representavam uma procura de ordem nas estrelas, assegurando o lugar das pessoas no mundo. Os templos chamados de Zigurates, na forma de pirâmides em degraus, foram construídos presumivelmente para colocar o sacerdote mais perto dos céus. Os vários mitos de origem, como o Enuma Elish babilônico, revelam um céu politeísta tão caótico quanto o mundo terrestre.
Uma sociedade onde o calendário é determinado por observações das estrelas, onde os padre-astrônomos contam os dias do solstício de verão e a posição do sol é estudada para anunciar quando plantar e quando colher, e onde da morte de um rei é lembrada como acontecida "no ano em que Marte atravessou a constelação de Gêmeos'', é fácil acreditar que os movimentos dos corpos celestes estão predizendo os eventos na terra. As mentes humanas são rápidas em assumir que se um evento segue outro, o segundo é causado pelo primeiro. Às vezes isto é verdade e às vezes não. Séculos atrás este erro na lógica de pensamento foi identificado como post hoc, ergo propter hoc (seguindo isto, então por causa disto). A evidência histórica sugere que astrologia cresceu deste erro. Por exemplo, se um rei morresse alguns dias depois de uma eclipse, os observadores argumentaram que a eclipse causa ou prediz a morte de um rei. Seguindo este erro, os Babilônicos consideravam que se um evento celeste se repetisse, também os eventos terrestres se repetiriam. Um texto babilônico de cerca de 1600 A.C. descreve movimentos de Vênus e eventos históricos juntos e assume que os mesmos eventos acontecerão novamente no futuro sempre que Vênus apresente os mesmos padrões:
No mês de Abu, no sexto dia, Venus aparece no leste, chuvas vão estar nos céus e ocorrerá devastação. Vênus permanece no leste até o décimo dia de Nisannu e desaparece no décimo primeiro.. Três meses que ela não é vista. No décimo primeiro de Duzu, Vênus chameja para cima no oeste. Hostilidade estará na terra; as colheitas prosperarão
A pesquisa arqueológica sugere que os primeiros padrões do movimento dos astros foram corretamente utilizados de um modo prático para predizer eventos naturais, como a mudança em estações. Os egípcios, por exemplo, projetaram o seu calendário para começar com a ascensão do sol sobre Sirius, o que também era a data em que o Nilo estaria inundando. Observação dos céus ajudariam, desta forma, a predizer a inundação, o que era muito importante para o planejamento agrícola. Com o passar do tempo, entretanto, o propósito original da medição da localização dos astros foi esquecido e substituído pelo papel ritualístico. As primeiras construções de Stonehenge, por exemplo, de 2500 anos antes de nossa era, apresentam orientações astronômicas mais precisas do que as realizadas posteriormente, aproximadamente no ano de 1800 antes de nossa era, e ainda muito mais precisas do que a utilização do local para cultos dos modernos "Druidas" e feiticeiros da Nova Era.
Mesmo no oriente médio, outras sociedades desenvolveram a observação do movimento dos astros. O uso de astronomia pelos habitantes da Palestina antiga interessou os estudiosos desde o início do século, quando o exame de textos bíblicos os levou a fazer comparações com a astronomia e a mitologia grega e mesopotâmica. A literatura hebraica antiga, como as tábuas de Ugarit encontradas na Síria em 1929, por exemplo, e os artefatos arqueológicos, são ricos em imagens de eventos celestes. Estas imagens de corpos celestes começaram no período Chalcolítico (4500-3300 antes da nossa era). A coleção de dados de imagens de astros na literatura e artefatos são extensos, mas ainda existem poucos estudos relacionando a prática de astronomia e a sua influência na sociedade Hebraica antiga. Entre estes poucos estudos pode-se citar a pesquisa que demostra que o templo de Rujim el-Hiri, nas alturas de Golan, foi construído com o propósito primário de marcar o solstício de junho, entre aos anos de 3000 a 2000 antes de nossa era, mas seu potencial como um observatório astronômico não foi desenvolvido completamente
No sul da Ásia, vários dos sítios arqueológicos mais antigos parecem fazer referência à astronomia. Ao contrário de outras localidades, os eventos na Índia são largamente documentados em textos escritos, abundante registro arqueológico, tradições de peregrinações e outras evidências concretas. Um dos locais mais impressionantes das civilizações antigas é Angkor Wat, no
Camboja, construído por Suryavaram II (1112-1152) em honra ao Deus Hindu Vishnu. Aparentemente neste sítio os edifícios contiveram relações matemáticas refletindo medidas de tempo solar e lunar, assim como alinhamentos para marcar os solstícios e equinócios. Vários outros templos na Índia erguidos cerca de 1100 anos antes de cristo, são construídos de tal uma maneira que em dias perto do equinócio, a luz do nascer ou pôr-do-sol passa por colunatas longas chamadas tou`ch, que representam a imagem da divindade principal do templo.Para poder se orientar corretamente com relação aos ciclos periódicos celestes os Mayas desenvolveram vários sistemas de calendários que eram ajustados através de precisas medições astronômicas. O tzolkin, ou calendário sagrado que consistia em 260 dias; este calendário trabalhava em dois ciclos, um ciclo de 13 dias numerados e um ciclo de 20 dias nomeados. Estes dois ciclos se repetiriam durante os 260 dias. O calendário cerimonial, era chamado de tun, e era composto por ciclos de 360 dias com mais cinco dias finais, considerados um período de azar, formando o haab. Estes calendários se encontravam de 52 em 52 anos. Outro calendário era o katun que era composto por ciclos de 20 anos (tuns). Eles também usaram um calendário baseado nos ciclos de Vênus, com 584 dias, um calendário lunar, e os ciclos dos deuses do céu. Em combinação, estes calendários fizeram os Mayas os mais precisos astrônomos e medidores de tempo antes do período moderno. O calendário Maya só foi superado em precisão quando Kepler introduziu o conceito de órbitas elípticas para o movimento dos planetas, e o sistema Maya ainda é mais preciso do que o calendário que nós, ocidentais, utilizamos. Certamente os Mayas observavam os céus com precisão, e tinham um sistema astronômico que atuava conjuntamente e era a base do seu sistema religioso.
Passamos então a contar com uma grande quantidade de fatores para influência no pensamento religioso, e as mitologias foram criadas conforme estes pensamentos, para se adaptar às novas condições de vida e temores. A introdução da agricultura e da pecuária em larga escala, com o surgimento das aglomerações urbanas transformou a visão das pessoas em relação à natureza . Enquanto anteriormente as pessoas precisavam da natureza para dar a vida, nas civilizações urbanas ela passa a ser um obstáculo a ser superado. A fertilidade tinha sido superada pelo domínio da agricultura, e agora, na era das grandes cidades, são os acasos do clima que devem ser aplacados. A nova visão dos homens pode ser resumida no pensamento de Cícero, o grande orador romano, que viveu entre 106-43, antes de cristo. Ele escreve:
Nós somos os mestres absolutos do que a terra produz. Nós desfrutamos as montanhas e as planícies. Os rios são nossos, nós colocamos a semente e plantamos as árvores. Nós fertilizamos a terra ... Nós paramos, dirigimos, e desviamos os rios. Em resumo, por nossas mãos nós conseguimos, através das nossas várias operações neste mundo, fazer [...] outra natureza.
Quando as complexas civilizações dependem fundamentalmente da agricultura e das colheitas em excesso, os deuses da fertilidade passam a ser representados como aqueles que fazem o sacrifício mais importante de todos, e passam a morrer para a salvação da comunidade. Concomitantemente com a mudança das sociedades que tinham como deusa a Fertilidade, em adoração à Terra e à natureza, para as sociedades dos deuses nos céus, proliferam em todas as sociedades os deuses que morrem todos os anos e renascem do submundo. Quando toda a população da cidade passa a depender de uma, ou de poucas colheitas, todos os anos, quando os estoques de alimentos chegam bem próximos do término, existe a representação da morte. A próxima colheita traz o renascimento simbólico, a demonstração que a morte foi adiada, mas somente até o próximo ciclo. Adonis e Dumuzi, por exemplo, faziam todos os anos a descida até o reino da morte e renasciam ritualmente, ascendendo aos céus. Várias outras mitologias de sociedades com bases agrícolas adotam o mesmo simbolismo, culminando até mesmo com as religiões modernas com o Cristianismo, onde Cristo faz o sacrifício final, morrendo para toda a comunidade, desce até o submundo dos mortos e depois ascende aos céus. A simbologia da morte como o sacrifício final, associado ao fim dos estoques de comida preparando a chegada de uma época nova e fértil é recorrente em todas as sociedades que se civilizam e dependem maciçamente das colheitas.
Com o surgimento das grandes civilizações, o pensamento místico muda para se adaptar às novas necessidades. As religiões passam a adotar os deuses do céu, passam a adorar os ciclos e passam a se dedicar às medições precisas dos movimentos dos astros, que definem os calendários. Em todas estas civilizações aparecem calendários sofisticados que são conseqüências de observações astronômicas precisas. Também passam a adotar a hierarquia dos deuses como reflexo das hierarquias sociais que iam surgindo, e os deuses passam a justificar as estruturas sociais que não são mais igualitárias. Os ciclos de vida e morte são mais profundos, e se misturam com os ciclos das estrelas. A fertilidade natural e expontânea dá lugar ao poder, e as religiões tentam dominar a natureza e dobrar a vontade dos deuses, seja através de oferendas ou através de promessas. Se antes se celebravam as dádivas da natureza em trazer a vida nos ciclos das colheitas, agora a natureza era a inimiga, e os deuses tinham de ser subornados, através de presentes, ou tinham de ser mantidos sob controle, através de rituais complexos e específicos, para que nada atrapalhasse as colheitas e plantios. As figuras femininas, que antes incorporavam a fertilidade, passam a dividir o poder com os deuses masculinos, representantes da hierarquia, e passam a ser representadas como figuras secundárias, associando-se aos deuses masculinos através do casamento. As desigualdades sociais têm também que encontrar um equivalente nas histórias místicas, e os governantes passam a ser os representantes dos deuses, ou então assumem uma divindade própria. A manutenção da desigualdade fica ainda mais fácil quando a astronomia e a escrita são mantidas como segredo "divino" pelo clero que surgiu com a divisão de tarefas. O clero e a nobreza, como classes sem função produtivas, podem desenvolver as observações astronômicas até um nível muito elevado, reforçando ainda mais o poder "divinatório" de suas previsões. Como conseqüência surge a leitura da sorte na leitura dos astros. Na tentativa de se descobrir o futuro incerto, aparece a incorporação do sacrifício no pensamento místico.
Com o surgimento das civilizações estabelecidas nos centros urbanos as religiões ganham uma força monumental.
Primeiro porque surge um conjunto de pessoas que se dedica ao pensamento religioso em tempo integral, o clero. As atividades de adivinhos, por exemplo, pode ser embasada na observação precisa e em registros extensos dos movimentos dos astros. Anteriormente, ninguém poderia ficar noites seguidas observando as estrelas, porque no dia seguinte teria outras tarefas a fazer. Com os excessos produzidos pela agricultura, o clero pode ser sustentado, o que faz aumentar ainda mais o respeito pelas suas previsões astronômicas, por exemplo, fazendo um circulo de auto-alimentação do pensamento místico. O clero também dispõe de tempo para dominar as escrita, o que faz com que os registros, principalmente dos movimentos dos astros, e dos pensamentos místicos, sejam ainda mais fiéis. As religiões ganham força, em segundo lugar, porque a natureza, que era vista como provedora, passa a ser a vilã, e todas as forças da natureza passam a ter de ser controladas. O medo de uma quebra de safra é a real ameaça da fome, das pestes e da morte. As religiões também passam a sustentar a estratificação social, e a estratificação social permite a centralização dos recursos nas mãos da elite dominante, que utilizam parte destes recursos para a construção de templos e imensos monumentos religiosos, que passam a atrair mais e mais adeptos. Finalmente, a dependência das pessoas na produção de alimentos por outras pessoas obriga que todos cumpram o seu papel, em uma organização social que funciona muito melhor se for justificada divinamente. Assim, o medo do imprevisto é aplacado, e o terror do divino se instala, os Deuses passam para os astros, justificando os imprevistos da natureza e a desigualdade social.
A cidade estado na Suméria, na antiga Mesopotâmia, 4000 anos antes de nossa era, funcionava organizada economicamente e religiosamente em comunidades chefiadas pelo sacerdote representante da divindade, ou divindades, patronas da cidade. Uma assembléia de cidadãos, ou anciãos, também governava. Depois, esta combinação primitiva de teocracia e democracia nas cidades deu lugar aos reinados divinos. As divindades Sumerianas eram intimamente relacionadas aos fenômenos naturais, aos poderes da criatividade, fertilidade e as forças do Cosmos. Mesmo no início da História, estes deuses foram concebidos com formas humanas e organizados em um sistema que refletia a estrutura social pré-monárquica. Enlil, o jovem deus da tempestade era violento assim como era o que dava a vida através do ar, Ninkhursag, ou Ninmakh, era a grande mãe, personificação da fertilidade da terra, e Enki, deus das águas subterrâneas e personificação dos moderes masculinos de criatividade sobre a terra, formavam uma tríade. Outra tríade importante era formada por Nanna, Itu e Inanna (Lua, Sol e Vênus). Os templos de Inanna podem ser achados em Kish, Agade e Lagash, mas os mais proeminentes ficam em Uruk.Parte do ritual Sumeriano incluía a representação da batalha em que Enlil (e depois Marduk da Babilônia), estabelecia a ordem, depois de vencer os poderes do caos, e assumia seu reinado.
Os trabalhos literários Sumerianos revelam convicções religiosas, idéias éticas, e as aspirações espirituais dos Sumerianos. Entre estes trabalhos estão os hinos e histórias da deusa Inanna, que aqui são importantes porque eles foram registrados quando o patriarcado estava começando a dominar, e a posição da Deusa representante da fertilidade, morte e regeneração, embora ainda forte, estava mudando. A deusa Inanna (Innin, ou Innini) era a protetora e deusa especial da antiga cidade Sumeriana de Erech (Uruk), a Cidade em que se passaria, mais tarde, o épico de Gilgamesh. Como Rainha de céu, ela era associada com a Estrela da Noite (o planeta Vênus), e às vezes com a Lua. Ela também é descrita como uma amante apaixonada e sensual. Realmente, Inanna é a Deusa de Amor, e é este aspecto - criatividade, procriação, energia sexual pura e paixão - que gera a energia do universo. No Namoro, Inanna é ao mesmo tempo a virgem tímida e a amante sensual. A união dela com Damuzi, seu marido e deus pastor, é uma das passagens mais eróticas e apaixonadas da literatura de Sumer.
A Deusa Inanna regia de Sumer, e sob suas regras as pessoas e as suas comunidades prosperaram. Inanna burlou Enki, o Deus de Sabedoria, e dotou as pessoas de Sumer de presentes que inspiraram e asseguraram seu crescimentos como um povo e uma cultura. Ela também é descrita como a "Sagrada Rainha da Vegetação", e é representada com um calendário, e com plantas se estendendo sobre seus ombros. Inanna guardava as datas, principalmente a data da colheita. Ela também guardava o produto da colheita, o celeiro que abastecia toda a cidade durante o inverno. Um selo datado de 3000 A.C, tem a imagem de uma aranha no meio de duas mulheres, e supõe-se que representa a aranha de Inanna protegendo o celeiro dos insetos. O seu animal simbólico era o leão, que frequentemente aparece juntamente com sua imagem. Ela também é representada com asas, o que faz surgir a hipótese de sua mitologia ter sido incorporada por outras culturas na forma de anjos. Apesar de ser uma divindade de fertilidade e renascimento, Inanna é também beligerante, e por mais de mil anos aparece em sua forma alada, montada no seu leão, segurando uma espada e o cetro de divindade. Inanna representa a combinação da agressividade masculina juntamente com a sexualidade feminina, um paradoxo resultante da união de opostos.Ela era a "rainha de todas as terras" ou como "rainha de todos os deuses da Terra", e foi a primeira divindade que morreu e ressuscitou.
A cultura urbana, fortemente dependente da agricultura, centrou-se na reverência da Deusa que morria sacrificialmente. Inanna é a primeira divindade que morre e renasce. Os mitos de morte e renascimento explicam os ciclos da natureza e explicam a vida após a morte. Carl Jung descrevia este mito como "outra variante do herói e o dragão ... [A] descida à caverna ... expressa o mecanismo psicológico de introversão da mente consciente para os níveis mais profundos da psicologia do inconsciente".
Os hinos a Inanna contam a história de sua descida ao submundo buscando conhecimento. A Deusa Inanna primeiro desce do Céu para a Terra para reger o seu povo e, depois, desce até o submundo, o local dos mortos. Inanna tinha o reinado sobre o céu e a terra, mas ela resolve abandonar tudo para descer até o submundo, o "grande embaixo", onde sua irmã Ereshkigal estava gemendo. Sua procura por iluminação e conhecimento, como também o seu senso de dever como Rainha e Deusa. Ela era uma governante poderosa, e ainda sentia um forte desejo de se enfrentar maiores desafios. Inanna decide, então, descer ao submundo dos mortos. Inanna se prepara para a grande descida se enfeitando da maneira como uma deusa, e uma rainha, deveria. Ela coloca uma coroa em sua cabeça, colares de lapis lazuli ao redor do pescoço e uma roupa majestosa, toda adornada com pedras faiscantes. Chegando ao submundo, o guardião dos portões pergunta a Ereshkigal se deve deixar a Deusa entrar, e Ereshkigal diz que sim, mas que só se Inanna deixasse todas as posses terrestres para trás. Inanna passa por sete portões, e vai deixando seus pertences em cada um. Na sétima e última porta ela se encontra com Ereshkigal, e acaba morrendo. No momento em que ela renuncia o seu último artigo de vestuário, ela não é mais a Rainha dominante, ao contrário, ela está vulnerável. Aceitar a sua vulnerabilidade, assim como descobrir a necessidade de sacrifício e morte para que os ciclos de vida continuem, aumentou o seu poder, a sua compreensão e sua beleza.
Enki, deus da Sabedoria e das águas, pega um pouco de terra, da qual faz duas criaturas. Ele então envia estas duas criaturas ao mundo subterrâneo para salvar Inanna. Chegando lá as criaturas viram Ereshkigal se contorcendo de dor, e gemeram em condolência, e pela primeira vez na sua vida, Ereshkigal sentiu a compaixão outro ser. Como uma recompensa por sua compaixão, eles puderam levar o cadáver de Inanna para ser ressuscitada. Mas Inanna não era livre para partir, a menos que assegurasse que haveria alguém para ficar em seu lugar. Quando ela voltou à terra, achou que seu marido Damuzi não havia ficado triste com sua morte, e que na realidade ele tinha até mesmo assumido mais poder. Como punição, Inanna mandou que Damuzi fosse levado para o submundo, onde deveria ocupar seu lugar. Geshtinanna, irmã de Damuzi, se ofereceu para ficar no lugar do irmão durante metade de cada ano, e assim ele poderia voltar à sua Rainha. Assim Damuzi passou passar metade do ano junto aos mortos, e metade do ano vivo.
Enquanto Inanna desce ao submundo, as plantações não vão crescer, e os animais não vão acasalar, nem cuidar de suas crias. Simbolicamente é o que acontece no começo do outono. Este ciclo de seis meses representa o mesmo ciclo que as terras passam para manter a sua abundância e fertilidade. O Deus da fertilidade dos rebanhos e das plantações, Damuzi, também se curva perante a fertilidade da natureza representada por Inanna. O encontro de Inanna com Ereshkigal pode ser interpretado como a impotência perante morte, uma vez que até mesmo os deuses morriam. Ereshkigal ordena que Inanna obedeça as leis do submundo, as leis dos mortos, e ela obedece. Assim como todos os outros mortais, Inanna também não pode entrar sem deixar para trás tudo. E assim, na passagem de Inanna por cada um dos 7 portões, ela deixa alguma parte, alguma posse terrena para atrás, até o último, onde ela se encontra com a da Rainha da Morte, completamente nua, da mesma maneira como ela chegou ao Mundo.
Poderiam ser os trabalhos literários da Suméria romances? Evidências arqueológicas comprovam que não. Nos anos 20, as escavações do Cemitério Real da cidade sumeriana de Ur foram um dos maiores feitos da arqueologia do Oriente Médio, e hoje continuam representando um dos mais espetaculares achados da Mesopotâmia antiga. As escavações em Ur foram muito importantes para o conhecimento desta região porque, entre outros achados, várias tábuas com escritas cuneiformes foram achadas. Neste sítio datado do meio do terceiro milênio antes de nossa era, foram encontradas as tumbas de reis e rainhas da cidade de Ur. As tumbas datam do período conhecido como Dinástico IIIA (2600-2500 AC), ponto alto da cultura Suméria. O remomado descobridor do cemitério foi o arqueólogo inglês C. Leonard Wooley, que encontrou cerca de 1800 túmulos. Ele identificou 16 como sendo túmulos reais, uma vez que tinham uma forma diferente dos demais, a riqueza dos artefatos era muito superior, e também por terem sido encontrados serviçais enterrados juntos com pessoas que ocupavam uma posição social claramente superior. Hoje em dia supõe-se que não eram tumbas reais, porque os nomes das pessoas enterradas não são encontrados em nenhuma descrição das dinastias, mas com certeza eram nobres. A tumba real de uma mulher chamada Pu-abi estava intacta. Assim como as outras tumbas reais, consistia de uma câmara embaixo de uma cova funda, cujo acesso era feito através de uma rampa. A câmara de Pu-abi media aproximadamente como um quarto médio (3 x 4,6m) e baixo, com o teto a 1,70m do chão. Sobre o peito de Pu-abi existia um selo cilíndrico com inscrições, o que permitiu identificá-la. Pu-abi usava um elaborado adorno na cabeça, de folhas de ouro e lapis azuli, assim como portava várias jóias como colares, anéis e brincos. Seu corpo havia sido coberto de metais preciosos e pedras semipreciosas. Dois servos estavam com Pu-abi, um agachado perto de sua cabeça e outro a seus pés. Vários potes de metal, pedra e cerâmica se encontram perto das paredes da câmara. Na cova acima dela, cinco homens, cada um com um adaga, estavam na rampa, perto da entrada da cova. No meio da cova havia um trenó de madeira, puxado por um par de bois. Quatro homens, provavelmente os noivos, estavam com os bois. Um quinto homem estendia-se ali perto. Um móvel de madeira, que Woolley presumiu corretamente que continha tecidos, ficava entre o trenó e a câmara funerária. Três figuras estavam agachadas perto do móvel, ao redor do qual havia vasos de ouro, prata, cobre, cerâmica e de pedra. No lado oposto da cova, havia doze servas, todas usando versões menos elaboradas do adorno de cabeça. Uma, segundo a descrição de Woolley, foi achada com seus dedos ainda no lugar onde as haviam estado as cordas de uma harpa ou lira.
A deusa Inanna de Sumer representa uma interessante transição entre a Deusa da fertilidade comum no Neolítico Europeu e Asiático e os deuses celestes, que chegaram com o advento da Astronomia e das grandes cidades. Parcelas da população das cidades, em especial as classes dominantes (e o clero) voltaram os olhos para os céus em busca de padrões e previsões de futuro, e chegaram à conclusão que lá deveria ser a verdadeira morada dos Deuses. A partir da época de Sargon (2370-2316 A.C.), Inanna passa a ser representada como uma divindade voluntariosa. No épico de Gilgamesh, ela já é representada como uma aristocrata que quer sua vontade cumprida naquele instante, e aparece cercada de uma aura de morte, desastre e tragédia, destruindo todos aqueles que ela ama. Nesta época, quando Sargon sobe ao poder, Inanna passa a ser representada como a consorte dos Reis, que se casavam ritualmente com ela para obter o mandato divino para governar o estado, assim como representava a garantia da fertilidade dos campos. Sargon passou a ser adorado como um Deus, porque era casado com Inanna e assim representava a ligação do mortal e do divino, a interdependência entre a comunidade e seus deuses. Inanna representava a fertilidade da natureza, enquanto seu marido, Damuzi, era a encarnação dos poderes criativos da primavera. O casamento simbólico anual representava a natureza acordando na época da primavera, trazendo a fertilidade de novo aos campos.
O mito de Inanna também incorpora um tema que seria recorrente em várias religiões das sociedades urbanas, que são os deuses de sacrifício, que simbolicamente morrem, ou vão até o reino dos mortos, e que passam a utilizar esta experiência para governar o mundo. Os deuses morrem, simbolicamente, representando a morte que gera vida, a colheita que dará as sementes para o próximo plantio. A morte simbólica dos deuses também expressa o medo das novas populações urbanas, que haviam se tornado muito mais dependentes das produções de alguns tipos de plantas. Os deuses, assim, morrem no lugar dos homens, fazendo o sacrifício final. Em geral esta morte e retorno é associada a uma outra divindade maligna, que governa o mundo dos mortos, ou que quer tomar o lugar do deus que morre. A morte e o renascimento – e ainda mais a proximidade da morte - fundamentos de uma sociedade agrícola, são representados no mito dos deuses que descem aos submundos e que de lá retornam, frequentemente mais poderosos.
Por quase todas as primeiras sociedades agrícolas, que se organizam em estados, os deuses assumem uma relação muito estreita com os ciclos celestes, com a morte e renascimento, e com diversas representações de sacrifício feito por alguns em benefícios de todos. Em uma sociedade estratificada, onde cada um tem uma tarefa bem definida, e onde o sucesso da cidade depende do sucesso de cada atividade em separado, a imagem do sacrifício individual pelo bem da comunidade é difundido, principalmente através da imagem do deus de morre, simbolicamente perecendo no lugar de seus fiéis, ou perecendo como forma de trazer mais conhecimento, melhorar a vida de todos.
Estes fatores comuns ao misticismo das primeiras civilizações não é presente somente nas sociedades do oriente médio, norte da África e Europa, que poderiam ser influenciadas pela troca de informações umas com as outras, uma vez que existia intenso comércio entre elas. Em várias outras partes do mundo, onde as cidades agrícolas iam se estabelecendo, observamos os deuses que morrem, o sacrifício de uns no lugar da coletividade, a observação dos ciclos celestiais, e de histórias que justifiquem calendários precisos, do desenvolvimento de mitologias elaboradas para justificar inigualdades sociais que acompanham a formação de governos centralizados.
Na babilônia, Ishtar é a antiga divindade que representava a fertilidade. Suas histórias são oriundas das histórias de Inanna da Suméria, mas seu culto floresceu na Babilônia dos Assírios, quando Ishtar era a principal divindade, e se expandiu por quase toda a Ásia, usualmente com outros nomes. Ishtar era importante como uma Deusa-Mãe, deusa da terra, deusa do amor e da guerra. Nas antigas religiões do oriente médio, e posteriormente na Grécia, Roma, e no oeste da Ásia, Ishtar é a deusa mãe, o grande símbolo da fertilidade da terra. Ela é adorada sob vários nomes (Astarte, Ceres, Cybele, Deméter, Ishtar, Isis, etc...). Com o passar do tempo, as divindades masculinas influenciam a história de Ishtar, e as divindades masculinas passam a ser adoradas em histórias de morte e ressurreição que simbolizam os poderes regenerativos da terra.
Da mesma forma como inana, Ishtar desce ao submundo, e deixa para trás todos os seus pertences na terra. Posteriormente retorna, simbolicamente ressurgindo para mais um ciclo de morte e renascimento. Ela desce ao submundo procurando o elixir sagrado para restaurar a vida de Tammuz. Ao passar pelos sete portões, ela vai deixando todos os seus pertences, todas as jóias e roupas, assim como todos que entram nos domínios dos mortos. Segundo alguns estudiosos, o mito da descida ao submundo representa a época do ano quando os suprimentos de comida estão em seu ponto mais crítico, no final do inverno. A sua morte representa o término da comida que havia sido guardada, e a sua ressurreição representa a nova colheita que enche de novo os depósitos. A fertilidade dos campos, e o mistério que envolve as colheitas anuais, se reflete no ritual, onde a fertilidade feminina é adorada.
A fertilidade é um mistério, e então as mulheres passam a representar o papel de portadoras deste mistério. Uma das conseqüências destas adoração da fertilidade como mistério é a adoção de rituais ligados ao sexo. Como Heródoto descreve, sobre as práticas da prostituição sagrada na antiga Babilônia, a fertilidade é um mistério e ao mesmo tempo uma obrigação. Ele escreve:
O costume babilônico mais sujo é o que compele toda mulher da terra, uma vez na sua vida, se sentar no templo de Afrodite e ter relações com algum estranho. Muitas mulheres que são ricas e orgulhosas e desdenham em se consorciar com o resto, dirigem-se ao templo em carruagens cobertas, puxadas por times, e lá se postam com um grande acompanhamento de assistentes. Mas a maioria se senta no esquema sagrado de Afrodite, com coroas de corda nas cabeças; há uma grande multidão de mulheres indo e vindo; passagens marcadas por linhas correm por todos os lados pela multidão, através das quais os homens passam e fazem a sua escolha. Quando uma mulher assume seu lugar ela não parte para casa antes de algum estranho lançar dinheiro no seu colo e ter relações com ela fora do templo; mas quando ele lança o dinheiro, ele tem que dizer, `Eu a exijo em nome de Mylitta' (esse é o nome Assírio para Afrodite). Não importa qual é a soma de dinheiro; a mulher nunca recusará, isso seria um pecado, o dinheiro se torna sagrado através deste ato. Assim ela segue o primeiro homem que lança a moeda e não rejeita nenhum. Depois da relação ela se fez santa na visão da Deusa e parte para sua casa; e depois disso não haverá nenhum suborno grande o bastante que a compre.
A prostituição sagrada funcionava mais ou menos colocando a mulher como a mediatrix entre dos homens e os deuses. Ele passa a ser aquela que fica entre dois mundos para facilitar a troca de favores, ou para reconciliar as partes. Estes conceito de mediatrix pode ser encontrado na tradição católica, com a Virgem Maria, que como valorosa mãe de Deus, e cheia de graça, ocupa a posição do meio entre deus e suas criaturas.O encontro sexual era tratado como um rito de unificação entre homem e deus (ou deusa), ou como uma maneira para que o macho tenha iniciação no conhecimento dos reinos físico e espirituais. Strabo comenta que entre os Armênios, não só escravos e escravas, mas as filhas dos homens mais ilustres eram consagradas aos cultos de Anaitis, enquanto eram solteiras. Era costume que elas fossem prostituídas por longos períodos no templo da Deusa, e depois fossem dadas em casamento. "e ninguém desdenha de viver em laço de casamento com tais mulheres"
Assim como outras sociedades baseadas em cidades estado, a religião fenícia tinha vários deuses que eram adorados em cada cidade, e que eram idolatrados sob seus nomes locais. Porém estes Deuses tinham funções similares, e portanto podem ser agrupados. Um grande número de deuses, presididos por um deus pai, deus Sol, aparece recorrentemente, mas a principal figura em várias cidades é uma Deusa, associada à lua. Refletindo uma sociedade igualmente diversificada e complexa, os templos fenícios geralmente tinham várias funções e eram ocupados por diversos especialistas, como padres, cantores e adivinhos. Em alguns templos faziam sacrifícios de animais e até sacrifícios humanos, provavelmente crianças recém nascidas eram oferecidos aos deuses. O principal Deus é El, que no mito da Cananéia recebe o título de "criador do Céu e da Terra". El aparece como um deus externo, cuja função primordial foi criar o universo, os deuses e as pessoas, e depois se retirar. Parte desta idéia de um deus externo, utilizado simplesmente como causa primeira, provavelmente influenciou a mitologia Hebraica (El-hoim, por exemplo, é um dos nomes da divindade Hebraica). Mais ligado ao mundo real, como principal divindade efetiva, está Baal, protetor do universo, Deus do Sol, da fertilidade e da atmosfera. Astarte, Baalat, ou Asherar-yam, é a deusa, sendo tanto a mãe-celeste como a mãe-terra. Os cultos a Astarte pediam boas colheitas, fertilidade, gravidez, proteção e tranqüilidade. Estatuetas de Astarte foram encontradas como oferendas em templos e santuários, assim como dentro das residências, talvez como amuleto para uma boa concepção ou bom parto, o que liga Astarte às religiões da Grande-Deusa das culturas vizinhas. Astarte era a divindade principal em várias cidades importantes, como nos portos mediterrâneos de Tyre, Sidon e Elath. Ashtarte foi adorada no Egito, Ugarit, entre os Hittitas e na Cananéia. Para os Akkadianos virou Ishtar, a prostituta da babilônia, e na cultura Greco-Romana se transformou em Afrodite, Artemis e Juno. Equivalente a Astarte, Tanit era a Deusa chefe em Cartago, sendo também a Deusa mãe, símbolo de fertilidade. Tanit também foi adorada em Malta, na Sardenha e na Espanha. Quando a situação era de eminente calamidade, crianças pequenas, das mais influentes famílias, eram sacrificada para a deusa. Diodorus Siculus comenta: "[quando achavam que haviam negligenciado a honra aos deuses] eles selecionavam 200 das crianças mais nobres e as sacrificavam publicamente ...".
Baal é frequentemente citado na Bíblia hebraica como sendo o Deus, ou Deuses, dos cananeus. As práticas de prostituição sagrada e sacrifícios humanos foram abominadas pelos Hebreus, assim como as demais religiões semíticas competiam entre si, e portanto as referências bíblicas a Baal e Ashtarte são bastante pejorativas. Apesar de hoje considerarmos estas práticas como abomináveis, pelo menos o sacrifício de crianças deveria ser uma prática relativamente comum para a época, estando presente em várias mitologias. Elohin, o deus Hebreu, por exemplo, também pede que Abraão sacrifique sua criança, e ele obedece prontamente, demonstrando que não deveria ser um pedido tão absurdo e, ao contrário, deveria ser uma grande demonstração de fé. A reação contra a religião dominante na cananéia foi introduzida em várias das histórias da mitologia judaica. O nome do Deus, ou semideus, judaico dedicado ao mal, o Diabo, provavelmente é oriundo de uma associação com o deus Fenício Baal, gerando a palavra Baal-zebub, ou satã. O sufixo Baal também era utilizado pelos Hebreus para dizer "vergonha". Astarte é mencionada na bíblia como Ashtoreth, que aparentemente é uma compilação do nome grego Astarte, com a palavra hebraica boshet (vergonha). Esta associação provavelmente é oriunda da rejeição à prática da prostituição sagrada. O escritor grego Lucian de Samosata (morto em AD 180), descreve em sua análise da Deusa na Síria, as práticas da prostituição sagrada como parte comum do culto a Astarte, pelo menos na cidade de Hierapolis. A prostituição sagrada se torna bastante comum pelo oriente médio como demonstração da independência da Deusa, que provavelmente se transforma ao longo do tempo em uma forma de sustento do culto.
Eu também vi em Byblos um grande templo de Afrodite no qual eles também executam os ritos (orgia) para Adonis. Eu também aprendi sobre estes ritos. Eles disseram que a ação que foi feita a Adonis pelo javali havia acabado na sua terra e em memória deste evento triste (pathos) eles batiam em seus peitos todos os anos, e lamentavam, executavam os ritos e expressavam o próprio profundo pesar por toda a terra. Quando eles completavam as batidas no peito e as lamentações, eles executam sacrifícios primeiro para Adonis, como se estivesse morto, e então no próximo dia eles contam a história que ele está vivo, o escoltam até o ar fresco, e raspam as suas cabeças como os egípcios fazem quando Apis é morto. As mulheres que se recusam a raspar as cabeças, têm que executar a seguinte penalidade: durante um dia elas se postam vendendo sua beleza; o mercado só é aberto aos estranhos, e o pagamento se torna um sacrifício a Afrodite.
A primeira grande cidade do México, Teotihuacan, se fundiu a partir de vários pequenos povoados depois da descoberta de uma caverna com quatro câmaras. As cavernas faziam parte integrante da religião na América Central porque ao mesmo tempo em que eram lugares em que os deuses e os antepassados faziam suas aparições, também simbolizavam as portas que davam acesso ao o submundo, o mundo de demônios, dos mortos e de outras criaturas poderosas. A caverna de Teotihuacan deve ter tido um significado muito particular porque tinha quatro salões, da mesma forma como o universo era dividido, simbolicamente, em quatro regiões. Logo Teotihuacan se tornou um foco de atividade ritual e religiosa, culminando com a construção da Pirâmide do Sol, diretamente em cima da caverna, durante o segundo século de nossa era. Do ano 200 ao ano 600, Teotihuacan continuou florescendo, com comércio interurbano que se torna um fator importante para sua prosperidade. Segundo alguns arqueólogos, a cidade pode ter abrigado até 200,000 pessoas. O declínio de Teotihuacan se deu ao redor do ano 750, quando a cidade foi totalmente queimada, possivelmente por invasores da cidade de Cacaxtla. Por aproximadamente 6 séculos Teotihuacan ficou reduzida a ruínas, até ser ocupada pela tribo nômade dos Aztecas, que vagavam pelo México. Os Aztecas ficaram maravilhados com o esplendor de Teotihuacan, que acreditaram ser o "Lugar dos Deuses". Os habitantes de Teotihuacan eram uma população de várias etnias que venerava uma deusa, possivelmente a incorporação de Cerro Gordo, uma montanha sagrada que associaram com o culto da deusa e à fertilidade da região. Várias sepulturas em massa foram encontradas nas escavações que foram realizadas entre 1982 e 1989, ao redor e em baixo do Templo da Serpente Emplumada (Quetzelcoatl). Nestas sepulturas foram encontrados os restos de 137 pessoas que foram sacrificadas durante a construção da pirâmide, com as suas mãos amarradas para trás e colares imitando maxilares humanos. Eles parecem ter sido mortos como parte de um culto de guerra que era regulado pela posição de Vênus nos céus durante seu ciclo de 584 dias.
Os Aztecas tinham um concepção cíclica do tempo, que incluía jogar fora todos os ídolos e elementos de cozinha de tempos em tempos. Eles também tinham uma postura ativa perante o sobrenatural, e acreditavam que podiam alterar o destino humano através de rituais elaborados, adivinhar o futuro com o uso da astrologia. Para preservar a ordem do universo a realização de ritos eram muito importantes para os Aztecas. As divindades Aztecas eram rigorosamente arrumadas dentro de uma hierarquia, o que indicava uma grande estratificação social, que se refletia na religião.
O mandato divino passa a ser muito difundido entre as várias sociedades que passaram a se estratificar em estados, com uma burocracia instituída e um governo centralizado. Há cerca de 3,200 anos, na América central, os Olmecas, possíveis ascendentes dos Mayas, já haviam instituído uma sociedade estratificada. Eles justificavam a presença do rei, e consequentemente dos demais membros da nobreza, baseando sua religião em um reinado sagrado, onde o rei exercia um papel fundamental para a realização dos rituais. Segundo os estudos de antropólogos, os Monarcas Olmecas exerciam seu poder como centralizadores dos grandes projetos e da religião. O rei tinha a função de supervisão dos projetos públicos, a criação e desenvolvimento da arte monumental e o controle das cerimônias e da ideologia religiosa. Esta associação entre o governante, que aparece com o surgimento das civilizações, e os deuses, é corriqueiro em todo o mundo. O mandato divino aparece na China, nas Américas, na Europa, no Oriente Médio e na África. Em todos os lugares onde começam a aparecer as desigualdades sociais, a divisão da sociedade em atividades especializadas, e onde aparece o clero. Com as grandes cidades, a religião também passa a ser um instrumento das classes dominantes para o controle e apaziguamento da população.
No norte da África, a civilização egípcia começa a se concentrar em um grande império com a unificação do Alto e Baixo sob um único rei, ao redor 3200 A.C. Neste período os egípcios deixam a pré-história com a introdução dos hieróglifos, que foram simultâneos à necessidade de um sistema administrativo extenso para administrar o reino. Talvez a própria necessidade de um sistema administrativo tenha impulsionado o desenvolvimento da escrita, ou talvez tenha ocorrido o contrário. Ao longo dos séculos, o Egito ficou mais e mais importante, alcançando seu pico na Quarta Dinastia, quando foram construídas as pirâmides enormes que vemos hoje. A Religião parece ser central à sociedade egípcia antiga. Acredita-se que a maioria dos monumentos que permanecem hoje ou teve propósitos religiosos ou eram usados para cerimônias funerárias, e portanto de significado religioso. Os egípcios tiveram uma variedade de deuses que eles adoraram, representando vários aspectos das suas vidas. Havia deuses do universo; como Ra, o deus de sol, como também deuses locais que representaram animais. Supõem-se que os deuses locais foram introduzidos na sua cultura por outras sociedades. Junto com suas convicções nos deuses, a religião de egípcios era firmemente baseada na idéia de uma vida após a morte. Eles acreditaram que se uma pessoa vivesse uma vida boa na Terra, ela seriam recompensado com uma vida eterna após a morte. Devido às suas convicções em vários deuses, foram construídos numerosos santuários, dentro dos quais as pessoas poderiam adorar ao deus e fazer oferendas que geralmente iam para os padres. Igual a hoje, essas estruturas religiosas foram respeitadas profundamente e eram consideradas uma parte central da sociedade.
Havia tipos diferentes de edifícios religiosos. Foram erguidos Templos de culto para se adorar as deidades e sua estrutura básicas era um prédio com um pátio interno, uma área para recepções públicas e também um santuário para a divindade habitar, mantida longe da vista dos cidadãos e que só o Rei e o clero podiam ter acesso. Outro tipo de templo era o templo do Deus Sol, Ra. Enquanto os Templos das diversas divindades eram em lugares fechados, o Templo de Sol ocupava um pátio aberto. Um obelisco, ou emblema-Sol, era colocado na frente no pátio com um altar. Lá eram executados os rituais do culto que poderia ter incluído orações e oferendas. Outro tipo de estrutura religiosa que os egípcios utilizaram era o Complexo Funerário. O propósito da estrutura era preservar o corpo falecido e os preparativos para a vida após a morte, assegurando que eles estavam protegidos dos elementos. Para proteger o corpo, foram usadas técnicas elaboradas para assegurar que o morto não seria perturbado dentro da sua tumba. Junto com as oferendas, foram esculpidas cenas nas paredes das tumbas para acompanhar o morto. Também relacionado às convicções religiosas dos egípcios, estavam as pirâmides, que eram na verdade gigantescos Complexos Funerários para os governantes, ou Faraós.
As pirâmides na verdade evoluíram durante séculos antes de assumir a forma tradicional que nós reconhecemos hoje. A pirâmide mais antiga é atribuída ao Faraó Zoser, construída por Inhotep, que era ao mesmo tempo alto sacerdote, arquiteto e chanceler do faraó, ao redor do ano de 2650 A.C. em Saqqara. A pirâmide de Zoser não é uma pirâmide verdadeira, mas é uma pirâmide em degraus. Ela foi construída sob o complexo funerário subterrâneo (mastaba), e não somente é a primeira pirâmide do Egito com também é o primeiro prédio construído com pedras ao invés de tijolos de barro. As pirâmides construídas pelos Faraós foram progressivamente evoluindo de pirâmides em degraus para as pirâmides verdadeiras. De qualquer forma, todas elas representavam a montanha sagrada primordial, a primeira terra a emergir de Nu, o mar primordial. A pirâmide de
Sneferu, da quarta dinastia, é uma forma de transição, apresentando duas inclinações. A pirâmide sai de sua base com uma inclinação e depois, no meio do caminho, reduz o ângulo para formar uma subida mais amena. Possivelmente, o arquiteto descobriu, durante a construção, que havia começado a pirâmide muito inclinada, e isso faria o revestimento externo deslizar, ou prejudicaria a estabilidade do prédio. Então, a partir de um certo ponto, a inclinação da pirâmide diminui.A forma da pirâmide era aparentemente associada com o sol e o Deus Sol, Ra. O sol fortaleceria seus raios quando um Faraó morresse, para que o Faraó tivesse uma ascensão aos céus mais fácil. Desta maneira, os lados da pirâmide simbolizavam a extensão dos raios do sol. Além disso, as pedras da cobertura externa das pirâmides eram brancas, e assim acredita-se que elas brilhavam sob o sol. A forma da pirâmide também era relacionada a uma história mítica envolvendo Ra. De acordo com o mito, a primeira terra firme a surgir do oceano primordial foi um monte em forma de pirâmide conhecido como Benben, que era habitado pela fênix Benu, aparentemente uma reencarnação de Ra. A pedra que completava o topo da pirâmide, assim como o topo dos obeliscos, é chamada de pyramidion, era feita de granito polido e - sendo a única que necessariamente tinha a forma piramidal - também representava o Benben. Supostamente nesta pedra eram gravadas textos que desejam que o morto aparecesse e que ele pudesse ver o Deus do Horizonte (o sol) enquanto viaja pelo céu.
As pirâmides de Giza permanecem até hoje como um das maiores realizações do Egito antigo e do mundo inteiro. As três grandes pirâmides, pelo que se sabe, foram construídas pelos Faraós Cheops, Chephren, e Mycerinus em um grande complexo composto por templos e tumbas, e ainda a grande Esfinge, um monumento enorme esculpido diretamente na pedra viva. Hoje, a Esfinge é considerada, juntamente com as Grandes Pirâmides, como uma das Maravilhas restantes do Mundo Antigo. A Grande Pirâmide de Cheops é considerada a mais brilhante. A pirâmide é feita de aproximadamente 2.5 milhões de blocos, com o peso médio de cada um estimado em duas toneladas. Além disso, a pirâmide é orientada exatamente aos pontos cardeais de uma bússola, com um diâmetro da base seguindo a direção de um meridiano, Norte-Sul e o outro diâmetro, consequentemente, orientado leste-oeste. De acordo com Heródoto, o historiador grego, a construção da grande pirâmide de Cheops teria utilizado grupos de cem mil trabalhadores que se revezavam trimestralmente. Os grupos de trabalhadores, durante dez anos, trabalharam construindo as estradas necessárias para trazer os blocos de pedra. A pirâmide em si levou vinte anos para ser construída. Embora o topo da pirâmide tenha desaparecido com o tempo, a estrutura ainda alcança 146 metros de altura, com uma base de 230 metros de lado. Também acredita-se que a área inteira foi ajardinada para aumentar a beleza da realização.
Já se levantou a hipótese de que as grandes pirâmides servissem como um farol para o Nilo, o que parece possível uma vez que a pedra calcária que fazia o revestimento externo era de um branco intenso. Porém, dado o significado religioso das outras pirâmides, isso parece improvável. Outros estudiosos sugeriram que as pirâmides teriam alguma função astronômica, possivelmente relacionada à medição do tempo, ou então simbolizando a posição das estrelas do cinturão de Orion. Acredita-se também que elas eram uma declaração magnífica feita pelo Faraó, que ao criar um monumento gigantesco estaria demonstrando a extensão do seu poder. O que está claro é que as pessoas do Egito antigo eram profundamente religiosas, como visto pelos muitos templos e santuários que ainda existem. Devido às suas convicções, eles construíram tumbas elaboradas que ajudariam na transição à vida após a morte. Os Faraós foram enterrados nas pirâmides que eles construíram, enquanto aqueles mais próximos a ele podem ter sido enterrados nos complexos circunvizinhos.
Os governantes de muitas civilizações tinham uma relação especial aos deuses. Por exemplo, os Faraós do Egito Antigo eram considerados deuses em terra. Eram eles que presidiam as cerimônias públicas que homenageavam os deuses e recitavam os cantos familiares que validavam tanto a autoridade das deidades como dos estados. O Faraó era literalmente o dono de tudo no Egito. Uma das histórias que melhor representa o pensamento místico nas cidades que se formam é a história de Isis e Osiris, contada pelo escritor grego Plutarco, que viveu no primeiro século de nossa era. Neste mito, várias características que iriam dominar as religiões das primeiras cidades estão presentes: o mandato divino, o deus que morre e renasce refletindo o medo e a submissão às colheitas, a incorporação das antigas deusas de fertilidade como instrumentos de renascimento e renovação, o respeito e submissão à vontade das divindades, etc...
Osiris nasceu da união de Geb (Deus da Terra) com Nut (Deusa do Céu). Ele é o deus-rei, o primeiro Faraó. Quando Osiris nasceu ouviu-se em todo o mundo uma voz alta que anunciava "Nasceu o senhor de todas as terras". Como Rei, Osiris tem sob sua responsabilidade transmitir o conhecimento aos seus súditos. Ele acaba com o canibalismo e ensina os egípcios a fazerem instrumentos agrícolas, cultivar os cereais e as uvas, a produzir pão, vinho e cerveja e domesticar os animais. Ele também instituiu o culto aos deuses e construiu os primeiros templos. Osiris também estabeleceu leis justas para os homens. Depois de civilizar o Egito ele foi percorrer o mundo para continuar a ensinar a todas as pessoas a serem civilizadas, deixando o reinado a cargo de Isis, sua esposa, que também governou o Egito sabiamente. Seu irmão Set, invejoso, estava conspirando para tomar o poder, e se aliou a Aso, rainha da Etiópia e outros 72 cúmplices. Como a autoridade de Isis era inquestionável, Set esperou o retorno de Osiris para dar continuidade ao plano. Quando ele retornou ao Egito, depois de espalhar a civilização por todos os países, Set o convidou para um banquete em homenagem a seu retorno. Set havia construído uma caixa ricamente decorada com exatamente as medidas de Osiris, e durante o banquete ele trouxe a caixa e disse que a daria para aquele que coubesse perfeitamente dentro. Depois que todas as pessoas haviam tentando, finalmente chegou a vez de Osiris, que sem suspeitar de nada, entrou na caixa, que lhe coube perfeitamente. Assim que ele entrou, os conspiradores que apoiavam Set fecharam a tampa e a selaram. Os conspiradores jogaram o caixão no Nilo, e Osiris nunca mais foi visto na terra dos vivos. Isis, ao saber da história, começa imediatamente a procurar o corpo de Osiris, porque ela sabia que os mortos não descansam se não receberem um funeral apropriado. Isis sai perguntando a todas as pessoas se haviam visto uma enorme caixa decorada que continha o corpo de seu marido. Enquanto isso, o caixão de Osiris chega até o mar, e segue à deriva até Byblos, na Fenícia (atualmente Síria). O sarcófago acabou parando entre as raízes de uma árvore, que cresceu rapidamente , deixando o caixão com o corpo de Osiris preso em seu tronco. A árvore exalava um perfume delicioso. O rei daquele país admirou tanto a árvore que mandou cortá-la para utilizar o gigantesco tronco como um pilar para sustentar o teto de sua casa. Quando Isis descobriu que o caixão de Osiris estava naquele país distante, no palácio do Rei, ela foi até a fenícia, e se sentou em uma fonte, onde não falava com mais ninguém a não ser as damas da rainha. Isis acabou sendo chamada ao palácio e a rainha lhe deu o cargo de babá do seu filho recém nascido. Isis alimentava a criança dando seu dedo para o bebê chupar. Todas as noites, Isis acendia um fogo onde deixava o bebê, para que as suas partes mortais se queimassem, e ele se tornasse imortal. Enquanto o bebê estava no fogo, Isis se transformava em uma andorinha, e cantava tristemente, lamentando seus sofrimentos. Chegou aos ouvidos da rainha esta estranha história, e ela resolveu verificar pessoalmente. Uma noite a rainha se escondeu e esperou, e quando a rainha viu seu filho nas chamas, desesperada, ela rapidamente puxou o menino do fogo. Isis logo contou quem realmente era, e explicou que se a rainha houvesse deixado a criança um pouco mais no fogo ela teria se tornado imortal. Isis também implorou para que a rainha lhe entregasse o pilar, que continha o caixão de Osiris. A rainha concordou, e entregou a Isis o sarcófago, que continha o corpo intacto de Osiris. Isis chorou em pesar pela morte de Osiris, e este choro matou a criança que ela estava tomando conta. Isis então disse à rainha que a criança não teria morrido se tivesse ficado no fogo e se tornado imortal, como ela queria. Ela levou o sarcófago de volta para o Egito, de onde retirou o corpo de seu marido e o escondeu nos pântanos do Delta do Nilo. Em um último ato de amor, Isis se deita com o corpo de Osiris, e concebe Horus. Uma noite, quando Isis não estava vigiando, Set acabou descobrindo o corpo. Set então despedaçou o corpo de Osiris em 14 pedaços e espalhou estes pedaços ao longo do Egito. Quando Isis descobriu o que havia acontecido, ela chamou a sua irmã Nyphthys, esposa de Set, mas que também o odiava, e as duas foram juntas procurar os pedaços de Osiris. Eles procuraram o país inteiro e acharam todas as partes, exceto o seu pênis, que havia sido devorado por um caranguejo do Nilo. Quando elas acabaram de montar todas as partes de Osiris, Isis se transformou em um pássaro, e com suas asas soprou vida no corpo de Osiris. De volta à vida eterna, Osiris escolheu deixar a terra dos vivos e governar as almas dos mortos. Com o retorno de Osiris, o vale do Nilo voltou a ser fértil. A partir desta data, todas as pessoas que morrem passam antes pelo julgamento de Osiris, que como um deus justo, decide o destino das pessoas com base em suas leis..
Muito freqüentemente, a desigualdade social das novas civilizações tinha de ser justificada por ficções elaboradas. Com o surgimento das cidades e das civilizações, e a concentração da administração na mão dos governantes, e o surgimento das classes sociais, a religião acompanhou as mudanças passando a justificar estas diferenças. Assim como no Egito, em outras civilizações onde os governantes eram dono de tudo a religião passou a considerá-los deuses, ou então representantes legítimos dos deuses na terra. O governante passava a manter o seu poder em cumplicidade com a ideologia religiosa. Se de um lado o governante estimula o pensamento divulgado pelo clero, por outro lado o clero dá sustentação ao governo, de modo que os povos aceitem ser dominados pelo Rei. Por exemplo, os Shang que governaram a maior parte do norte da China há 3,500 anos atrás, foram consideradas intermediários entre os deuses, os venerados antepassados, o cosmo, e os vivos. Eles viveram em comunidades isoladas, cercadas por humildes aldeias agrícolas que foram chamadas de "Círculo Verde". Os Shang e os seus sucessores mantiveram uma ficção elaborada de seus laços de parentesco com os deuses, que também envolvia as pessoas comuns que viviam aparte. A dinastia Shang construiu suas cidades no norte de China, ao redor do Rio Amarelo, entre 1766 e 1050 antes de cristo, e já era uma civilização da idade do bronze. Eles deixaram vários registros escritos, a maioria composta "ossos de oráculo" utilizados para prever o futuro. Os Shang governavam cidades-estados que eram, por sua vez, governados por uma cidade capital. O Rei parece ter exercido as mesmas funções que reis exerceram em outras culturas: ele era o chefe dos sacerdotes, o líder da aristocracia militar e o encarregado da economia. Durante a dinastia Shang se adorava uma figura chamada Shang Ti, ou "Deus das Alturas". Este deus supremo regeu em cima dos deuses do sol, da lua, do vento, da chuva, e outras forças e locais naturais. Shang Ti também regulava os negócios humanos porque também regia sobre o universo material. Também se acreditava que os antepassados moravam no céu depois da morte e continuavam interessados nos assuntos de suas famílias e descendentes. As obrigações dentro da família incluíam, então, os antepassados. Uma falha nos deveres para com os antepassados poderia trazer todo o tipo de desastres. Para estes antigos governantes chineses, observar os céus e comunicar a passagem do tempo para as pessoas eram obrigações divinas, e que demonstra uma preocupação com a astronomia, astrologia e o calendário através da história chinesa e explica porque a capacidade de prever eventos celestes se tornou uma medida do sucesso de uma dinastia. A correta orientação de qualquer cerimônia, assim como a estipulação das datas corretas para estes eventos dependiam fundamentalmente do Rei e a sua habilidade para prever estes eventos. Esta sua capacidade de executar a ligação entre os reinos celestes e terráqueos passou a ser encarada como pré-requisito para o mandato divino.
Na América Central, no período pré-colombiano, os centros urbanos se desenvolveram com os Mayas durante o chamado Período Clássico, do ano 300 ao ano 900. Nesta época, várias cidades surgiram seguindo mais ou menos o mesmo estilo arquitetônico, o que define aquele povo. A Cultura Maya clássica se desenvolveu em regiões tropicais da América central. Na Guatemala, com a cidade de Tikal como principal centro urbano; nos altiplanos Guatemaltecos, com Palenque; em Honduras, a cidade de Copan; na península de Yucatán, com Chichen Itza e Uxmal. A civilização Maya se expandiu por grande extensão territorial da América Central e México. Acredita-se que na península de Yucatán tenha se desenvolvido uma cultura posterior, que floresceu após o abandono das cidades clássicas e com a miscigenação dos Mayas e os Toltecas, que vinham do norte. Os Maya foram a única civilização pré-hispânica a desenvolver uma escrita completa e sofisticada baseada em hieróglifos com os quais poderiam escrever as suas idéias mais abstratas. Um dos mais respeitados arqueólogos que estudam esta civilização, o Dr. Ricardo Agurcia afirma que facilmente os Mayas poderiam criar uma literatura, se assim desejassem "Eles eram completamente alfabetizados" diz Agurcia. A civilização e religião Maya se torna interessante porque não representa nem uma sociedade predominantemente rural, nem uma sociedade predominantemente urbana. Enquanto parte dos eventos sociais e religiosos é feito nas cidades, com pouquíssimas pessoas vivendo de maneira permanente em seus prédios, a maior parte da população se mantém nas áreas rurais, indo às cidades somente para participar dos grandes eventos. Os aspectos que guiam os misticismos das sociedades rurais, como os cultos às imagens da fertilidade, colocam-se lado a lado com os aspectos que guiam os misticismos dos grandes agrupamentos urbanos, como os deuses celestiais oriundos da necessidade de marcação detalhada e precisa dos ciclos, da estratificação social e da escrita. A civilização Maya era largamente tribal, embora compartilhasse algumas características – como a arquitetura - entre as tribos, e com uma estrutura econômica fundamentalmente rural. O principal alimento dos Mayas era o milho, cujo cultivo representava a sua atividade econômica central. Praticamente tudo no mundo Maya se dava em função do milho e dos seus ciclos de plantação e colheita. O cultivo do milho também parece ter sido a base de fundação da religião Maya e a origem da preocupação com a marcação do tempo e dos ciclos celestes.
A grande característica do Período Clássico é a importância dada às cidades e à construção de prédios envolvidos na vida religiosa, assim como o desenvolvimento da escrita, arquitetura e astronomia, mesmo em uma sociedade basicamente formada por agricultores. Quase todos os centros urbanos Maya foram construídos na floresta tropical e isso é provavelmente a razão mais significativa por que o Mayas nunca desenvolveram uma cultura completamente urbana. O solo na região tropical é extremamente pobre, e a técnica de cultivo Maya era de baixa produtividade, baseada em queimadas periódicas que contribuíam ainda mais para o desgaste do solo, o que não proporcionava os excedentes necessários para o sustento de uma grande população urbana não agrícola (artesãos, clero, governantes, burocracia, etc...). Calcula-se que não havia mais do que 13 pessoas por quilômetro quadrado na região Maya, mesmo durante o apogeu do período clássico. As cidades Mayas eram centros cerimoniais, e só uma pequena parcela do clero, e possivelmente também dos reis e governantes, morava nas cidades, enquanto que a maior parte a população morava em pequenas aldeias agrícolas ao redor das cidades.
Assim que os hieróglifos Maya começaram a ser decifrados, ficou claro que eles tinham inventado um calendário astronômico capaz de predizer eclipses solares e lunares, assim como os movimentos de Vênus e Júpiter. O principal aspecto da religião Maya está em acomodar a humanidade aos ciclos do universo. O universo funciona de um modo lógico, cíclico e previsível, e consequentemente os seres humanos poderiam explorar aquela natureza cíclica através de sua acomodação nestes ciclos. Por isto, a religião Maya é obcecada com tempo. Uma das maiores evidências do papel dos astros para a civilização Maya é o prédio El Caracol, em Chichen Itza, na península do Yucatán. Este prédio leva o nome de caracol em função das escadarias em seu interior, que se estendem em espiral junto às paredes que delimitam a construção cilíndrica. El Caracol era possivelmente utilizado como observatório astronômico para acompanhamento e marcação das posições e das fases de Vênus, o que era considerado muito profético para os Mayas, especialmente com relação aos eventos de guerras e de rituais sangrentos. Possivelmente a observação de outros corpos celestes também era realizada no Caracol, como a marcação de solstícios e equinócios. Também em Chichen Itza, a pirâmide conhecida como El Castillo tem características arquitetônicas que evidenciam grande conhecimento astronômico. Seus 365 degraus (91 em cada um dos quatro lados da pirâmide, somados ao platô superior) representam o número de dias do ano e exatamente nos equinócios os degraus projetam a sua sombra sobre o corrimão da escadaria principal, formando triângulos de luz que se alternam com triângulos de sombra, que acabam em uma cabeça de serpente esculpida ao pé do corrimão. O efeito de luz alternada com sombra descendo em linha reta até a cabeça esculpida dá a perfeita idéia de uma cobra. Este fenômeno representa o corpo, ou o surgimento, do Deus Quatzecolt, a Serpente Emplumada.
[...] Em seu estado normal o mundo era visto como um lugar ordenado. A ordem, fundamento do mundo Maya, fluía do movimento previsível das "maravilhas do céu", o sol, a lua, planetas e estrelas que marcavam a passagem do tempo. Cada um destes corpos celestiais era animado, uma divindade pela nossa definição. O destino humano era ligado a estes seres celestiais, e quando cataclismos se abatiam sobre o mundo Maya, como ocorria de tempos em tempos, as maravilhas celestes e as profecias baseadas no calendário eram consultadas para se encontrar as indicações de mudanças. Quando encontradas e marcadas, tais indicações explicavam a desordem que havia se abatido sobre o mundo e ainda permitiam que a ordem se restaurasse
Os textos Maya abordam não somente previsões astronômicas como também eventos históricos locais e principalmente as vidas e realizações de seus reis, demonstrando que a hierarquia social não havia surgido somente com o surgimento do clero mas também com uma casta de governantes. Em Cópan existe um grande bloco de pedra, quadrado, onde estão esculpidas as figuras de 6 homens sentados - quatro em cada lateral. Antigamente suponha-se ser uma representação dos astrônomos Mayas, mas as recentes descobertas demonstram que estas figuras representam uma linhagem dinástica de 16 reis que governaram entre 426 a 820 A.D, durante o Período Clássico. Pouco se sabe sobre esta sucessão dinástica porque os Mayas tinham o costume de demolir edifícios velhos e construir novos em cima deles. Em Copán, foram descobertos oito de tais edifícios, cada um construído sobre as ruínas do prévio. Sabe-se que aproximadamente 426 D.C., Copán era governada pelo rei Yax K'uk Mo', que foi seguido no trono por 15 de seus descendentes, terminando a dinastia com a morte de Yax Pac, que construiu o Altar.
A vida Maya era um ciclo contínuo de cerimônias religiosas que envolviam dança, competições, oração, apresentações teatrais, jogos, oferendas e sacrifícios. Os sacrifícios de sangue eram efetuados pelos Maya para manter o equilíbrio do cosmos. De acordo com o mito de criação Maya o cosmos era baseado em diversos ciclos de nascimento, destruição e renascimento. Os mitos Maya reforçavam a idéia de que pessoas excepcionais poderiam vencer a morte e retornar, como uma metáfora do ciclo do Sol, que também retornava do submundo todas as manhãs. O renascimento, entretanto, só era possível através do sacrifício, representando uma metáfora da vida e morte. O sacrifício seguido de renascimento era especialmente celebrado no ritual Maya de sacrifício humano, assim como os jogos simbolizavam a batalha entre nosso mundo e o submundo, habitado pelos mortos. A mitologia Maya é extremamente dualista, com o bem e o mal em eterna luta. O endeusamento de governantes mortos e a sua veneração em santuários funerários era um expressão elaborada de culto aos ancestrais "um tema que provavelmente permeava a antiga religião Maya"
Quase todos os deuses Mayas eram representados como répteis e todos eles tiveram aspectos duais, apresentando caraterísticas tanto boas como malévolas. O Mayas acreditavam em uma elaborada vida após a morte, mas o céu era reservado para os que tinham se enforcados, tinha sido sacrificados, ou tinham morrido de parto. Todos os outros mortos iam para o xibal, que era governado pelos Senhores do submundo, os Deuses de Morte. Seiscentos anos antes de Colombo chegar à América, começa o período de declínio dos Mayas, que culmina com o abandono de suas grandes cidades. O declínio dos centros urbanos depois do ano 900 não envolveu mudanças sociais radicais porque a base da civilização Maya era tipicamente rural, e assim continuou. Por outro lado, o declínio das cidades demonstra uma mudança na estrutura religiosa, particularmente importante porque marca desaparecimento da classe sacerdotal.
Quase concomitantemente com o surgimento da agricultura e dos assentamento sedentários, que se transformaram nas cidades, surge uma nova forma de economia e organização social baseada na exploração dos animais domesticados, em especial a ovelha, a cabra e o gado. Essas culturas dedicadas a acompanhar os rebanhos acabam não se estabelecendo, e passam a vagar por entre as vilas ou cidades agrícolas, ou a viver entre elas. As sociedades nômades podem ser constituídas por caçadores coletores, como os pigmeus da floresta Ituri no Zaire, os San, do deserto Kalahari, ou algumas tribos da floresta amazônica. Podem também formar sociedades que criam animais para o seu sustento, e que se deslocam procurando melhores pastagens ou água para suas manadas, o que significa se movimentar frequentemente, acompanhando as estações de chuvas e secas. Os nômades também podem ser comerciantes, que facilitam o comércio entre comunidades agrícolas ou pastorais, ou ainda atuando como profissionais, que por possuírem uma habilidade que é necessária a outras sociedades se movimentam conforme seus trabalhos são exigidos, como os Ciganos, que vendem os serviços de "adivinhos" por onde passam. De um modo geral, o que caracteriza estas sociedades é que os nômades vagam livremente, e não têm identificação com nenhum local em particular, mas sim com o grupo.
As manadas de ovelhas, relativamente dóceis, puderam ser controladas quando os animais líderes forma capturados e domados. Ovelhas, cabras e porcos foram domesticados no Oriente médio entre 8500 e 7000 BC. O gado com chifres, que podia se defender melhor, só foi domesticado em 6500 BC. O gado ocupa uma posição tão central no simbolismo e nos cultos de fertilidade e sacrifício das primeiras sociedades do neolítico que alguns arqueólogos acreditam que a sua domesticação foi originalmente motivada por sentimentos religiosos. Os animais domesticados, como o gado e as ovelhas, passaram a fornecer novas fontes de proteínas, como o leite e seus derivados. A domesticação dos animais deu surgimento ao pastoralismo, que se provou um forte competidor com a agricultura sedentária. O pastoralismo se desenvolveu nas regiões semi-áridas da Ásia central, o deserto do Sahara, na África, e as áreas de savana, no leste e sul da África, por exemplo. Estas áreas eram incapazes de sustentar grandes populações e o estilo de vida dos pastores nômades teve a tendência de produzir grupos independentes e fortes, bem versados nas habilidades da guerra. Nômades a cavalo que pastoreiam gado ou ovelhas destruíram poderosos reinos e estabeleceram as fundações de vastos impérios.
As sociedades de tribos nômades pastorais provavelmente surgiram porque enquanto algumas comunidades começaram a se estabelecer em cidades agrícolas outras viviam em locais mais áridos, onde o cultivo não seria adequado. Entretanto, mesmo sem a agricultura, estas comunidades podiam domesticar os animais e acompanhar estas manadas pelos pastos selvagens, com a vantagem de incluir o leite e a carne na sua dieta e a lã e o couro para fazer roupas. Estas comunidades se especializaram em acompanhar e dirigir os rebanhos, principalmente nas áreas ao norte e ao sul das áreas de florestas no oriente médio, e se mantiveram nômades, indo de uma área para outra procurando as melhores pastagens. Possivelmente os grupos de caçadores coletores que já eram nômades não tiveram de modificar seu estilo de vida muito drasticamente com a introdução da criação animal, ao contrário das sociedades que se estabeleceram e desenvolveram a agricultura. Os homens destas comunidades mantiveram grande parte do espírito e da organização dos antigos bandos de caçadores, e a sua tarefa principal era defender seus animais de ataques de animais selvagens e de outros homens. Hábitos de guerra e a disciplina de cooperação em combate apareceram naturalmente destas experiências diárias.
O nomadismo de grupos de pastores e seus rebanhos é um estilo de vida muito diferente do nomadismo dos antigos caçadores coletores que podiam andar livremente de um local para o outro atrás do que a natureza oferecesse de melhor em caça e coleta. Ao contrário, os grupos nômades de pastores só podem ir em locais onde as terras são planas, com vastas áreas verdes de gramíneas que servirão de pasto ao seu rebanho e estes locais também são os mais propícios para os assentamentos agrícolas. O nomadismo de pastores é um estilo de vida mais pobre do que os assentamentos agrícolas porque eles são forçados a viver inteiramente daquilo que é produzido pelos seus animais, e como muitos itens não o são, eles são forçados a parasitar as comunidades urbanas e agrícolas.
Para os nômades pastorais a forma predominante de atividade econômica é a exploração de tudo o que o rebanho pode fornecer, seja em termos de alimentos, lã, couro, ou artefatos feitos de ossos, como agulhas e outras ferramentas. Estes povos percorrem grandes extensões territoriais, uma vez que o seu sistema de criação é feito com o rebanho solto, sem a utilização de estábulos, o que faz com que estejam sempre procurando as melhores pastagens ou as melhores áreas em função do clima. A pequena produção que não depende dos animais, nas sociedades nômades é orientada para as necessidades mínimas de subsistência, como a confecção de roupas e objetos de chifres ou ossos. Por ser extensiva, a criação dos nômades frequentemente se encontra com as terras destinadas à agricultura, quando os rebanhos têm de ocupar as mesmas áreas das plantações, em especial se existem poucos vales férteis com pastagens adequadas e que também podem ser explorados pelas comunidades agrícolas. De maneira geral, uma parte do território é utilizada exclusivamente pelos agricultores e outra é exclusivamente agrícola, mas algumas vezes há o conflito territorial. Em certas regiões este conflito pode ser resolvido através da utilização sazonal da terra, uma época do ano pelos agricultores, outra época pelos nômades e seus rebanhos, mas em geral este conflito é profundo. Porque eles estão sempre seguindo seus rebanhos, os povos nômades não podem apresentar uma divisão de tarefas sofisticada, e por isso dependem em grande parte das comunidades sedentárias, onde fazem a troca de suas produções (leite, carne, objetos de chifre, ossos ou couro) por outros objetos como utensílios, roupas, peças de artesanato e evidentemente outras formas de comida, como cereais, pão e alimentos processados.
As tribos nômades que vagueiam com seus rebanhos formam clãs de algumas dezenas a poucas centenas de pessoas. Como estes clãs são fortemente familiares, a estrutura social e hierárquica também reflete a estrutura familiar. A organização tende a ser muito fechada, com um chefe único para o grupo, ou tribo, em geral o patriarca ou o ancião. As tribos nômades não podem criar laços permanentes com o local porque são grupos que vagueiam por longas áreas e não têm como pertencer a nenhuma localidade em particular. Mesmo que algumas vezes eles se identifiquem com o ambiente que ocupam, como "povo do deserto", ou "povo das árvores", por exemplo, o mais comum é que a coesão do grupo seja mantida internamente. O sistema de referências dos povos nômades é nós contra eles. Grande parte dos povos cuja origem é de populações nômades (pastoris em particular), têm como orientação o casamento inter-grupo e um sistema religioso que não permite a conversão. Estas são medidas adotadas visando a manutenção da identidade genética e cultural de uma etnia, e são medidas ainda mais importantes quando as pessoas que compõem aquela etnia vivem dispersas e convivendo com outras sociedades diferentes. Todo o esforço feito pela tribo é para manter a unidade cultural em torno da chefia, da religião e dos laços sangüíneos.
Em uma situação em que a identidade cultural da tribo é sobre valorizada e as demais etnias são desprezadas; alta concentração de poder hierárquico nos membros mais idosos, ou nos líderes que escolhem para onde se deslocará a população com suas manadas; a referência é o grupo e não o local onde o grupo se estabelece; existe forte dependência das sociedades externas, sedentárias, estabelecidas em vilas e cidades e agrícolas, a forma de pensamento religioso deverá seguir esta tendência, e as divindades nômades deverão, igualmente, apresentar poucas estruturas hierárquicas, serem fortemente tendenciosas na proteção daquela tribo ou daquele grupo e refletirem enormemente o pensamento belicoso.
As poucas estruturas hierárquicas das sociedades nômades pastorais pode gerar poucos deuses, ou até um deus único, que é o responsável por guiar as pessoas, assim como o ancião ou o patriarca é o responsável por guiar a tribo procurando melhores pastagens. Os deuses animistas, que habitam a natureza, passam a não fazer sentido. Enquanto outras sociedades vêem os deuses do Sol, se levantando e se pondo, e deuses nos rios, que estão alí para sustentar a agricultura, as sociedades nômades só têm como referência a tribo, e portanto poucos deuses são suficientes.
Mais ainda, estes deuses das tribos nômades têm de ser os deuses que reflitam como a tribo é importante, imponente, honrada, enquanto todos os outros (deuses, pessoas, civilizações), são os outros. Neste quadro social, em que a identidade da herança genética é valorizada para se manter a coesão de um grupo que não tem terra ou fronteiras para marcar sua nacionalidade, as tribos normalmente se vêem como tribos escolhidas por deus, ou pelos deuses. A religião destes povos nômades passa a atuar como forma de garantir a manutenção da identidade étnica do grupo. O deus, ou os deuses, reforçam a divisão entre a tribo (geralmente escolhida, ou especialmente protegida, ou incumbida de uma missão única entre os homens) e os outros.
As tribos nômades que vagueiam por entre as civilizações muitas vezes resolvem incorporar as cidades estabelecidas, quer seja por formar uma maneira mais fácil de obter as riquezas das cidades, quer seja por uma necessidade de se assentar em algum local que já está ocupado por outra civilização. Em especial em localidades onde existam poucas oportunidades de áreas para assentamentos, como são as bacias de rios em meio a terrenos áridos, as tribos nômades é que se apresentam mais belicosas, e mais preparadas para tomar os recursos dos agricultores. O sistema de crenças destas tribos dá suporte e estimula estas incursões belicosas porque a tribo é vista como extensão das divindades, ou executoras da vontade divina. Assim, em geral os deuses das outras sociedades são vistos como demônios, ou monstros, que devem ser esmagados pelo povo escolhido.
O papel da mulher em muitas das sociedades nômades pastorais, em especial no oriente médio, é basicamente de cuidar das tarefas domésticas, e com relação aos animais, que são o centro de toda a economia destas culturas, limita-se a ordenhar o gado e processar os produtos de leite. O pastoreio e o cuidado da manada são tarefas eminentemente masculinas.
As tribos nômades que surgem entre as cidades e os assentamentos agrícolas têm uma estrutura completamente diferente das sociedades dominadas pelos povos sedentários. São sociedades predominantemente machistas, e também beligerante, com profunda hierarquização social e onde a comunidade é vista como superior aos povos de fora. Os objetos de comparação são o gado, guiado até pastagens melhores, contra os ciclos de fertilidade dos povos agrícolas, que não são tão importantes. Não existe identificação com os rios, planícies e montanhas da paisagem, muito menos com os ciclos de chuva e secas. A importância do calendário é menor, porque no caso de condições atmosféricas desfavoráveis, é só se mudar para uma área que seja mais favorável. Nesta situação, o sistema de crenças propício a estas comunidades também deverá ser rígido e belicoso e o dualismo nós-eles pode ser representado pelas forças do bem contra as forças do mal. O complexo mundo das interações entre os deuses, onde as áreas acinzentadas são predominantes, e as coisas dão errado em função destes conflitos fundamentais entre forças igualmente poderosas, surge um mundo simples, igual ao estilo de vida nômade, onde o mundo é preto ou branco, bom ou ruim.
A interação entre os povos nômades e as sociedades civilizadas é composto de ciclos de ocupação, onde os grupos nômades, levados a uma estruturação social baseada na guerra, passa a tomar conta dos governos das cidades. As cidades podem ser tomadas através de ataques violentos, com a utilização da tecnologia bélica, ou através da simples ocupação, quando os nômades (em geral mercenários contratados pelo governo local) passam a assumir as funções de governo efetivamente. Como conseqüência da organização interna dos grupos nômades, existe uma forte pressão para rejeitar o grupo social das culturas dominadas, o que se reflete frequentemente na incorporação das divindades anteriormente dominantes na mitologia do conquistador mas em um papel inferior ou representando o mal. Este estilo de relação entre sociedades de pastores nômades com as populações agrícolas civilizadas é encontrado na África, na Índia, no Oriente Médio e na Ásia.
Este padrão cíclico entre nômades e civilizados é encontrado em várias civilizações do mundo, até o surgimento das armas de fogo. Os Mongóis, nômades da Ásia central, no século XIII haviam dominado todo o norte da China, a Coréia, reinos Muçulmanos da Ásia central e entrado na Europa. Kublai Khan, avançou para o sul da Ásia, estabelecendo a primeira dinastia não chinesa após subjugar a dinastia Song. A rivalidade entre as tribos Mongóis, principalmente, levou ao colapso da dinastia Yuan. A dinastia Ming, que sucedeu, atinge seu apogeu quando os exércitos chineses reconquistam Annam (atualmente Vietnã). Outro povo nômade não chinês, os Manchus, acaba dominando a dinastia Ming. Da mesma forma vemos os semitas na Babilônia, os Arianos na Índia e outros diversos exemplos por todo o mundo.
Dentre estes povos nômades, o pensamento místico segue de perto a estrutura social. As divindades são fortemente masculinas e belicosas, e em geral se colocam contra as antigas divindades femininas, patronas da fertilidade e da agricultura. São divindades absolutamente hierarquizadas, onde o deus supremo manda nos demais, que acabam sendo divindades acessórias, com funções específicas. Também espelhando a organização social dos povos nômades e pastoris, que mantém sua identidade através do relacionamento dentro do grupo, a mitologia atribui aos deuses a definição dos rígidos códigos de moral, que são os mesmos códigos de moral defendidos pela sociedade. Comumente este tipo de sociedade adota uma religião que rejeita todos os demais Deuses, que por ventura adotem outros códigos de conduta, principalmente porque outros deuses representam outra tribo, ou outro grupo. Ora, como somente o grupo principal, aquele que criou a divindade, é que segue aquele crença, fica estabelecida a divisão ente o clã e todos os demais povos. O grupo é o seguidor daquela divindade em particular, hierarquicamente superior a todas as outras, criando um sistema simples de identificação grupal. Enquanto todas as demais civilizações seguem crenças diferentes, é fácil a alguém da tribo perceber que são de outros grupos étnicos. A noção de superioridade dos deuses da tribo (e portanto a superioridade daquele povo em particular) faz com que todas as outras religiões sejam vistas como erradas (consequentemente indicando que todas as outras civilizações são inferiores).
Após a morte do rei Hammurabi, dezessete séculos antes de nossa era, a Mesopotâmia foi ocupada por povos Arianos vindo das estepes iranianas, como os Hittitas, e por outros bandos de etnia incerta que formaram um grande império que certamente não era indo-europeu, o Império Mitanni. Escritos cuneiformes mostram que quando os Hittitas, através do rei Suppiluliuma, e os Mitanni, através do rei Mattiwaza, assinaram um tratado em 1370 AC, eles pediram o testemunho de Mitra, que tinha o título de "o senhor dos contratos" e que os Hittitas chamavam de deus Sol. Mithra era um deus que via tudo, e um hino dedicado a ele descreve suas mil orelhas e dez mil olhos. Os nomes Mitra, Mithra e Mithras derivam da raiz indo-européia Mihr, que se traduz tanto como "amigo" como "contrato". A amizade e o contrato oferecidos por Mihr, ou Mithra, era uma troca em que ele cuidava dos assuntos de seus fiéis se estes fossem justos. Mithra era um deus moral, cuja primeira responsabilidade era fazer com que os homens seguissem o caminho da correção e da justiça.Os armênios adotaram quase universalmente Mithras, que era identificado como o sol, Helios, ou como Apollo e Hermes. Ele sempre se engajava na grande luta entre o bem e o mal. Mithras, o inconquistado e inconquistável sol, o sol invicto, simbolizava a coragem, o sucesso e a confiança do soldado. A ética do culto demandava o autocontrole e outras virtudes necessárias a um legionário, e foi uma das principais razões por que o culto se espalhou pelo exército romano Seguindo a tradição hierárquica dos nômades do deserto, Mithra era um Deus masculino, que regulava e controlava a ação dos homens. Ao contrário de outras religiões de mistério, o Mithraismo era aberta somente para os homens.
O nascimento de Mithra era comemorado em 25 de Dezembro coincidentemente perto do solstício de inverno, quando o sol está em seu ponto mais baixo. Supostamente ele nasce de uma pedra em uma caverna sagrada. Seu nascimento foi testemunhado por pastores e magos que lhe trouxeram presentes. Mithra também carregava as chaves dos céus, para onde ele havia ascendido, e para onde iriam os virtuosos. A celebração da ascensão de Mithra era feita no equinócio de primavera, mesma data que posteriormente foi adotada como a páscoa cristã, época em que o sol atinge seu ponto mais alto no firmamento. Antes de subir aos céus, Mithra celebra uma última refeição com seus 12 apóstolos, cada um representando uma figura do zodíaco. A refeição sagrada era um dos sete sacramentos Mithraicos, chamado de mizd (em latim missa). Outro sacramento do Mithraismo era o batismo, quando o iniciado morria na terra, ritualmente, e renascia para a nova religião. A imagem de Mithra era enterrada em uma tumba na rocha, da qual ele era tirado e vivia de novo. Os seguidores de Mithra também acreditavam que uma grande batalha entre as forças da luz e da escuridão nos últimos dias iria destruir a Terra, e os virtuosos, que seguissem os ensinamentos de Mithras, se juntariam aos espíritos da luz e seriam salvos, e os pecadores, que seguissem outros ensinamentos iriam para o inferno, junto com os anjos caídos. Segundo o costume iraniano, onde cada dia tinha o nome de um astro, o principal dia para a adoração de Mithras era o domingo, dia do sol, ao contrário do Sabbath das tribos Semitas.
Trabalhos mais recentes sugerem que o Mithraismo pode não ter surgido como uma dissidência das antigas religiões do Irã, mas sim foi uma religião que se desenvolveu independentemente a partir da descoberta de uma mudança na ordem das constelações, o movimento de precessão da abóbada celeste. O astrônomo grego Hippartacus descobriu que de 2100 em 2100 anos, aproximadamente, os movimento do sol pelo zodíaco andava uma posição. Esse movimento se dá porque a Terra gira em torno de seu eixo, e este eixo, como o de um peão, executa um movimento circular. Devido ao movimento de precessão, nos equinócios o sol deixa de nascer sob uma constelação e passa a nascer sob a próxima, e assim por diante, até que depois de 25,920 anos o eixo da Terra volte à sua posição inicial recomeçando o ciclo. Por exemplo, o equinócio de primavera, hoje em dia, se dá na constelação de peixes, mas daqui a poucos séculos será na constelação de aquários, e por isso se diz que será a "era de aquário". No tempo romano, no equinócio de primavera, o sol nascia sob a constelação de Áries. As medições astronômicas antigas demonstravam que, 2000 anos antes, no equinócio de primavera o sol nascia sob a constelação de tauros. Devido ao movimento de precessão do eixo da Terra, o firmamento havia mudado de posição. Naquela época grande parte do misticismo, e quase toda a religião clássica, associava os eventos celestes com fenômenos mundanos, e o sol, a lua e todos os planetas conhecidos incorporavam deuses. A astronomia da época também achava que o sol percorria sua órbita ao redor da Terra, e para o sol passar a aparecer sob outra constelação, alguém deveria ter rodado toda a abóboda celeste. O pensamento místico, que acreditava que os corpos celestes eram deuses e que o movimento destes deuses regulava tudo na terra ficou abalado. Algumas pessoas passaram a achar que existia um novo deus tão poderoso que movia todo o firmamento, e assim passaram a adorá-lo. Para mover os céus, o novo deus deveria ser fundamentalmente separado do universo. As influências do oriente, especialmente da pérsia, misturaram a figura deste Deus exterior ao universo e, principalmente, forneceram seu nome: Mitras. O deus do Sol Iraniano se tornaria Mithras, o deus abstrato que move o universo, adorado principalmente pelos soldados romanos. Esta hipótese foi criada por estudiosos como David Ulansey e outros, que analisaram as principais representações simbólicas Mithraistas, a figura de um Mithra matando o touro (o Deus que mata a antiga constelação de Touro), ajudado por um cachorro (Canis), um escorpião (a constelação de Scórpio), uma serpente (hidra) e um corvo (Corvus), representando as constelações do Zodíaco, na era de touro. Assim, o deus Mithras passa a ser o deus que mata as antigas constelações e que altera o zodíaco.
O Mithraismo pode ter sido uma cisão de uma religião mais antiga, que também tem origem nas crenças de povos nômades. Se não é uma dissidência, pelo menos foi muito influenciado pelo Zoroastrianismo. No atual Irã, perto da região do mar Aral, surgiu o profeta Zarathushtra, que era possivelmente um sacerdote da antiga religião Ariana. Com ele há o início da era das religiões reveladas. Zarathushtra nasceu em algum lugar ao longo do rio Oxus, na Pérsia. Embora exista muita controvérsia sobre a data de surgimento do Zoroastrianismo, existem elementos nos seus escritos que sugerem que tenham sido criados entre 1700-1500 AC. Outras fontes históricas dizem que ele começou no sexto século antes de nossa era. É certo que a religião apresentou grande crescimento neste período muito tumultuado da história persa, quando as tribos estavam constantemente conquistando e derrubando umas às outras. Pela primeira vez na história um homem dá início a uma religião. Na época de Zoroaster, segundo a grafia grega, as sociedades iranianas estavam sofrendo profundas mudanças. A chegada da idade do bronze às populações semi-nômades proporcionou novas armas, como o carro de guerra, que permitia que os bandos nômades se tornassem ainda mais perigosos, atacando outros grupos de pastores, matando e roubando seus rebanhos, uma situação bastante propícia para o surgimento de novas religiões que passem a explicar de uma melhor forma relação do homem com sua cultura. As tribos Arianas que formam o povo persa adoravam vários deuses. Zarathushtra sustentava que havia recebido visões com os ensinamentos de Deus, e então revelou sua doutrina, que propunha a fé em um deus único, Ahura Mazda. O seu Deus, aquele se auto criou, serio O Deus, o único ser imortal. Ahura Mazda também é omnisciente e o único ser completamente bom. A concepção deste deus único é bastante diferente das concepções anteriores. Ahura Mazda é uma divindade abstrata, ao contrário das antigas divindades ligadas à natureza.
Zarathushtra propõe que seu deus é o criador do mundo e do homem. O homem é visto como fundamentalmente bom, mas o mundo é que se transforma no palco da batalha entre o bem e o mal. O mal é a fonte de toda a miséria, corrupção e vício. Todos devem procurar a vitória do bem, através da salvação. Como a "religião do bem" o Zoroastrianismo exige de seus seguidores virtudes que incluem a justiça, compaixão, caridade, serviços cívicos, etc,,, Também cabe ao homem fazer a escolha entre o bem e o mal, porque ele tem posse do livre arbítrio, e o destino de seu futuro espiritual está somente em suas mãos. O profundo dualismo simplório entre o bem e o mal é expresso nos Gathas - uma série de hinos compostos pelo próprio Zarathushtra. Estes conceito de bem e mal a princípio metafórico, foi posteriormente personificado como sendo o conflito entre Ahura Mazda e Angra Mainyu (ou, Ormosd e Areimanios), um conceito muito similar ao conflito também dualista entre Deus e o Diabo, conforme veio a ser divulgado pelo cristianismo. Apesar da dualidade deus-diabo, o Zoroastrianismo é basicamente monoteista, uma vez que já está determinado que o poder de Ahura Mazda, o bom deus, será triunfante no final. Zarathushtra também instituiu que todos os outros deuses adorados pelas tribos nômades, que não Ahura Mazda, eram espíritos malévolos, que seduziam os homens da verdadeira adoração do Deus único. Ante às injustiças da sociedade nômade, o Zoroastrismo propunha que os homens podem chegar ao céu se aceitarem a sua revelação e passarem a atuar com justiça de acordo com esta revelação. As ações dos homens seriam julgadas no terceiro dia depois de sua morte, quando seus pensamentos, ações e palavras são pesados e comparados. Quando a luta entre o bem e o mal terminar, existirá a ressurreição física dos mortos, que unirão seus corpos aos seus espíritos e ocorre o último julgamento. Aqueles que tiverem mais bons feitos serão salvos pela intervenção divina, enquanto os que tiverem sido maus perecerão junto ao mal.
Dentro do Zoroastrismo surgiu um pensamento posterior, não incluído nos hinos originais, que as forças do bem seriam lideradas por um salvador, Saoshyant, que nasceria miraculosamente de uma mãe virgem. A doutrina proposta através dos Gathas eram muito mais satisfatórias para a sociedade da época do que o politeísmo Ariano. O Zoroastrismo propunha uma série de pensamentos que davam um sentido à vida e uma razão para os acontecimentos, em profunda consonância com a organização social dos nômades pastoris. A ética ensinada por Zarathushtra se baseava na vida social dos pastores, onde o bom homem é aquele que toma conta do seu gado em paz com seus vizinhos, e é seu dever manter afastado os demônios e resistir a eles com força, se necessário.
De acordo com uma tradição, Zarathushtra converteu o rei Hystaspes, que governava parte do leste do Irã. Sua conversão foi fundamental na disseminação do Zoroastrianismo porque Hystaspes era pai de Dario, o grande, que se tornou um grande expoente na antigüidade. Por mais de mil anos, a religião de Zarathushtra permaneceu como a religião do estado (a não ser durante o período de Alexandre o grande). Durante o império Achaemeniano, 549-330 AC, os Hebreus conviveram com os persas, e provavelmente houve uma grande troca de ensinamentos, quer viria a influenciar as religiões de ambos os povos. É possível que os antigos hebreus tenham incorporado algumas idéias do Zoroastrianismo na sua mitologia, como a figura de Satã (Angra Mainyu), o julgamento das almas após a morte, a vida após a morte no inferno e no Céu, por exemplo, idéias que não estavam presentes no Judaísmo original. Provavelmente os hebreus tiveram contato com o Zoroastrianismo no final do exílio da Babilônia, sob o imperador Cyrus. Durante o sétimo século desta era, os árabes conquistaram o Irã, e gradualmente impuseram a sua própria religião (o Islã) . Por volta do 10o século, um grupo de seguidores de Zoroaster, procurando liberdade de religião saiu do Irã e se estabeleceu na Índia, em um lugar chamado Sanjan, ao norte de Bombaim. Lá eles se desenvolveram e se tornaram conhecidos como Parsis. Hoje ainda existem cerca de 130,000 seguidores de Zarathushtra.
Da mesma forma como outras religiões que surgiram nos grupos nômades, o Zoroastrinismo é fortemente utilizado como aspecto de identificação cultural, separando aqueles que são seus seguidores dos demais povos, e estabelecendo limites étnicos para conversão. Os Zoroastrianistas tradicionais acreditam que a religião e a etnia são inseparáveis, e só os que nascem na fé podem segui-la. Da mesma forma, mantém a distância dos outros grupos étnicos proibindo os casamentos fora do grupo.
O respeito às leis é fundamental na mitologia de vários povos nômades, que vivem sem a proteção dos estados civilizados. As leis determinadas pelos deuses, que são respeitadas pelo povo com medo da ira divina, ou da danação eterna, são as únicas leis com que os povos nômades podem contar para a manutenção da ordem social. Mas o estabelecimento de leis com condutas morais rígidas também vai contra parte das atividades dos povos pastoris que vagam seguindo seus rebanhos. Grande parte destes povos sobrevive como mercenários, guerreiros, ou no mínimo estão frequentemente em conflito com outros povos (em geral agrícolas) pelo direito de utilização da terra. Estas situações de conflito geram a necessidade de não cumprir as leis divinas, criando um verdadeiro problema. Se por um lado a religião não deixa as pessoas cometerem atos violentos, como uma maneira de proteger as populações inocentes, a religião também têm de endossar os atos de violência que serão cometidos pela própria natureza da atividade da tribo. Este impasse é resolvido pela introdução do conceito de "povo escolhido", ou de superioridade racial. A superioridade justifica as ações violentas contra outros povos, assim como ajuda a manter a identidade do grupo.
Os Elohistas são os autores de uma coleção de tradições orais comuns que serviram como fonte para as escrituras hebraicas, antes do surgimento do judaísmo como religião estabelecida no Oriente Médio. Estas tribos são chamadas de Elohistas principalmente porque chamam o Deus hebreu de Elohim, ao invés de Yahweh, como os demais grupos. Dentro dos temas sagrados, Moisés é glorificado como o último profeta e legislador. A tradição Elohista também demanda obediência completa da fé e a rígida aderência à lei. Obedecer à lei é ter respeito – e medo – da ira divina, é ser "temente a Deus".
De acordo com história narrada no Êxodo, segundo livro do Torah, os hebreus se tornaram uma nação e adotaram um deus nacional nas colinas do Monte Sinai, na Arábia meridional. É quando várias tribos que se consideram descendentes de Abrahão se tornam uma única nação, adotando Yahweh (Jeová) como o deus nacional. Não se tem muita certeza de quem eram os Judeus antes do Êxodo, principalmente porque os Egípcios não registraram este povo. Embora a mitologia hebraica comente as pestes no Egito, enviadas por Yahweh como punição e demonstração de seu poder, os Egípcios não registraram nenhum evento diferente do normal. Provavelmente os hebreus faziam parte de vários grupos étnicos espalhados pelo delta do Nilo.
O historiador Grego Diodorus Siculus, que viveu na Sicília nos últimos anos antes de nossa era, escreve que vários povos foram expulsos do Egito na antigüidade:
Nos tempos antigos, aconteceu uma grande praga no Egito, e muitos descreveram sua causa como Deus, que estava ofendido porque existiam muitos estrangeiros na terra, e ritos e cerimônias estrangeiras estavam sendo feitas para adorar as divindades. Os egípcios então concluíram que, até que todos os estrangeiros fossem expulsos do país, eles nunca ficariam livres de suas misérias.
Os Egípcios registraram vários grupos estrangeiros em suas terras durante o Novo Reinado, e eles ativamente expulsaram os grupos que achavam ameaçadores ou potencialmente poderosos. Os hebreus não aparecem nestes registros, nem as catástrofes, pestes e demais eventos que supostamente teriam levado à migração dos Judeus. Entretanto, entre 1800 e 1250 AC, grandes grupos tribais, a maioria semita, viviam no norte do Egito. Estes grupos estrangeiros foram tão numerosos e poderosos que por um período de tempo (denominado segundo período intermediário) eles dominaram o Egito. Esta transição ocorreu, na nação mais poderosa da Terra, naquela época, porque estes povos asiáticos não naturalizados, que invadiram o vale do Nilo durante o reinado do meio, estabeleceram suas comunidades e viviam dentro de suas próprias leis, e com o aumento do número destas pessoas, o Egito acabou perdendo a integridade nacional, e os estrangeiros passaram a assumir o governo de algumas cidades.
Os vários reis destes estados independentes eram chamados de Heka-Khaswt, ou "governantes de terras estrangeiras", ou Hyksos. Os Hyksos, semitas asiáticos, mantiveram o governo do Egito de 1663 a 1555 A.C, em muitas vezes em conjunto com os governantes locais. O grande general Amosis, em 1550 AC, derrubou o governo Hykso, reestabelecendo a monarquia sob uma nova dinastia Egípcia. No começo do novo reinado, os Egípcios reassumiram a sua dominância, e passaram a expulsar os estrangeiros, chamados Apiru, Habiru ou Hapiru, o nome dado a estrangeiros sem terra. As evidências mais antigas deste povo foram encontradas na cidade de Tell el-Amarna no Egito, onde foram descobertas as correspondências diplomáticas de Akhenaten, que foi o faraó do Egito por volta de 1350 AC. Estes textos ficaram conhecidos como as cartas de Amarna, e contém referências aos ‘Apiru, que seriam uma ameaça ao faraó. Existe a possibilidade de que o povo chamado de Hapiru seja o povo Hebreu. Entretanto, as evidências obtidas através da arqueologia e da análise dos textos antigos não permite que se chegue a uma conclusão acima de qualquer questionamento. Mas quem eram os Hapiru? Entalhes provenientes de um pequeno reino entre o tigre e o Eufrates,
Tikunai, trazem o nome dos servos do rei, identificados como Habiru. Existem documentos Sumérios, de 2000 AC, que fazem referência a nômades errantes que chamam de ‘Apiru, que faziam acampamentos onde bem entendiam e que não obedeciam às leis. Textos acadianos provenientes da cidade de Mari, de 1800 AC, fazem referência aos Hapiru, que são estrangeiros em geral hostis, soldados em vários exércitos. O termo provavelmente era utilizado de foram generalizada para qualificar os "rebeldes", soldados inimigos, ou ainda para descrever os estrangeiros. O grupo denominado ‘Apiru é descrito como um bando de indivíduos "sem pátria, que se tornaram trabalhadores agrícolas sazonais, mercenários, escravos ou bandidos, dependendo das circunstâncias". Sejam os Hebreus o mesmo povo que os Hapiru ou não, os Egípcios passaram a perseguir e a expulsar os grupos asiáticos que habitavam o delta do Nilo, a partir da retomada do poder.Seti I, filho de Ramessés I e da rainha Sitre, foi o segundo Rei da 19a dinastia do Egito, governando entre 1305-1290 A.C. Durante seu reinado, o Egito reocupou postos importantes na Palestina e na Síria, inclusive trazendo Damasco de volta ao controle Egípcio. Ele construiu diversas obras monumentais, como sua tumba no Vale dos Reis e um vasto complexo mortuário em Abydos. Seti I também mudou a capital para Avaris, na entrada do delta do Nilo, estabelecendo uma forte presença militar na entrada do Egito. Esta mudança exigiu pesados impostos, necessários para financiar a construção de toda a infra-estrutura da nova capital, e supõe-se que ele tenha taxado pesadamente os estrangeiros que viviam na área. Como os impostos provavelmente eram pagos em termos de horas de trabalho para o governo do Faraó, isso provavelmente é a origem do mito de escravidão no Egito.
Com a saída dos Hebreus do Egito, eles retomam e continuam a vida de nômades pastoris, tendo como única forma de identidade étnica e cultural a adoração à divindade trazida por Moisés, a adoração às leis sagradas e à sua identificação como um povo superior – aquele povo que havia sido escolhido. Juntamente com a formação da nacionalidade Hebraica, Moisés traz as leis que as pessoas escolhidas por aquele deus têm que observar. O Decálogo, o conjunto de dez leis que Moisés recebeu no alto do monte Sinai, determina que o comportamento social é governado diretamente pela divindade, obrigando aquele povo do nômade deserto a seguir um comportamento ético, fundamentalmente em função do medo do julgamento divino. Os hebreus recebem a ordem para não adorar nenhuma divindade senão Yahweh, e não há nenhuma evidência de que no começo a religião Hebraica tenha negado a existência de outros deuses. Ao contrário, existem diversos registros históricos no Torah, sobre outros deuses. A religião Hebraica estabelece uma hierarquia, em que Yahweh, o Deus da Montanha sagrada é colocado em primeiro lugar, igualmente como o chefe do clã é colocado ante os demais pastores. No próprio livro do êxodo, está clara esta hierarquização quando se diz que "Agora eu seu que o Senhor é maior que todos os Deuses, porque ele retirou seu povo dos Egípcios". Yahweh não somente é um Deus hierarquicamente superior os demais deuses, como é o Deus de um povo especial, e portanto ligado a este povo etnicamente, o que vem a reforçar a identidade daquele povo.
Embora Moisés seja um nome egípcio, aparentemente própria religião vem dos povos semitas da região de Midian, aparentemente uma região que engloba a atual Arábia e parte da península do Sinai . Conta-se que Moisés viveu durante um tempo com um padre Midianita, Jethro, que inclusive seria seu sogro, ao pé do Monte Sinai. Aparentemente os Midianitas já tinham pronta a religião de Yahweh: eles adoram o deus representado pelo Monte Sinai como um tipo de divindade que representa os poderes da natureza. Assim, é possível que os hebreus tenham apanhado Yahweh de outro grupo de Semitas e que esta religião de Yahweh se transformasse lentamente na religião central dos hebreus.
Durante alguns séculos, principalmente enquanto os Hebreus não haviam se estabelecido e viviam como nômades, Yahweh foi um deus antropomorfo que tinha qualidades humanas e características físicas, refletindo muito claramente a necessidade do estabelecimento da unidade étnica para o povo nômade, a necessidade de estabelecer o código de conduta moral dentro da tribo e a estrutura hierárquica própria dos nômades pastoris. O Yahweh do Torah é freqüentemente bravo e caprichoso, não muito diferente do comportamento humano (em especial dos chefes tribais). Por exemplo ele envia dez pragas ao Egito porque o Faraó não liberta os Hebreus, mas deliberadamente endurece o coração do Faraó para que ele se recuse a liberá-los, aparentemente com o único objetivo de "demonstrar seus poderes" (Êxodos ll:9); Yahweh também justifica as guerras e massacres contra os outros povos, inclusive vários semitas. Por exemplo quando ordena o massacre daqueles que o rejeitam (Êxodos 32:27-29), quando ordena o massacre dos Midianitas (Num 31:1- 18), o massacre dos Amalekites (Samuel l5:8, Crônicas 4:43, etc...), e várias outras atrocidades, sempre contra o "outro" grupo, aquele que não faz parte do grupo escolhido, do núcleo tribal. Se as leis são rígidas e restritivas para dentro do grupo, as outras tribos não são contempladas pelas mesmas leis, porque não são as "escolhidas". Esta simplificação dualista de nós contra os outros é muito bem aceita nas sociedades simples, onde a diferença entre o bem e o mal também é simples.
Mas há algumas inovações notáveis neste novo deus, que refletem bem profundamente a idealização de uma divindade refletindo uma cultura. Primeiro, este deus, antropomorfo ou não, opera acima e fora da natureza e do mundo humano, então tudo o que acontece deixa de ser obra do acaso e passa a ser parte da vontade divina, atuando como punição e recompensa pelas ações dos homens. O deus de Moisés é concebido como o governante dos hebreus, assim as leis de Moisés também governam este povo. É verdade que as leis do Torah foram escritas mais recentemente, provavelmente no oitavo ou sétimo séculos. Porém, pode-se concluir que a religião antiga do povo Hebreu era uma religião baseada nas leis que se imaginava terem sido feitas (e enforçadas) por Yahweh. Assim, a religião Hebraica, e de vários outros povos nômades, é infantil no sentido que é um conjunto de leis que estabelecem simplesmente a punição ou recompensa. Os hebreus pareciam ter concebido Yahweh como um tipo de monarca, ou chefe tribal, que também distribuía tarefas, benefícios e punições, e que representava a lei para seu clã de pastores. Além disso, Yahweh é mais abstrato que qualquer outro deus anterior, e isso pode ser evidenciado pelo mandamento Hebreu proibindo que qualquer imagem sua seja feita ou adorada. A abstração reflete a hierarquia, uma vez que estabelece que nada, ou ninguém, conseguirá representar aquele que é superior.
Entre 1500 e 1200 antes de nossa era, outros grupos de pastores iletrados migraram das estepes da Rússia central, passando pelo atual Afeganistão, e por entre as montanhas através da Passagem Kyber, chegando à Planície do rio Indus, que era escassamente povoada. Estas tribos eram os Arianos, que chegaram em pelo menos duas ondas principais: a primeira ao redor 2000 B.C, e a segunda uns seis séculos depois. Depois da segunda onda migratória eles se tornaram dominantes e o seu idioma se espalhou por todo o norte da Índia. O idioma da primeira onda permaneceu limitado às montanhas de Pamir de Paquistão. Como outras tribos de pastores nômades, eles eram os guerreiros. Eles tinham carruagens de duas rodas e estavam familiarizados com o arco e flecha. Os homens dominaram as mulheres. Cada família era governada por um macho autoritário, e cada tribo ariana era governada por um rei chamado Rajá. Os arianos guerrearam contra as pessoas locais, não-arianas, e povoaram as áreas que eram os melhores pastos para os seus animais. Com o seu domínio, os Arianos trouxeram seus contos e mitos, inclusive as histórias de seus deuses e deusas. Estas histórias expressavam o desejo em agradar aos seus deuses. Os arianos tinham um deus pai, responsável pelo céu e pelos eventos da atmosfera: Dyaus Pitar (o pai do céu, ou deus pai). Eles tinham um deus masculino do trovão e da chuva chamado Indra, que também era o deus da guerra. Indra era a personificação daquilo que os homens arianos pensavam que um homem deveria ser: guerreiro com coragem, força e energia que gostaram de beber e fazer guerra. Os arianos tinham um deus do fogo que devoraram os animais que os sacerdotes sacrificavam para obter graças. Os deuses, satisfeitos com os sacrifícios, presenteavam o povo com crianças, sucesso na guerra, riqueza, saúde, longevidade, comida, bebida ou qualquer outra coisa que contribuísse à sua felicidade. Segundo o mito Ariano, a humanidade havia sido criada com virtude e os humanos eram imortais. Os deuses ficaram preocupados, achando que aquela humanidade se tornaria deuses como eles, e então eles tramaram um plano para que a humanidade não se tornasse divina. Os deuses convenceram Dyaus Pitar a criar a mulher, que por ser lindíssima, logo despertou desejos sexuais nos homens. Uma vez que as mulheres haviam sido criadas, e que os homens gostaram delas, eles começam a se reproduzir, e logo o mundo se torna superpopuloso. Dyaus Pitar, para evitar a superpopulação, cria a Morte. A Deusa morte não era uma divindade que controlava a vida das pessoas, ela era a própria morte encarnada. Das lágrimas da morte saíram as doenças. Ela também criou o desejo e a raiva, que leva uns homens a matarem os outros. Quando os humanos passaram a conviver com a mortalidade os deuses ficaram felizes, porque assim eles passaram a ser superiores. Ao redor de 1000 AC veio uma seca e as tribos arianas migraram para o leste ao longo das montanhas do Himalaia onde as selvas eram menos densas e os rios mais fácil de cruzar. Eles entraram nas planícies do Vale do Ganges. Com o seu armamento superior e a determinação das tribos guerreiras, os arianos lutaram contra os que resistiram ao seu avanço. Eles acreditavam que os deuses estavam ao seu lado e qualquer resistência dos povos locais era inspirada por demônios.
O assentamento dos povos Arianos, dominantes, ao lado das populações locais, dominadas, veio a culminar com o desenvolvimento uma hierarquia complexa de classes, que seriam chamadas castas. Da mesma forma que os outros povos nômades pastoris, as leis foram incorporadas na mitologia, e o sistema de castas foi cristalizado na concepção das divindades; Uma classe era a classe dos padres, Brahmins. Outra era dos guerreiros, representados pela nobreza, os Kshatriyas, cujo trabalho era constantemente praticar o combate, assim como dar proteção aos Brahmins em seu trabalho missionário. Abaixo estavam os Vaishas, arianos que cuidavam do gado e que constituíam a maioria da população, e a mais baixa classe eram os conquistados de pele escura , os não-arianos, que eram os servos, e que formavam a classe dos Shudras. Os arianos fizeram destas classificações uma parte da sua mitologia. Os quatro grupos, diziam, eram parte do corpo do deus Prajapati: os Brahmins saíram da boca do deus, os guerreiros de seus braços, os criadores de gado das suas pernas, e os Shudras dos seus pés.Os Dravidianos, o povo de pele escura proveniente do Sul da Índia, foram sistematicamente expropriados e escravizados pelos Brahmans e a ideologia ariana de superioridade de classes ficou marcada nos textos em Sânscrito derivados da cultura do norte da Índia.A mistura da mitologia das tribos guerreiras arianas e das religiões locais ficou conhecida como Hinduísmo. A religião Hindu variou de reverência de deuses arianos tradicionais por intelectuais urbanos para a adoração de uma diversidade de deidades locais, rurais, agrícolas.
Mais recentemente, a história do Islã centra-se ao redor uma pessoa, Maomé. Ele nasceu ao redor 570 D.C. e foi criado pela sua família estendida depois da morte dos seus pais. Naquele momento, o subcontinente árabe, composto principalmente de áreas de deserto, era habitado por povoados e principalmente por grupos nômades. As Caravanas de comércio eram economicamente mais importantes que a agricultura ou a indústria. Do ponto de vista religioso, a Arábia era politeísta, e só alguns indivíduos tinham abraçado as grandes religiões monoteístas como o Cristianismo, Mazdaismo (Zoroastrismo), etc... O povo de Meca possuía a noção do Deus único, porém mantinha a idolatria politeísta. Curiosamente, eles não acreditaram na ressurreição e na vida após a morte. Mecca era uma cidade estado soberana, governada por um conselho de dez chefes hereditários que desfrutaram uma divisão clara de poder. A Arábia era considerada uma região que sempre se manteve distante e selvagem. Strabo, por volta do ano 22 , definiu a arábia como: "[...] um país que pertence aos nômades, que vivem por seus camelos. Eles lutam nas suas costas, viajam neles e subsistem do seu leite e carne [..]" Estas características dos árabes permaneceram durante séculos, principalmente porque as condições do deserto eram mais propícias aos nômades pastoris do que ao estabelecimento de grandes civilizações. Muito mais recente, durante o 4º século, a descrição de Ammianus Marcellinus serve para mostrar que os Saracenos continuaram com seus costumes de guerreiros bárbaros e nômades. Eles são retratados da mesma forma como haviam sido séculos antes:
Entre estas tribos [(os Saracenos)] todos os homens são os guerreiros de grau igual; meio desnudos; com mantas até a cintura, em países diferentes, com a ajuda de cavalos rápidos e ativos e camelos velozes, iguais em tempo de paz e de guerra. Nem qualquer membro da tribo pega o arado na mão ou cultiva uma árvore, ou busca comida pela lavoura da terra; mas eles vagam perpetuamente pelos vários e extensos distritos e não têm nenhuma casa, nenhum domicílio fixo ou leis; nem podem suportar permanecer longo tempo no mesmo clima, nenhum distrito ou país os agrada para uma continuidade
Conforme Maomé foi crescendo, nesta mistura de nomadismo, falta de leis e injustiças sociais, ele foi ficando descontente com politeísmo, e passou a acreditar em uma única Divindade, Alá. Ele começou a ter visões religiosas ao redor de idade dos 40, e durante estas visões, Maomé receberia "mensagens" ou "revelações" de Deus. Ele os memorizaria e os ensinaria aos seus seguidores. Estas visões são hoje registradas no Qur'an (ou Alcorão). Maomé continuou recebendo estas visões até a sua morte em 632 D.C. Alguns anos após sua morte, os fragmentos foram juntados e durante o reino do terceiro Califa Uthman 644-56, é que o texto final do Alcorão foi editado em sua forma atual.
A nova fé não foi aceitada amplamente em Mecca, sua cidade natal. Então, ele e os seus seguidores mudaram-se para Medina (que quer dizer " Cidade do Profeta "). Esta mudança ficou conhecida como o Hijira ou "o vôo", e marca o ponto decisivo no Islã, sendo a data de começo dos calendários islâmicos. Posteriormente Maomé retoma Mecca, espalhando o Islã rapidamente por toda a área.
Os pilares do Islã de Maomé estão baseados na unidade das pessoas, fundamental para a identificação cultural das tribos nômades, acompanhado de uma mudança radical na relação com os pobres e desamparados. O Islã refletiu a necessidade de justiça entre as tribos do deserto, trazendo a lei aos povos nômades e estabelecendo os limites para o convívio social. Os muçulmanos seguem o princípio de que não há nenhum outro deus mas O Deus (Alá). Também reforça a idéia da igualdade social, uma vez que cinco vezes por dia, durante as orações, não existe divisão social, e todos são iguais, e mesmo os sacerdotes não interferem na relação do crente com Deus. Os jejuns, recomendados ao muçulmanos, servem para lembrar, literalmente, dos pobres e famintos do mundo. A caridade é uma virtude, e sustentar órfãos e viúvas, e prevenir a cobiça pessoal, é muito estimulado. Todos os muçulmanos que são física e financeiramente capazes, devem fazer pelo menos uma vez na vida a peregrinação a Mecca, como forma de união de todos os muçulmanos, durante a qual ninguém pode usar jóias, maquiagem, ou outros artigos que revelam distinções de classe. Outro mandamento importante no Islã é o jihad, que é a luta entre o bem e o mal interior.
Em algum ponto da história, a filosofia mitológica do Ocidente se separa grandemente da filosofia do Oriente. Enquanto no ocidente os deuses e deusas regulam as comunidades dando as leis, impondo costumes e estabelecendo as bases da ética, no oriente estabelece-se a união direta com as divindades, a filosofia perene.
O termo Filosofia Perene tenta descrever uma linha de raciocínio formulada por aqueles que têm uma experiência direta de comunhão com "Deus" ou com a "Unidade". A filosofia perene afirma que uma observação direta na natureza da realidade é uma possibilidade universal, seja conseguida através da prática de disciplinas espirituais e estudo de escrituras ou através de uma experiência de iluminação e união com o Deus, que representa a própria essência do Universo. É chamada de filosofia perene porque reaparece em diversos locais e tempos, sem estar limitada a uma classe ou cultura particular. Esta filosofia já foi descrita como" A metafísica que reconhece uma realidade divina por detrás do mundo de coisas e vidas e mentes; a psicologia que ache em alguém algo idêntico com a realidade divina [...]"
Aldous Huxley publicou em 1945 o livro The Perennial Philosophy, que tem sido a principal obra que tenta reconciliar o pragmatismo ocidental com o misticismo oriental. Em sua introdução, Huxley escreve:
A Filosofia Perene se preocupada primariamente com a única Realidade divina significativa no mundo múltiplo de coisas e vidas e mentes. Mas a natureza desta Realidade única é tal que não pode ser direta e imediatamente alcançada, exceto por aqueles que escolheram preencher certas condições, fazendo a si mesmos cheios de amor, puros de coração e pobres em espírito.
Ele então apresenta uma série de exemplos tirados de várias tradições religiosas como o Budismo, o Zen Budismo, o Cristianismo, o Hinduismo, o Islamismo, etc...demonstrando que, independentemente da orientação da fé, aqueles que são puros e preparados alcançam uma experiência de êxtase religioso mais ou menos parecida, e fundamentalmente individual, que dá a sensação de unidade do homem com Deus, ou com a "unidade" divina.
DIVINA DIVERSIDADE
A vida pode ser bonita, profunda e inspiradora, mesmo sem um deus irado nos ameaçando com o tormento eterno.
Judith Hayes
A dificuldade não está nas novas idéias, mas em escapar das antigas, que se ramificam, para aqueles que as desenvolveram, como a maioria de nós, em todos os cantos da mente.
Lord John Maynard Keynes
Antigamente, diz-se, as famílias se reuniam nas portas das casas, cada pessoa puxava sua cadeira e sentava-se com seus pais, avós, irmãos e amigos, e conversavam sobre todas as coisas. Com o passar do tempo, a evolução da sociedade foi ocorrendo, e aí chegou o rádio, que fez com que todas as famílias se reunissem em torno do aparelho, para acompanhar os seus programas prediletos, as novelas radiofônicas ou a hora das notícias. A tecnologia evoluiu, e assim como ela as sociedades. Surgiu a televisão, que postada no meio da sala das casas transmitia não somente as vozes como também as imagens do mundo. As famílias se reuniam em volta do aparelho, confortavelmente instaladas em poltronas e sofás, e viam seus programas prediletos. Durante os intervalos comentava-se sobre o filme, faziam-se críticas às notícias, ia-se fazer uma boquinha na cozinha. Nova evolução e surge o controle remoto, que como uma varinha encantada elimina os intervalos comerciais. Agora as televisões são mais baratas, e cada família tem várias.
Antigamente se sentava do lado de fora da casa e se conversava, mas se conversava sobre o que? A disseminação da informação, trazida pela televisão é fantástica. Crianças falam sobre o buraco na camada de ozônio, sobre a diminuição do arsenal mundial de armas termonucleares, sobre submarinos e aviões a jato ou sobre a última viagem do ônibus espacial e principalmente sobre dinossauros, cometas, e tudo mais que é novidade, ou que é curioso. Era melhor antes, quando as famílias e os amigos conversavam, ou é melhor hoje, quando não podemos perder o próximo programa de televisão porque a quantidade de informação é tão grande que perder aquele próximo programa – para conversar, por exemplo – é perder um pouco do mundo? Não teria sido somente uma evolução, uma mudança, que significa exclusivamente que as coisas são diferentes, nem melhor nem pior, somente diferente?
Quando um paciente morre em um hospital, vem um médico de branco que informa, sofredoramente, que a doença do paciente evoluiu para o óbito. Ou ainda quando diagnosticado de câncer, o acompanhamento se baseia em medições periódicas para saber como o tumor está evoluindo. Afinal, este é o significado da evolução, apenas uma mudança, que indica uma direção durante um período de tempo. Entre uma medição e outra, o médico pode informar se o tumor cancerígeno está evoluindo ou não, se está crescendo ou não e, se estiver regredindo, diz-se que a terapia adotada está evoluindo muito bem para aquele paciente.
Como esta palavra, evolução, dá margem a uma interpretação muito perigosa (e errônea) de um caminho em um sentido sempre melhor, mais sofisticado, Darwin só a utilizou uma vez na Origem das Espécies, e mesmo assim somente o fez na última linha.
Poucas idéias nos deixaram tão desamparados, tão longe de uma formação divina, tão sozinhos na natureza como a teoria de evolução através da seleção natural proposta por Darwin em seu livro A ORIGEM DAS ESPÉCIES ATRAVÉS DA SELEÇÃO NATURAL OU A PRESERVAÇÃO DAS RAÇAS FAVORECIDAS NA LUTA PELA VIDA, que é mais conhecido simplesmente como "A origem das espécies" . Isso acontece porque as plantas e animais, inclusive os homens, tão diferentes entre si, surgiram através de uma regra simples, natural, que gerou resultados tão complexos quanto homens, aves e peixes. Até o surgimento de uma explicação simples e coesa com as evidências, como a idéia de Darwin, o sobrenatural era necessário como forma de colocar ordem na diversidade da vida. Após Darwin, passamos de obra prima, superior a todos os demais seres, para sermos simplesmente mais uma espécie, entre tantas outras.
A origem das espécies foi, e ainda é, um livro de enorme sucesso. Como indicam os editores da versão em português que eu possuo: "durante os últimos 23 anos de vida de Charles Robert Darwin foram publicadas seis edições, todas revistas, anotadas e modificadas pelo autor à medida que as novas descobertas científicas iam ratificando ou contestando as idéias e conclusões expostas na edição anterior" . Ainda hoje, milhares de pessoas continuam comprando cópias do original para poder ler na fonte o conjunto de idéias que gerou tanta polêmica em seu tempo e que ainda hoje são extremamente mal compreendidas.
Mas idéias revolucionárias, por mais criativas que sejam, não surgem do nada, não eclodem em uma mente vazia. Algumas idéias anteriores a Darwin foram fundamentais para o desenvolvimento da teoria da evolução. As idéias de Thomas Maltus, Charles Lyell, Lamarck, Curvier e Lineu foram fundamentais para o desenvolvimento do pensamento de Darwin.
No século XVIII, Carl Linné sugeriu um método que se tornaria a espinha dorsal da biologia, porque analisava as relações entre os seres vivos. Lineu ficou conhecido na comunidade científica como Carolus Linnaeus, nome em latim que utilizou para a publicação de sus trabalhos. Ele é freqüentemente chamado de pai da Taxonomia. Filho de um pastor Luterano, Lineu era um aficcionado pelas plantas, e não demonstrou interesse em se tornar religioso. Foi para a universidade de Lund em 1727 para estudar medicina e um ano depois se mudou para Uppsala, a Universidade de maior prestígio da Suécia, onde dedicou a maior parte de seu tempo colecionando e estudando as plantas. Lineu acabou se formando em medicina na Holanda, onde publicou a primeira edição do Systema Naturae, onde demonstrava seu método de classificação dos seres vivos.
O sistema de classificação apresentado no Systema Naturae era inspirado na sua convicção religiosa de que, uma vez que Deus havia criado o mundo, seria possível entender a sabedoria divina através do estudo de sua criação. Esta escola de pensamento que cresceu muito no início do século XVIII, é chamada de teologia natural.
Lineu classificava as plantas exclusivamente em função do arranjo e número de seus órgãos reprodutivos, talvez pela enorme importância dada à reprodução das plantas pelos biólogos da época, uma vez que havia sido descoberta recentemente. Este sistema de classificação era artificial, quando comparado com um sistema de classificação natural, que levaria em conta todas as similaridades e diferenças entre os organismos. Os detalhes deste método de classificação foram abandonados, e sistemas de classificação posteriores se basearam nas práticas de John Ray, consistindo na utilização de evidências morfológicas de todas as partes do organismo, em todos os estágios de seu desenvolvimento.
Do método criado por Lineu, entretanto, permaneceram algumas características importantes, que são utilizadas até hoje. A classificação dos seres vivos similares em gêneros, utilizada desde Aristóteles, foi precedida de grupos mais elevados que também eram agrupados por similaridade. Enquanto só havia o gênero e a espécie, não se chegava a um acordo quanto à forma de se agrupar organismos semelhantes em um gênero. Poderíamos agrupar diferentes espécies no gênero "animais terrestres", assim como "animais domésticos", e nunca se chegava a um acordo. O sistema de Lineu propôs uma solução para este agrupamento, sugerindo o Reino, a Classe, a Ordem o Gênero e a Espécie. Por exemplo, no Reino Animalia temos a classe Vertebrata, que contém a ordem dos Primatas, que contém o gênero Homo, que contém a espécie Sapiens – nós.
Antes de Lineu, o nome dado às espécies era variado, e a necessidade de um sistema de nomenclatura ficava cada vez mais necessário, com a chegada de novos espécimes da América, da Ásia e da África. Já era bastante comum a utilização da nomenclatura em Latim, exclusivamente por esta língua ser morta, e não se modificar durante o tempo. Entretanto, os nomes das espécies eram quase uma descrição das características principais da espécie, o que tornava este método extremamente difícil de ser utilizado (por exemplo "Rosa sylvestris inodora seu canina") , Lineu simplificou enormemente os métodos utilizados até aquela data, através da utilização sistemática do modelo binomial, limitando a duas palavras a descrição de cada espécie (no exemplo "Rosa Canina").
Jonathan Weiner escreve que Lineu "dividiu a vida na terra em reinos, os reinos em classes, as classes em ordens, as ordens em gêneros e os gêneros em espécies", formando um sistema tão útil e simples que logo todos os naturalistas ocidentais passaram a adotá-lo. "O sistema de Lineu costuma ser desenhado como uma árvore da vida. O tronco se divide próximo à base para formar reinos, e cada grande tronco toma a se dividir várias vezes, em ramos e galhos cada vez mais delgados, em espécies, subespécies, raças, variedades e, finalmente, como folhas nos galhos, em indivíduos" .
O sistema de Lineu estabelecia o relacionamento entre as espécies, onde cada uma, distante ou próxima, tem como ancestral a raiz da árvore, comum a todos. Entretanto, a visão de Lineu era diferente, e ele não via a ancestralidade comum. Sua árvore representava o mapa, os locais aonde encontrar as espécies, que eram fixas e imutáveis, criadas conforme o desejo do Deus do Gêneses. A árvore, na filosofia de Lineu, era mais como um armário cheio de prateleiras. Algumas das prateleiras eram dedicadas às camisas por exemplo, se dividindo entre as camisas de pano e de malha, e dentro desta prateleira uma nova divisão indicava camisa de malha com gola polo e camisa de malha com gola em U. Outra prateleira (ou reino, classe, ordem, família, espécie, etc...) dedicada às meias, e estas divididas em curtas ou longas, brancas ou pretas, e assim por diante. Meias não se tornam camisas, nem espécies evoluem. A árvore de Lineu sustentava estas prateleiras, onde as espécies eram colocadas. Weiner acrescenta:
[...] os milhares de relações e semelhanças familiares que usou para ordenar a natureza não representavam nada parecido com uma genealogia de descendentes. Mais exatamente, representavam o plano de Deus, que criou as espécies numa Única semana, como descrevem as primeiras páginas da Biblia hebraica:
"E Deus criou as grandes baleias . -. e cada ave conforme a sua espécie:e Deus viu que isso era bom."
A Taxonomia, ciência de classificação de organismos vivos, fundada por Lineu, tem como propósito organizar um quadro de referência da diversidade da vida. Ernst Mayr aponta os principais objetivos da taxonomia como sendo "servir como base de generalizações biológicas em todos os tipos de estudos comparativos" e também "servir como uma chave para um sistema de armazenamento de informações".
Lineu, sozinho, estabeleceu as diferenças e deu os nomes a 9000 plantas, 828 conchas, 2100 insetos e 477 peixes. Ele coletou diversas espécies por toda Europa e quanto mais ficava conhecido nesta área, mais alunos e colegas lhe mandavam enormes carregamentos com espécimes para serem classificados. A teologia natural de Lineu, cujo trabalho era voltado para "a maior glória de Deus", iniciou a desmoronar quando as espécies começaram a não parecer mais tão fixas quanto pareciam quando haviam poucos espécimes catalogados. Algumas das espécies catalogadas por Lineu como variedades claramente não eram do mesmo tipo. A variação estava se forçando sobre os naturalistas.
A geologia revolucionou o pensamento no começo do século XIX. Seus efeitos se espalharam para muito além da comunidade científica, destruindo verdades estabelecidas e forçando as pessoas comuns a compreender que eles, e tudo que eles pensavam sobre o tempo e a história, eram meros blips nos inimagináveis milhões de anos da existência da terra. Colocados frente a frente com estas imensidades, muitos acharam sua fé religiosa se esvair. Estimativas ortodoxas baseadas na bíblia, tais como a do Arcebispo Ussher, que fixou a data de criação do mundo em 23 de outubro de 4004 antes de cristo, agora pareciam ridiculamente inadequadas. "Se pelo menos os geólogos me deixassem em paz, eu estaria muito bem", lamentava John Ruskin, em 1851, "mas aqueles horríveis martelos! Eu escuto eles clicando ao término de cada cadência dos versos da Bíblia" . O manifesto da nova ciência foi o livro de Lyell.
Sir Charles Lyell nasceu no final do século XVIII (1797) e foi consagrado lorde por realizações científicas em 1848, tornando-se nobre poucos anos mais tarde. Filho mais velho de uma família de 10 filhos, aos 19 anos Lyell entrou na Universidade de Oxford, onde seus interesses estavam concentrados em matemática, estudos clássicos, direito e geologia. Iniciou sua carreira como advogado, sendo um geólogo amador no princípio. Ao longo do tempo, graças a estudos e experiência, se tornou um expert em Geologia e largou completamente o direito .
Na época em que Lyell publicou seu principal livro, Princípios de Geologia , publicado 12 vezes sob sua revisão, a teoria predominante para explicação dos fatos geológicos se baseava em uma interpretação literal do Gênesis, em que as catástrofes enviadas por Deus (como o dilúvio, por exemplo) seriam responsáveis por moldar a Terra como ela se encontra hoje, com montanhas, vales, continentes, oceanos, etc... Lyell, através de estudos profundos e observações por todo o mundo, se rebelou contra esta visão catastrofista propondo uma escala de tempo bastante vasta para a história do planeta, que seria grande o suficiente para que as lentas mudanças que observamos hoje, provocadas pelos mares, rios, vulcões, terremotos, pela chuva e pelo vento, dessem conta das grandes variações geológicas. Da mesma forma, ampliando o horizonte de tempo, propondo o tempo profundo para a história da terra, passou a explicar a existência dos fósseis das espécies extintas. Darwin é citado dizendo, com referência ao tempo profundo, "O maior mérito dos Princípios era que alterou o tom inteiro da mente das pessoas, e que, mesmo ao ver uma coisa nunca vista por Lyell, foi visto através de seus olhos ".
Este novo conceito foi chamado de uniformitarismo. Causas uniformes, não diferentes daquelas que observamos durante nosso curto intervalo de observação, quando atuantes por períodos longos o suficiente, levam a enormes modificações.
A grande contribuição de Lyell foi introduzir a idéia de que as mesmas forças que atuam no presente podem ter atuado no passado, através de longo espaço de tempo, para definir as formas da Terra, de maneira cíclica. Até o livro de Lyell, as grandes catástrofes eram necessárias para explicar as montanhas, vales e planícies, para explicar todos os acidentes geográficos do mundo. A forma com que a terra se encontra no presente, até 1830, era função de dilúvios sobrenaturais com que Deus punira a humanidade do passado, ou de grandes cataclismas, grandes catástrofes de proporções gigantescas com força suficiente para levantar e baixar montanhas, ceifar continentes e alterar o curso de rios. Lyell ligou as forças do presente às formas do passado.
Stephen J. Gould descreve estas duas posturas com relação ao tempo de seta do tempo contra o ciclo do tempo. A seta representa a história, onde os eventos passados, único e impossíveis de serem repetidos da mesma forma e intensidade, determinam os eventos futuros, enquanto o ciclo representa uma série de repetições uniformes, conforme defendido por Lyell. Gould escreve :
Em um dos extremos da dicotomia - que chamarei seta do tempo -, a história é uma seqüência irreversível de eventos que não se repetem. Cada momento ocupa sua posição distinta numa série temporal, e o conjunto desses momentos, considerados na seqüência apropriada, narra urna história de acontecimentos que se ligam uns aos outros e se movem numa direção definida.
No outro extremo - que chamarei de ciclo do tempo -, os eventos não têm sentido enquanto episódios distintos e com impacto causal sobre uma história contingente. Os estados fundamentais são imanentes no tempo: sempre presentes e jamais se modificando. Movimentos aparentes são partes de ciclos que se repetem, essas diferenças do passado serão as realidades do futuro. O tempo não tem direção.
O Princípios de Geologia de Lyell foi um dos livros que Darwin levou consigo em sua volta ao mundo a bordo do Beagle. Em suas viagens, Darwin teve a oportunidade de observar a diversidade das espécies em vários locais, assim como deve ter começado a pensar nas aplicações dos princípios de Lyell nas ciências naturais, em particular na biologia. Se mudanças muito pequenas, atuando ao longo de enormes períodos de tempo, alteravam a topografia, podiam levantar e derrubar montanhas, criar ilhas, gerar continentes, colocar planícies onde haviam altas cadeias de montanha, o que faria com as espécies?
O uniformitarismo foi proposto por Lyell dentro de um contexto geológico, mas muito de seus princípios e atitudes foram adotados por Charles Darwin em sua teoria da evolução através da seleção natural.
Thomas Malthus publicou um ensaio sobre os princípios da população em 1798, em que afirmava "a população, quando não contida, aumenta a taxas geométricas" e que, como a comida necessária para a manutenção da vida é limitada, a população deveria ser sistematicamente eliminada, de forma a manter a igualdade entre número de indivíduos na população e comida disponível.
Malthus levantava questões bastante inovadoras sobre as razões pelas quais as sociedades humanas se desenvolvem, através de dois postulados: Primeiro, que o alimento é necessário para a existência do homem, e segundo que a paixão entre os sexos é necessária, e que permaneceria praticamente constante conforme existia na época. Baseando-se nestes postulados, e na tecnologia do século XVIII, Malthus observou que a oferta de comida cresce em proporção aritmética, enquanto a população – caso não restrita – cresce de forma geométrica.
Ao contrário do que geralmente foi interpretado pelos estudiosos posteriores, e que ficou conhecido como Malthusianismo, uma teoria que viria a ajudar a manutenção de sistemas sociais absolutamente injustos, Malthus não previa uma catástrofe global, futura, com a miséria e a fome atuando indiscriminadamente. A teoria proposta por Malthus era, ao contrário, uma forma de explicar o funcionamento das populações, seja em crescimento, estagnação ou retração, como uma força dinâmica, que sempre havia atuado de forma a equilibrar as duas forças fundamentais que atuavam sobre a sociedade: a limitação de recursos e a propensão ao aumento do número de pessoas.
Malthus escreveu:
A população, quando não checada, cresce em proporção geométrica. Subsistência aumenta somente em proporção aritmética. Um pequeno conhecimento dos números mostrará a imensidão da força da primeira em comparação com a Segunda.
Pela lei de nossa natureza, que faz a comida necessária para a vida do homem, os efeitos destas duas forças desiguais devem ser mantidos iguais.
Isto implica em uma checagem forte e constante atuante na população, dada a dificuldade de subsistência. Esta dificuldade deve recair sobre algo e deve necessariamente ser sentida por uma grande parcela da humanidade.
Através dos reinos animal e vegetal, a natureza espalhou as sementes da vida com a mão mais profusa e liberal. Ela tem sido comparativamente reservada em prover espaço e os nutrientes necessários para cultivá-las. Os germes da existência contidos neste espaço de terra, com bastante comida e bastante espaço para expandir-se, encheriam milhões de mundos no curso de poucos milhares de anos. A necessidade, [...], os restringe dentro das fronteiras prescritas. A raça das plantas e a raça dos animais encolhem sob esta grande lei restritiva. [...] Entre as plantas e os animais, seus efeitos são o desperdício de sementes, doença e morte prematura.[...]
As principais contribuições de Malthus foram a constatação da impossibilidade de crescimento infinito das populações, a atribuição de uma força para a checagem dos indivíduos e a observação de que, quando esta força age no sentido de reduzir a população, atua sobre os mais desafortunados. Malthus escreveu que "quando existe diferenças de condições ... a perturbação oriunda da escassez de provisões deve cair mais pesadamente sobre os menos afortunados membros da sociedade". O crescimento da espécie humana somente pode ser comensurável ao crescimento dos meios de subsistência através da atuação constante da forte lei da necessidade. Segundo Malthus, entre as plantas e animais, a visão deste assunto é simples "Eles estão todos impelidos por um poderoso instinto a aumentar suas espécies, e este instinto não é interrompido pela razão ou por dúvidas sobre gerar descendentes. Onde existe liberdade, o poder de crescimento é exercido, e os seus efeitos super abundantes são reprimidos posteriormente pelo desejo de espaço e nutrientes, o qual é comum a animais e plantas, e entre os animais por se tornarem presas de outros".
Que as populações não podem crescer sem os meios de subsistência, é evidente. O que foi proposto foi a forma pela qual este equilíbrio é mantido, através da checagem de parcelas da população, e sugere dois tipos de controles populacionais para manter a relação entre recursos disponíveis e números de consumidores destes recursos: a checagem positiva, que efetivamente retira indivíduos da população, e a checagem preventiva, que atua no sentido de diminuir a expansão do número de indivíduos, antes destes indivíduos serem gerados.
A checagem positiva atuaria através da fome, das doenças, das guerras, da miséria, enfim, das causas que geram morte prematura. Na luta pela existência "a morte é a punição pela derrota, e a vida o prêmio pela vitória". Segundo Malthus, "O poder [de crescimento da] população é tão superior ao poder de produção de subsistência, que a morte prematura deve, de uma forma ou de outra, visitar a raça humana". A checagem positiva, principalmente através da fome, doenças, pragas, tem atuado sobre as populações humanas em todas as eras, e em todos os locais onde o homem existiu, ou existe hoje. A checagem positiva da população, à qual ele definia como a checagem que reprime um crescimento já iniciado, é confinada "às mais baixas ordem da sociedade". Malthus ainda escreve que "Os diferentes modos que a natureza toma para prevenir, ou reprimir, [o crescimento contínuo das populações] não parecem claros e regulares mas, embora não possamos predizer o modo, podemos predizer o fato. Se a proporção de nascimentos em relação aos óbitos indicar um aumento nos números [da população] maior do que [o acréscimo na] produção do país podemos estar perfeitamente certos de que, se não ocorrer uma emigração, as mortes brevemente superarão os nascimentos, e que o crescimento ocorrido antes não pode ser o crescimento médio real da população. "
Atuando de forma pouco diferente, a checagem preventiva diminui a taxa de crescimento da população, ou ainda faz a população regredir, antes de que as dificuldades sejam sentidas pela coletividade. Malthus reconhece que, quando os indivíduos acreditam que o período de dificuldades em atender às necessidades da família serão prolongados, teremos como conseqüência menos casamentos e também um crescimento do número de solteiros de ambos os sexos.
Por causa da melhoria das condições de vida no século XVIII proporcionadas pela ciência, havia a opinião geral de que, eventualmente, o homem chegaria a um estado perfeito, imortal, e possivelmente escaparia de sua dependência de alimentos, fazendo com que o crescimento da população humana pudesse ser completamente livre. Malthus defende seu ponto de vista, da necessidade intrínseca de um processo de controle populacional, rebatendo a tese de que haveriam melhorias contínuas e infinitas no sentido da perfeição da espécie humana, e durante a defesa de seu ponto de vista, levanta questões profundas, que seriam utilizadas por Darwin anos mais tarde. Malthus descreve que os criadores de gado admitiam que pode-se melhorar as crias conforme se queira, e que os descendentes de gerações sucessivas selecionados pelos criadores teriam as qualidades desejadas em um grau cada vez maior. "A capacidade de melhorias nas plantas e animais, até um certo grau, ninguém pode duvidar. [...] Também não parece ser de forma alguma impossível que através de uma atenção na reprodução, um certo grau de melhoria, similar aquele dentre animais, também possa ocorrer entre os homens. [...] Tamanho, força, beleza, complexidade, e até longevidade são – em um certo nível – transmissíveis". Em seu ensaio sobre a População, Malthus também comenta que "as dificuldades da vida contribuem para a geração de talentos" e que os esforços que o homem faz para se sustentar, ou sustentar suas famílias, "freqüentemente despertam faculdades que poderiam, de outra forma, ter ficado dormentes para sempre, e é comumente observado que situações novas e extraordinárias geralmente criam mentes adequadas para lidar com as dificuldades nas quais elas estão envolvidas."
A teoria de Malthus foi utilizada de forma extremamente deturpada ao longo dos anos, seja para ilustrar a miopia dos economistas do século XVIII, seja para sustentar a estrutura social injusta do início da revolução industrial.
É verdade que a história provou, em parte, que não existe a necessidade da manutenção da checagem positiva nas sociedades, através da fome e da miséria, e que a checagem preventiva, através do controle de natalidade, aliada ao desenvolvimento tecnológico para a produção de alimentos, que aumentou exponencialmente a produtividade, pode fazer com que exista equilíbrio entre as duas grandes forças de equilíbrio populacional. Entretanto, a observação de Malthus de que não existe sociedade em que o número de indivíduos seja maior do que os recursos disponíveis para sustentá-los, é auto evidente. A relação entre aumento de população de forma geométrica e aumento de produção de alimentos de forma aritmética é que foi derrubada pela humanidade através do aumento da produtividade e diminuição da taxa de reprodução. Esta relação, muito utilizada pelos professores para demonstrar como a utilização da capacidade de raciocínio pode ser míope perante as realizações do ser humano, não é o fundamento da proposta de Malthus, que se baseia no equilíbrio entre tamanho da população e recursos disponíveis, gerando como conseqüência a checagem de indivíduos das classes mais desfavorecidas.
No início da revolução industrial, também, utilizou-se maliciosamente a retórica Malthusiana para manter sob condições absolutamente desumanas os trabalhadores, alegando-se que a "checagem positiva" era necessária para que o sistema social funcionasse. Malthus, ao contrário, acreditava que poderia se reverter o quadro de miséria social através do trabalho e do controle de natalidade, como se pode perceber através da seguinte passagem:
Se eu diminuir a quantidade de comida consumida em minha casa e der a ele [ao homem pobre] a comida que economizar, eu então o beneficio, sem prejudicar a ninguém mais, a não ser a mim e à minha família, que, talvez, possam suportar isso bem facilmente. Se eu pegar um pedaço de terra não cultivada, e der para ele produzir, eu então beneficio tanto a ele como a todos os membros da sociedade, porque o que ele antes consumia é jogado no mercado comum, e provavelmente também algo de sua nova produção. Entretanto, se eu somente der-lhe dinheiro, supondo que a produção do país continuará a mesma, eu dou a ele o direito a um pedaço desta produção maior do que ele recebia antes, parcela esta que ele não pode receber sem diminuir o pedaço dos outros.
De qualquer forma, o trabalho de Malthus inclui os principais tópicos que seriam utilizados por Darwin cinqüenta anos mais tarde. A luta pela sobrevivência em função da limitação dos recursos disponíveis e a checagem seletiva dos menos adaptados. Foi na história natural que as idéias de Malthus mais se encaixaram e mais proporcionaram o desenvolvimento da teoria da evolução. Enquanto na área da estrutura social humana a teoria de Malthus mais se afastava da realidade, pois os homens introduzem novos meios de produção de alimentos, novas técnicas de redução de custos e distribuição de renda, novas idéias quanto à própria reprodução e tamanho da prole, no mundo dos demais seres vivos estes benefícios não foram introduzidos, e a sobrevivência de alguns implicava inevitavelmente na morte de outros. Como seriam estes seres que sobreviviam? Seriam diferentes dos que morriam mais cedo? Deixavam mais descendentes do que aqueles que eram ceifados jovens?
Um mecanismo para explicar as diferenças entre as espécies foi proposto pelo biólogo e botânico francês Jean Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck. Depois de sair do exército francês e de trabalhar em um banco em Paris, Lamarck começou a estudar medicina e botânica. Em 1778 publicou seu livro sobre as plantas da França (Flore Française), que foi muito aclamado. Baseado no sucesso de seu livro, Lamarck foi designado como botânico assistente, no jardim botânico real. Quando o jardim real foi reorganizado como Musée National d'Histoire Naturelle, Lamarck foi nomeado como professor de história natural de insetos e vermes (ou seja, todos os invertebrados). Seus trabalhos com invertebrados representam um grande avanço sobre as classificações existentes. Na verdade, até a época de Lamarck, poucos zoólogos se importavam com os animais invertebrados. Lamarck fez mudanças no sistema de classificação de Lineu e de outros autores, de tal forma que os gêneros de invertebrados pudessem ser organizados mais fielmente com as observações das estruturas e órgãos das espécies. Lamarck propôs em 1794, durante seu primeiro ano no Museu, a divisão dos animais em dois grupos perfeitamente distintos "vertebrados" e "invertebrados". Dentre os invertebrados, criou primeiramente cinco classes, os moluscos, insetos, vermes, echinodermes e polyps. Posteriormente, renomeou os echinodermes em radiata (de distribuição radial), criou a classe dos crustáceos e aracnídeos, separando-os dos insetos, e criou a classe dos anelídeos e em 1807 criou uma nova classe, os infusorianos. Os trabalhos de classificação de Lamarck foram baseados nos estudos das estruturas orgânicas dos animais, e a criação de novas classes se baseava nas novas informações sobre as espécies de invertebrados. Conforme escreveu Lamarck ".. lidando com cada uma destas classes, revelarei que constituem divisões necessárias, porque são baseadas na consideração das estruturas orgânicas ..."
Durante sua vida, seus trabalhos nunca foram populares e ele nunca recebeu o prestígio ou o respeito de seus colegas. Seus principais trabalhos foram Philosophie zoologique (1809) – no qual ele postulava que caracteres adquiridos poderiam ser herdados por gerações futuras – e Histoire des animaux sans vertèbres .
Lamarck, que realizou um excelente trabalho em biologia, um termo que ele inventou, é lembrado hoje principalmente como o proponente de um sistema de hereditariedade de caracteres adquiridos. Lamarck foi, entretanto, o primeiro a enfatizar a base dinâmica evolucionária para toda a forma de vida, e a insistir que os sistemas rígidos de classificação, mantidos por aqueles que defendiam que as espécies eram fixas, necessitava ser mudado.
A teoria de evolução proposta por Lamarck sugeria duas leis básicas, a primeira, que o uso ou desuso de uma estrutura faria com que ela crescesse ou encolhesse, e a segunda, afirmava que tais mudanças seriam hereditárias. A lei do uso ou desuso, a primeira lei, propunha que "O uso freqüente e contínuo de um órgão o desenvolve pouco a pouco, diretamente proporcional a seu emprego. A falta de uso debilita o órgão gradualmente e acaba por fazê-lo desaparecer", enquanto lei da herança dos caracteres adquiridos, a segunda lei, propunha que "Tudo que a natureza faz adquirir ou perder, pelas circunstâncias do uso ou do não uso, se transmite através da reprodução, sempre que as mudanças adquiridas sejam comuns a ambos os sexos". O resultado destas leis era a contínua e gradual mudança em todos os organismos, criada pela interação com o meio ambiente.
Ao contrário de uma reação passiva às mudanças ambientais, Lamarck acreditava que uma mudança no meio ambiente causaria um mudança nas necessidades do organismo, que causaria mudanças em seu comportamento. Tais mudanças no comportamento levariam a uma maior ou menor utilização de uma estrutura, ou órgão, que levariam esta estrutura a crescer ou diminuir, ao longo das gerações.
Embora o mecanismo proposto por Lamarck como causador da evolução das espécies fosse bastante diferente daquele que seria proposto por Darwin anos mais tarde, os resultados eram praticamente os mesmos, mudanças das características do indivíduo (e espécies) às condições que melhor se adaptam ao ambiente, através de longos períodos de tempo. Ao contrário da teoria de evolução moderna, na qual o processo evolutivo é basicamente guiado pelo acaso, Lamarck acreditava que o processo evolutivo teria uma direção no sentido do aumento da complexidade das estruturas. Lamarck escreveu "... demonstrarei que a natureza, com a ajuda de um grande espaço de tempo, dá origem à existência de todas as plantas e animais e tem estabelecido em cada um destes reinos uma verdadeira escada com respeito à crescente complexidade na estrutura orgânica destes seres vivos, ..."
Charles Darwin, Lyell e outros evolucionistas reconheciam Lamarck como um grande Zoólogo, assim como o precursor da evolução. Darwin escreveu: "Lamarck foi o primeiro homem cujas conclusões neste assunto excitaram muita atenção. Este naturalista, justamente celebrado, publicou seus pontos de vista em 1801 ... ele foi o primeiro a fazer o eminente serviço de levantar a atenção para a probabilidade de todas as mudanças no mundo orgânico, assim como no mundo inorgânico, serem resultado de leis, e não de interposições miraculosas ". Lamarck proferia durante uma de suas palestras em 1803:
...então não percebemos que pela ação das leis de organização...a natureza tem, em tempos, locais e climas favoráveis, multiplicado seus primeiros germes de animalidade, dado lugar ao desenvolvimento de suas organizações ... e aumentado a diversidade de seus órgãos? Depois ... ajudado por bastante tempo e por uma lenta porém constante diversidade de circunstâncias, ela gradualmente trouxe o estado de coisas que ora observamos. Quão grandiosa é esta consideração, e quão especialmente remota é daquilo que é geralmente pensado sobre este assunto!"
Lamarck, que morreu no ano em que Darwin embarcou no Beagle, bastante pobre, havia proposto uma teoria extremamente revolucionária de origem de espécies através do uso e desuso. Sua teoria foi bastante explicativa por quase meio século antes de Darwin, com argumentos fortes tais quais: "Quanto mais a girafa estica o pescoço para alcançar as folhas mais tenras, maior ficará este pescoço nas gerações subsequentes".
Professores mal treinados, e absolutamente sem espírito crítico, fazem galhofa da obra de Lamarck, hoje ofuscada e tornada obsoleta pela Origem das espécies de Darwin (publicada em 1845, vários anos após Lamarck), a genética e a biologia molecular. Estes professores não se lembram – ou não sabem – que a teoria de Lamarck foi extremamente explicativa em um tempo onde todas as criaturas haviam sido criadas pela intervenção divina, para uso e prazer do homem. Lamarck propôs pela primeira vez, consistentemente, que as espécies não são grupos estáticos de seres, mas que se encontram em constante evolução para se adaptar às condições de vida no ambiente em que se encontram.
Quando Darwin publicou sua Origem das Espécies, baseou parte de sua teoria na obra de Lamarck. A teoria de Darwin sobreviveu, e a de Lamarck não, porque dentro da elegância de explicar a diversidade da vida, Darwin propôs mecanismos simples dentro de uma argumentação extremamente sólida e baseada em inúmeras experiências e observações, coletadas durante vários anos.
Charles Robert Darwin nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, em 1809. Filho de um médico local, Dr. Robert Darwin, Charles nasceu em uma família moderadamente abastada. Seu avô, Erasmus, também era médico e havia proposto a evolução das espécies em 1790. Aos dezoito anos Charles foi enviado à Universidade de Edinburgh para seguir a tradição da família e se tornar médico. Como ele não podia suportar ver doenças, muito menos sangue, decidiu que sua carreira como médico não seria das mais brilhantes, e aos 29 anos mudou-se para a Faculdade de Christo em Cambridge para estudar teologia, onde desenvolveu uma grande amizade com John Henslow, professor de botânica, com quem sempre discutia o mundo natural. Henslow recomendou Darwin como cientista de bordo ao capitão Robert Fitzroy do navio HMS Beagle, que partiria da Inglaterra com o objetivo de mapear a costa da América do Sul. O navio de sua majestade, Beagle, saiu de Devemport, no final de 1931, e Darwin passou aproximadamente cinco anos a bordo, estudando as relações entre a geologia, a fauna e a flora de todos os locais pelos quais o Beagle passou. Em 1939 Charles Darwin casou com sua prima Emma Wedgewood, com quem teve sete filhos. Nesta época, alguns estudiosos já estavam sugerindo a evolução. Entretanto, por causa de falta de evidências aceitáveis, e por ser uma idéia contra os ensinamentos do Gêneses, esta linha de pensamento não encontrava suporte.
A partir de 1842, Darwin passou seu tempo trabalhando em seu jardim e criando pombos e se dedicando a seu principal trabalho, "Origem das espécies através da seleção natural", que seria publicado em 1859 .A pesquisa de Darwin mostrava que espécies podem se modificar em diferentes aspectos e que os indivíduos "que sobrevivem na competição pela existência, serão as que continuarão a produzir a próxima geração" . Suas idéias revolucionárias sobre a evolução lançaram luz sobre muitas questões não respondidas que a comunidade científica tinha sobre o assunto no século dezenove . Até Darwin, a maioria das universidades, governos e igrejas estabelecidas na Europa Ocidental e nas Américas, reconheciam a validade do cristianismo e da Bíblia. Desde esta época, os princípios do cristianismo têm sido substituídos pelos princípios do humanismo nas mesmas instituições .
Como naturalista à bordo do Beagle, Darwin estudava as formações geológicas, consultando freqüentemente o "Princípios de Geologia" de Lyell, como ele mesmo escreve: "Estudei e consultei por diversas vezes os ´ Princípios de Geologia ´ de Lyell, que me foram de suma utilidade.[...] provou-me patente a superioridade do sistema geológico de Lyell quanto aos preconizados por outros autores". Também colecionou e dissecou todo o tipo de animais, descrevendo-os sucintamente. Foi através de seus diários, que descrevia em minúcias tudo o que observava, que Darwin publicou suas primeiras obras. Estes trabalhos foram condensados em "A Viagem do Beagle", livro em que descreve esta viagem que seria a mais importante de sua vida.
Darwin "através do acúmulo paciente e refletido de todos os tipos de dados" fez uma compilação científica dos dados obtidos durante sua viagem com o Beagle e com experiências posteriores e dados cuidadosamente acumulados no período até 1859.Na época de Darwin, já era concebível que "um naturalista, refletindo sobre as mútuas afinidades dos seres orgânicos, em suas relações embriológicas, sua distribuição geográfica, a sucessão geológica, e outros fatos, chegue à conclusão que cada espécie não foi criada independentemente, mas que descende, como variedade, de outras espécies". Darwin sustenta ainda que a origem das espécies, mesmo que bem fundada, seria insatisfatória se não pudesse mostrar como as inúmeras espécies foram modificadas para adquirir a perfeição das estruturas e co-adaptações.
Darwin não estava preocupado, ou pelo menos não tinha o conhecimento suficiente para opinar, sobre por que surgiam variações entre animais de uma mesma espécie. Na falta de melhor explicação, Darwin aceitou as idéias de Lamark, que de alguma forma o meio influenciaria, hereditariamente, as caracterísitcas dos animais. Na verdade, isso não era importante. O importante é que as variações existissem. Quanto à ação direta de condições externas, quanto clima, alimentação, etc... sobre os indivíduos, segundo proposto por Lamarck como sendo a causa da diversidade das espécies, Darwin aponta o fato de que estas características poderiam explicar como as espécies variam, porém seria insuficiente para explicar o inter-relacionamento entre elas.
O aparecimento expontâneo de uma espécie a partir de outras também é descartado por Darwin pela mesma razão. Na época, havia a hipótese de que uma espécie pudesse surgir completamente pronta e formada, como uma macro-mutação, a partir de outra previamente existente. Segundo esta hipótese, um elefante podia, um dia, parir um rinoceronte, e a partir deste, uma nova espécie surgia.No começo de suas observações, tentando buscar soluções sobre o problema das modificações e coadaptações, Darwin, assim como Lamarck, analisa as plantas cultivadas e os animais domésticos. Ele demonstra, através de uma enorme quantidade de dados compilados de criadores e de suas próprias experiências, que uma grande quantidade de modificações hereditárias são possíveis e que "igualmente importante ... quão grande é o poder do homem em acumular através de seleções sucessivas, pequenas variações".
Darwin aponta a existência de variedades nas espécies domésticas, representando várias raças, ou sub-espécies. Os cães domésticos, quer sejam bulldogs, pastores alemães ou poodles, formam uma mesma espécie, mesmo que morfologicamente este sejam muito diferentes. Darwin analisou, em especial, as variedades em pombos, e apresenta uma grande quantidade de observações quanto aos tipos de pombos domésticos criados em cativeiro. Ele sustenta que as variações em função do meio, ou do hábito, devem ter um papel menor quando comparado com as variações hereditárias.
"Quando todos, ou quase todos indivíduos, são expostos a certas condições são afetados da mesma forma e as mudanças que ocorrem aparentam ser diretamente decorrentes de tais condições. Entretanto, em certas situações, pode ser demonstrado que indivíduos expostos a condições opostas, produzem as mesmas diferenças em suas estruturas. Desta forma, uma pequena quantidade de mudanças pode ser atribuída à ação direta do ambiente, mas a maioria se deve à hereditariedade."
Na época de Darwin, não havia a biologia molecular, genética, muito menos estudos de embriogênese. Darwin não sabia explicar quais leis regulavam esta variação (da mesma forma como até hoje não conseguimos explicar os detalhes da genética e da embriogênese), mas atribuía um grande peso àquilo que ele chamou de correlação de crescimento.
"Qualquer mudança no embrião, ou na larva, produzirá mudanças no animal adulto. Assim sendo, se o homem continua selecionando uma peculiaridade qualquer, é quase certo que irá modificar, inconscientemente, outras características, e isso se deve às misteriosas leis de correlação de crescimento."
Os resultados destas diversas (e desconhecidas) leis de variação eram então infinitamente complexos e diversificados. Entretanto, Darwin tentava propor um mecanismo que atuava sobre as modificações, a Seleção Natural, como ferramenta da evolução, então o que era realmente importante, não eram os mecanismos através do qual as variações se impunham, mas somente o fato delas existirem. Existindo variação, seria suficiente para promover matéria-prima para a seleção, e consequentemente para a evolução gradualista.
Um dos argumentos mais poderosos em sua teoria se refere à dificuldade de separar variedades de plantas e animais domésticos das espécies. Os criacionistas da época vitoriana (e alguns criacionistas de hoje ainda professam esta crença, apesar das inumeráveis evidências) acreditavam, segundo o mito de criação cristão, que Deus havia criado todas as espécies fixas e imutáveis, e que as diferenças que eram observadas entre um tipo e outro seriam meras variações ao redor das espécies fundamentais. Darwin sustentava que as variações são "pré-espécies" ou espécies que ainda não se diferenciaram plenamente da espécie "mãe". Ele escreve:
"Penso que deve ser admitido que dificilmente existe qualquer raça doméstica, tanto entre os animais como as plantas, que não tenha sida classificada por algum juiz competente como mera variedade, e por outro como descendente de espécie selvagem distinta".
Mas também as variedades de pombos, cachorros, ovelhas, plantas cultivadas, e todas as demais espécies domesticadas, poderiam ser espécies diferentes, retiradas de seu estado selvagem diretamente para serem domesticadas. Darwin aponta vários exemplos de variedades que comprovadamente haviam surgido como decorrência do cruzamento entre pares escolhidos cuidadosamente, e da seleção, consciente ou não, de seus criadores. O homem atua sobre as variações encontradas entre os indivíduos das espécies que ele cria, escolhendo os melhores "reprodutores", segundo as características por ele determinada e, repetindo o processo a cada geração, soma estas características, e no final existe uma variação bastante diferente da espécie original.
Darwin, depois de verificar as produções do homem, passa a analisar a variação das espécies na natureza, fazendo analogias às evidências encontradas com a seleção artificial executada pelo homem. Será que existe variação ente as espécies em estado natural? Nenhuma classificação das espécies satisfaz os naturalistas. Darwin aponta para o fato de que pequenas diferenças podem ser chamadas de diferenças individuais, e que "ninguém admite que todos os indivíduos da mesma espécie foram feitos do mesmo molde". Estas diferenças são extremamente importantes, porque elas fornecem material para a seleção natural. Darwin coletou muitos dados demonstrando que estas diferenças individuais existiam, não somente em características menores (como tamanho) mas em características importantes (como órgãos e estruturas). Então, para determinar se um indivíduo pertence a uma espécie ou a uma variedade, somente a opinião de um naturalista vale como critério, uma vez que não existe consenso sobre o que é espécie e o que é variedade. Darwin propõe, então, que na verdade variedades e espécies são somente visões de estágios evolutivos diferenciados, e também propõe um mecanismo que atuaria sobre os indivíduos para fazer a seleção, da mesma forma com que os criadores selecionam suas criações.
Atribuo a passagem de uma variedade, de um estado em que difere muito pouco de seus ancestrais para um estado em que difere mais, à ação da seleção natural, acumulando diferenças de estrutura em certas direções definidas. Então acredito que uma variedade bem definida como uma espécie incipiente, mas se tal crença é justificável, o julgamento deve ser feito pelo peso geral dos fatos e pontos de vistas apresentados neste trabalho.
Para explicar o mecanismo que conduz à seleção dos indivíduos, Darwin afirma, baseado na teoria de Malthus, que existe luta pela sobrevivência e que, pelo forte princípio da hereditariedade, qualquer variedade selecionada tenderá a propagar sua forma nova e modificada. Darwin utiliza o termo Luta pela Existência em um sentido amplo e metafórico, que inclui a dependência de um ser no outro e, "o que é mais importante, não somente a vida do indivíduo mas o sucesso em deixar uma prole". A luta pela existência surge da alta taxa com que os seres orgânicos tendem a crescer e do fato dos recursos serem limitados (espaço, comida, parceiros sexuais, etc...). Darwin acrescenta que o que uma trama complexa de causas, impossíveis de serem determinadas com exatidão, fazem esta "checagem", entre as quais a fome, as pestes, a predação por outras espécies, o clima, etc.... Darwin, muito cuidadoso antes de fazer qualquer observação, apresenta resultados experimentais conduzidos por ele mesmo comprovando que a luta pela existência, sustentada por Malthus para as sociedades humanas, também existia na natureza:
... um pedaço de terra de três pés por quatro ... marquei todas as sementes de nossa ervas daninhas nativas, enquanto elas cresciam, e de 357, não menos que 295 foram destruídas, principalmente por lesmas e insetos. Se a relva que é ceifada há muito tempo, e o caso seria o mesmo com relva de pasto ..., seja deixada crescer, as plantas mais vigorosas matam gradualmente as menos vigorosas... assim, de vinte espécies que crescem em um pequeno enredo de relva (três pés por quatro) nove espécies pereceram e as outras cresceram livremente.
Darwin ainda aponta como mais complexa e inesperada, a seleção que ocorre nas relações entre seres orgânicos, que lutam juntas em um mesmo território. Uma das primeiras referências a sistemas ecológicos, em que várias espécies convivendo em uma mesma região interfere uma com a outra, alterando brutalmente o desenvolvimento de cada uma. Com exemplo, ele cita uma área que foi cercada, e plantada, conforme se segue:
A mudança na vegetação nativa da parte plantada do brejo era muito notável,...: não só foram mudados completamente os números proporcionais das plantas nativas, mas doze espécies de plantas (não contando gramas e carices) que não eram achadas no brejo, floresceram nas plantações. O efeito nos insetos ainda deveria ter sido maior, pois seis pássaros insetívoros eram muito comuns nas plantações e não eram vistos no brejo; e o brejo já era freqüentado por dois ou três pássaros insetívoros distintos. Aqui nós vemos quão potente foi o efeito da introdução de uma única árvore, nada mais alterado, com a exceção que a terra tinha sido cercada, de forma que gado não pôde entrar.
... Em uma jarda quadrada, a um ponto algumas centenas de jardas distante de um das aglomerações velhas, eu contei trinta e duas pequenas árvores; e uma delas, julgando pelos anéis de crescimento, tido durante vinte e seis anos tentado elevar sua cabeça sobre os talos do brejo, e tinha falhado. Não é de se espantar que, assim que a terra fosse cercada, ficou densamente coberta de árvores de crescimento vigoroso.
Mas Darwin então escreve que a luta, quase invariavelmente, será mais severa entre indivíduos da mesma espécie, porque eles freqüentam os mesmos locais, precisam da mesma comida, e são expostos aos mesmos perigos. A luta em as variedades de uma mesma espécie será em geral igualmente severa, e o conflito às vezes será rapidamente decidido. "Quando refletimos nesta luta, podemos nos consolar com a crença de que a guerra da natureza não é incessante, que não se sente medo, que a morte é geralmente rápida, e que o vigoroso, o saudável e o feliz sobrevive e se multiplica".
Mas Darwin então escreve que a luta, quase invariavelmente, será mais severa entre indivíduos da mesma espécie, porque eles freqüentam os mesmos locais, precisam da mesma comida, e são expostos aos mesmos perigos. A luta em as variedades de uma mesma espécie será em geral igualmente severa, e o conflito às vezes será rapidamente decidido. "Quando refletimos nesta luta, podemos nos consolar com a crença de que a guerra da natureza não é incessante, que não se sente medo, que a morte é geralmente rápida, e que o vigoroso, o saudável e o feliz sobrevive e se multiplica".
É mais fácil entender o curso da seleção natural, quando utilizamos como exemplo um local passando por alguma mudança, como de clima. O número proporcional de habitantes deste local iria, quase imediatamente, passar por mudanças, e algumas espécies poderiam vir a se extinguir. Caso este lugar tivesse suas fronteiras abertas, certamente novas espécies iriam imigrar, e consequentemente, perturbar seriamente as relações com os habitantes antigos. Caso fosse uma ilha, ou um lugar parcialmente cercado de barreiras, que impedisse a imigração, deveríamos ter nichos, na economia da natureza, que seriam certamente melhor aproveitados, se os habitante originais fossem modificados de alguma maneira. De qualquer maneira, segundo Darwin, qualquer modificação, por mais imperceptível que fosse, que durante as eras aparecesse por acaso, e que em qualquer maneira favorecesse os indivíduos de qualquer espécie, adaptando-os melhor para as condições alteradas, tenderiam a ser preservadas. Mas Darwin não propunha que mudanças extremas favoráveis às espécies, mudanças extremas no clima ou nas condições físicas de um local, ou limitações à imigração, ou qualquer outro fator externo fosse necessário para que as mudanças ocorressem. "Uma vez que todos os habitantes ... estão lutando juntos com forças balanceadas, modificações extremamente pequenas na estrutura ou nos hábitos de um indivíduo geralmente dará uma vantagem sobre os outros e maiores modificações do mesmo tipo iram geralmente aumentar esta vantagem".
A seleção natural está a todo o tempo eliminando as modificações prejudiciais e acumulando as modificações benéficas. Enquanto na seleção artificial, promovida pelo homem, apenas algumas características externas são selecionadas, a natureza pode modificar qualquer característica da espécie, porque o único critério que ela adota é a preservação das modificações que geram alguma vantagem. Também a seleção natural agirá egoisticamente e não se pode dizer que irá manter as alterações de uma espécie para benefício de outra.
Darwin passa então a mostrar a seleção sexual, à qual atribui a diferença entre machos e fêmeas de uma mesma espécie. Na luta pela preservação de suas características, os machos de uma mesma espécie são levados a competir entre si diretamente pela posse das fêmeas (ou vice-versa, em casos menos freqüentes). Da mesma forma, pequenas variações que atraiam mais as fêmeas, ou que venham a demonstrar que os machos são bons partidos (contém características desejáveis a serem passadas para a prole), serão acumuladas pelas fêmeas através da escolha seletivas de seus parceiros.
A seleção sexual era de fundamental importância para Darwin. De que outra forma poderiam ser explicadas características tão pouco a favor da sobrevivência do indivíduo como a cauda do pavão, por exemplo? Um pavão com cauda mais curta certamente teria vantagem na fuga de seus predadores do que o pavão que observamos, com uma plumagem tão bela e colorida que certamente o torna atrativo a todos os seus predadores. Darwin estabelece, então, o princípio da seleção sexual atuando contrariamente à seleção natural. Enquanto a seleção natural retira da população as variedades menos adaptadas, ou aquelas que tenham menor capacidade de deixar descendentes, a seleção sexual atua no sentido inverso, aumentando a descendência daqueles indivíduos que possuem uma característica que seja interessante à fêmea. Seguindo o exemplo, o pavão com o rabo mais colorido e chamativo, talvez tenha pouca chance em escapar desapercebido de um predador, entretanto, apresenta uma chance muito maior de atrair uma fêmea e deixar descendentes. Talvez este pavão dure menos, e chegue mais rápido ao estômago de um predador, mas durante o tempo em que durar, tem mais filhotes do que outro, menos emplumado e chamativo. Ao longo das gerações, haverá predominância daquela variedade que deixou mais descendentes, em detrimento da outra variedade, e em pouco tempo todos os pavões terão rabos coloridos, chamativos e sexualmente atraentes.
Sobre o intercruzamento de indivíduos, Darwin coletou um grande conjunto de dados, demostrando que o cruzamento entre diferentes variedades, ou dentre a mesma variedade de uma outra linhagem, dá vigor e fertilidade à prole e que o intercruzamento dentro de uma mesma linhagem diminui o vigor e a fertilidade da prole. Baseado neste fato, Darwin concluiu que o cruzamento com outro indivíduo é, "mesmo que ocorra após longos intervalos de tempo, indispensável."
Cultivei 233 sementes de repolho de diferentes plantas de diferentes variedades crescendo perto uma das outras, e destas, somente 78 eram de seu tipo verdadeiro, e algumas destas ainda não eram perfeitamente verdadeiras.
Darwin queria demonstrar que o cruzamento entre as variedades, ou indivíduos de uma espécie proveniente de linhagem diferente, poderia ser uma forma de proporcionar a da variabilidade necessária para que ocorresse a seleção natural, assim como também poderia ser o elemento necessário para manter a variabilidade limitada a níveis que garantissem a compatibilidade entre indivíduos – que no final têm de cruzar para se reproduzirem e manter a prole. Para isso, além de recorrer ao sexo (intercruzamento de características de dois indivíduos), Darwin também elenca outras circunstâncias favoráveis à seleção natural.
"Uma grande quantidade de variabilidade herdável e diversificada é favorável [à seleção natural], mas acredito que a mera diferença entre os indivíduos seja suficiente para seu trabalho".
Uma das observações mais importantes feitas por Darwin com respeito às circunstâncias favoráveis à atuação da seleção natural é que, uma população com muitos indivíduos compensa uma menor quantidade de variação em cada indivíduo. O isolamento também é um elemento importante no processo de seleção natural. "Em uma área confinada, ou isolada, ... as condições de vida serão geralmente uniformes, de tal forma que a seleção natural tenderá a modificar todos os indivíduos das espécies variantes por toda a área de uma mesma maneira, em relação às mesmas condições". Os intercruzamentos com outras variedades também é dificultado em condições de isolamento e, mais do que tudo, o isolamento atua mais eficientemente mantendo espécies possivelmente mais adaptadas de imigrarem para aquele local e extinguirem as espécies originais.
"se formos à natureza testar a verdade destas observações e olhar uma pequena área isolada, como uma ilha oceânica, embora o número de espécies achado provavelmente seja pequeno...uma grande proporção destas espécies será endêmica, isto é, foi produzida lá, e em nenhum outro local"
De qualquer forma, o processo de seleção natural proposto por Darwin necessariamente atua extremamente devagar, dependendo da existência de nichos na natureza que poderiam ser melhores ocupados se algumas das espécies originais de um lugar sofressem modificações de algum tipo. "A existência de tais lugares freqüentemente dependerá de mudanças físicas, que geralmente são muito lentas, e na imigração de formas mais bem adaptadas. Mas a ação da seleção natural mais freqüentemente depende de alguns habitantes serem lentamente modificados e a mútua relação dos outros habitantes sendo perturbada".
As espécies mais numerosas teriam mais chances de apresentar, dentro de qualquer período de tempo, variações favoráveis, e as espécies menos numerosas, por apresentarem menor número de variações favoráveis, estariam condenadas à extinção. Darwin escreve, então, que "assim como novas espécies se formam durante o curso do tempo através da seleção natural, outras ficarão cada vez mais raras, e finalmente serão extintas".
Darwin apresenta então o conceito de divergência de caracteres, através do qual os indivíduos descendentes de uma espécie terão sucesso na luta pela existência e procriação tanto quanto melhores se tornem nas variações favoráveis. Continuando este processo de acúmulo de variações favoráveis ao longo das gerações, chegará o momento em que a espécie descendente estará tão diferente da espécie ancestral que só será possível classificá-la como uma espécie nova. Através desta divergência contínua de caracteres, as novas espécies, mesmo que provenientes de uma ou poucas espécies em comum, também apresentariam tanta diferença entre si, que não seriam classificadas como parentes.
Tendo apresentado os conceitos fundamentais de sua teoria, ou seja, a variação entre os indivíduos, a hereditariedade das características e a seleção natural como forma de checagem das características menos favoráveis, Darwin passa a analisar as leis de variação, profundamente desconhecidas no século XIX, que determinam porque uma parte varia no indivíduo quando comparada com a mesma parte nos seus pais. Darwin enumera uma série de possibilidades como causa destas variações, mas, no final, explica que as causas para a variação são irrelevantes, desde que elas existam:
"Quaisquer que sejam as causas para a existência de uma pequena diferença entre as crias e seus pais ... é a constante acumulação, através da seleção natural, de tais diferenças, quando benéficas ao indivíduo, que dá origem às mais importantes mudanças de estrutura, pela qual inúmeros seres na face deste Terra podem competir uns com os outros, e os melhores adaptados sobreviverem"
Se as espécies descendem de outras através de gradações extremamente finas, porque não encontramos inúmeras formas transacionais? Porque na natureza não é tudo confusão, e porque existem as espécies, como nós as vemos, bem definidas? Darwin dedicou grande parte de seu trabalho se antecipando a estas críticas e fornecendo evidências a favor de sua proposição. Outra grande crítica antecipada por Darwin foi com relação ao "argumento do Design", no qual estruturas bastante sofisticadas, maravilhosas em sua perfeição, destinadas a um uso específico (como o sonar dos morcegos, o olho, etc...) poderiam ter sido desenvolvidos a partir de outros órgãos sem um "projeto" específico nesta direção.
Como a seleção natural atua somente no sentido de preservar as modificações favoráveis, cada variante melhor adaptada tenderá, rapidamente, a assumir o lugar e, finalmente, exterminar a variante anterior pior adaptada. Como a espécie original e a variante estarão competindo basicamente pelo mesmo nicho (mais ou menos a mesma alimentação, presas e predadores, etc...), a variante melhor adaptada tenderá a se reproduzir muito mais rápido do que a espécie original. Isso para cada uma das variações sucessivas. Assim sendo, as espécies que observamos hoje, superaram e levaram à extinção não somente suas espécies originais como todas as formas transacionais intermediárias. Darwin ainda sustenta, que a imperfeição do registro geológico dificulta a descoberta de fósseis que ligue as formas atuais a todas as suas espécies anteriores.
"Os registros fósseis são imperfeitos, basicamente, porque as formas orgânicas não habitam a profundeza dos oceanos, e os seus restos permanecem preservados para as eras futuras somente em massas sedimentares espessas e extensas o suficiente para suportar uma enorme quantidade de degradação, e essas massas fossíferas somente podem se acumular onde muito sedimento é depositado no leito raso do oceano, onde lentamente se decompõe"
Darwin sustenta, assim, que onde o leito do oceano é estacionário, ou está se levantando, ou quando pouco sedimento está sendo depositado, ocorrerão brancos na história fóssil, impedindo a descoberta dos fósseis transacionais. De forma análoga, quando descobrimos um fóssil e não descobrimos os intermediários, passamos a achar que é uma espécie completamente desvinculada das espécies atuais. Darwin ainda sustenta que a maioria das formas de vida apresenta corpos, ou estruturas, moles, que não deixam registro em fósseis e, assim sendo, estamos estudando um erro amostral ao tirarmos conclusões somente de algumas classes de animais quando deveríamos considerar todas as demais espécies que não deixam registro fóssil.
O registro fóssil, por englobar enormes períodos de tempo entre uma formação e outra, pode esconder as mudanças graduais nas espécies, assim como pode encobrir o papel da migração de espécies, dando a impressão de uma súbita explosão de novas espécies em um período curto de tempo. Segundo Darwin, fora estas dificuldades, o registro fóssil acompanha perfeitamente a teoria de descendência com modificações através da seleção natural, permitindo uma explicação sobre como espécies de diferentes classes não apresentam mudanças necessariamente à mesma taxa, ou no mesmo nível, embora no longo prazo todas passem por modificações de alguma magnitude. Também é compatível com a teoria proposta por Darwin as extinções, porque as novas formas se extinguem como conseqüência da aparição de novas em melhor adaptadas formas, assim como podemos explicar porque quando uma forma de vida se extingue, nunca mais reaparecerá, uma vez que a ligação hereditária desaparece. Pode-se entender também porque as formas de vida, quanto mais antigas forem, menos se parecem com as atuais, devido à divergência de caracteres.
Quanto às espécies presentes na natureza atualmente, Darwin aponta para o caso de espécies que se estendem por duas áreas contíguas, nas quais a freqüência de uma espécie rareia enquanto a da outra, suplementar, aumenta, até que uma substitua completamente a outra. Como as áreas de interferência destas espécies é muito pequena, é de se supor que as espécies intermediárias entre uma e outra tenham sido suplantadas tanto por uma como por outra, de tal forma que ao longo de um curto espaço de tempo estas tenham desaparecido e deixado somente as duas espécies distintas, no caso as mais bem adaptadas a cada uma das áreas contíguas.
Sobre o argumento do "Design", Darwin demonstra brilhantemente que alguns animais apresentam hábitos ou estruturas que absolutamente não se encaixam em seu "propósito". Como exemplos, Darwin cita aves que apresentam os pés perfeitamente adaptados para o uso aquático que são eminentemente terrestres e outros, que embora vivam na água, somente apresentam uma membrana entre os dedos. O "Design" de órgãos complexos, como o olho, estaria explicado, segundo Darwin, caso cada geração apresentasse uma melhoria com relação a anterior. Evidentemente, muitas vezes não iríamos notar as diferenças entre uma versão melhorada e a anterior, mas na natureza o que importa é a eficiência, então as melhores variações seriam selecionadas para continuar existindo, enquanto as piores seriam checadas. Desta forma, melhorando pouco a pouco desde um nervo sensível a luz, chegaríamos a um olho completo, pelo simples processo de acúmulo de modificações favoráveis. Considerando a transação de órgãos, Darwin aponta como necessário ter em mente a probalidade de conversão de uma função para outra.
"Deveríamos ser extremamente cautelosos ao concluir que um órgão não poderia ter se formado por graduações transacionais de alguma forma. ... O canal alimentar respira, digere e excreta na larva da libélula.. Na Hydra, o animal pode ser virado pelo avesso e a superfície exterior digere e o estômago respira. Nesses casos, a seleção natural poderia facilmente especializar, se alguma vantagem fosse obtida, uma parte do órgão que estivesse realizando duas funções.."
Mais difícil de explicar do que os órgãos complexos e especializados, para Darwin, eram os órgão de aparente pouca importância. Muito embora tais órgãos apontassem para uma "falha" de "Design", estes órgãos sem importância também poderiam ser vistos como uma crítica à sua teoria, uma vez que a seleção natural atua através da vida e da morte (ou do sucesso reprodutivo), pela preservação das variações favoráveis e destruição daquelas desfavoráveis. Darwin, entretanto, explica que a "economia" da natureza é extremamente sofisticada, e o que acreditamos ser uma estrutura simples e que não traz vantagem para o seu portador, na verdade pode ser de fundamental importância para seu sucesso.
"O rabo da girafa parece um espanta-moscas construído artificialmente, e parece incrível que possa ter sido adaptado para seu propósito atual através de pequenas modificações sucessivas, cada uma melhor e melhor, para criar um objeto para espantar moscas, ..., [entretanto] os grandes quadrúpedes atualmente são incessantemente atormentados pelas moscas e sua força é diminuída, de tal forma que eles ficam mais sujeitos a doenças..."
Darwin também comenta que, órgãos de importância insignificante hoje, podem ter sido de suma importância para as gerações passadas e, depois de terem sido aperfeiçoados através das gerações para um fim específico, foram transmitidos para as gerações subsequentes inalterados, mesmo que a causa original tenha desaparecido, e que o órgão seja hoje pouco utilizado.
Os comentários de Darwin sobre os órgãos de importância insignificantes tinham um alvo certeiro. Na época, alguns naturalistas sustentavam que, ao contrário da doutrina de utilidade de todos os detalhes dos seres vivos, algumas destas características haviam sido criadas por pura beleza, e para prazer dos homens. Darwin sustenta veementemente que modificações importantes, que contribuem muito para o sucesso da espécie, através da correlação de crescimento, pode ter trazido à tona modificações sem utilidade aparente. Darwin acrescenta ainda outras razões pelas quais estas modificações poderiam ter surgido, como a seleção sexual, em que características inúteis para o indivíduo na sua sobrevivência teriam uma importância fundamental na escolha de parceiros (como a plumagem dos pavões, por exemplo) e que, mesmo que o indivíduo portador desta característica se tornasse uma presa mais fácil, o ganho que teria em ser escolhido pela fêmea e procriasse, seria mais do que suficiente para dominar a população. Mas a mais importante de todas as considerações de Darwin era que, "a principal parte da organização de todos os seres é simplesmente devida à herança, e consequentemente, embora cada ser seja absolutamente bem adaptado para seu lugar na natureza, muitas estruturas não tem, agora, relação direta com os hábitos de vida de cada espécie".
Um dos argumentos principais da teoria de Darwin é a explicação de como espécies diferentes interagem em "simbiose", ou ajuda mútua. Embora a seleção natural não possa modificar uma espécie para o bem de outra, seria perfeitamente possível que, através do acúmulo sucessivo de aspectos favoráveis, duas espécies tirassem proveito de suas variedades "cooperativas" para seus próprios benefícios.
Darwin passa a explorar o desenvolvimento comportamental dos animais, e mostra que, assim como as características físicas, as qualidades comportamentais dos animais variam, e que tais variações também são hereditárias, e são sujeitas às mesmas forças de seleção que as características físicas, em que pequenas mudanças comportamentais são selecionadas, cumulativamente, através das gerações. Desta forma, Darwin sustenta que os comportamentos instintivos de alianças entre espécies completamente diferentes possa ser explicado pela teoria de seleção natural da mesma forma como órgãos e estruturas corpóreas são desenvolvidos entre espécies para que cada uma obtenha as maiores vantagens da outra.
Quanto ao hibridismo, Darwin demonstra que os cruzamentos entre formas suficientemente distintas para serem classificadas como espécies são, geralmente – embora não universalmente, estéreis. Entretanto, o cruzamento com formas somente um pouco diferentes, é "favorável ao vigor e fertilidade da geração descendente". Darwin utiliza este fato para ilustrar a dificuldade de se separar espécies de variedades e também para demonstrar que as espécies de plantas diferentes podem ser consideradas como variedades tão modificadas que os sistemas reprodutivos não mais se combinam. Conforme os botânicos já sabiam, Darwin descreve espécies que podem surgir através do hibridismo. Mesmo que o cruzamento entre espécies diferentes seja raro, ele pode acontecer, e pode ser um grande impulsionador da diversificação e do surgimento de novas espécies.
Os indivíduos de uma mesma espécie encontram-se dispersos por grandes extensões territoriais, ou apresentam-se confinados a uma área específica. Darwin explica como estas espécies podem ter se distribuído geograficamente. Durante o longo curso da história, indivíduos da mesma espécie, ou de espécies aliadas, originaram-se de uma só fonte e espalharam-se através da migração "geralmente da forma de vida mais dominante", junto com a subsequente modificação e a multiplicação das novas formas. Assim, as barreiras naturais que separam as áreas zoológicas e botânicas são extremamente importantes, proporcionando o desenvolvimento de sub-gêneros, gêneros e famílias. A questão de profunda importância para ser respondida pela teoria de Darwin é: Se as espécies se adaptam aos seus ambiente, porque ambientes iguais não apresentam as mesmas espécies. Darwin escreve:
"Tendo em mente que as relações mútuas de organismo a organismo são da maior importância, podemos ver porque duas áreas que tenham aproximadamente as mesmas condições físicas sejam comumente habitadas por formas de vida completamente diferentes, pois de acordo com o tempo decorrido desde que os novos habitantes entraram em uma região; de acordo com a natureza da comunicação que deixa algumas formas entrarem e outras não, tanto em maior como em menor número, de acordo ou não se aquelas que entraram estão em maior ou menor número, de acordo ou não se aquelas que entram vieram a ficar em maior ou menor competição direta entre si e com as aborígines, e se as imigrações foram capazes de variar mais ou menos rapidamente, independentemente das características físicas, condições de vida infinitamente variáveis...veríamos grupos de seres somente ligeiramente modificados, enquanto outros grandemente modificados..."
Assim nascia a teoria da evolução através da seleção natural. Darwin não sabia como se dava o processo hereditário, muito menos como as diferenças ocorriam entre um indivíduo e outro. Entretanto, se tais diferenças ocorriam, se eram hereditárias e se podiam conferir alguma vantagem ao indivíduo, então todos os mecanismos para a diversificação estavam presentes. Darwin afirmou, na última página de sua obra mais famosa que:
É interessante contemplar-se uma vertente verdejante revestida de diversos tipos de plantas, com pássaros cantando nos ramos das árvores, uma variedade de insetos adejando pelo ar, além dos pequenos seres vivos rastejando naquela terra úmida, e então refletir que essas formas construídas de maneira tão elaborada, cada qual tão diferente da outra, e contudo de uma interdependência tão complexa, teriam todas sido produzidas por leis que prosseguem atuando neste nosso mundo. E essas leis, de maneira geral, são as que se seguem: a do Crescimento, que caminha ao lado da de Reprodução; a da Hereditariedade, quase sempre englobada na precedente; a da Variabilidade, decorrente da ação direta e indireta das condições externas de vida e do uso e desuso; a da Multiplicação dos Indivíduos, tão acelerada que acaba por acarretar a da Luta pela Existência, e consequentemente a da Seleção Natural, atrás da qual seguem a da Divergência dos Caracteres e a da Extinção das Formas menos aptas.
A revolução proposta por Darwin foi uma revolução de simplicidade contra uma visão de um mundo jovem e com suas leis influenciadas pelo sobrenatural. Segundo Clemente Nóbrega, "até cento e cinqüenta anos atrás era muito difícil ser ateu" . Forças sobrenaturais necessitavam atuar, criando a perfeição das espécies tão bem adaptadas a seus habitats: asas para os pássaros, forma de peixe para os mamíferos marinhos, garras retrateis para os felinos, e tantas outras maravilhas da especialização. A natureza era extremamente complexa e para sua explicação uma inteligência superior seria necessária, um projetista se fazia necessário, Deus se fazia necessário pelo menos pelo argumento do Design. A simplicidade que Darwin propôs, representou uma mudança conceitual profunda, transformando os misteriosos caminhos de Deus em um conjunto simples de leis, altamente testáveis através da observação e do bom senso. Se ao longo das eras forças pequenas, constantes, e atuantes durante longos períodos, podiam levar e trazer oceanos, mover montanhas, mudar a topografia, como Lyell propunha, o que fariam com as espécies que neles habitam? Forças pequenas, constantes e atuantes durante longos períodos também deveriam levar a mudanças nas espécies.
Ernst Mayr, da universidade de Harward, escreve em Evolution and the Diversity of Life (A evolução e a diversidade da vida) que a revolução de Darwin trouxe consigo a substituição de várias idéias anteriores, inclusive popularizando conceitos desenvolvidos por outras áreas de conhecimento, como a geologia, botânica, etc...As principais idéias que substituíram as anteriores foram primeiro, a idade da Terra, que passou de pouco mais de 6,000 anos para um tempo profundo contado em milhões de anos, e os dados da geologia cada vez mais comprovaram o tempo profundo; a refutação tanto do catastrofismo como do estado cíclico constante proposto por Lyell; a rejeição da intervenção divina para alterar os fatos na Terra, seja na geologia como na biologia; a substituição do pensamento centrado no indivíduo para um pensamento centrado na população; e, finalmente, a abolição do antropocentrismo, re-colocando o homem junto à natureza como mais uma espécie.
Darwin, além de expressar brilhantemente a linha de raciocínio que explica a formação das espécies atuais, também apresenta o método para análise de fenômenos históricos para análise de hipóteses, embutido em todas as suas obras, como explica maravilhosamente bem Stephen Jay Gould em A Galinha e Seus Dentes. Existem três formas de se analisar um fenômeno histórico: se a causa histórica for rápida o suficiente, podemos acompanhar cada estágio do fenômeno fazendo medições a intervalos regulares de tempo. Por exemplo, se medirmos a altura de uma criança de ano em ano, descobriremos que ela cresce durante um período e daí para a frente se estabiliza em sua altura de adulto; Se tivermos um processo lento, sobre os quais não podemos fazer medições diretas, ou em escalas muito grande, porém com muitos indivíduos para serem observados, podemos identificar o mesmo processo em estágios diferentes de desenvolvimento. Por exemplo, pegamos uma população toda e medimos a altura de cada indivíduo e correlacionamos com a idade, podendo identificar que durante uma certa idade, há crescimento e a partir de outra idade, haverá estabilidade; Em terceiro, se o processo histórico não pode ser medido diretamente, e se não tivermos muitos indivíduos a serem observados ao mesmo tempo, em diferentes estágios do mesmo processo, podemos inferir a história observando as imperfeições, que registram a descendência. Através desta forma de análise, podemos entender processos históricos, que evidentemente não permitem uma medição direta (porque são históricos e os eventos que poderíamos medir diretamente já aconteceram). Entretanto, a evolução – apesar de ser um processo histórico – está acontecendo hoje mesmo, em qualquer espécie, em qualquer lugar do planeta.
T.H.Huxley
Os blocos de construção da vida
Nos anos subsequentes à publicação da origem das espécies, o mundo científico esperava ansiosamente novas descobertas que comprovassem a hereditariedade e a variabilidade proposta por Darwin. Esperava também, conforme previsto por ele, a descoberta de fósseis que indicassem espécies intermediárias. Outro problema sério encontrado na teoria de Darwin pode ser explicado da seguinte forma: Se os indivíduos apresentam variações, sobre as quais a seleção natural possa atuar, porque então vemos grandes grupos de indivíduos muito parecidos entre si, formando espécies? Se formos levar em conta que as pequenas diferenças individuais ao longo do tempo serão selecionadas, por base nos indivíduos, porque então existem espécies e não uma confusão total, em que cada indivíduo é absolutamente diferente de todos os demais?
Johann Gregor Mendel nasceu em Hyncice (na época esta cidade era parte da Áustria, com o nome de Heizendorf, atualmente faz parte da República Checa) em 1822. Com 21 anos, Mendel juntou-se a um monastério Ausgustino em Brno, Czechoslovakia, onde encontrou segurança e educação. De 1868 até sua morte, em 1884, Mendel passou sua vida naquele monastério. Mendel começou a experimentar a cultura de híbridos de ervilhas em 1856. Depois de oito anos fazendo experiências no jardim do mosteiro, Mendel apresentou os resultados de suas observações na Associação para Pesquisa Natural em Brno, e seus resultados foram publicados sob o título Versuche über Pflanzen-Hybride
Nos cruzamentos de plantas ornamentais para obtenção de novas cores Mendel ficou intrigado com a regularidade com que formas híbridas aparecem nas experiências de fertilização artificial e se empenhou em realizar uma série de experiências que tinham como objetivo determinar o número de formas diferentes que uma prole híbrida poderia assumir nas gerações futuras, assim como arrumar estas formas com certeza, de acordo com as suas gerações e ainda definir precisamente as relações estatísticas entre elas.
Mendel começou seus estudos com 34 variedades de ervilhas, das quais ele separou 22 variedades que se mantiveram constantes nos primeiros dois anos de estudo, considerando as demais apenas como apenas misturas acidentais daquelas 22. Dentre todas as características que diferenciam as variedades de ervilha, como comprimento, cor, tamanho e forma das folhas, posição, tamanho e cor das flores, etc... Mendel separou para estudo sete características que poderiam ser mais precisamente definidas, como a forma da ervilha (redonda ou com irregularidade), a cor da ervilha (amarela, amarela escura ou alaranjada), etc...De um grande número de plantas da mesma variedade, somente as mais vigorosas foram escolhidas para fertilização, sendo que Mendel tomou todos os cuidados para que as plantas não se auto-fertilizassem (arrancando os estames) nem que fossem fertilizadas por pólen no ar (cobrindo-as uma a uma), instituindo um controle bastante forte sobre suas experiências, o que vira a garantir que as gerações provenientes de suas experiências fossem exatamente do cruzamento dos "pais" por ele escolhidos, e não plantas oriundas de outras formas de fertilização. As plantas foram cultivadas em jardins e potes. Para cada experimento, um número de potes foi colocado em uma estufa, servindo de grupo de controle para o experimento principal, executado ao ar livre.
Mendel já sabia, através de experiências anteriores com plantas ornamentais, que os híbridos, de maneira geral, não eram exatamente intermediários entre as espécies parentais. Algumas das características de um dos pais era preponderante no híbrido, independentemente desta característica ter vindo da planta "pai" ou da planta "mãe".
" [...] Aquelas características que são transmitidas inteiramente, ou quase sem modificações, na hibridização, e que então constituem o caracter do híbrido, são denominadas dominante, enquanto as que ficam latentes durante o processo, são recessivas"
Cruzando as espécies originais, Mendel separou quais os caracteres que eram dominantes, estudando quais características, na primeira geração de híbridos, haviam sido herdadas completamente de um dos "pais".
Na primeira geração obtida pelo cruzamento dos híbridos, porém, apareceram não só os caracteres classificados como dominantes como também os recessivos, em uma proporção surpreendentemente constante de 3 para 1 (3 caracteres dominantes para cada um recessivo), para todos os caracteres. Na segunda geração obtida dos híbridos, Mendel observou que aquelas variedades que na primeira geração exibiram caracteres recessivos, não variavam mais nas gerações subsequentes. Das que apresentavam caracteres dominantes, 1/3 não variava mais nas gerações subsequentes, enquanto 2/3 podiam gerar descendentes com caracteres recessivos, gerando uma taxa de 2:1:1 (dois dominantes que podiam gerar recessivos para cada dominante que variava, para um recessivo que não variava). Mendel repetiu a experiência sucessivamente, chegando a uma fórmula de correlação entre recessivos e dominantes. Chamando de "A" a característica dominante, e de "a" o recessivo, a proporção de caracteres para os híbridos seria de A+2Aa + aT .
Da mesma forma como esta proporcionalidade havia sido obtida pela análise de somente um caracter em separado, Mendel continuou suas experiências para obter uma mesma relação para a análise de dois caracteres em conjunto. Uma certa característica (cor da ervilha, por exemplo), poderia apresentar as formas dominante e recessiva ("A" e "a"), enquanto a outra característica também poderia apresentar estas duas formas ("B" e "b"). A combinação destas duas características poderia gerou três grupos. O primeiro formado pelos símbolos AB, Ab, aB e ab, que não variavam na geração seguinte. O segundo grupo, identificado por ABb, aBb, AaB, Aab, não variava em um dos caracteres, mas variava no outro. O terceiro grupo, em que ambos os caracteres variavam, era identificado como AaBb. Mendel encontrou a proporção entre estes grupos como 1:2:4. A expressão que caracterizaria estas combinações, caso dois caracteres diferentes fossem combinados, seria AB + Ab + aB + ab + 2ABb + 2aBb + 2AaB + 2Aab + 4AaBb, que é a combinação da expressão da característica A (A+2Aa+a) , com a característica B (B+2Bb+b). Resultados similares foram obtidos quando foram analisadas três características em conjunto (A,B e C).
Mendel fez uma série de experimentos similares, tentando separar as características herdadas do ovo e do pólen, especificamente procurando uma relação que indicasse se algum dos dois sexos era preponderante na transmissão das características à prole. Baseado nestes experimentos, Mendel chegou à conclusão de que tanto o ovo como o pólen (material da "mãe" e do "pai") deveriam conter instruções do mesmo tipo para cada característica.
"A lei de combinação de diferentes caracteres que governa o desenvolvimento dos híbridos tem sua fundação e explicação no princípio enunciado, de que os híbridos produzem células ovo e células pólen que em igual número representam todas as formas constantes que resultam da combinação dos caracteres juntados na fertilização."
Mendel ainda demonstrou, estatisticamente, que as características dos pais (de ambos os sexos) transmitiam-se aos descendentes sem sofrerem mudanças significativas durante este processo. Havia na época uma idéia de que os descendentes "puxavam" um pouco do pai e um pouco da mãe, que se misturavam através da fertilização produzindo características intermediárias, mais parecidas com o pai ou com a mãe dependendo da "força" do material germinativo. Provavelmente este pensamento teria seus fundamentos no pensamento extremamente machista e repressivo da época Vitoriana.
A contribuição de Mendel foi fantástica. Através de uma metodologia bem definida através dos controles em suas experiências e da escolha de variáveis claramente mensuráveis, uma análise matemática, com o uso da estatística para análise dos resultados, o trabalho de Mendel demonstrou que cada parente contribui com um fator para cada característica da prole; cada um destes fatores se separa do outro durante a formação dos gametas, de tal forma que o "neto" recebe do pai, ou da mãe, somente um fator que havia pertencido ao avô ou à avó; demonstrou que a teoria de que as características dos pais se misturavam nos filhos era errada uma vez que os blocos de construção, ou fatores mendelianos de hereditariedade (mais tarde batizados de genes) são constantes; demonstrou que machos e fêmeas contribuem igualmente para as características da prole, através de um par de fatores iguais ou diferentes (genes com instruções diferentes para a mesma característica foram posteriormente chamados de alelos) e demonstrou, decisivamente, que as características adquiridas não são hereditárias. Entretanto, o seu trabalho permaneceu na obscuridade por mais de trinta e cinco anos.
Em 1869, um bioquímico suíço chamado Friedrich Miescher fez algumas experiências com células brancas do sangue humano (pus, extraído de bandagens que foram jogadas fora de hospitais). Miescher usou enzimas digestivas para comerem o citoplasma, isolando assim o núcleo das células. Ele então extraiu uma substância branca destes núcleos, e posteriormente achou a mesma substância no esperma. Ele descobriu que as proporções dos elementos químicos (notadamente hidrogênio e nitrogênio) nestas amostras era diferente de todas as demais estruturas orgânicas. Uma vez que este material era ligeiramente ácido, nomeou-o ácido nucleico. Após anos purificando a amostra, ele finalmente chegou à uma fórmula química que era praticamente igual à que conhecemos hoje para o DNA.
August Weismann, proeminente biólogo experimental, formulou a teoria do plasma germinativo, na qual o corpo é dividido em células que podem transmitir as informações hereditárias (gametas) e células somáticas, que não podem. Uma vez que as características adquiridas pelo corpo não influenciam as células germinativas. O neo-Lamarquismo se tornava impossível uma vez que as características adquiridas pelas células somáticas, que constróem o corpo e são as que poderiam receber a influência do meio, estão separadas daquelas que transmitem as informações hereditárias.
Três botanistas, Carl Correns na Alemanha, Erich von Tschermak-Seysenegg na Áustria e Hugo deVries na Holanda, redescobriram, de maneira independente, as leis de Mendel, o que trouxe à tona a importância do seu trabalho, 35 anos após sua publicação. Eles perceberam que Mendel não tinha simplesmente conduzido experimentos bem sucedidos em hibridização, mas tinha de fato estudado a hereditariedade de características específicas, à medida que as características que ele havia estudado eram passadas de uma geração a outra. Como não poderia deixar de ser, Mendel passou a ser considerado – merecidamente, como o é até hoje – o pai da genética. Sir Gavin de Beer declarou na Royal Society, no centenário de publicação do trabalho de Mendel, que:
Não é comum apontar a origem de um ramo da ciência precisamente no tempo e espaço...Mas a genética é uma exceção, porque deve sua origem a um homem, Gregor Mendel, [...]
Após a redescoberta da hereditariedade Mendeliana, a maioria dos geneticistas pensava nas espécies como fixas em relação aos "tipos selvagens" de alelos. Eles sustentavam que a evolução consistia na substituição de tais alelos por variações mutantes que, por acaso, eram favoráveis. De Vries estudou uma planta americana, Oenothera lamarckiana, e descobriu que um híbrido havia se formado e que este não reproduzia com a espécie original. Ele chegou à conclusão que através de uma única mutação poderiam surgir características morfológicas novas, assim como o isolamento reprodutivo que caracteriza uma nova espécie. Mais tarde descobriu-se que o híbrido formado era uma aberração cromossômica, transmissível somente através dos óvulos, e que então os mutantes existiam somente como segregados, sem o isolamento reprodutivo de uma espécie verdadeira.
Em 1902 a citologia e a genética convergiram, com Walter Sutton, Theodor Boveri e outros, que verificaram os paralelos entre o comportamento dos fatores descritos por Mendel e o comportamento dos cromossomos, criando a teoria da herança cromossomial. Chegaram a este resultado verificando que tanto os cromossomos como os fatores descritos por Mendel, eram diplóides (atuavam em duplas), cromossomos homólogos se separavam em pares independentes durante a meiose e a fertilização restaurava os pares. De acordo com a teoria cromossomial, estabeleceu-se que os fatores mendelianos eram localizados nos cromossomos, e que eram estes que se segregavam e se agrupavam independentemente. Um ano depois, Sutton demonstrou que os cromossomos carregavam os "fatores de hereditariedade" propostos por Mendel.
En 1908, G. H. Hardy, matemático da Universidade de Cambridge e Wilhem Weinberg, médico de Stutgart, independentemente lançaram as bases da genética populacional ao formularem o princípio hoje conhecido como lei de Hardy-Weinberg. Eles demonstraram que a freqüência de genes era a variável mais importante da genética das populações. Eles demonstraram, independentemente, as condições para o equilíbrio genético estável de uma população. Antes, havia a idéia de que os alelos dominantes, quando introduzidos em uma população, se espalhariam até alcançar a freqüência de 50% (produzindo a relação 3:1 encontrada por Mendel). A equação de Hardy-Weinberg demonstrava que, para qualquer freqüência do alelo dominante (p) e qualquer freqüência do alelo recessivo (q), a população apresentaria uma composição estável entre as duas (p2+2pq+q2).
"A mensagem geral dos achados de Hardy-Weinberg é que a simples passagem de gerações – episódios sucessivos de meiose e formação de zigotos – não tem impacto na variância genética. [...] Ao contrário, a variância genética só pode mudar por erros de amostragem (deriva genética), erro de replicação (mutação) ou reprodução diferencial (seleção)."
O equilíbrio de Hardy-Weinberg passou a representar, de certa forma, um coroamento do Darwinismo. Como provou-se que as populações poderiam chegar a um estado de equilíbrio, formando espécies, e não um conjunto totalmente disperso de indivíduos absolutamente diferentes entre si. Também demonstra que a evolução pode chegar a estágios de equilíbrio, e que a variação da freqüência relativa de alelos em uma população deveria ser causada por algum fator externo que rompesse o equilíbrio. Existia também uma concepção errada, desde a época de Mendel, de que os alelos dominantes eventualmente eliminariam completamente os alelos recessivos (uma concepção até hoje mal compreendida por muitos), simplesmente por serem dominantes. O trabalho matemático de Hardy-Weinberg provava que esta concepção era equivocada. Vamos supor que um gene em particular controla a cor dos olhos, e que este gene pode apresentar somente dois alelos, um recessivo para olhos azuis e um dominante para olhos escuros. Vamos considerar, ainda, uma população em que estes alelos se apresentam na proporção (q) de 90%, para o alelo "azul" contra 10% (p) de seus alelos rivais "olhos escuros". Pela equação de Hardy-Weinberg, teríamos, dominantes homozigotos (AA) em proporção de 0,10 x 0,10 (1%), heterozigotos (Aa) na proporção de 2 x 0,9 x 0,1 (18%) e homozigotos recessivos na proporção de 0,9 x 0,9 (81%). Como os heterozigotos apresentam as características dos alelos dominantes, atingiríamos o equilíbrio com 19% da população com olhos escuros, contra 81% com olhos azuis.
O equilíbrio de Hardy-Weinberg parte de princípios gerais que podem ser experimentados para populações em estudo: ele considera que as populações são grandes o suficiente, que os acasalamentos se dão ao acaso e que não existe pressão seletiva sobre nenhum dos alelos. Desequilíbrios nas proporções determinadas pela fórmula de Hardy-Weinberg, quando verificados nas populações em estudo, demonstram que pelo menos uma destas premissas não foi satisfeita. A fórmula de Hardy-Weinberg é um dos principais instrumentos utilizados pelos geneticistas evolucionários para estudar as forças seletivas sobre os alelos, demonstrando, através de seus desvios, como estas forças exercem pressões evolucionárias sobre as populações. De uma forma geral, o trabalho de Hardy-Weinberg abria um campo excepcionalmente grande para o Darwinismo, uma vez que demostrava que as espécies poderiam atingir um equilíbrio geneticamente estável, e também apontavam que a evolução não era automática, e que ocorria somente quando alguma coisa perturbava o equilíbrio. "O princípio de Hardy-Weinberg", escreve McKusick, "é a pedra angular da genética de populações, ensina que as proporções relativas dos genótipos [...] mantêm-se constantes de uma geração a outra. [...] Como todas as generalizações em genética, esta também é baseada em certas premissas simplificadoras e deixa de lado certos fatores como as mutações e a seleção que perturbam o equilíbrio. O equilíbrio de Hardy-Weinberg fornece a base para se estudarem as influências destes fatores sobre as proporções relativas [...] nas gerações sucessivas"
O Mendelismo e o Darwinismo se provaram complementares, com o surgimento da disciplina da genética populacional, onde são estudadas as conseqüências quantitativas da seleção natural (Esta síntese foi desenvolvida mais tarde por Fisher, Haldane e Wright, que, embora desenvolvendo visões bastante diferentes das formas pela qual a evolução se processava, utilizaram extensamente a matemática, gerando as bases estatísticas destes estudos).
Na década de 20, novas descobertas foram acrescentadas à base teórica da evolução. Thomas Morgan fundou sua "escola de Drosófila" em 1910, com a descoberta da mutação "olho-branco" na mosca-da-fruta. Durante o período de 1910 até 1928, Morgan trabalhou no Departamento de Zoologia da Universidade de Columbia, atraindo alunos excepcionais, como A. H. Sturtevant, C. B. Bridges, and
H. J. Muller. Morgan ridicularizava explicações da genética que postulavam os fatores hereditários sem determinar que fatores eram estes. Ele escolheu a mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster) para suas experiências porque elas têm um ciclo de vida curto, são fáceis de cultivar e têm alta fecundidade, permitindo a análise de várias gerações consecutivas em um espaço de tempo adequado. Estudando as gerações das moscas-da-fruta, Morgan descobria a hereditariedade ligada ao sexo, e logo descobriu (rudimentarmente) o "crossing-over" . Os trabalhos de Morgan e sua equipe tiveram uma importância fundamental na biologia porque passaram a verificar, com bases experimentais, as leis de Mendel, ao mesmo tempo em que enriqueciam e confirmavam a teoria cromossômica de Sutton-Boveri.Morgan e seus colaboradores fizeram as Drosófilas se reproduzirem por centenas de milhares no seu fly room ("câmara de moscas") da Universidade de Columbia, tentando encontrar as mutações que Hugo de Vries tinha achado na planta Oenothera. Já em 1910, Morgan provou, depois de uma série de cruzamentos operados a partir de um macho de olhos vermelhos (mutante), o caráter recessivo dos traços morfológicos aparecidos por mutação brusca. Morgan analisou então as "mutações" como sendo devidas a uma mudança do gene original em um alelo - isto é, em uma das diferentes versões sob a qual esse gene podia existir. Os trabalhos de Morgan e de seus colaboradores sobre a drosófila os levaram, em seguida, a propor um modelo estrutural de arranjo dos genes sobre os cromossomos: cada um deles contém um número determinado de genes, que estão localizados em lugares distintos (loci) dos cromossomos. Morgan pôde então responder às últimas interrogações sobre a validade das leis de Mendel. Para explicar por que um organismo possuía mais caracteres do que cromossomos, Morgan provou que os genes situados juntos sobre um mesmo cromossomo tinham tendência a ser herdados em grupo: era o princípio do grupo de ligação, que permitia estabelecer mapas cromossôrnicos. A análise genética permitiu comprovar um outro fenômeno capital o crossing over. No momento da meiose, ocorre uma troca de segmentos de cromossomos homólogos, que permite a recombinação dos genes que lhes são ligados. Sturtevant, aluno de Morgan, finalmente descreveu como os cromossomos seriam os responsáveis pelo transporte do material hereditário, e demonstrou as inversões do crossing-over baseando-se exclusivamente no estudo das linhagens da mosca-da-fruta.
Herman Joseph Muller, também aluno de Morgan, descobriu que a exposição aos raios X aumentava muito a taxa de mutação. Muller, que começou sua carreira trabalhando com Morgan estudando as mutações nas moscas-de-fruta, foi o primeiro a aumentar a taxa de mutação utilizando o calor. Ainda não satisfeito, ele irradiou as moscas com raios-X e o resultado foi uma incidência ainda maior de mutações. Ele foi o primeiro a demostrar que a radiação induzia alterações genéticas. Através de observações acuradas, Muller demonstrou, quantitativamente, a freqüência de mutações genéticas quando as moscas-da-fruta eram submetidas aos raios-X.
Fred Griffith, em 1928, fez experiências que demonstravam que alguma causa havia transformado o inofensivo tipo R (rough) de Streptococcus pneumoniae (Diplococcus) na virulenta linhagem S (smooth). Griffith desativou (matou) através de calor os tipos de bactérias e depois as injetou em ratos, sozinhas ou misturadas ao outro tipo (viva) e observou os resultados. Quando ele injetou o tipo R, tanto viva como desativada, os ratos viveram. Quando ele injetou o tipo S viva, os ratos morreram, mas desativada eles viveram. Entretanto, ao injetar a mistura do tipo R viva com a S desativada, os ratos morriam, e as bactérias retiradas de seus corpos eram do tipo S. Então, chegou à conclusão que as instruções hereditárias do tipo S foram transferidas para o tipo R. Este fenômeno, hoje batizado de transformação, ocorre quando as bactérias pegam moléculas de DNA livres no ambiente e expressam a informação codificada neste DNA (atualmente é uma importante ferramenta em biologia molecular porque permite a introdução de novos genes nas células).
Em 1918, Roland Fisher passou a aplicar uma análise estatística rigorosa aos problemas das variações entre os indivíduos, estabelecendo as bases da estatística aplicada à biologia, cujos modelos são utilizados até hoje. Fisher reconheceu que as variedades de entre os indivíduos poderia ser atribuída a causas genéticas e não genéticas. Em 1922 Fisher estudou, matematicamente, os efeitos da seleção, dominância, taxas de mutação, perda aleatória de alelos e cruzamentos não aleatórios. Ele concluiu que o fator que mais influenciava a evolução a longo prazo seriam as populações grandes que conteriam grande quantidade de variabilidade genética e consequentemente teriam um seguro contra extinção porque poderiam se adaptar, através da seleção, a ambientes externos em mudança.
Fisher considerou que os efeitos do acaso (como mutações e cruzamentos não aleatórios) seriam desprezíveis em grandes populações, uma vez que poderiam ocorrer tanto em uma direção como em outra, e que em média não provocariam grandes mudanças na população. Por outro lado, pequenas diferenças entre um indivíduo e outro, quando colocadas à prova da seleção natural, seriam suficientes para proporcionar grandes mudanças na espécie ao longo das gerações. Fisher tinha a visão de que o poder da seleção era o mais importante para a mudança evolucionária e que a seleção provoca adaptação.
Mais importante, Fisher propôs que a relação entre alelos também era devida a um processo de seleção sobre os genes, em que os que proporcionassem características mais favoráveis se tornariam dominantes, enquanto os que proporcionam menor poder adaptativo, ou que fossem prejudiciais, se tornariam recessivos. Ele postulou que, através do acúmulo de genes modificadores, os efeitos dos genes em heterozigose iam sendo gradualmente atenuados, até que seu efeito só podia ser reconhecido no homozigoto. Assim, quando uma mutação prejudicial dominante ocorria, os genes modificadores, aqueles que alteram o comportamento de outros, eram favorecidos pela seleção. Fisher deu origem à expressão "evolução da dominância", pela qual ficou conhecido este fenômeno.
A visão de Fisher foi condensada em seu livro publicado em 1930, The Genetical Theory of Natural Selection (A Teoria Genética da Seleção Natural) onde, entre outras coisas, Fisher propõe o Teorema Fundamental da Seleção Natural, que diz que "a taxa de crescimento da adaptabilidade média em qualquer população de organismos em qualquer tempo, devida somente aos efeitos da substituição de alelos através da seleção natural, é exatamente igual à variância genética da população naquele tempo".
Mas o que isso quer dizer? Quer dizer que alelos com forte poder de adaptação apresentarão menos variância do que alelos com menor poder de adaptação porque a seleção natural irá atuar fortemente sobre as características determinadas por estes alelos, eliminando quaisquer variações. Parece que esta afirmação é exatamente o contrário do Teorema Fundamental, mas não é verdade. Aqueles alelos que determinam uma característica fundamental para a sobrevivência do organismo, já estão perfeitamente firmados e adaptados ao ambiente específico. Imaginemos por exemplo que um alelo seja responsável pelas guelras nos peixes, ou os pulmões nos mamíferos. A taxa de variação destas características será extremamente baixa porque sem guelras, ou pulmões, o indivíduo não pode sobreviver. Assim, caso o ambiente se modifique, estes órgãos não poderão se adaptar mais do que já estão adaptados (a taxa de adaptabilidade é baixa, porque a variância dos alelos que determinam a característica é baixa). Por outro lado, a cor das escamas, ou da pele, que apresenta grande variabilidade entre um indivíduo e outro, poderá se adaptar muito às condições do ambiente, caso a seleção determine esta necessidade (a taxa de adaptabilidade é alta, porque a variância de alelos que determinam esta característica é alta).
A visão de Fisher se baseava em premissas a cerca de uma população típica de indivíduos. Na falta de estudos empíricos comprobatórios (o que é objeto de discussão até o presente), Fisher assumiu que as populações eram grandes o suficiente e que os efeitos dos genes, individualmente, seriam tipicamente pequenos e obedecendo uma fina graduação.
A visão de Sewall Wright sobre o processo evolucionário divergia da desenvolvida por Fisher, embora concordassem com aspectos metodológicos (uma análise matemática profunda) e também quanto ao poder da seleção natural. Wright, ao contrário de Fisher, já tinha tido uma profunda base biológica, principalmente quanto à análise de animais domésticos, quando começou a estudar sobre a evolução. Wright ficou bastante interessado com trabalhos que mostravam que a seleção em massa em uma população onde os cruzamentos são aleatórios, poderia provocar uma resposta evolucionária bastante forte mas também poderia provocar efeitos prejudiciais. Observando estes efeitos, Wright propôs que a seleção em massa, sozinha, seria ineficiente a longo prazo.
Wright passou a dar uma importância bastante grande à interação entre os genes em populações pequenas. Segundo sua visão, as populações sempre poderiam ser subdivididas em grupos menores, onde os cruzamentos não seriam aleatórios, mas se dariam dentro do grupo. Wright fez experiências com porcos-da-índia, realizando inter-cruzamentos em grupos pequenos e estudando a correlação entre os parentes (para realizar este estudo ele desenvolveu uma técnica analítica completamente nova chamada coeficiente de caminho). Ele observou nestas experiências que diferentes características, em diferentes linhas de parentesco, se tornaram fixas devido exclusivamente ao acaso.
Cruzamentos não aleatórios resultam em um desvio da distribuição de Hardy-Weinberg. Os seres humanos, por exemplo, unem-se em função da raça mais do que aleatoriamente, isto é, encontramos pais da mesma raça em freqüência maior do que seria esperado se qualquer pai casasse com qualquer mãe. Nas populações em que isto acontece, são encontrados menos heterozigotos do que o previsto pela distribuição de Hardy-Weinberg. Estes casamentos não aleatórios podem ser função da escolha dos parceiros (como no caso dos humanos), como também pode ser em função da dispersão geográfica, uma vez que os indivíduos têm uma capacidade de dispersão razoavelmente limitada. Se considerarmos por exemplo a cor dos olhos, seria mais ou menos esperado que indivíduos localizados em continentes diferentes – independentemente da preferência individual – mantivessem suas características porque somente se acasalam com aqueles que estão próximos. Desta forma, a freqüência mais alta de olhos azuis entre os europeus do norte pode se manter, uma vez que eles teriam muito mais contatos com outros europeus de olhos azuis do que com africanos de olhos negros. A freqüência de alelos mudando somente devido ao acaso é chamada de deriva genética, e é atribuído a erros de amostragem. O que isso significa é que os alelos que formam a próxima geração no pool genético são uma amostra dos alelos da geração atual e, estatisticamente, uma amostra de uma população pode apresentar uma distribuição de freqüências muito diferentes da população original. A mudança na freqüência de alelos devido à deriva genética é, em média, zero, porque existe igual probabilidade da freqüência aumentar ou diminuir.
As idéias de Wright se distanciaram profundamente das de Fisher. Vendo as populações como fragmentos compostos de grupos locais, Wright elevou a importância da deriva genética em gerar novas combinações de genes interativos. Estas novas combinações seriam, então, expostas à seleção natural, que poderiam fazê-las se espalhar ou declinar. Este sistema ficou conhecido como "The Shifting Balance Theory" (teoria de equilíbrio oscilante).
A hipótese de Wright incluía uma grande parte de variação devida exclusivamente ao acaso, e que absolutamente não apresentaria características adaptativas, ou seja, não traria vantagens aos indivíduos a curto prazo, embora providenciassem uma quantidade maior de variação sobre a qual a seleção poderia atuar. Para que este erro de amostragem, ou deriva genética, pudesse ocorrer, seria necessário que as populações fossem não somente divididas, mas divididas em grupos pequenos o suficiente para que cada grupo não representasse o total da espécie e isolados suficientemente um do outro para que não acontecesse uma homogeneidade dos caracteres genéticos ao longo do tempo.
Baseado nesta visão, Wright desenvolveu a idéia da topografia adaptativa, ou da paisagem evolucionária, uma das imagens que mais influenciaram a evolução moderna. Neste modelo, cada possível combinações de alelos apresenta uma correlação com o grau em que a população está adaptada a um ambiente, às demais espécies, em fim, ao nicho ecológico em que ocupa. Se fizermos um gráfico contendo todas as possíveis combinações de alelos contra todos os graus de adaptação correspondentes, obteremos uma paisagem "multi-dimensional" onde os picos correspondem aos mais elevados graus de adaptação, e os vales aos menos elevados graus de adaptação. Como a seleção somente poderá atuar aumentando a adaptabilidade do indivíduo às condições imediatamente contingentes, as espécies somente poderão evoluir no sentido do pico. Neste sentido, uma paisagem evolucionária pode apresentar vários picos, sendo um o mais alto de todos (o maior valor de adaptação global, ou ideal). Wright acreditava que este era o papel da deriva genética, que cedo ou tarde produziria, por puro acaso gerado pelo cruzamento não aleatório entre indivíduos em populações pequenas e isoladas, a combinação necessária para que um novo pico fosse alcançado.
Wright chegou à conclusão que "a evolução avança através de passos irregulares e totalmente imprevisíveis, a ocasional ocorrência de troca de picos em alguma localidade em alguma hora, seguida por uma expansão relativamente rápida por toda a espécie" . Em seu trabalho de 1931, Wright afirma:
A Evolução como um processo de mudanças cumulativas depende do adequado equilíbrio de condições que a cada nível de organização – gene, cromossomo, célula, indivíduo, raça local - fazem a homogeneidade genética ou heterogeneidade genética da espécie
Em qualquer população, uma certa combinação de alelos poderia formar um conjunto de características ótimo, entretanto, outras combinações resultariam em um conjunto de características que formam um ótimo local. A transição entre o ótimo local para o ótimo global pode ser proibida porque a população teria de passar por estágios menos adaptados para fazer a transição, e como a seleção natural só trabalha trazendo as populações para o ponto ótimo mais próximo, isso se torna impossível. A seleção natural não possui meios de prever o futuro, somente permite as populações se adaptarem aos seus ambientes locais. Evolução não é progresso. As populações simplesmente se adaptam aos seus arredores. Elas não ficam necessariamente melhores ao longo do tempo em nenhum sentido. Uma característica ou estratégia que é bem sucedida em alguma época, pode ser mal sucedida em outra.
O outro artífice da síntese evolucionária, J.B.S. Haldane, trouxe para o pensamento dos processos evolutivos a visão química e bioquímica. Em seu esforço desenvolvendo modelos matemáticos para o estudo da genética das populações, Haldane sempre se interessava naquilo que passava a nível molecular, pelos processos químicos e bioquímicos da hereditariedade e combinações de alelos.
"Na minha mente, é provável que todos os genes produzam um efeito químico, mas ainda estamos muito longe de poder provar isso"
O início da carreira de Haldane em genética inclui os primeiros estudos das ligações entre os mamíferos, e uma análise das conseqüências matemáticas da seleção em populações Mendelianas sob uma grande variedade de condições e complexidades. Haldane acabou desenvolvendo modelos que se pareciam muito com os de Fisher, chegando à conclusão que a seleção seria a força primordial na mudança evolucionária, e – assim como Fisher – encarava as populações como sendo efetivamente grandes e com cruzamentos aleatórios. Haldane, entretanto, supôs que alguns genes poderiam ter efeitos marcantes, e dar origem a grandes diferenciais seletivos, enquanto Fisher propunha que os pequenos efeitos da substituição de alelos seria a regra, proporcionando adaptações graduais e pequenas de geração a geração.
Haldane se convenceu que as interações entre os genes poderia ser importante, e desenvolveu idéias que eram bastante similares àquelas que Wright havia chegado independentemente. As idéias altamente originais de Haldane sobre a química dos genes e do processo de replicação genética foram proféticos. Ele via o processo de replicação dos genes basicamente como foi descoberto mais tarde por Crick e Watson: "[o gene] atua como modelo, outro gene se formando em cima de materiais pré-existentes como aminoácidos. É um processo similar à cristalização".
Haldane também lançou as idéias sobre a seleção de parentesco:
"Na medida em que traz a sobrevivência de seus descendentes e parentes próximos, o comportamento altruísta é um tipo de adaptação darwiniana, e espera-se que se espalhe como resultado da seleção natural"
Em 1932, com a publicação de As causas da evolução, Haldane explica a solução neo-Darwinista da hereditariedade de caracteres Mendelianos como explicação de processos evolutivos, assim como algumas de suas conseqüências. Ele explica o lugar do homem na natureza, e demonstra como a visão de direção da evolução é equivocada. Este livro é um marco na evolução e na teoria evolucionária.
Theodosius Dobzhansky, outro autor chave na Moderna Síntese da Teoria Evolucionária, publicou Genética e a Origem das Espécies em 1937, descrevendo as fórmulas matemáticas dos geneticistas em linguagem que os biólogos puderam entender, vestindo as equações com história natural e genética populacional experimental e estendendo a síntese para os processos de especiação e outros problemas fundamentais que haviam sido omitidos pelos matemáticos.
Os mecanismos que proporcionam a variabilidade, assim como os mecanismos de hereditariedade foram em grande parte explicados quando se estudou mais a fundo os ácidos nucleicos. Em 1953, J. D. Watson e F. H. C. Crick propuseram que o DNA teria uma estrutura em que dois fios paralelos formavam uma dupla hélice. Esta proposta baseou-se, em parte, nos estudos de raios X de DNA feitos por M. H. F. Wilkins e R. Fraifldin que eram consistentes com uma conformação helicoidal mas foi sugerida, em grande parte, por observações da freqüência com que as bases (nucleotídeos) apareciam. O DNA é composto por 4 nucleotídeos: adenina, timina, guanina e citosina. Podemos, então, representar o DNA como uma seqüência destas bases, uma para cada hélice. Se chamamos cada uma das bases pelas suas iniciais, formam uma seqüência de letras ATAACG, por exemplo. Os estudos da composição do DNA mostraram que a base adenina (A) aparecia na mesma quantidade que a timina (T) e igualmente para a relação entre guanina (G) e citosina (C). Baseado nesta informação, chegou-se à conclusão que para cada adenina (A), estava emparelhada uma timina (T), formando um par A-T e igualmente guanina e citosina faziam o par G-C. Isso acontece porque as estruturas de timina e adenina são complementares, ou seja, elas se encaixam no mesmo plano, como um quebra-cabeças químico, e a mesma coisa acontece com a citosina e guanina. De extremidade a extremidade, as distâncias entre os pares A-T e G-C, são quase idênticas. Estas considerações levaram à suposição de que o DNA consiste em duas cadeias paralelas e helicoidais e que são mantidas juntas por pontes de hidrogênio.
A descoberta da estrutura do DNA trouxe explicações sobre como as células responsáveis pela reprodução se dividem. Organismos simples, como bactérias, podem se reproduzir através de divisões simples, em que uma célula vira duas. Este tipo de reprodução assexuada é simples e direta e produz organismos geneticamente iguais. A reprodução sexual por outro lado, envolve uma mistura de genomas de 2 indivíduos, metade fornecido pelo pai e metade pela mãe. As células reprodutivas, como óvulos e espermatozóides, têm de possuir, então, metade do material genético, caso contrário a célula resultante passaria a ter o dobro de genes dos pais. Com exceção dos cromossomos que determinam o sexo, o núcleo das células contém 2 versões similares de cada cromossomo, um herdado do pai e outro da mãe. Cada um destes cromossomos contém versões dos mesmos genes, chamados alelos, como se o código genético fosse escrito em dois volumes. Isso é chamado diploidismo. A maioria dos animais, inclusive humanos, são diplóides, isto é, contém dois alelos para cada gene em cada localização dentro de um cromossomo, um herdado da mãe e um herdado do pai. Assim, os humanos podem ser AA, AB, AO, BB, BO ou OO no local do cromossomo que determina o grupo sangüíneo. Caso dois alelos sejam do mesmo tipo (AA, por exemplo), o indivíduo é chamado de homozigoto. Caso os alelos em um mesmo local sejam diferentes (AB, por exemplo) o indivíduo é chamado de heterozigoto.
Para formar as células reprodutivas, ou os gametas, o DNA dos cromossomos tem de se dividir em dois, e ainda, mandar metade do material para se mandar à outra metade do outro sexo. Desta maneira, cada célula filha recebe uma cópia do cromossomo paterno e uma cópia do cromossoma materno. A
meiose ocorre para reduzir o número de cromossomos. A meiose é um processo que envolve 2 divisões celulares com somente uma duplicação de cromossomas.A síntese evolucionária trouxe consigo, da genética e bioquímica molecular, a necessidade de novos conceitos para uma explicação dos mecanismos envolvidos na evolução. A unidade de hereditariedade, que passou a ser chamada de gene, apresenta diferentes versões que codificavam uma mesma característica de formas diferentes, chamadas de alelos. O gene para cor de olhos, por exemplo, pode apresentar um alelo para olho azul e um para olho castanho (é claro que o exemplo visa somente explicar o que é um alelo, não indicando que exista somente um gene que influencie a cor do olho e também sem indicar que somente estes dois alelos, azul e castanho, podem ser encontrados) . Como são as populações que evoluem e não os indivíduos, esta é a base da evolução das espécies. Espécie é por definição um conjunto de indivíduos com características morfológicas similares entre si, capazes de se reproduzir, e que são isolados reprodutivamente das outras espécies.
Para entender a evolução é necessário ver as populações como uma coletividade de indivíduos, cada um contendo características diferentes. Um único organismo nunca é típico de uma população inteira, a não ser se não existir variedade dentro daquela população. Organismos individuais não evoluem porque eles mantém a mesma carga genética durante toda a sua existência. Quando uma população está evoluindo, a taxa de diferentes tipos genéticos está se alterando.
O conjunto das características morfológicas, fisiológicas, bioquímicas, comportamentais e outras propriedades exibidas por um organismo vivo são chamadas de fenótipo. O fenótipo é determinado pelos genes e pelo ambiente . Os homens são maiores e vivem mais tempo hoje do no passado, indicando uma clara mudança no fenótipo, como resultado de uma melhor alimentação, dos avanços da medicina, das condições de higiene, da tecnologia e do saneamento básico. Abelhas se tornam rainhas exclusivamente por receberem durante o período em que eram larvas alimentação diferenciada. Alterações do fenótipo (que podem ser enormes, como no caso das abelhas ou sutis como no caso dos humanos), induzidas somente por mudanças no ambiente, não contam como evolução porque não são transmitidas hereditariamente, ou seja, a alteração não passa para o código genético da prole.
Para que exista a mudança das características dos indivíduos ao longo do tempo que sejam transmitidas aos descendentes, ou a mudança da freqüência de alelos dentro de uma população ao longo do tempo, a evolução requer variações genéticas, ou seja, devem existir mecanismos para aumentar ou criar a variação genética. Se estas variações fossem constantes e crescentes, dentro em pouco não teríamos espécies, e cada indivíduo seria completamente diferente dos outros. Então, também deverão existir mecanismos para diminuir ou pelo menos para manter as variações que se provaram benéficas. Os mecanismos da evolução, que atuarão sobre as variações e farão as populações se modificarem, são a seleção natural, a deriva genética, a mutação, recombinação e o fluxo de genes.
A fonte de variação genética dentro de uma população é a mutação. A mutação é uma mudança aleatória na cópia da molécula de DNA que alteram a seqüência de um gene. A mutação pode ocorrer quando uma "letra" do código genético é mudada para outra, pedaços de DNA são inseridos ou removidos de um gene e genes, ou partes de genes são copiados ou invertidos. A maioria das mutações são neutras do ponto de vista adaptativo e a maioria das mutações que tem algum efeito fenotípico são prejudiciais. Entretanto, a mutação cria novos alelos. Os alelos prejudiciais que surgem através de mutações tendem a ser removidos da população através da seleção natural, mas a deriva genética pode mantê-los, em baixa freqüência, dentro do pool genético. A seleção simplesmente não pode atuar sobre estes alelos quando eles são recessivos e ficam mascarados pelo caracter dominante não prejudicial porque o indivíduo que os carrega não sofre os efeitos prejudiciais.
Um exemplo de mutação benéfica vem do mosquito Culex pipigens. Neste mosquito, um gene envolvido no metabolismo de organofosfatos se duplicou e como os organofosfatos são ingredientes comuns em inseticidas, o mosquito passou a processá-los mais eficientemente e esta mutação se espalhou rapidamente entre a população. Assim, o pipigens passou a assimilar os organofosfatos dos inseticidas, escapando da pressão humana de seleção.
O mosquito Aedes aegypti, conhecido por ser o transmissor da febre amarela e da dengue, estudado por Severson e outros, havia sido exposto a inseticidas com base em DDT no passado, antes dos organofosfatos passarem a ser os principais inseticidas. Por quase duas décadas, inseticidas à base de organofosfatos têm sido utilizados ao invés daqueles com base no DDT. Nestas populações, foi encontrada pouca variação na freqüência dos alelos que conferem resistência aos organofosfatos e tanta variação na freqüência dos alelos que conferem resistência ao DDT quanto em quaisquer outros alelos. As mutações nos genes para resistência ao DDT não foram selecionadas, isto é, permaneceram na população, enquanto as mutações nos genes que alteravam a resistência aos organofosfatos foram eliminadas, mantendo-se somente aquelas que eram benéficas ao mosquito.
Existem inúmeros exemplos de insetos que desenvolveram resistência a agentes químicos, como o C. pipigens. O CDC americano (Centers for Disease Control and Prevention) montou um programa para o acompanhamento da evolução da resistência de vetores a agentes químicos, de tão importante que é este mecanismo de adaptação de alelos a novos ambientes. Laboratórios de todos os lugares dos Estados Unidos enviam para o Resistance Surveillance Laboratory do CDC amostras de insetos que se tornaram resistentes a agentes químicos para acompanhamento rigoroso desta evolução.
Mesmo que as mutações benéficas sejam muito mais raras que as mutações prejudiciais, os organismos dotados destas mutações benéficas aumentam em muito a chance de sobrevivência, e de consequentemente espalhar esta mutação para sua prole.. As mutações prejudiciais tendem a gerar uma chance reprodutiva menor, "apagando" a mutação prejudicial da população. No caso do Aedes aegypti estudado por Severson, os alelos que diminuíam a resistência ao DDT puderam aparecer e se espalhar na população porque o DDT deixou de ser utilizado, enquanto os alelos que conferem resistência aos organofosfatos passaram a apresentar menos variação porque as mutações prejudiciais (que conferem menos resistência) foram removidas da população.
Assim como a mutação cria novos alelos, a recombinação de genes através da meiose (processo de separação dos cromossomos para formação dos gametas sexuais), cria novas combinações de alelos. A recombinação também pode formar um novo alelo porque é um processo que atua não somente entre os genes, mas também dentro dos genes.
Novos alelos podem entrar nas populações através de migrações, ou do hibridismo. Se indivíduos de outras populações se acasalam dentro da população local, estão trazendo novos genes para o pool genético local, criando um fenômeno chamado fluxo genético. Em algumas espécies com parentesco próximo, híbridos férteis podem resultar de acasalamentos interespecíficos, e se transformarem em vetores, transportando genes de espécie para espécie. Margareth Kidwell encontrou um exemplo do fluxo genético mais ilustrativo: Duas espécies de mosca-da-fruta, Drosófilas willistoni e Drosófilas melanogaster, são parentes distantes e por isso não se reproduzem entre si. As Drosófila willistoni contém elementos genéticos chamados "elementos P" . Um parasita, que ataca as duas espécies, perfura o exoesqueleto das moscas-da-fruta e se alimenta dos seus fluidos. O material, que inclui DNA, pode ser transferido de uma mosca para outra quando o parasita se alimenta. Os elementos P, cadeias de DNA da Drosófila willistoni, atuando como parasitas de DNA, se incorporam ao DNA da Drosófila melanogaster e rapidamente se espalham pela população. Todas as populações atuais de melanogaster na natureza contém o elemento P, enquanto as espécies de laboratório, cujos exemplares originais foram coletados antes da década de 1940, não apresentam este elemento.
Na Univerity of Norther Illinois, Richard King estudou a cobra Nerodia sipedon, que é uma hábil nadadora mas que passa grande parte do seu tempo entre as rochas e a vegetação das margens. As cobras d’água apresentam normalmente padrões regulares alternados de cores claras ou escuras. No lago Erie elas variam enormemente de cores, das mais coloridas até as quase completamente cinzas. As cobras cinzas se misturam melhor com os leitos rochosos em locais onde não existe vegetação, enquanto as mais coloridas se misturam melhor com os locais onde existe muita vegetação. O padrão de cores é afetado por duas forças opostas: a seleção natural força que sejam mantidas as cores mais discretas, aumentando a chance das cobras de não serem encontradas (e comidas) pelos pássaros e o fluxo genético das cobras com padrões coloridos. King demonstrou que as cobras com padrão colorido apresentam uma taxa de sobrevivência de 78 a 90% daquela apresentada pelas cobras sem padrões coloridos, mostrando uma vantagem seletiva em direção à variedade sem cores. Entretanto, a velocidade desta evolução em direção à menor quantidade de cores é menor do que o que seria previsto na teoria, e King atribui esta pequena velocidade ao fluxo genético vindo das variedades coloridas.
A seleção natural é um poderoso mecanismo de diminuição da variação dentro das populações. Essa afirmação não é tão paradoxal como parece à primeira vista. Em geral pensamos na seleção natural como o mecanismo que gerou a diversidade de vida, e realmente esta visão é verdadeira. Entretanto, dentro de uma espécie localizada em determinado ambiente específico e bem definido, o sucesso reprodutivo diferenciado será responsável por manter somente aqueles genes que contribuíram para este sucesso.
Alguns tipos de organismos, dentro de uma população, deixam mais descendentes do que outros. Ao longo do tempo, a freqüência dos tipos que proliferam mais aumentará. A diferença na capacidade de reprodução entre os diversos tipos de organismos, é chamada de seleção natural, e é o único mecanismo da evolução adaptativa, ou seja, dentre todos os mecanismos que podem provocar mudanças no conjunto de genes das populações, a seleção natural é o que faz com que estas populações fiquem melhor adaptadas a seus ambientes. Formalmente, a seleção natural é definida como "um sucesso reprodutivo diferenciado" de classe pré existentes de variantes genéticas em um "pool" de genes". A forma mais comum de ação da seleção natural é remover da população as variantes pior adaptadas, à medida que estas aparecem via mutação. Em outras palavras, a seleção natural usualmente impede novos alelos de aumentar em freqüência. A seleção natural pode manter ou diminuir a variação genética, dependendo de como agir. A evolução passa a ser descrita estatisticamente, como uma mudança nas freqüências genéticas de uma população ao longo do tempo .
Um dos trabalhos mais citados sobre a evolução através da seleção natural operando na natureza é o trabalho de H.D. Kettlewell sobre a mariposa inglesa (Biston betularia). Esta mariposa, assim como os seres humanos, apresenta várias tonalidades, basicamente falaremos de claras e as escuras. Kettlewell observou que, antes de 1848, a variedade escura representava menos de 2% da população, enquanto que a variedade clara representava 98%. Em 1898, 95% das mariposas encontradas em Manchester e outras áreas industrializadas eram do tipo escura. A população das mariposas havia variado de uma maioria clara para uma maioria escura. A cor da mariposa era determinada primariamente por um único gene. A mudança da freqüência relativa deste gene na população é, por definição, a evolução. A alteração na freqüência relativa deste gene se deve à seleção natural. Durante a segunda metade do século XIX, dada a grande expansão da revolução industrial na Inglaterra, a poluição emitida pelas fábricas escureceu as árvores nas quais as mariposas pousavam. Contra uma superfície mais escura, a variedade clara das mariposas tornavam-se prezas fáceis para os pássaros e, como resultado, mais mariposas escuras sobreviveram até a idade reprodutiva, deixando mais descendentes da variedade escura. A maior quantidade de descendentes da variedade escura gerou o aumento da freqüência relativa desta variedade.
Cyril Clarke acompanhou a população desta mariposa de 1959 até 1995 e demonstrou que a freqüência da variedade escura havia aumentado consideravelmente no período e atribuía este resultado basicamente à melhoria da qualidade do ar (legislações específicas sobre a qualidade do ar entraram em vigor por volta de 1950 em ambos os países). Bruce Grant repetiu a pesquisa na área de Detroit entre 1959 e 1961, e constatou que a freqüência da variedade escura era mais ou menos a mesma daquela encontrada por Clarke. Grant refez seus estudos em 1995 e voltou a encontrar na América freqüências relativas parecidas com as encontradas na Inglaterra, um fenômeno conhecido como evolução paralela. Duas populações geograficamente separadas, quando submetidas às mesmas condições, apresentaram as mesma mudanças.
Peter e Rosemary Grant, estudando os tentilhões das Galápagos por mais de vinte anos, demonstraram que a seleção natural pode atuar bem rapidamente. Eles obtiveram evidências que a seleção natural pode produzir alterações significativas nas características médias de uma população atuando em um período tão curto como alguns meses. Grant estudou os tentilhões na ilha de Daphne Maior, nas Galápagos, onde existiam duas espécies residentes, os tentilhões do cactos (Geopiza fortis) e os tentilhões do solo médios (G. scadens). Suas pesquisas começaram em 1977 e Peter Grant e seus colaboradores identificaram e marcaram centenas de aves, cuidadosamente medindo o tamanho, peso e características dos bicos de cada uma destas aves. Depois de uma grande seca, que reduziu a população de tentilhões de mais de um milhar para duas centenas, em ambas as espécies, aqueles indivíduos que continham um bico maior que a média foram os que sobreviveram. Grant comparou este dado contra o tamanho médio das sementes de que os tentilhões se alimentavam, o tempo que cada pássaro levava para abrir as sementes, etc... e descobriu que durante a seca, quando a comida disponível aos tentilhões diminuiu muito, aqueles tentilhões que tinham um bico mais apropriado para abrir as sementes duras foram os que sobreviveram, mesmo que a variação fosse de somente décimos de milímetro, demonstrando que uma pequena variação pode atuar seletivamente, determinando quem sobreviveu e quem pereceu à seca.
Foi demonstrado em uma espécie de mariposa, Papilio memnon, que um gene determina a forma da asa (com rabo ou sem rabo), enquanto outro determina a cor das asas (se a asa apresentará cores vivas ou escuras), o que daria quatro combinações: cor escura com e sem rabo; cor viva com e sem rabo. Todas estas quatro variedades podem surgir em laboratório, mas somente duas aparecem na natureza. A associação destes dois alelos é mantida de forma não aleatória pela seleção natural. Caso a associação fosse aleatória, na natureza seriam encontradas todas as quatro variações possíveis. As mariposas que apresentam asas com cores brilhantes e rabos, imitam uma outra mariposa que tem um gosto muito ruim para os pássaros. A variedade escura sem rabo se esconde melhor dos predadores. As outras duas variedades possíveis (escura com rabo e brilhante sem rabo), nem se escondem bem dos predadores, nem imitam outras espécies, e estas combinações de alelos vão rapidamente parar na barriga dos pássaros. Os representantes destas mariposas formam uma espécie isolada, críptica, nunca cruzando-se entre si em combinações que surjam as variedades mal adaptadas..
Mas a seleção natural é o sucesso reprodutivo diferenciado, e não somente a sobrevivência do indivíduo. Existem basicamente duas maneiras de deixar mais descendentes do que os outros membros da espécie com os quais um organismo esteja competindo. O primeiro mecanismo é se esconder o melhor possível dos predadores e cuidar de sua própria sobrevivência, de tal forma que sua vida seja bastante longa. Durante este longo período de vida, pode-se acasalar várias vezes, e deixar vários descendentes. A outra estratégia possível é mostrar-se o mais possível e atrair o maior número de fêmeas (ou machos) que puder, e ter o maior número de crias no menor tempo possível porque sendo tão vistoso e atrativo, certamente os predadores também não vão deixar passar em branco. Como estas duas estratégias são estáveis, isto é, ambas podem se manter na natureza, existe um conflito clássico entre seleção natural e seleção sexual.
John Endler, estudou a evolução de peixes da América do Sul conhecidos por suas cores chamativas (Poecilia reticulata), comparando a seleção natural e a seleção sexual. Estes peixes, comumente chamados de barrigudinhos, apresentam diversos padrões de cores, sobre as quais existem pintas multi-coloridas de diversas tonalidades, que são hereditárias e identificam cada peixe porque não existem dois com as mesmas pintas e mesmas cores. Estas pintas aparecem nos machos, aparentemente em função do efeito da testosterona, e não aparecem nas fêmeas. Endler desenvolveu um método de medir cada uma destas pintas e cores, e desenvolveu um padrão que poderia ser armazenado e analisado em computadores. Então ele estudou a variação encontrada nestes peixes em alguns riachos na Venezuela e norte de Trinidad que têm o leito formado por cascalho colorido. Os barrigudinhos de Endler possuem sete inimigos naturais nestes rios, seis peixes e um crustáceo, e as pintas fornecem uma boa camuflagem contra o fundo colorido dos rios. Os predadores foram classificados por Endler em uma ordem de perigo baseado no número de barrigudinhos que eles comiam por hora: a Crenicichia alta, um peixe ciclídeo, representava o maior perigo, e o Rivulus hartii, o menor. Perto das cabeceiras dos rios, onde o único inimigo dos barrigudinhos é o Rivulus hartii, comparativamente mais manso, a pressão seletiva é suave. Descendo o rio, seção por seção, que são separadas por corredeiras, a população de barrigudinhos convive com um número cada vez maior de predadores, até que, perto da base de cada montanha, o riacho fica repleto de todas as sete espécies inimigas, onde a pressão seletiva é a maior. Ao analisar seus dados de campo, Endler descobriu um padrão para as populações de cada trecho: quanto mais predadores, menores e mais apagadas são as pintas e quanto menor o número de predadores maiores e mais brilhantes. Endler examinou esses dados em vários riachos, determinando que, em todos, o tamanho e a quantidade de pintas iam sumindo à medida que o número de predadores aumentava. Ele concluiu que estava observando duas pressões seletivas atuando: a seleção de sobrevivência contra os predadores e a seleção sexual para aumentar as chances de procriação.
Examinando os dados sobre os barrigudinhos, Endler viu neles uma luta entre duas forças concorrentes. Na relativa segurança das cabeceiras, os barrigudinhos mais enfeitados vivem o bastante para conquistar muitas fêmeas antes de serem comidos; a população, portanto, evolui para uma ostentação cada vez maior, e quase todo macho usa um casaco multicor. Mas, nas águas perigosas da base das montanhas, os barrigudinhos espalhafatosos vivem tão pouco tempo que são superados na reprodução pelos barrigudinhos modestos. Portanto, a população evolui para uma monotonia cada vez maior. Os machos cortejam as fêmeas a distâncias de 2 a 4 centímetros, e daí as pintinhas são visíveis; mas, de longe, os machos se confundem com o cascalho. Portanto, os barrigudinhos de pintas pequenas podem se misturar com o fundo aos olhos de seus predadores
A resistência a antibióticos se desenvolve nas bactérias porque existe, em diversos tipos de bactérias, um pequeno número de indivíduos que contém genes que conferem algum grau de resistência àquele antibiótico. Quando uma dose de antibiótico é aplicada à colônia de bactérias, todas as células que apresentem menor resistência são imediatamente mortas ou inabilitadas, enquanto as células mais resistentes se mantém fortes. As células remanescentes podem crescer e se multiplicar, passando a resistência à sua prole. A seleção das bactérias se dá através da eliminação daquelas que não apresentam as características de resistência ao antibiótico, enquanto àquelas que apresentam as características se multiplicam rapidamente no novo ambiente "contaminado" pelo antibiótico.
Talvez o instrumento que melhor se emparelhe com a seleção natural para diferenciar populações de indivíduos seja a deriva genética. Da mesma maneira como foi proposta por Sewall Wright, a deriva genética é uma obra do acaso, que altera a freqüência dos alelos dentro das populações, na maioria das vezes por erros de amostragem, ou seja, a geração seguinte não representa fielmente a geração anterior, na quantidade e proporção de genes.
Ao contrário da seleção natural, que tende a aumentar a adaptação de uma população ao seu ambiente, a deriva genética é um processo absolutamente aleatório, desprovido do sentido de melhorar a adaptação ao longo do tempo. Uma das melhores explicações da deriva genética vem de An Introduction to Genetic Analysis:
Se uma população é finita (como todas as populações são) e se um dado par de pais tem somente um pequeno número de descendentes, então mesmo na falta de qualquer força seletiva, a freqüência de um gene não será exatamente reproduzida na próxima geração em função de erros de amostragem. Em uma população com 1,000 indivíduos, a freqüência de "a" for 0,5 em uma geração, então pode haver chance se ser 0,493 ou 0,505 na próxima geração por causa da produção, por acaso, de um pouco mais ou um pouco menos de cada genótipo. [...] este processo de flutuação aleatória continua de geração a geração, sem nenhuma força empurrando a freqüência de volta ao seu estado original porque a população não tem "memória genética" de seu estado muitas gerações anteriores.
A deriva genética explica como eventos acidentais e aleatórios influenciam a freqüência de alelos dentro de uma população. Desastres, como terremotos, enchentes ou incêndios, podem vir a reduzir o tamanho de uma população, matando os indivíduos de uma maneira não seletiva e o resultado é que os indivíduos que sobrevivem não representam a população original.Quando uma população se reduz muito drasticamente, em um curto período de tempo, os indivíduos que sobrevivem o fazem por puro acaso. Este efeito tem o nome de "gargalo" e é um forte mecanismo de evolução.
No final do século passado, os elefantes marinhos do norte (Mirounga angustirostris) foram praticamente exterminados pela caça, tendo sua população sido reduzida para aproximadamente 20 animais. A população do elefante marinho do norte cresceu para mais de 30,000 indivíduos. Pesquisadores determinaram que eles não apresentavam variações em 24 genes estudados. Os elefantes marinhos do sul (M. leonina), que nunca tiveram suas populações drasticamente reduzidas, apresentam variações genéticas em todos os 24. Slade e outros ao estudarem o DNA do elefante marinho do sul, descobriram que não existia evidência de seleção em nenhum dos loci estudados, o que quer dizer que os alelos se apresentavam distribuídos com bastante diversidade, pois se existisse uma forte seleção, alguns alelos seriam substituídos por aqueles que apresentassem melhor poder de adaptação, e portanto a variação naquele local seria muito pequena.
Outras vezes uma pequena quantidade de indivíduos sai de uma população e coloniza um outro habitat. Estes novos indivíduos, por serem em pequeno número, certamente não apresentarão a mesma variedade genética da população original, representando outra forma de erro de amostragem. Este efeito tem o nome de "fundador", porque uma população fundada por um pequeno número de indivíduos que se tornaram geologicamente isolados da população original poderá não se reproduzir com esta população original, então os genes das gerações futuras serão determinados pelos poucos indivíduos fundadores. O princípio do fundador tem sido usado para explicar vários casos em que uma nova espécie surge rapidamente.
Variações na freqüência dos tipos sangüíneos nos humanos são conseqüências da deriva genética, expressa através do efeito gargalo e do efeito fundador nas populações primitivas. As populações indígenas da Bolívia, por exemplo, praticamente não apresentam tipo sangüíneo B. Por dados publicados em 1976, somente 1,6% destas populações apresentam tipo sangüíneo B, enquanto 93% apresentam tipo sangüíneo O. Só para termos de comparação, a população branca de Saint Luis tinha nesta época 9,9% de tipo sangüíneo B, contra 45% de tipo O. Na metade do século XVIII, um pequeno grupo religioso de 27 famílias se estabeleceu na Pensilvânia, vindo da Alemanha, da região de Rhineland. Este grupo se manteve afastado das demais pessoas, basicamente só promovendo casamentos entre os seus membros. Os Dunkers apresentam alguns traços que apresentam freqüência diferente daquela das populações alemães ou americanas. Na Pensilvânia, 60% dos Dunkers apresentam sangue tipo A, que só ocorre em 45% dos alemães de Rhineland, e 40% dos americanos, por exemplo.
Quando uma população colonizadora é colocada em um ambiente que é diferente daquele ambiente que foi a fonte desta população, é esperado que esta população em particular apresente divergência evolucionária, isto é, que se separe da original, em especial porque os colonizadores representam populações pequenas e portanto mais sujeitas à deriva genética. Populações do lagarto Anolis sagrei foram introduzidas em pequenas ilhas e se diferenciaram uma das outras em um período de 10 a 14 anos. Nas ilhas em que a vegetação era mais diferente daquela em que a população original se encontrava, mais os lagartos se diferenciaram. Ainda mais importante é que a direção destas mudanças seguiram a expectativa de melhor adaptação dos lagartos aos seus ambientes locais. Os resultados desta pesquisa, apresentada por Losos e outros pesquisadores, levam à conclusão que o ambiente determina a evolução da morfologia.
Uma das questões mais debatidas na biologia evolucionária é a importância relativa entre a seleção, que exerce uma pressão no sentido da melhor adaptação das populações a seus ambientes locais através do sucesso reprodutivo diferenciado, e a deriva genética, que é um evento aleatório. A pergunta central é se as imensas variedades genéticas observadas em todas as populações são neutras, e portanto não melhoram as chances reprodutivas e de sobrevivência dos indivíduos, e neste caso a deriva genética seria o principal mecanismo de evolução, ou se os diferentes alelos proporcionam melhor adaptação, e portanto a seleção seria a pressão dominante. A importância relativa da deriva ou da seleção dependerá em grande parte do tamanho das populações. Populações pequenas, isoladas reprodutivamente, tenderão a apresentar características maiores de modificações devidas ao acaso, enquanto populações grandes, onde exista grande contato reprodutivo entre os indivíduos, a seleção deverá ser a pressão predominante.
John A. Endler e Tracy McLellan, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, propõem uma nova síntese da evolução, unindo a genética populacional, que explica a evolução como uma mudança na freqüência de alelos, e os evolucionistas moleculares, morfologistas e paleontólogos, que se concentram na origem das formas variantes, em detrimento da maneira como estas formas de disseminam pela população. A Evolução é um processo em duas fases, que consistem na origem de novas variações, em primeiro lugar, seguindo-se da troca das variedades antigas pelas novas, e "um grande número de processos causa e direciona a evolução".
Eles afirmam que os principais processos evolucionários recaem sobre seis grandes grupos de mudanças, que podem tanto gerar novas variações como podem facilitar a disseminação destas variações, ou ambos. O primeiro grande grupo de processos são os mutacionais. Endler e McLellan escrevem que "A Evolução fundamentalmente depende de variação" e que os processos que alteram os genes fornecem esta variação. Os processos Limitantes, que restringem os tipos de variação possíveis, como os requerimentos funcionais básicos para sustentar um organismo vivo, formam um segundo grupo, porque os seus efeitos são "conseqüências inevitáveis das propriedades do DNA, do sistema genético e das redes de interação nos diferentes níveis de organização", e determinam quais as variações podem e quais não podem ser alcançadas, dentre todas as variações que hipoteticamente seriam possíveis, ou esperadas. O terceiro grupo de processos é definido como os que alteram a freqüência de alelos, como a deriva genética e a seleção natural, e "são essencialmente os únicos processos discutidos nos livros de evolução e genética populacional". Os processos de alteração da freqüência de alelos, embora mais estudados que os demais, ainda apresenta grandes lacunas de conhecimento, além de não explicarem como as variações surgiram em primeiro lugar. O quarto grupo é formado pelos processos adaptativos, que melhoram a adaptação de um organismo a seu ambiente, ou que melhoram a eficiência de resposta das suas funções internas, e podem ser divididos em quatro tipos básicos: a seleção natural atuando sobre as mutações; a exaptação, ou utilização de características existentes para novas funções; a correlação de fatores, em que uma ou mais características são alteradas quando outra apresenta mudanças e a adaptação como mutações provocadas direcionalmente pelo ambiente. Endler e McLellan ainda acrescentam um quinto grupo, formado pelos processos que determinam a Taxa de evolução, sem necessariamente variar dentro das populações. Um dos processos que alteram a taxa com que a evolução ocorre é a forma como os organismos se reproduzem (sexuada ou assexuadamente, por exemplo), a quantidade de recombinação, etc.... Outros fatores ambientais e ecológicos também afetam a taxa com que os indivíduos se acasalam, reproduzem e sobrevivem, como a quantidade de indivíduos na população, a dispersão entre os indivíduos, etc.... O isolamento reprodutivo, ou especiação, também vai alterar a velocidade com que a evolução ocorre, limitando o fluxo de gens entre as duas populações distintas, muito embora não seja uma garantia de que a variação vá ocorrer mais ou menos rápida. O último grupo de processos é formado por aqueles que determinam a direção da evolução. Embora muitos destes processos envolverem uma melhor adaptação dos organismos aos seus ambientes, eles não são em si mesmos processos adaptativos. A forma como alguns mecanismos moleculares reagem, por exemplo, determinam em que direção se dará a evolução. Da mesma forma, a evolução pode ser direcionada pela seleção sexual, ou pela determinante sensorial, que podem gerar desenvolvimento rápido de características sexuais secundárias bastante diferenciadas.
Para que passemos a conhecer como se dá a evolução, segundo Endler e McLellan, deveremos fazer uma nova síntese, pesquisando mais a fundo como ocorrem os processos mutacionais, limitantes, relativos à freqüência, adaptativos, determinantes de taxa e determinantes de direção. Eles defendem um enfoque mais multi-disciplinar voltado às populações naturais, tentando responder às questões básicas da biologia evolucionária.
A Biologia evolucionária se beneficiaria de um enfoque mais equalitário nos diferentes processos, um menor número de exemplos assumindo que só um processo é a causa da evolução, uma maior integração de toda a biologia e um maior entendimento da biologia dos organismos e de como eles se relacionam com os ambientes internos e externos.
Se as melhorias adaptativas vão surgindo assim ao longo do tempo geológico, no sentido de sempre aproveitar melhor as características das variações individuais para a multiplicação das próprias características, seria natural supormos uma direção no sentido da complexidade, em que indivíduos mais complexos como os seres humanos estariam destinados a aparecer pois a inteligência dá uma vantagem competitiva inquestionável na luta pela sobrevivência. Este raciocínio equivocado permeia quase todas as mentes das pessoas que começam o estudo da evolução. O sentido da evolução não é em direção à complexidade, mas em direção da adaptação local, ou seja, as populações evoluem para melhor se adaptar às condições do momento.
J. Adams, C. Paquin, e outros, cultivaram uma bactéria por mais de 260 gerações em um ambiente pobre de nutrientes, o que estimulava uma grande competição entre elas. Eles demonstraram experimentalmente que não existe direção ótima seguida pela evolução, apenas estratégias contingentes. Dentre as várias gerações de bactérias que eles mantiveram, ocasionalmente uma mutação aparecia que permitia seus portadores se reproduzirem melhor que seus contemporâneos. Como em pouco tempo estas linhagens dominavam a cultura. De tempos em tempos amostras das variedades mais bem sucedidas eram retiradas da cultura. Em experiências posteriores, cada linhagem dominante foi posta para competir com as linhagens dominantes imediatamente anteriores, e em pouco tempo também se tornavam dominantes. Entretanto, algumas linhagens anteriores, que não a imediatamente anterior, quando colocadas para competir com as linhagens posteriores, acabavam por dominar. A habilidade competitiva de uma linhagem era sempre melhor que a da linhagem dominante imediatamente anterior, mas a competitividade de maneira geral não estava melhorando. O sucesso de qualquer organismo depende do comportamento de seus contemporâneos. Para a maioria das características ou comportamentos, não existe nenhum design ou estratégia ótima, somente contingentes.
Indivíduos melhor adaptados não significam indivíduos mais complexos. As bactérias bem adaptadas são pouco complexas quando comparadas com os animais superiores, e não existe nenhuma razão para que deixem de ser simples. O custo benefício de se abrir mão da simplicidade não valeria a pena, acrescentaria pouco à sua capacidade de deixar descendentes. Evidentemente estou utilizando uma linguagem metafórica. A seleção, a deriva genética, mutação e recombinação atuam sobre uma geração provocando mudanças adaptativas na próxima, que herdam genes somente daqueles que tiveram mais chance de se reproduzir, e desta forma é um processo cego que obviamente não discute as aspectos de custo-benefício, este é somente um antropomorfismo útil para que as idéias sejam melhor esclarecidas.
As bactérias são de longe as espécies mais populosas da Terra (cada pessoa carrega dentro de seu corpo alguns bilhões de indivíduos, toda uma humanidade), por serem bem adaptadas. Stephen J. Gould afirma que "a árvore evolutiva mais parece um arbusto complexamente aberto e ramificado do que um feixe de gravetos paralelos crescendo para cima, numa direção definida" em contrapartida à imagem de uma árvore frondosa com o ser humano em seu ápice. Cerca de ¼ de todas as espécies multicelulares conhecidas são de besouros. Dentre os três milhões de espécies conhecidas, somente uma alcançou a consciência, o que é um número extremamente pequeno para se afirmar uma direção inevitável neste sentido.
A sobrevivência e a multiplicação de caracteres é extremamente cara. Os indivíduos gastam energia, muita energia, somente para sobreviver e se multiplicar. Qualquer variação, para ser mais sucedida que as predecessoras, proporciona mais eficiência na relação energia gasta x número de descendentes. Uma mudança qualquer, para ser bem sucedida e permitir ao seu portador deixar mais herdeiros, traz benefícios maiores do que o consumo de energia equivalente, senão o indivíduo teria de passar mais tempo se alimentando, ou absorvendo energia, ou ainda teria gasto toda a energia na produção da mudança e não teria forças para fugir de predadores, caçar ou acasalar, e acabaria deixando menos descendentes.
É mais do que claro que uma idéia tão simples e revolucionária como a evolução através da seleção natural de Darwin gerou e ainda gera um mal estar nas pessoas. O caminho que as espécies tomam, em sua diferenciação dos seus ancestrais, é direcionado pelo acaso histórico, e absolutamente desvinculada de eventos sobrenaturais. É muito importante frisar que as espécies atuais surgiram guiadas pelo acaso e não por acaso. Eventos passados, todos eles, determinam os eventos que vemos no presente.
O argumento do "Design" é a idéia de que a perfeição das estruturas das variadas formas de vida claramente revelam o trabalho de um criador inteligente, um ser que projetou cada planta e animal para sua função. O reverendo William Pailey, pensador cristão do século XVIII, introduziu uma das mais brilhantes, e repetidas, metáforas para sustentar este argumento:
Quando inspecionamos um relógio, percebemos...que suas diversas partes são interligadas para atingir um propósito, isto é, que elas são formadas e ajustadas para produzir movimento, e que este movimento é tão regulado de forma que mostra as horas do dia; que se as diferentes partes tivessem outras formas diferentes daquelas que elas têm, ou fossem colocadas de qualquer outra maneira, ou em qualquer outra ordem que não aquela em que são colocadas, ou não seria produzido qualquer movimento na máquina ou ninguém teria encontrado a sua utilidade [...] a inferência que achamos inevitável, que o relógio deve ter tido um fabricante, que deve ter existido, em alguma hora e um lugar ou outro um artífice, ou artífices que o formaram para o propósito que encontramos, que compreende a sua construção e designou seu uso.
Richard Dawkings descreve a evolução como "a escalada do monte improvável", título de um de seus livros. Nesta analogia, representando a paisagem evolutiva proposta por Wright, as mudanças se dão gradualmente e cumulativamente de geração a geração através da transferência de características parentais para a prole são como a subida de um monte íngreme pelo seu lado mais ameno, como uma caminhada constante e demorada, porém muito mais fácil que se escalar o lado escarpado. Passo a passo, melhoria a melhoria (e entenda-se melhoria como qualquer característica que providencia a seu portador melhor chances de deixar mais descendentes), chega-se a características tão sofisticadas que o observador desatento confunde com "design", como se a criatura tivesse sido criada para aquele fim específico. Dawkings afirma que:
O evento da hereditariedade providencia que os melhoramentos acidentais encontrados em cada geração sejam acumulados ao longo de muitas gerações. Ao fim de muitas gerações de encontros cumulativos, produz-se um objeto designóide capaz de nos fazer engasgar de admiração pela perfeição de seu projeto ou design aparente. Entretanto, isso não é design verdadeiro, pois foi Obtido por meio de um processo concretamente diferente.
O exemplo mais utilizado do argumento do "Design" é o olho humano, com sua infinita complexidade e precisão e mais ainda a necessidade de trabalho em conjunto de diversas estruturas para seu perfeito funcionamento (cristalino, sistema nervoso central, o conjunto de músculos que controlam o foco, separação dos diversos comprimentos de onda nas cores, etc...). Alguns inclusive afirmam que o próprio Darwin duvidava que o olho havia se formado através da seleção natural porque ele mesmo havia escrito "Supor que o olho, [..] pudesse ter se formado por seleção natural parece, eu confesso, um absurdo do mais alto grau". Na verdade, este é um exemplo de citação fora do contexto. O que Darwin escreveu sobre o olho, ao contrário de ser uma dúvida à sua própria teoria, foi justamente o contrário. Darwin percebeu que na natureza existem diversas espécies com olhos menos eficientes que os dos homens e mais importante ainda, que cada um destes olhos tinha uma eficiência diferente, do mais simples até o mais complexo. A citação completa de Darwin, dando sentido à frase e à sua argumentação é a seguinte:
"Supor que o olho, [..] pudesse ter se formado por seleção natural parece, eu confesso, um absurdo do mais alto grau. Entretanto, a razão me diz que, se podemos demonstrar que existem numerosas gradações de um olho perfeito e complexo até um simples e muito imperfeito; se mais ainda, o olho varia ligeiramente, e as variações são hereditárias, o que certamente é o caso; e se qualquer variação ou modificação neste órgão for útil ao animal sob condições de vida em mudanças, então, a dificuldade em se acreditar que um olho perfeito e completo pudesse se formar por seleção natural, embora insuperável para nossa imaginação, dificilmente poderia ser considerada real"
O olho humano, é o mais citado exemplo de "Design complexo", mas na verdade é um exemplo falso. Os foto receptores no olho estão de cabeça para baixo, com os vasos sangüíneos e nervos na sua frente, o que causa deficiências na visão humana, inclusive com o surgimento de um ponto cego causado pelo buraco onde os neurônios saem do olho (este ponto cego é chamado de disco óptico e é compensado pelo cérebro que cobre esta falta de imagem "copiando" ou "interpolando" as imagens adjacentes). O olho de uma lula, por outro lado, não apresenta nenhum destes defeitos. É difícil acreditar em um projetista que "desenha" um ser com um cérebro tão interessante e complexo como dos humanos e coloca no mesmo projeto um olho menos eficiente que o de uma lula.
[O olho dos moluscos] é uma maravilha da evolução. Está fora de nosso conhecimento como uma ferramenta tão complexa pode existir em espécies tão primitivas. Logicamente, ele não pertence ali. Mas, o que a natureza conhece sobre nossa lógica?
A imperfeição de "Design" é mais comum do que parece. O ser que colocou o relógio no campo, para ser achado pelo homem que passava, não parece ser o mesmo que colocou ossos leves e ocos, apropriados para aves que voam, em avestruzes e emas; toupeiras e morcegos com olhos com lentes e retinas; o polegar desajeitado do panda ou pulmões em seres eminentemente adaptados à vida em ambientes marinhos, como baleias e golfinhos.
Evidentemente, se fôssemos sentar em uma prancheta e desenhar um ser vivo, mesmo com nosso conhecimento limitado, não iríamos criar nenhuma forma de vida que precisasse ir ao banheiro deixar os restos de seu metabolismo, porque criaríamos organismos mais eficientes. Também não deixaríamos que o ponto máximo de nossa criação fosse menos eficiente em visualizar uma flor do que um inseto, que fosse desprovido do sentido de percepção de eletricidade de alguns peixes ou que fosse menos sensível aos odores que uma formiga. Estes exemplos de deficiência nos sentidos humanos só encontram explicação através de duas afirmações: primeiro os humanos não são o ponto máximo da criação especial de nenhum ser, não foram criados à imagem e semelhança de ninguém, exceto através das contingências da adaptação aos ambientes e histórias locais e, segundo, não existe nenhum ser para criar tal diversidade, simplesmente porque o processo de evolução torna a presença deste ser sobrenatural desnecessária. Se deixamos a vida fluir, características excepcionais como a visão tridimensional em infra-vermelho, ou a sensibilidade às ondas elétricas podem aparecer, como o fizeram, simplesmente através de uma contínua adaptação contingente ao ambiente local.
As estruturas complexas, como o olho humano, podem se formar através da evolução sem evocar nenhuma intervenção sobrenatural e nem mesmo um processo extremamente diferenciado, fora do tradicional gradualismo. Dan Nilson e Susanne Pegler fizeram em 1994 uma análise computacional a fim de simular a evolução de um olho. O modelo matemático que eles utilizaram começa com uma região plana de células sujeitas a vários tipos de ligeiras mutações aleatórias (como o aumento ou diminuição da transparência, da sensibilidade à luz, coeficiente de crescimento, etc...). O programa calculava a eficiência da detecção de luz para cada variação mutante, e os modelos mais eficientes eram "permitidos" se reproduzirem a uma taxa 1% superior aos demais. Trabalhando sozinho, em pouco mais de 350,000 gerações – um período de tempo tão curto como um piscar de olhos no tempo geológico, se considerarmos aproximadamente um ano por geração, como nos peixes - aquela placa de células virtuais tinha se transformado em uma cavidade esférica, formando uma câmara escura, com uma abertura para entrada de luz similar a uma iris e, mais impressionante, uma lente convergente que, similar aos olhos humanos, tem densidade variável.
Existe na natureza uma série de estruturas visuais que variam em complexidade, desde um simples conjunto de células que respondem aos estímulos luminosos, passando por olhos sem lentes, até os complexos olhos dos mamíferos. Apesar destas estruturas sensoriais para a luz representarem desenvolvimentos diferentes, indicam que – pelo menos – estruturas visuais intermediárias entre o não-olho e o olho são possíveis. As planárias, águas-vivas e estrelas-do-mar apresentam células fotosensíveis que cobrem todo o corpo do animal. Quando expostos à luz, uma reação química nestas células estimula o animal a voltar para a escuridão. As amebas mudam de direção em estímulo à presença de luz, indicando alguma forma sensorial química, e não através de um órgão específico. As anêmonas continuam respondendo à luz mesmo quando têm o sistema nervoso imobilizado por anestesia, indicando que certas células reagem à luz da mesma forma como nas anêmonas, prescindindo de um sistema nervoso que transmita as informações sobre o estímulo luminoso para ser processado em outro local. Alguns anelídeos possuem conjuntos de células com pigmento que reagem à luz. Geralmente este conjunto de células, um proto-olho muito simples, não passa de um sinal de pigmento. Em alguns animais este sinal afunda, formando um buraco, em que as células pigmentadas fiquem no fundo. Entre os invertebrados, olhos mais complexos aparecem nos artrópodes, com os olhos compostos, e cefalópodes, com os olhos tipo câmara. O Nautilus ponpilius, um molusco simples, apresenta um olho que não tem córnea ou lentes. As células fotorecptoras no Nautilus estão expostas à água do mar, dentro de uma invaginação na forma de copo, tendo somente um furo para entrada de luz. A visão do Nautilus informa somente a direção de onde provém a fonte luminosa, e a imagem que se forma é de muito baixa qualidade. Os olhos compostos dos insetos e crustáceos não apresentam lentes, e também não são baseados no princípio da câmara escura. Ao contrário, cada ommatidia (divisão que corresponde a um pequeno olho), transmite somente uma pequena porção da imagem. Os aracnídeos apresentam o chamado olho simples, que é um conjunto de olhos, de seis a oito, cada um especializado em uma função com o intuito de formar uma imagem clara. O sistema de olho simples não apresenta controle de foco, portanto os aracnídeos apresentam boa visão de perto, mas têm de mover todo o corpo para alterar o foco. Os vertebrados apresentam olhos baseados em câmaras escuras e lentes, considerado o olho mais sofisticado no mundo animal. O olho tipo câmara-lente permite um foco preciso, imagem de alta qualidade e julgamento de movimento e distância. Vários répteis e a maioria das aves percebe as cores. Não há evidências de visão de cores em anfíbios. Os primatas superiores, entre eles os homens, apresentam uma excelente visão de cores, uma situação excepcional entre os mamíferos.
Confusão de teoria com hipótese
Quando falamos, normalmente utilizamos as palavras "teoria" e "hipótese" como se fossem a mesma coisa, o que tem gerado um grande problema para os biólogos explicarem que a "teoria da evolução", não é uma idéia sem fundamento. Ao contrário, no mundo científico, teoria e hipóteses são duas coisas completamente distintas. Hipótese é uma proposição, ou explicação, que ainda não é comprovada, e que demanda evidências para que seja aceita ou rejeitada. Teoria, por outro lado, é muito mais do que uma hipótese, "Uma teoria científica é o ponto final do método científico, geralmente o fundamento de um campo de conhecimento inteiro" .
Esta idéia de que a evolução é meramente uma teoria, e portanto não comprovada, é particularmente agravada quando aliada ao argumento que os eventos descritos pela evolução aconteceram há tanto tempo no passado que ninguém tem como comprovar se realmente os fatos decorreram conforme alegado pela teoria. Prova absoluta, em qualquer ramo da ciência, é impossível. As evidências, entretanto, nos levam a crer que uma hipótese é verdadeira, e portanto aceitável até que se novas evidências provem o contrário, ou falsa, e descartada imediatamente. Da mesma maneira, os eventos do passado também estão sujeitos a comprovação com base nos dados encontrados no presente, mesmo que a observação direta seja impossível. Como diria Ruse, "A evidência que tenho um coração é uma evidência indireta, uma vez que nem eu nem ninguém jamais o viu, mas será que alguém realmente acredita que eu ter um coração não é um fato?"
Que as espécies mudam ao longo do tempo é inegável. Mas será que "cachorros viram gatos"? Parece óbvio que não. Estas grandes mudanças são chamadas de macro-evolução, e culminam com novos projetos estruturais e, finalmente, novas espécies. O argumento de Darwin, e de toda a moderna síntese, diz que novas espécies surgem através da diferenciação de espécies ancestrais. Darwin não viu isto acontecendo, muito menos os matemáticos da síntese evolucionária. Mas alguns cientistas viram, acompanharam e documentaram o surgimento de novas espécies.
Em 1964, o Dr. J. Reish recolheu 5 ou 6 anelídeos (Nereis acuminata) do porto de Long Beach e deixou esta amostra crescer até que chegasse ao tamanho de milhares de indivíduos. Quatro pares deste grupo foram levados ao Woods Hole Oceanographic Institution, e foram utilizadas por vários anos para testes de toxicologia ambiental. De 1986 a 1991, duas novas amostras de N. Acuminata foram coletadas nas cercanias das Baías de Long Island e NewPort Beach, e estas populações foram criadas segundo os mesmos critérios da amostra em Woods Hole. Weinberg e outros fizeram então experiências de isolamento reprodutivo entre estas três populações. Cruzaram as três amostras, as duas recolhidas recentemente com aquela de Woods Hole, descendente da população recolhida por Reish, e verificaram que cada uma das populações cruzava entre si, as populações recolhidas recentemente cruzavam entre si, mas a amostra de Woods Hole não procriavas com as outras duas. Por definição, o isolamento reprodutivo define uma espécie.
As espécies de peixes da família Cichlidae apresentam uma enorme diversidade de formas e cores. Estes peixes, apesar de presentes em várias regiões do planeta, são melhor representados pelos exemplares africanos. Os dados geológicos mostram que o lago Vitória, na África, se formou entre 250,000 e 750,000 anos atrás. O lago Vitória contém mais de 400 espécies de peixes da família Cichlidae. Os lagos Malawi e Tanganyika são estreitos e extremamente profundos porque eles estão exatamente em cima da rachadura que separa as placas tectônicas do leste africano da placa central africana. Malawi tem cerca de 4 milhões de anos, e contém de 300 a 500 espécies Cichlideos. Tanganyika tem de 9 a 12 milhões de anos, e contém cerca de 200 espécies. Apesar da idade da família Cichlidae e dos seus lagos nativos, a incrível variedade de espécies só apareceu recentemente, nos últimos milhões de anos. As espécies desta família de peixes apresentam alguns fatores que garantem a manutenção da diversidade de tantas espécies aparentadas, ocupando a mesma área geográfica, sem competir diretamente uma com a outra. A adaptação da morfologia das mandíbulas segundo cada hábito alimentar garantiu que as espécies não competissem por alimento entre si, assim como o comportamento reprodutivo diferenciado de cada espécie impede que elas se fundam novamente nas espécies originais. A coloração dos machos muitas vezes é a única diferença entre duas espécies que são isoladas reprodutivamente, indicando que a seleção sexual têm mantido as espécies isoladas porque as fêmeas escolhem os machos identificando-os pela cor. Estudos recentes utilizando modernas técnicas de pesquisa genética demostraram que linhagens antigas de peixes do oeste da África colonizaram primeiro o lago Tanganyika, e que os peixes atuais são descendentes de 11 espécies ancestrais. Axel Meyer determinou através da comparação do DNA mitocondrial, que os peixes do Lago Vitória eram todos muito mais aparentados entre si do que com os morfologicamente parecidos peixes dos outros lagos. No lago Vitória as espécies evoluíram quase inteiramente de uma única linhagem, e depois se diversificaram. Ainda como evidência da rápida especiação destes peixes, o pequeno Lago Nabugabo se separou do Lago Vitória quando um banco de areia surgiu, não antes do que 4,000 anos atrás, e hoje apresenta 5 espécies endêmicas, isto é, espécies que só existem naquele lago.
A seleção natural não é meramente a sobrevivência do mais adaptado, ao contrário do que pode se pensar. A simples sobrevivência não determina, sozinha, o quanto uma espécie está adaptada ao seu meio-ambiente. Alguns alelos aumentam em freqüência em função da deriva genética, e não conferem, necessariamente, maior adaptação. Michael Ruse lista três argumentos testáveis com os quais todos os Darwininstas devem se comprometer: (1) Que existe uma luta pela reprodução, (2) Que o sucesso nesta luta depende das características do organismo (mais do que ser um resultado aleatório) e (3) que a seleção favorecerá as mesmas características, sob as mesmas circunstâncias
Ernst Mayr, da Universidade de Harward, lista os principais elementos da teoria Darwinista como: a noção de que as populações de organismos se transformam ao longo do tempo; a ancestralidade comum de todos os organismos; a multiplicação do número de espécies através da especialização; mudanças graduais opostas a saltos bruscos e a seleção natural como a força por trás da mudança. Embora exista muita controvérsia no meio científico quanto à seleção natural como único agente evolucionário e quanto à velocidade das mudanças, existem muitas evidências da transformação das populações dos organismos ao longo do tempo, assim como com relação à ancestralidade comum das espécies.
Nada na biologia tem sentido, exceto à luz da evolução
Theodosius Dobzhansky
As várias religiões tem histórias de como os homens foram criados, ou de como eles se tornaram homens e de como deus, ou os deuses, criaram todas as coisas vivas.
Será que podemos criar nossa própria história, com base no pouco conhecimento científico que acumulamos nos últimos trezentos ou quatrocentos anos de utilização do método científico ou será que deveremos continuar a utilizar os contos de fada propostos pelas crenças? Embora seja difícil reconstituir cada momento do passado distante, a ciência cada vez mais nos apresenta evidências do que aconteceu com a vida na Terra. Ao contrário do dogma das histórias de criação das diversas religiões, a história da vida na terra é re-escrita cada vez que os cientistas encontram uma nova evidência, uma pequena pista que se encaixa no quebra-cabeças da evolução do planeta.
Antes de haver vida na terra, havia moléculas inorgânicas, diluídas pelos oceanos. É difícil definir o que é a vida, entretanto podemos determinar alguns componentes básicos. Uma forma de vida deverá poder se reproduzir, ou seja, fazer cópias de si mesma. Deverá também fazer cópias que sejam mais parecidas com sigo mesma do que com o resto das formas de vida. Supõe-se que as primeiras estruturas que podemos parcialmente chamar de vivas foram moléculas que se replicavam, que faziam cópias de si mesmas. Mas moléculas que fazem cópias de si mesma não são encontradas soltas pela natureza, vagando pelos mares. Estas são moléculas complexas, e a vida – como existe hoje – as utilizaria como alimento (ou seja, as quebraria em moléculas mais simples, e utilizaria seus componentes para construir outras moléculas). É possível que no passado, quando as condições do planeta eram diferentes, e em especial quando não havia outros "predadores" vivos, estas moléculas tivessem surgido.
Na década de 1950, Stanley Miller misturou amônia, metano, gases hidrogenados e água, reproduzindo a atmosfera e os mares de uma terra primitiva, e submeteu esta sopa química a descargas elétricas, simulando os raios que deveriam existir neste "planeta primitivo" produzido no laboratório. Após alguns dias, Miller observou que haviam sido produzidos aminoácidos e outras moléculas orgânicas que poderiam formar os blocos da vida. A experiência de Miller demonstrou que a vida, ou pelo menos os blocos fundamentais das proteínas, poderiam surgir de elementos químicos inertes pré-existentes no planeta.
Logo após as experiências de Miller, as atenções se voltaram aos ácidos nucleicos, que são as únicas moléculas que sabemos que se replicam. O debate que se seguiu foi se as proteínas ou os ácidos nucleicos teriam dado origem à vida, criando um verdadeiro paradoxo: O DNA codifica o RNA, que por sua vez codifica as proteínas, portanto necessitamos dos ácidos nucleicos para formar as proteínas e, por outro lado, as moléculas de ácido nucleico são muito complexas para terem se formado espontaneamente, portanto deveriam surgir de proteínas mais simples. Ou seja, seriam necessárias todas estas moléculas atuando ao mesmo tempo, uma formando a outra. Seria impossível achar a origem da vida sem DNA, RNA e proteínas atuando em conjunto, como vemos hoje.
O DNA contém o genoma, ou os códigos que são utilizados para a formação das proteínas. Em um animal vertebrado, o genoma pode ser constituído de 50 a 100 mil genes, que é cada um uma instrução. Cada gene é composto de 2 a 3 mil pares de base (letras genéticas). Entre os pares de base que compõem um gene ativo, cada trinca, chamada de codon, se traduz em um aminoácido. Isso acontece porque existem 20 aminoácidos e 4 bases (ATCG). Dois pares de base não seriam suficientes para codificar todos os aminoácidos (4 x 4 = 16), então são utilizados três pares de bases, ou o codon. Os produtos finais dos genes, como transcritos externamente através da célula por muitas reações químicas perfeitamente encadeadas, são seqüências de aminoácidos enroladas em grandes moléculas de proteínas. Em um vertebrado típico existem cerca de 100 mil tipos de proteínas, cada uma com uma função. Enquanto os ácidos nucleicos constituem os projetos para a construção das proteínas estas são a substância da vida, constituindo metade do peso seco do animal. As proteínas formam os músculos, o sistema de transporte de oxigênio, o material celular e a maioria das outras características dos seres vivos, incluindo enzimas que atuarão catalisando reações de outras proteínas. O papel de uma proteína é determinado não somente pela seqüência de aminoácidos que a constitui mas também pela sua forma. Certas proteínas, com contornos especiais, catalisam a química da célula. Em alguns pontos de sua superfície está o local ativo, um bolso ou sulco que consiste de alguns dos aminoácidos, mantidos no lugar pela arquitetura dos aminoácidos restantes. Somente algumas moléculas, que também têm forma especial, encaixam-se no local ativo e, assim que uma se fixa corretamente, o local ativo muda ligeiramente de forma, alterando-a ou quebrando-a. Terminado o processo, o local ativo da molécula de enzima retorna à forma original, com estrutura química inalterada, para recomeçar o processo com a próxima molécula que ali se encaixar.
O ciclo vicioso do tipo "quem apareceu primeiro, o ovo ou a galinha", ou mais propriamente o DNA ou a proteína, foi resolvido quando Tom Cech, da Universidade do Colorado fez a descoberta de enzimas baseadas em RNA (ribozimas), que se dividiam e atuavam catalisando reações químicas. Ainda, Sidney Altman, da University of Yale fez estudos mostrando que o RNA seria suficiente para acontecer a catálise, confirmando, independentemente, os resultados de Cech. Baseado nestas descobertas, Walter Gilbert, da Universidade de Harward, propôs o termo Mundo-RNA para a hipótese de que as primeiras formas de vida seriam moléculas de RNA, que é o verdadeiro construtor de proteínas.
Podemos contemplar um mundo de RNA, contendo somente moléculas de RNA que servem para catalizar a síntese de si mesmas.
Os estudos sobre o RNA como a molécula replicadora original, têm inspirado cientistas a inúmeras linhas de pesquisa, como recriar as condições da Terra quando jovem, descobrir novas funções do RNA e procurar indícios de vida nas rochas mais antigas. Existem dúvidas se o RNA foi a primeira molécula replicadora, ou se outras moléculas mais simples o precederam como primeiras formas de vida na Terra. O RNA como molécula é bastante sofisticado, e uma grande parcela dos cientistas acredita que os processo de reprodução aconteceu antes, com moléculas mais simples, que acabaram por gerar moléculas complexas como o RNA. Gerald Joyce, bioquímico do Scripps Research Institute, afirma:
Embora existam boas evidências sugerindo que uma forma de vida baseada no RNA existiu bem cedo da história evolucionária, existem algumas razões para acreditar que a evolução darwininana não começou com o RNA.
Joyce acha difícil que os nucleotídeos necessários para a formação do RNA possam ser arrumados na ordem certa, que proporcione uma molécula ativa, nas condições pré-bióticas, sem a ajuda da catálise biológica. James Ferris, editor do jornal Origins of Life and Evolution of the Biosphere, por outro lado, não considera isso difícil. Ele diz que certos tipos de materiais inorgânicos poderiam atuar como uma superfície de absorção destes monômeros, concentrar e catalisar a formação de proteínas mais complexas, atuando como proto-enzimas. De qualquer forma, a vida começou quando uma molécula passou a se dividir e fazer cópias de si mesma e quando as cópias apresentavam alguma variação entre si.
O ancestral comum de toda a vida, provavelmente utilizava o RNA como seu material genético, ou utilizava alguma outra molécula com propriedades muito parecidas, ou era simplesmente esta molécula. Este ancestral deu origem às três principais linhagens de vida: os procariotes, bactérias ordinárias, desprovidas de núcleo, archeobactérias, bactérias de condições extremas, e os eucariotes, células em que os núcleos e outras organelas são separados do resto do material celular através de membranas, e que incluem as amebas, fungos, plantas e animais. O processo de tradução das informações do RNA mensageiro em proteínas é bastante similar nestas três linhagens. Porém, o processo de organização do genoma e transcrição do DNA em RNA dos eucariotes e archeobactérias é bem diferente daquele dos procariotes. Isso significa que o ancestral comum a estas três linhagens era baseado em RNA, que deu origem ao genoma de DNA e desenvolveu mecanismos de transcrição do DNA em RNA independentemente.
As primeiras células deveriam ser anaeróbias porque não havia oxigênio na atmosfera. Os procariotes são células em que o núcleo e organelas não são separados por membranas do resto do material celular. Constituem o que chamamos de bactérias verdadeiras, e são aproximadamente dez vezes menores que as células eucariotes (nucleadas, como as que formam os animais e plantas atuais). As cianobactérias são um grupo especial de procariontes porque são bactérias que expelem uma parede celular bem grossa, e formam grandes estruturas em níveis, chamados estromatólitos ou oncolitos, dependendo da forma desta estrutura, e que se formam quando um conjunto de bactérias cresce em um ambiente aquático, retendo sedimentos e algumas vezes expelindo carbonato de cálcio. Rochas da Austrália, com idade estimada em 3,5 bilhões de anos, contém evidências de comunidades de bactérias organizadas em estromatólitos. Fósseis como estes foram achados em várias partes do mundo. Todas as células com mais do que 1,9 bilhão de anos são procariotes e não contém núcleo. Assim, as bactérias foram as únicas formas de vida sobre a Terra por um longo período de tempo.
Quando as primeiras células vivas foram geradas nos mares primitivos como resultados da evolução química ocorrida durante bilhões de anos, a atmosfera continha pouco oxigênio molecular e as proto-células produziam energia através de um metabolismo primitivo, chamado
fermentação. Esta proto-células não utilizavam o oxigênio como oxidante de substâncias orgânicas. Estas primeiras células procariotes devem ter sido muito abundantes nos mares primitivos até que os nutrientes livres se esgotaram. Naquele momento, novos mutantes que produziriam substância orgânica através de seus próprios metabolismos, utilizando a luz do sol como fonte de energia, CO2 como fonte de carbono e H2 ou H2S como fonte de hidrogênio, em um processo conhecido como fotosíntese, tinham uma vantagem seletiva absoluta. As bactérias fotosintéticas atualmente existentes somente realizam este processo sob condições anaeróbias, indicando que a fotosíntese se originou sob condições anaeróbias da Terra primitiva. Procariotes fotosintéticos mais desenvolvidos, como as Cianobactérias, passaram a utilizar água (H2O) como fonte de hidrogênio e, como resultado, a bactéria produz O2 como sub-produto da separação da água. Com o tempo, esta transformação da forma de fotosíntese contaminou a atmosfera com oxigênio, até que chegássemos aos níveis atuais, forçando as Cianobactérias a se adaptar ao oxigênio, originando as bactérias aeróbias. As bactérias de enxofre verdes ou bactérias de enxofre roxas podem ser as bactérias fotosintéticas mais primitivas porque as primeiras são completamente anaeróbias e as segundas micro-aeróbias. As bactérias não-fulforosas roxas tiveram que evoluir além das bactérias anaeróbias. Elas geralmente podem respirar O2 na presença de um nutriente orgânico satisfatório, mas a fotosíntese só é executada anaerobiamente (foi achada recentemente na natureza uma variante que realiza fotosíntese aerobiamente, mas é extremamente rara). Considera-se, de qualquer forma, que as primeiras bactérias a produzir oxigênio foras as Cianobactérias, que adquiriram evolutivamente a capacidade de realizar a decomposição da água. As bactérias não-sulfurosas roxas se adaptaram posteriormente ao oxigênio liberado pelas cianobactérias em sua fotosíntese.Nas algas e nas plantas verdes a fotosíntese ocorre em organelas dentro das células chamadas cloroplastos. Estes cloroplastos eram originalmente bactérias independentes, aparentadas às cianobactérias, que foram englobadas pelas eucariontes e eventualmente entraram em um relacionamento endo-simbiótico. Os cloroplastos contém seu próprio DNA, e este DNA é mais próximo das cianobactérias do que dos cloroplastos em relação ao DNA do núcleo da célula em que eles residem.
Com o surgimento da fotosíntese, os níveis de oxigênio molecular na atmosfera e nos oceanos aumentou muito, criando um verdadeiro holocausto. Cerca de 70% da flora e da fauna do Pré-Cambriano desapareceu nesta primeira grande extinção. A maioria das bactérias eram anaeróbias e morreram instantaneamente na presença de oxigênio. O oxigênio também é um dos elementos químicos mais reagentes, atacando (oxidando) as ligações moleculares rapidamente. Neste período, ocorreram grandes transformações globais. Inicialmente, os materiais existentes em alta concentração nos mares foram oxidados e precipitaram, em especial o ferro, que formou camadas depositando-se no fundo dos oceanos. A presença de óxidos de ferro em diversos solos antigos e a aparição de leitos vermelhos, contendo óxidos de metais indicam um crescimento bastante acelerado nos níveis de oxigênio na atmosfera neste período. Inúmeras espécies se extinguiram, enquanto outras continuaram a viver em micro-ambientes anaeróbios, e estas espécies sobreviveram até os dias de hoje. Várias linhagens evoluíram independentemente e passaram a respirar oxigênio e obtiveram a vantagem adicional de produzir grandes quantidades de energia para suas células.
Assim como nas células que realizam a fotosíntese existem organelas para realizar esta função, as células que processam o oxigênio também têm organelas específicas, chamadas mitocôndrias, que utilizam o oxigênio para produzir energia através da respiração. A energia produzida pela oxidação é aproximadamente 20 vezes mais eficiente do que a produzida pela fermentação, o que evidentemente é uma grande vantagem aos organismos que produzem energia desta maneira.
A professora Lynn Margulis, da University of Massachussetts, criou a teoria da endo-simbiose, que sugere que as mitocôndrias são bactérias em separado que cohabitam o interior das células. As mitocôndrias têm seu próprio DNA, que da mesma forma que as bactérias é um anel em um único cromossomo, indicando que se formaram através de uma união endo-simbiótica.
As mitocôndrias formaram esta relação simbiótica bem no começo da história dos eucariontes, e podemos perceber isso pelo fato de quase todos os grupos de eucariontes têm mitocôndrias.
Os cloroplastos se reuniram a algumas linhagens de bactérias mais tarde, vindos de diversas origens.
Para reforçar a hipótese da mitocôndria ser uma bactéria em separado, que depois começou uma relação de endo-simbiose com os eucariotes, o detalhamento de cada um dos mais de um milhão de pares de bases do genoma da bactéria que causa o tifo, Rickettsia prowazekii, demonstra que ele é mais parecido com o das mitocôndrias do que com o de qualquer outra bactéria.
As bactérias com núcleos e organelas separadas do resto do material celular, os Eucariotes modernos, somente aparecem cerca de 1,7 a 1,9 bilhão de anos atrás. É possível que existissem células verdadeiras, eucariotes, com núcleo, antes desta época, mas existem poucos registros fósseis com mais de 2,5 bilhões de anos. O intemperismo nas rochas e as suas movimentações em geral destruíram todos os fósseis mais antigos, fora raras exceções.
Não existem registros fósseis da transição das células procariotes, sem núcleo, para as células eucariotes, muito mais complexas que as anteriores. As células eucariotes formam todos os animais pluricelulares, como as plantas, fungos e animais. Sem as células eucariotes, toda a variedade de plantas e animais não existiria.Existem eucariotes que têm o núcleo separado do resto da célula por uma membrana, mas não tem mitocôndrias ou outras organelas. Estes seres são chamados
Archezoa e são possíveis exemplos dos ancestrais das células modernas, antes de que mitocôndrias se unissem às células para produzir energia. Muito embora as pesquisas indiquem que as mitocôndrias já exisitiam detnro das células antes dos Archezoa atuais se separarem dos demais protistas, os ancestrais das células modernas dos animais e vegetais provavelmente eram parecidos com estes seres.Os primeiros eucariotes deixaram fósseis unicelulares compostos por pequenas células que se parecem com bolas murchas quando as observamos pelo microscópio. Por milhões de anos, poucas espécies novas apareceram, até 1 ou 1,2 bilhão de anos atrás, quando dezenas de novas espécies surgiram. Uma das centelhas para esta grande diversificação pode ter sido a origem do sexo. Até esta época os organismos se reproduziam fazendo cópias idênticas de si mesmos, como as bactérias fazem até hoje. Os eucariotes desenvolveram uma estratégia mais complicada de reprodução sexual em que os pais misturam seus genes para produzir novas combinações e consequentemente novas possibilidades de mudanças .
O surgimento de seres parecidos com fungos data de cerca de 900 milhões de anos.
No período pré Cambriano compreendido de 700 a 560 milhões de anos atrás, surgiram os primeiros seres pluricelulares. É possível que esta evolução de criaturas formadas somente por uma célula para criaturas formadas por várias células tenha ocorrido diversas vezes independentemente.
Na década de 50, Stanley Tyler e Elso Barghoorn descreveram as estruturas de estromatólitos encontrados na formação Gunflint. Esta formação é uma estreita faixa rica em ferro e sílica que se estende do lago Gunflint em Minnesota até Schreiber, Ontario, datada em 1,9 bilhões de anos. Tyler e Barghoorn dissolveram o sílex Gunflint em ácido fluorídrico e descobriram um resíduo formado de delgados filamentos e de esférulas, ambos bem típicos de plantas primitivas. Logo após a morte destas plantas, seus fragmentos ficaram envolvidos pelas substâncias formadoras do estromatólito, verificando-se assim, a sua preservação através do tempo geológico.A maioria dos fósseis que eles descreveram se pareciam com bactérias atuais, em especial as cianobactérias, mas alguns apresentavam formas estranhas, que não são mais encontradas em nenhum outro ser vivo, como o Eoastrion, em forma de guarda-chuva.
O Dr. Tsu-Ming Han achou recentemente, perto de Ishpeming, em Michigan, fósseis de uma forma de vida marinha, enrolada em espiral, que foram posteriormente identificados como algas eucariotas por ele e Runnegar. Estes fósseis foram achados em uma formação chamada Negaunee, dentro da Empire Mine, datada em 2,1 bilhões de anos. e portanto este fósseis são os mais antigos representantes de células com núcleos. Ao contrário de outra descobertas de fósseis unicelulares, estes fósseis são visíveis a olho nu, cada um com chegando a 90 milímetros se desenrolados.
A vegetação terrestre no período pré-cambriano é inexistente. As paisagem nas áreas secas é bastante desolada, e por muito tempo inóspita, cheia de vulcões e outros cataclismas. Na verdade, a vida como um todo ainda era muito rara, e escondida em nichos bastante específicos. Como os seres vivos não haviam se diversificado significativamente, o pré cambriano, apesar de ser o mais longo período geológico, é também o mais pobre em fósseis de criaturas vivas. Os primeiros animais do pré-cambriano formam um grupo chamado de fauna de Ediacara, com cerca de 670 a 570 milhões de anos, e ainda não se sabe ao certo se ele deixaram descendentes ou se foram totalmente extintos e substituídos por outros animais. Alguns destes animais se parecem com as modernas águas-vivas e anêmonas, outros parecem com vermes. Os animais de tecido mole não deixam fósseis como esqueletos, dentes, ou conchas. Entretanto, os animais da fauna de Ediacara deixaram sua impressão marcada em sedimentos do Pré-Cambriano, e possivelmente também no Cambriano, como se fossem "pegadas" fossilizadas.
Uns 600 milhões de anos atrás, um grupo estranho de criaturas surgiu. Eles não tinham cabeça, rabo, olho ou bocas. Eles não se pareciam com nada mais que apareceu na terra desde então. Por muito tempo se pensou que eles tinham sido um beco sem saída evolutivo, mas eles podem ter sido nossos antepassados. Embora virtualmente desconhecidos para a maioria das audiências, os animais da fauna de Ediacara foram um quebra-cabeças científico desde que eles foram descobertos mais que um século atrás. Eles receberam este nome das colinas na Austrália que comportam grande parte destes fósseis, mas também foram achadas impressões desta fauna em rochas do mundo inteiro, da Inglaterra à África, da Rússia ao Canadá. Os fósseis evocam uma vida marinha muito diferente da presente nos oceanos de hoje, uma mistura de folhagens emplumadas, bolsas enrugadas, gotas aplainadas, e discos. Eles variam em tamanho de uma fração de uma polegada longo para vários centímetros. Muitos são marcados com radiais, pregas concêntricas, ou paralelas,; outros se inscrevem com uma filigrana de ramos delicados. Mais notável são as características que faltam nestes organismos. Eles parecem não ter cabeça ou rabos, interiores ou exteriores, frentes ou parte de trás. Eles não têm nenhum sistema circulatório, nervoso, ou digestivo óbvio. Sem dentes, olhos, ossos, músculos, bocas, e órgãos internos, os animais da fauna de Ediacara são quase impossíveis classificar. Paleontólogos nem mesmo concordam se eles são animais ou vegetais, unicelulares ou multicellulares. Alguns vêem nas suas formas excêntricas linhagens de animais existentes como moluscos, água-viva, anêmonas, e vermes. Um investigador discutiu que eles são liquens.
Os paleontólogos acreditavam que os animais de Ediacara tinham se extinguido mais de meio um bilhão de anos atrás em uma extinção de massa, bem antes do começo do Período Cambriano. Porém novos fósseis sugerem que o crepúsculo desta fauna na verdade se estenda ao amanhecer do Cambriano. Assim, em vez de um beco sem saída evolutivo, estas folhagens de outro mundo, bolsas, gotas, e discos podem ser retratos, na verdade, de ancestrais.
Nos anos que se seguiram à descoberta dos fósseis de Eiacara, na Austrália, paleontólogos passaram a compilar um registro de fósseis semelhantes em outras partes do mundo, predominantemente em sedimentos marinhos do final do Pré-Cambriano, datando de 600 a 544 milhões de anos, e já foram descritos como liquens, protozoários, cnidarios, anelídeos e artrópodes.
Na década de 50, o paleontólogo Martin Glaessner da Universidade de Adelaide fez a afirmação corajosa que a maioria dos organismos de Ediacara eram ancestrais de famílias de animais atuais, como as águas-vivas, anêmonas do mar, algum tipo de anelídeos - um grupo que agora inclui as minhocas e sanguessugas.
O paleontólogo alemão Adolf Seilacher, entretanto, afirmou que nenhum dos animais da fauna de Ediacara apresentava descendentes vivos, e que na verdade eles eram seres unicelulares com uma arquitetura hidráulica que poderia ser inchada com fluido As linhas, anéis, padrões, e ramos que decoram formas de Ediacara eram as paredes dos seus compartimentos hidráulicos. Seilacher sustentou que os seres de Ediacara absorviam o oxigênio e os nutrientes diretamente da água do mar por difusão, ou então eles abrigaram algas que, em simbiose, geravam comida para eles absorvendo a luz solar ou os nutrientes do oceano. Como estes seres não se relacionam com nenhum outro ser vivo, Seilacher sugeriu que fosse criado um novo reino, chamado de vendobionta, ou ser vivo do Vendiano. Propondo uma hipótese alternativa que era consistente com a evidência fóssil, Seilacher fez os outros paleontólogos perceberem que eles tinham aceitado Glaessner muito prontamente, e então cada um passou a ter sua própria interpretação desses fósseis.
Grotzinger e colegas de MIT e Harvard dataram sucessões de rocha nos desertos de Namíbia e acharam uma seção atordoante de fósseis de Ediacara se dirigindo até uma formação do Cambriano inferior, praticamente até o limite entre o Pré-Cambriano e o Cambriano Os dados da Namíbia indicam que os fósseis da fauna de Ediacara, encontrada globalmente, não são mais velhos do que 549 milhões de anos, e que alguns são datados em 543 milhões de anos, essencialmente coincidentes com o limite do Pré-Cambriano com o Cambriano. Esses dados indicam que tanto a diversificação da fauna, como a substituição no início do Cambriano ocorrerem bem rapidamente . A descoberta na Namíbia forçou os investigadores a reavaliar as suas teorias de extinção e diversificação da vida.
A ausência de fósseis de Ediacara nas rochas Cambrianas talvez seja de fato o resultado da ausência das condições requeridas para a sua fossilização. As Criaturas que passam a aparecer no Cambriano tinham conchas, espinhas e carapaças, que se fossilizam facilmente. Os fósseis de corpo mole da fauna de Ediacara eram provavelmente muito macios para resistir os rigores de tempo e geologia e, se eles existiram durante o período Cambriano, não deixaram fósseis, ou pelo menos não os encontramos até hoje.
Talvez os registros dos fósseis de Ediacara não representem os mais antigos animais, mas sim plantas. Estes fósseis são parecidos com fósseis de plantas. A impressão nos fósseis sugerem que eles eram tão resistentes à compactação ao serem enterrados quanto algumas plantas. Fósseis de águas-vivas, encontrados em vários locais, se apresentam mais compactados que os fósseis da fauna de Ediacara, sugerindo que eles fossem constituídos de materiais que respondiam à compactação, pelo menos moderadamente, o que não acontece com as águas-vivas e anelídeos (minhocas). G. J. Retallack, da University of Oregon, sugere que esta fauna pode ser na verdade composta por liquens, algas e fungos, o que explicaria a grande quantidade de variedades nas formas dos corpos e o grande tamanho de alguns animais (até 1m de diâmetro).
Alguns autores acreditam que a fauna de Ediacara não era composta nem de animais nem de vegetais, mas de uma forma de vida diferente daquela que conhecemos hoje. Mark McMenamink, em The Garden of Ediacara, baseia-se na visão do paleontólogo Dolf Seilacher, e apresenta os fósseis de Ediacara como um experimento evolucionário fracassado e que as suas espécies foram substituídas pelo surgimento de moluscos com conchas e artrópodes, no Cambriano. McMenamin descreve um mundo no qual os heróis vivem pacificamente nos oceanos, coletando luz solar e dissolvendo nutrientes ou abrigando colônias microbianas para fazer isto por eles. Ninguém compete para qualquer coisa, ninguém come ninguém - na realidade, ninguém nem mesmo se move. McMenamin subscreve à visão que a extinção aparente destes seres é até certo ponto real. O que, então, trouxe dificuldade a este paraíso? Ele acredita que o advento de animais móveis, predatórios, dentro do Cambriano poderia ter tido algo que ver com isto.
A grande maioria dos paleo-biólogos, entretanto, acredita nas evidências de que esta fauna é animal e que algumas partes destes animais já apresentavam o início de formação de conchas. Embora estas não estivessem mineralizadas, estes animais apresentavam partes eram mais firmes que os demais tecidos, como as cascas dos insetos, por exemplo, preservando a impressão do animal contra o leito sedimentar. Assim sendo, pelo menos alguns dos animais da fauna Ediacara são mais complexos do que vermes e águas-vivas, podendo inclusive conter os animais que seriam os ancestrais formadores dos principais filos atuais.
Alguns investigadores culpam o ambiente pela extinção dos animais de Ediacara, ao invés de fatores ecológicos. A Terra ao término do Pré-Cambriano era um lugar rapidamente mutável. Milhões de anos de glaciação estavam se acabando, e as geleiras derretendo estavam causando uma elevação dramática em nível de mar. Os níveis de oxigênio na atmosfera também podem ter flutuado. De acordo com Andrew Knoll e seus colegas de trabalho, o aumento do nível das águas liberou gás carbônico em grandes quantidades, que se tornaram tóxicas nos mares que abrigavam a fauna de Ediacara, exterminando-os. Os vermes que dariam origem à fauna do Cambriano foram poupados, em função de um sistema diferente de metabolismo. Seguindo este modelo, os organismos que trocam gases por difusão, que têm circulação interna pobre e que têm baixas taxas metabólicas deveriam ser muito vulneráveis, enquanto os que tem brânquias, circulação ativa, e metabolismos ativos poderiam estar mais capacitados a sobreviver a uma alteração ambiental.
O Cambriano marca o início da radiação da vida pelo planeta. Talvez isso tenha acontecido porque a maioria das áreas continentais estava debaixo d’água, o que proporcionou uma grande quantidade de locais com águas rasas o suficiente para que a luz do sol penetrasse e a vida se desenvolvesse.
Cambrian flora
geografia
No início do cambriano, cerca de 570 milhões de anos atrás, surge a "pequena fauna com conchas", ou a fauna Tommotiana. A era Tommotiana é uma subdivisão do Cambriano inferior. Seu nome foi dado em função das rochas na Sibéria onde foram encontrados os primeiros exemplares de pequenos animais com conchas. O período Tommotiano foi o primeiro em que se vê uma grande radiação dos animais, inclusive o primeiro aparecimento de um grande número de animais com conchas mineralizadas e outros de corpo mole. Nesta época os climas mundiais eram moderados; não havia nenhuma glaciação. A posição dos continentes indicavam que extensas áreas com águas rasas se estendiam por todos dos oceanos. Dados novos e revisados das rochas do Cambriano permitem uma análise da diversidade da vida e taxa de extinção neste período. Durante um evento de extinção, caracterizado pela acumulação de lâminas de xisto em águas rasas tropicais, a fauna Tommotiana, junto com alguns trilobites e outras formas de vida, tiveram declínio rápido. Alguns pesquisadores acreditam que este declínio foi devido à invasão de águas com pouco nível de oxigênio sobre os mares em que estes seres viviam.
Todos os principais filos de animais apareceram no Cambriano. A "explosão" do Cambriano, pode ter sido o resultado de uma concentração mais elevada de oxigênio, permitindo que organismos com metabolismos mais altos evoluíssem, ou talvez pela difusão de oceanos mais rasos e quentes, proporcionando uma variedade de novos nichos, que abriram a possibilidade de adaptação às espécies anteriormente existentes. Embora rápido, pelos padrões geológicos, a explosão do Cambriano não foi instantânea. Ao contrário, se desenvolveu ao longo de várias dezenas de milhões de anos.
Os paleontólogos encontraram mais filos animais do que aqueles que estão presentes hoje, indicando que muitos dos "projetos" desenvolvidos pelos animais do Cambriano simplesmente não deixaram descendentes, e se tornaram extintos. O xisto de Burgess, por exemplo, é uma camada fóssil com aproximadamente 540 milhões de anos localizado no parque nacional de Yoho, nas montanhas rochosas da Colúmbia Britânica, perto da cidade de Field, Canadá. Esta localidade é especial porque uma grande variedade de criaturas de corpo mole foi preservada. O xisto de Burgess tem sido intensamente estudado desde sua descoberta em 1909 por Charles Walcott, e foi declarado um local da herança mundial, patrimônio da humanidade, pela UNESCO em 1981. O xisto de Burgess ocorre dentro da formação Stephen, no lado sudoeste da sela entre Monte Wapta e Monte Field. Na época da sua sedimentação, esta área estava localizada perto do equador e era a margem continental da América do Norte. Uma encosta de pedra calcária de aproximadamente 100 metros, denominada formação Catedral, existia no limite do xisto de Burgess, e provavelmente representava a escarpa de um grande declive submarino. o Xisto de Burgess foi depositado à base deste precipício, provavelmente em condições de pouco oxigênio, como indicado pela falta de indicações de vida neste local e a abundância de pirita, que geralmente indicando a presença de H2S. Todos os organismos foram transportados para dentro do Xisto de Burgess, provavelmente por um pequeno deslizamento de lama que fluiu em cima deles vindo da extremidade do precipício. Isto responde pela orientação variável dos fósseis e a sua soberba preservação.
Embora também não apresentassem estruturas mineralizadas como conchas e carapaças, os animais do xisto de Burgess ficaram gravados na rocha em amostras de extrema qualidade. Stephen Jay Gould dedicou o livro A Vida é Bela à explosão de vida do Cambriano, e ao estudo, em especial, dos animais do xisto de Burgess. Estes fósseis, descobertos e descritos por Walcott, que acreditava que se tratava de fósseis dos animais modernos, mas depois de revisados por vários estudiosos, descobriu-se que vários deles representavam filos únicos, com projetos de corpos completamente diferentes daqueles que vemos nos animais atuais. Alguns paleontólogos, como Gould, acreditam que estes fósseis representem os mais importantes fósseis até hoje já encontrados porque são verdadeiramente os animais mais antigos, melhor preservados e que melhor representam a variedade e diversidade da vida. Os animais do xisto de Burgess mostram variedades bizarras, alguns com desenhos funcionais completamente diferentes daqueles vistos hoje em quaisquer animais vivos. Embora todos os filos animais tenham surgido no Cambriano, alguns eram muito diferentes. As plantas ainda não haviam surgido na terra e algas e protistas fotosintéticos eram a base da cadeia alimentar. Gould escreve que a vida era tão diversificada no Cambriano que, se voltássemos o filme da vida até esta época e repassássemos de novo, provavelmente as formas de vida que conhecemos hoje não existiriam, e outras tomariam o seu lugar. Se repassássemos o filme milhares de vezes, permitindo a variação de pequenos detalhes, provavelmente seres inteligente não surgiriam em nenhuma destas versões. Gould baseia-se na observação que os animais do xisto de Burgess já eram diversificados e especializados e somente se extinguiram por força do acaso, deixando para o futuro apenas algumas formas de vida, dentre todas as que seriam possíveis.
No Período Cambriano também aparecem pela primeira vez os Trilobilas, que foram ficando menos abundantes nos períodos geológicos posteriores. O Período Cambriano passou a ser conhecido como a "Era dos Trilobitas". Estes animais formavam um grupo hoje extinto de artrópodes, mais ou menos semelhantes aos crustáceos atuais. Como seu nome diz, os Trilobitas tinham um corpo com três lóbulos, ou três partes distintas. Havia uma divisão, separando o corpo em duas partes laterais a uma parte central, percorrendo de cima até abaixo, da cabeça até a cauda do animal, o que faz com que os corpos dos Trilobitas fossem segmentados e divididos em três áreas, longitudinalmente. Assim como outros artrópodes, os Trilobitas tinham uma carapaça, um exoesqueleto, que era trocado de tempos em tempos para que eles pudessem crescer. Os Trilobitas tinham de se livrar da carapaça antiga e criar uma nova. Esta troca de esqueleto proporcionou ao Paleontólogos excelente material para estudo, uma vez que várias carapaças de Trilobitas, ou pedaços de carapaças, são encontrados em rochas do Cambriano e de períodos posteriores. Os Trilobitas já eram animais extremamente especializados. Algumas espécies de Trilobitas foram predadoras, enquanto outras foram carniceiras e ainda outras podem até ter se alimentado de plancton.
A fauna do Cambriano, por mais diversificada e especializada que fosse, desapareceu em um evento de extinção que marca a fronteira do Cambriano com o Ordoviciano. Existem várias teorias que tentam explicar como funcionou este evento de extinção. James F. Miller da Southwest Missouri State University, estudou sedimentos na América do Sul datados do início do Ordoviciano, e achou evidências de que estes sedimentos seriam de origem glacial. Miller desenvolveu a hipótese que a ocorrência de uma glaciação na fronteira Cambriano - Ordoviciano é responsável por um queda nas temperaturas e condições climáticas globais, e com esta queda de temperatura, toda a fauna intolerante a condições mais frias pereceu, produzindo uma extinção em massa, principalmente nas espécies ambientadas às águas quentes. Ele também sugere que uma glaciação iria baixar o nível dos oceanos, porque grande volume de água seria retirado dos mares para formar as geleiras, diminuindo em muito as áreas continentais rasas propícias às espécies.
Uma hipótese que invoca o esfriamento das temperaturas das águas dos mares Cambrianos seguida de esgotamento de oxigênio pode vir a representar a causa das extinções Cambrianas. Esta hipótese tem sido especulada por vários geólogos, principalmente Allison Palmer e Michael Taylor da U.S. Geological Survey e James Stilt da Universidade de Missouri. O resfriamento e esgotamento do oxigênio aconteceria quando águas frescas de áreas profundas do oceano se deslocassem por cima das águas quentes da plataforma continental, eliminando todos os organismos incapazes de tolerar as águas mais frias. O resfriamento também resultaria em estratificação da coluna de água e as espécies pereceriam devido à inabilidade para tolerar mudanças dramáticas nos fatores limitantes, como temperatura e disponibilidade de oxigênio.
Pesquisas melhores e mais profundas são necessárias para testar a validade das hipóteses que foram esboçadas para explicar a extinção no final do Cambriano.
A próxima "explosão" de vida ocorreu no período Ordoviciano, cerca de 500 milhões de anos atrás, de maneira muito mais intensa, introduzindo numerosas famílias da fauna Paleozóica, e acarretando o declínio da fauna do Cambriano.
As plantas terrestres provavelmente evoluíram de um tipo de bactérias verdes de água doce, entre 476 e 432 milhões de anos atrás.
De uma planta simples, contendo algumas poucas células, as plantas terrestres evoluíram para uma grande variedade de órgãos e tecidos complexos, como órgãos sexuais, um sofisticado sistema de transporte de fluidos, sistemas para trocas de gases, sementes, raízes e folhas de vários tipos. Estudos filogenéticos (que incluem a morfologia e a composição de algumas seqüências de genes) são favoráveis a uma origem única de todas as plantas terrestres, todas elas aparecendo como descendentes daquela bactéria. Estes estudos, aliados às evidências fósseis, demonstram que as primeiras plantas terrestres eram pequenas e morfologicamente simples. A passagem de um ambiente líquido para um ambiente gasoso expôs as plantas a novas situações que geraram mudanças fisiológicas e estruturais expressivas, como sistemas internos para transporte de seiva, a criação de cera protetora para evitar a evaporação da água, a diversidade dos tecidos (raízes, troncos, folhas) e muitas outras mudanças. As mudanças na flora deste período teve um grande impacto na atmosfera e no ambiente global como um todo. O surgimento de plantas com raízes foi um aspecto importante para a redução das concentrações de CO2 na atmosfera, assim como permitiu a utilização mais eficiente dos minerais concentrados nos solos.
A primeira planta com sistema vascular para transporte de fluidos e nutrientes é a Cooksonia, uma planta sem folhas de estrutura bastante simples, mas que apresentava características das plantas como as conhecemos: um corpo de planta, esporos para reprodução, tecidos espessos nas camadas externas, cobertura de cera para diminuir a perda de unidade. A estrutura vascular permite que as plantas atinjam tamanhos maiores. Nos musgos e liquens, os nutrientes têm de atingir as células por difusão, ao contrário das árvores e plantas maiores, onde os nutrientes são carregados até as células através de uma estrutura vascular. Criando um sistema vascularizado e evoluindo na síntese de algumas novas substâncias necessárias ao sustento de estruturas pesadas e retenção de água, as plantas terrestres passaram a competir pela luz do sol, necessária para a realização da fotosíntese, dando origem às primeiras árvores, que evoluíram independentemente de vários grupos.
Ao mesmo tempo em que as plantas se espalhavam pelos continentes, ou logo depois, surgiram os artrópodes terrestres. Os primeiros animais terrestres conhecidos eram miliápodes (centopéias e milipéias).
O primeiro vertebrado conhecido é o fóssil Anaspis, do Cambriano Superior, com idade de mais de 500 milhões de anos; era presumivelmente um peixe sem mandíbula e com carapaça, mas seus fósseis são tão fragmentos que pouco se conhece sobre como se parecia de fato.
Vertebrados
aparentemente se irradiaram no Ordoviciano, 450 milhões de anos atrás. Porém, na maioria do Ordoviciano, vertebrados fósseis são raros e fragmentários, embora material disponível sugira que os antepassados dos tubarões e peixes com mandíbulas estavam presentes, junto com várias linhagens de peixe sem mandíbula. Os peixes são os vertebrados mais comuns, existindo aproximadamente 24,000 espécies vivas hoje em dia. Esta multidão de espécies se apresentam em vários tamanhos, morfologias, agilidades, e adaptações para toda a gama de ambientes. Os primeiros peixe a evoluir foram os da Classe Agnatha. Este peixe sem mandíbula é um dos primeiros vertebrados. Estes peixes têm bocas redondas que poderiam ser usadas para chupar ou poderiam ser utilizadas para uma alimentação através da filtragem da água, da mesma forma como são achados atualmente em lampreias modernas e outros peixes. Estes peixes apresentavam uma carapaça externa em forma de armadura que era utilizada para ajudar na sua proteção, em um mundo parcialmente dominado pelos moluscos. Um grupo que evoluiu antes do Siluriano foi o Ostracoderms que foi descrito como "formas pequenas, de cabeças cegas ...se alimentavam em escombros na lama, nadadores em forma de bala, e algum ...com uma surpreendente seqüência de espinhas e cristas nas cabeças ". (1). A maioria destes tipos de peixe estão atualmente extintos com as exceções da lampreias e poucos outros. Destes peixes que se alimentavam no fundo veio a evolução de peixes com mandíbulas. Mandíbulas só evoluíram uma vez (ao invés de evoluírem independentemente múltiplas vezes em espécies diferentes por meio de evolução paralela), surgindo a partir de arcos de brânquia que são as partes ósseas entre as aberturas das brânquias. Supõe-se que um arco de brânquia em um peixe da Classe Agnatha foi fundido a seu crânio (11). A parte superior de apoio da brânquia se tornou a mandíbula superior e o apoio de fundo se tornou a mandíbula inferior. A embriologia demonstra isso, e o arranjo dos nervos nas cabeças dos tubarões e nos peixes mais simples demonstra que as mandíbulas estão alinhadas com os arcos de brânquia. A evolução da mandíbula é inacreditavelmente importante porque permitiu aos peixes poder ingerir uma variedade muito maior de comida e lhes permitiu se transformarem em caçadores ativos, ao invés de filtradores passivos. Isto conduziu a uma grande variedade de adaptações morfológicas, porque os peixes passaram a ocupar novos nichos ecológicos. Os peixes ficaram mais ágeis para ser predadores melhores, eles puderam reduzir a sua armadura porque passaram a ser menos vulneráveis, e a densidade de seus músculos pôde diminuir porque eles já não conduziram tal um estilo de vida lento.Os primeiros peixes sem mandíbula incluíam o
acnathodians e placoderms. Mesmo cedo no desenvolvimento, os peixes sem mandíbula têm mostrado grande diversidade. O acnathodians tenderam a ser pequenos, aerodinâmicos, e tiveram olhos enormes. O Placoderms apareceu no início do Siluriano. No começo do Devoniano, o Placoderms era pequeno, mas eles aumentaram logo em tamanho. O dunkleosteus, um Placoderm, chegou a ser tão grande quanto 10 metros e tinha desenvolvido bem as mandíbulas com dentes. A frente do tronco era fortemente blindada. O Dunkleosteus e todos os outros Placoderms grandes estão extintos, mas no Devoniano eles dominaram a água doce e do mar.Enquanto os enormes e ameaçadores Placoderms já desapareceram há muito tempo da terra, membros da Classe
Chondritchthyes, alguns dos quais igualmente ameaçadores, não desapareceram. Esta classe inclui os tubarões, e arraias (junto com alguns outro peixe). Os tubarões evoluiram entre 400 a 450 milhões de anos atrás. Eles compartilharam um antepassado comum provavelmente com os Placoderms. Esta classe é referida comumente como peixes cartilaginosos porque ao invés de ossos verdadeiros eles têm cartilagens e cartilagens calcificadas para apoio interno. Este tipo de esqueleto é extremamente leve e flexível e ajuda estas espécies a serem predadores ágeis. Os Chondrithyes desenvolveram dois tipos de mandíbulas; tubarões têm extruturas para morder extremamente poderosas e esmagadoras mandíbulas, enquanto as arraias usam as suas mandíbulas para procuram moluscos que vivem no fundo. Tubarões são freqüentemente chamados de fósseis vivos, uma vez que eles não mudaram muito desde que surgiram até hoje, o que não quer dizer que os tubarões que vemos hoje forma os que sempre existiram. Depois do declínio dos Placoderms jouve uma explosão de tubarões que conduziu a tubarões com boca encheu de rolos de dentes serrados, ou protuberâncias ósseas nas suas barbatanas. Estes tubarões Paleozóicos poderiam atingir até 14m, mais que dobro do tamanho dos Grandes Tubarões Brancos atuais. Em termos de peixes atualmente vivos, a Classe dos Chondrichtyes compõem só 900 espécies.A grande quantidade de peixes é da Classe
Osteichtyes, o verdadeiro peixe ósseo. Hoje em dia se conhecem pelo menos 19,000 espécies de peixes ósseos, que compõem uma classe inacreditavelmente diversa que inclui quase tudo do atum até as enguias. Estes peixes evoluíram há mais de 410 milhões de anos atrás, no início do Siluriano, mas não cresceram em número até o Devoniano médio, quando o Placoderms e os tubarões enormes começaram a retroceder em domínio.Os peixes ósseos, embora variados, têm em comum uma característica extremamente importante: uma bexiga natatória, que utilizam para controlar a flutuação. Esta bexiga provavelmente evoluiu de pulmões, que haviam aparecido em algumas espécies de água doce. A bexiga natatória é uma estrutura interna que permite ao peixe ósseo flutuar facilmente para qualquer nível de água. Os peixes ósseos podem ser arrumados em três grupos principais. O primeiro é o das
barbatanas-raiadas, e constituem na maioria dos peixes ósseos comuns, como o atum, o salmão, etc.... Este grupo é muito diverso e habita água fresca e salgada. O segundo grupo é o dos peixes pulmonados que são peixes de água doce. O três genera que ainda existem são cavadores de fundo, que usam mandíbulas para esmagar as suas presas. Eles podem obter até 90% do oxigênio que necessitam do ar, se necessário, e isto é muito importante porque estes peixes vivem em áreas propensas à seca. O terceiro grupo é os peixes de barbatana lobada. Este grupo inteiro era tido como extinto até os anos trinta, quando um foi recuperado vivo. Foi chamado de Celacanto e apresenta um estilo natatório incrível que é parecido com andar, produzido pelo movimento das várias barbatanas emparelhadas, ziguezagueando o corpo mas sem bater o rabo como os demais peixes. Enquanto esta espécie é extremamente importante como um fóssil vivo, os rhipidsistains, um outro grupo de peixes de barbatanas lobadas, também são tidos como fundamentais, porque são a fonte dos primeiros vertebrados de terra.Ainda há muita controvérsia sobre os passos exatos de evolução de peixes de nadadeira lobada para os vertebrados que vivem na terra, caminhando (na forma de anfíbios). Originalmente havia muita controvérsia em cima de se os membros de tetrapodes (vertebrados com membros) evoluiu em água ou em terra como uma característica de emergência.
A hipótese original foi sugerida por
Alfred Romer nos anos quarenta. A hipótese de Romer explicava que os primeiros peixes pulmonados haviam utilizado suas barbatanas carnudas para se deslocar de uma lagoa para outra, pela terra, em épocas de secas. Os peixes que fizeram esta viagem com sucesso, de uma lagoa que estava secando para a próxima, puderam se reproduzir e a sua descendência começou a ter membros modificados que lhes permitiram se mover de uma fonte de água para a próxima fonte de maneira cada vez mais eficiente, e eventualmente estes desenvolveram em verdadeiros membros. Romer se baseou na idéia que o fim do Devoniano foi um período muito severo e aqueles peixes precisariam se adaptar rapidamente para sobreviver. Muitos acreditam que este não é o caso. Na realidade, outra hipótese é que o Devoniano era tão condizente com os peixes que algumas linhagens foram para a terra explorar as fontes de alimentos. Esta teoria ainda apóia as idéias de Romer que os membros evoluíram para ajudar a caminhar em terra.No início dos anos 90, Jenny Clarck desenvolveu uma teoria estudando de fósseis de
Ancathostega, um do tetrapodes mais antigos, e sem dúvida o mais completo. Estas criaturas tiveram quatro membros, mas seus membros ainda eram proporcionalmente iguais a barbatanas (rádio muito longo em comparação a ulna), tinham oito dedos e um pulso fraco. Eles também respiravam como peixe, e tinham costelas que eram muito pequenas para sustentar seus órgãos internos. Estes tetrapodes não eram adaptados para caminhar em terra. Eles tiveram muitas adaptação para o ambiente aquático, inclusive um rabo poderoso que conduziria à agilidade. Clack acredita que o Acanthostega evoluiu membros para ajudar a manobrar pelo hábitat Devoniano que consistia em pântanos muito densos. Estas criaturas poderiam manobrar por entre ramos densos e plantas, usando os seus membros. Eles também poderiam usar os membros para se ancorar para esperar silenciosamente por presas e então usar as adaptações para água para capturar a presa definitivamente. Estes tetrapodes enormes podem ter começado a usar a terra de uma maneira muito gradual, para procriar ou escapar de predadores. A evolução dos peixe para tetrapodes ambulantes em terra firme não está completamente compreendida, mas como estão sendo achados mais espécimes (um muito antigo há pouco foi achado perto do Poconos) o caminho da evolução pode ficar mais claro.A transição dos peixes para anfíbios foi acompanhada de inovações radicais nas estrutura dos membros, tais como o surgimento dos dedos e, posteriormente, na adaptação para a respiração de oxigênio livre no ar ao invés de retirada do oxigênio diluído na água. O anfíbio mais primitivo que temos conhecimento é o Acanthostega gunnari, achado na Groelândia, que mantinha diversas características dos peixes nas partes posteriores do corpo, e ao mesmo tempo apresenta diversas modificações nos membros, cabeça e tórax, especialmente nas partes vinculadas à ventilação e à locomoção. Podemos dizer que o Acanthostega é uma mistura de peixe e anfíbio, e alguns pesquisadores indicam que ele pode nunca ter saído da água. O fóssil Ichthyostega, também achado na Goelândia, representa um dos tetrapodes ancestrais mais primitivos, que está possivelmente entre os primeiros vertebrados terrestres. A descoberta de fósseis transacionais entre peixes e criaturas terrestres, que aconteceram nas últimas décadas, tem atraídou a atenção de morfologistas funcionais, paleontólogos, sistematicistasm biólogos moleculares e diversos outros cientistas. O resultado desta ação conjunta é "uma biologia moderna com cientistas de diversas disciplinas juntando forças para prospectar os maiores problemas evolucionários".
Dos anfíbios surgiram os
répteis, que apresentavam mecanismos para diminuir a perda de água e ovos com cascas, o que permitia que os ovos fossem chocados na terra. Nas rochas da nova Escócia foram encontrados os fósseis do Hylonomus, um dos mais antigos répteis.O
amniotes mais velhos - perto da ascendência de todos os répteis, pássaros, e mamíferos - apareceu no início do Pensilvaniano, aproximadamente 310 milhões de anos atrás. Amniotes terrestres continuaram diversificando, e pelo Pennsylvaniano médio tinham se dividido em vários taxa, duas das quais iriam dominar o Mesozóico e Cenozóico: o diapsids e o synapsids.Durante o período
Carbonífero e o período Permiano, a paisagem era dominada por samambaias e outras espécies aparentadas. A mais violente extinção em massa ocorreu no Permiano, cerca de 250 milhões de anos atrás. O que havia sobrado da fauna Cambriana se extinguiu, e das famílias da fauna Paleozóica, de 300 sobraram apenas 50. Estima-se que 96% de todas as espécies se extinguiram neste período. A fauna moderna, que vinha se expandindo lentamente desde o Ordoviciano, passou a dominar. A fauna moderna inclui os peixes, os bivalves, gastrópodes e caranguejos. Depois da extinção do Permiano, as samambaias evoluíram para gymnospermas (como pinheiros), que passaram a ficar mais abundantes porque apresentavam uma habilidade maior de se dispersar, resultante da evolução das sementes e do pólen. Uma segunda extinção, ocorrida pouco depois do Permiano, manteve a diversidade animal baixa por um período.
Os dinossauros evoluíram de
répteis archosauros, que têm os crocodilos como seus parentes mais próximos. Uma modificação evolutiva que pode ter sido a chave para seu sucesso é a postura vertical. Anfíbios e répteis têm uma postura espalhada e andam segundo um padrão ondulatório porque seus membros evoluíram de barbatanas, e a forma de seus movimentos foi adaptada do movimento de natação dos peixes. Nos répteis os membros saem do lado do corpo. Se sustentar em terra firme com a postura dos répteis, com os braços saindo do lado do corpo e fazendo uma curva de 90o com o chão é extremamente difícil. Animais de postura alargada não podem sustentar locomoção continuada porque eles não podem respirar enquanto se movem. O movimento ondulante comprime a cavidade do tórax. Na postura ereta, os membros saem de baixo do corpo, e não dos lados, o que permite que cachorros, cavalos e homens agüentem ficar fora d’água, se sustentando em pé, muito mais do que um crocodilo, por exemplo. Os dinossauros desenvolveram uma postura ereta similar à que os mamíferos viriam a desenvolver independentemente, permitindo a locomoção continuada. Embora seja ainda objeto de controvérsia, alguns cientistas sustentam que os dinossauros tinham sangue quente, o que permitira maior vigor de movimentos em organismos de postura ereta.Os pássaros evoluíram de dinossauros e, cladisticamente, pássaros são dinossauros. Existem fósseis que têm uma mistura de características de aves e répteis. A ave mais antiga conhecida, Archaeopteryx, com 150 milhões de anos, apresenta enorme similaridade com o Deinonychus, dinossauro carnívoro bípede. Foram catalogadas mais de 150 similaridades entre estes dois animais. Em 1996, Ji Quiang, geólogo do Museu Nacional Geológico em Beijing, China, apresentou os fósseis de um dinossauro, sinosauropteryx, que – embora fosse um réptil – apresentava umas franjas com estruturas similares a penas. Um ano mais tarde, Quiang encontrou mais um fóssil de outras espécie de dinossauro, que foi batizado de protoarchaeopteryx em função de sua extrema similaridade com os primeiros pássaros, onde se podia observar, muito claramente, penas presas no rabo e nos braços . Quiang demonstra que estes animais não conseguiam voar, apesar de já apresentarem penas. Estas estruturas provavelmente foram utilizadas para outros fins, como regulação da temperatura do corpo, por exemplo, e somente viriam a ser utilizadas para o vôo mais tarde, com o surgimento dos pássaros. O Archaeopteryx do final do Jurássico pode ter sido precedido por outras aves, como o Confuciusornis. Vários esqueletos deste possível antepassado dos pássaros, que viveu no final do Jurássico e início do Cretácio, foram achados no nordeste da China e em uma abundância tão grande que pode indicar uma separação mais antiga da linha que deu origem aos pássaros modernos. O
Chaoyangia, um pássaro do início do Cretáceo também encontrado na China, tinha dentes pré-maxilares .As plantas com flores, angiospermas, evoluíram no Cretáceo e se disseminaram por todo o planeta, transformando-se na flora terrestre dominante. Acredita-se que estas plantas se originaram nas montanhas e terras altas dos trópicos, onde infelizmente a fossilização é baixa. Por esta razão, a ênfase anterior de se encontrar os ancestrais fósseis das plantas com flores foi deslocado para a sistemática, que realiza a análise detalhada do grau de parentesco das angiospermas e gimnospermas (pinheiros, por exemplo). As angiospermas passaram a apresentar características completamente novas, que favoreceram fortemente sua radiação e sucesso reprodutivo. Entre elas, folhas mais resistentes, um melhor sistema de transporte de seiva, sementes com casca mais resistente impedindo o embrião de secar, um sistema preciso de polinização e dispersão de sementes e diversidade química usada como defesa contra doenças e herbívoros.
As primeiras flores surgiram como um atrativo para os polinizadores, iniciando uma ajuda mútua que favoreceu a dispersão das angiospermas muito rapidamente por quase todos os ambientes. As flores se desenvolveram conjuntamente com seus polinizadores, que passaram a atuar como agentes de evolução. A associação ente um tipo de flor e um tipo de polinizador aumentou a eficiência do processo de disseminação do pólen, porque o polinizador que pousa na flor de uma espécie passou a procurar outras flores somente daquela espécie, impedindo que o precioso pólen fosse espalhado por flores de outras espécies e acabasse se perdendo. Por outro lado, as plantas também passaram a "proteger" o néctar de suas flores, guardando-o para aqueles polinizadores que se especializaram neste tipo de flor. Assim, vemos a especialização das flores das plantas concomitantemente com seus agentes reprodutivos: plantas que têm morcegos como seus polinizadores abrem à noite, plantas que são polinizadas por pássaros têm grande quantidade de néctar, pouco odor e cores chamativas, plantas polinizadas por abelhas ou vespas geralmente apresentam flores com uma "plataforma de pouso", são altamente coloridas em azul, amarelo e Ultra Violeta e apresentam armadilhas, ou passagens estreitas que impedem pássaros e outros animais de acessar o néctar, plantas polinizadas por besouros são grandes, sem cores chamativas e apresentam forte odor e ovário inferior. Todos estes mecanismos permitiram um sucesso reprodutivo diferenciado, não só das plantas com flores como também de seus polinizadores. As plantas que passaram a apresentar estas características passaram a ter mais chance de se reproduzir do que as que apresentavam estratégias genéricas, forçando um inevitável caminho para a especialização.
As frutas evoluíram do ovário das flores. Por serem doces e atrativas aos animais, as frutas auxiliaram que as sementes fossem espalhadas por grandes áreas. Também permitiram um sucesso adicional às plantas, uma vez que além de incentivar a disseminação das sementes pelos animais também passaram a fornecer uma reserva de proteína, açúcares e umidade às sementes por brotar.
Os insetos evoluíram de artrópodes
segmentados. A boca dos insetos são formadas por pernas modificadas. Os insetos são parentes próximos dos anelídeos e dominam a fauna da Terra. Mais de metade das espécies conhecidas de animais são de insetos, das quais um terço são besouros.Os mamíferos evoluíram de
répteis therapsídeos. O réptil Diametrodonte, com a barbatana nas costas, é um exemplo dos therapsídeos. No fim do Cretáceo, há cerca de 65 milhões de anos, uma extinção em massa de menor intensidade ocorreu, marcando o desaparecimento de todas as linhagens de dinossauros, salvo os pássaros. Até aquela época, os mamíferos ocupavam um nicho ecológico bem pouco importante, geralmente com hábitos noturnos e se alimentando de insetos. Assim que os dinossauros desapareceram, os mamíferos se diversificaram, podendo ocupar nichos que antes estavam preenchidos pelos répteis.Os dinossauros dominaram todos os nichos ecológicos do planeta por mais de 100 milhões de anos, e nunca desenvolveram a inteligência como nós, seres humanos, temos. Nunca precisaram. Os dinossauros estavam tão bem adaptados a seu habitat que características que nós atribuímos como superiores eram absolutamente desnecessárias e supérfluas para a melhoria de sua eficiência em sobreviver e deixar descendentes. Cem milhões de anos é um tempo extremamente longo. Se estivéssemos andando e a cada passo voltássemos o relógio do tempo em 1 ano, daríamos a volta ao mundo e, ao chegar a lugar do qual saímos, estaríamos vendo a extinção dos dinossauros (e de metade das espécies marítimas) na grande extinção cretáceo-terciário. Se continuássemos andando, e déssemos mais umas duas voltas na terra, veríamos o início da era dos dinossauros. É tempo demais para termos uma idéia clara, sem recorrer a analogias mais físicas, como esta do andarilho.
Stephen J. Gould, comentando as conseqüências de uma mudança ambiental forte o suficiente para exterminar as espécies do planeta (entre elas metade das espécies marinhas, como os amorites, e os dinossauros), afirma:
[...]. Se não fosse o impacto que pôs fim à sua ainda vigorosa diversidade, os dinossauros talvez tivessem sobrevivido até hoje. (Por que não? Afinal, eles se saíram muito bem durante mais de 100 milhões de anos - e a Terra só perdurou outros 65 milhões desde então.) Se os dinossauros houvessem sobrevivido, os mamíferos quase certamente teriam permanecido pequenos e insignificantes (como foram durante os 100 milhões de anos de dominação dos dinossauros). E, se os mamíferos houvessem permanecido tão pequenos, restritos e carentes de consciência, então certamente nenhum ser humano surgiria para proclamar a sua indiferença. Ou para dar o nome de Peter a seus filhos. Ou para indagar-se sobre os céus e a terra. Ou para refletir sobre a natureza da ciência e a devida interação entre fato e teoria. Burros demais para tentar; ocupados demais à procura da próxima refeição e escondendo-se daquele terrível Velociraptor.
Uma das linhagens de mamíferos mais bem sucedida é a dos humanos. Humanos são símios neotênios, ou seja, são símios em que a capacidade reprodutiva é atingida em sua forma juvenil. A principal evidência deste processo é obtida comparando-se as similaridades entre macacos jovens e adultos humanos, como fez Louis Bolk, que compilou uma lista de 25 características compartilhadas entre os adultos humanos e símios jovens, incluindo a morfologia facial, o peso relativo do cérebro, ausência de protuberâncias nas sobrancelha e cristas cranianas.
Pode-se pensar que todas as emoções básicas dos seres humanos também foram desenvolvidas pelo processo cumulativo da seleção natural, e desta forma a consciência, a cultura e as emoções em geral são formas mais sofisticadas da ditadura do DNA. Daniel Dennett sugere que, se fossemos nos congelar para a eternidade, dentro de um casulo, e fossemos construir um robô para proteger nosso casulo, qual melhor robô do que aquele que tivesse consciência, emoções, capacidade de aprendizado, ser flexível intelectualmente o suficiente para analisar melhores opções de se esquivar de potenciais perigos, e desenvolvesse cultura para conviver em sociedade? Certamente esta foi a estratégia adotada pelo nosso DNA ancestral para continuar seu processo egoista de duplicação. Lembre-se que não existe uma estratégia, a princípio. Depois de longas eras, e ao analisar os indivíduos que sobreviveram – nós – é que analisamos qual estratégia foi bem sucedida. Lembre-se ainda que todos os indivíduos (de nossa ancestralidade) que adotaram outras estratégias estão mortos.
A inteligência e a consciência, formadores de cultura, se são tão fortes benefícios à sobrevivência, tão poderosos instrumentos para a sobrevivência de nossa linhagem, ou da perpetuação de nossas cadeias replicadoras, porque não foram desenvolvidas por outras espécies, ou em uma versão mais radical, porque não foram desenvolvidas por todas as espécies? A natureza é muito comedida. Primatas do gênero homo, dotados de capacidade de aprender, como instrumento de substituição às cadeias de neurônio pré-programadas – instintivas – necessitam cérebros grandes e tempo de aprendizado.
James L. e Carol G. Gould afirmam que "... um etólogo extraterrestre, céptico e desapaixanado, ao estudar a nossa espécie, tão pouco afetuosa, pudesse concluir, com toda a razão, que os exemplares do Homo sapiens são, na sua grande maioria, autônomos, com departamentos de relações públicas demasiado ativos e altamente verbais para desculpar e encobrir as nossas faquezas". É verdade que leis simples, como aquelas da evolução e da seleção natural, geraram características somente encontradas no ser humano, como consciência, racionalismo, etc... Entretanto, seria imprudente esquecermos que, uma vez criadas tais características, estas tomam vida própria, passando a atuar no sentido de minimizar as influências das leis que as criaram, sem nunca se esquecer de suas origens e objetivos.
Quando utilizamos métodos de prevenção à natalidade, enganamos nossos ditadores inconscientes, que nos deram o prazer sexual como uma pequena recompensa pela grande obra que seus súditos têm de perpetuar suas instruções. Quando introduzimos a agricultura e a criação como forma de suprimento constante de energia, enganamos todas a natureza em seu processo seletivo, e assim permitimos que o homem (no sentido de humanidade, para que não me acusem de sexista injustamente) ocupasse todos os nichos ecológicos do planeta, o que provavelmente não seria possível em condições desvinculadas da cultura.
O papel da cultura no desenvolvimento da espécie humana é extremamente relevante, mesmo quando nos tornamos conscientes de que, conforme coloca Stephen J. Gould, fomos formados através da seleção natural, por um processo cumulativo de melhorias, atuante sobre o indivíduo, de diferenciação progressiva das linhagens ancestrais. A cultura, neste sentido, é todo o conjunto de informações transmitida de uma geração a outra. Ora, sendo a cultura um componente de perpetuação de informações com vida própria em si mesma, como qualquer idéia, atua sobre os indivíduos da mesma forma como os ditadores genéticos que temos em todas as nossas células.
Acho que podemos pensar na raça humana como fruto da seleção natural a nível genético, e fruto da seleção natural a nível cultural. Pode-se perguntar como atua a seleção natural na cultura? Lembremos que a cultura, ou parte dela, assim como os indivíduos e as espécies, também são selecionados, de forma a permitir a replicação mais numerosa somente das variantes mais bem adaptadas. Dogmas culturais como a terra chata ou sustentada por elefantes foi varrida, selecionada de nossas mentes, por variantes mais bem adaptadas (como a terra redonda e solta no espaço).
A cultura é formada por idéias, que passam de geração a geração (note-se que atualmente passamos a cultura de geração a geração através dos livros, da internet, da televisão, do cinema e todas as demais mídias modernas, mas o processo de transmissão do estoque cultural é mais ou menos o mesmo do adotado pelos nossos antepassados quando ensinavam a seus filhos como plantar, ou como criar o gado, No fundo, apesar do meio, queremos melhorar a vida das gerações futuras, ou de nosso próprio código genético perpetuado através destas gerações). Dawkings propõe o termo "Memes" em contrapartida ao termo "Genes". Estes dois componentes seriam igualmente fortes no desenvolvimento dos seres humanos, e atuariam segundo leis razoavelmente simples e parecidas.
Memes seriam as idéias que ocupam as mentes de seus hospedeiros humanos. As idéias, dentro dessa ótica, têm vida própria, e seu objetivo é parecido com aquele dos genes: replicação e sobrevivência. Assim como fomos construídos como autônomos com o objetivo de replicar as instruções contidas em nosso DNA, as idéias constroem filosofias, e arrematam adeptos, e perpetuam-se através da replicação em outras mentes.
Citar a linguagem como meme
Alguns memes são bons, como a ciência, porque nos auxiliam a entender o mundo em que vivemos e nos auxiliam na previsão de fatos que ainda não ocorreram, e alguns são ruins, como os fanatismos (e qualquer idéia que lança sombras absolutamente totais sobre a razão se transforma em fanatismo), sejam eles religiosos, políticos, sociais, todo o conjunto de preconceitos, etc... Como nem todas as idéias podem sobreviver, porque o ambiente é mutável e o número de cabeças pensantes limitado, alguns são selecionados – da mesma forma como os genes – e não sobrevivem. Idéias como a inquisição, ou o uso de armas nucleares durante a guerra fria, ou a utilização de energia atômica para fins pacíficos, a KKK, ou tantos outros exemplos, estão sendo selecionados pelo meio ambiente (ou seja, as mentes que formam a sociedade). Da mesma forma, outros memes ocuparam os nichos previamente ocupados por estes memes, como a cruzada ecológica, a preocupação com o buraco de ozônio, ou a "nova era".
O objetivo de abordar este assunto está menos ligado à promoção pessoal da minha teoria, desenvolvida durante uma breve caminhada de quinze minutos e depois aprofundada por uma série de discussões e muita retórica, e mais ligada à observação de que pessoas comuns podem chegar a grandes conclusões desde que esta pessoa esteja suficientemente exposta ao estoque de conhecimentos passados.
Diferentemente do que se pode imaginar, as pessoas comuns não aceitam o gene egoísta, como define Dawkings, ou a ditadura do DNA, como eu prefiro chamar. Na verdade, toda a origem das espécies através da seleção natural cumulativa dos caracteres mais adaptados é de difícil entendimento. Os professores nas escolas, que em geral não são tão bem preparados quanto seria de se esperar, principalmente em ciência natural, fazem uma grande confusão com os princípios evolutivos.
Ao contrário da teoria de evolução através do uso e desuso, a teoria de Darwin poderia ser testada através de uma série de experimentos e através da observação. Em cada parte da explicação de sua teoria Darwin enumera uma série de exemplos e experiências que foram levadas a cabo para dar sustentação à argumentação. Apesar da mudança conceitual proposta em sua obra ser de natureza qualitativa, inúmeros exemplos quantitativos (e reproduzíveis) foram apresentados para dar credibilidade à idéia da seleção natural como agente de mudanças e diversificação.
"There are many hypotheses in science which are wrong. That's perfectly all right; they're the aperture to finding out what's right. Science is a self-correcting process. To be accepted, new ideas must survive the most rigorous standards of evidence and scrutiny." Sagan, Carl,
COSMOS 13 part television series... My answer to him was, "... when people thought the Earth was flat, the were wrong. When people thought the Earth was spherical they were wrong. But if you think that thinking the Earth is spherical is just as wrong as thinking the Earth is flat, then your view is wronger than both of them put together."
Isaac Asimov,The Relativity of Wrong, Kensington Books, New York, 1996, p 226.
Sou ateu porque não há evidência para a existência de Deus. Deveria ser tudo o que precisa ser dito sobre isso. Sem evidência, sem acreditar.
Dan Barker
A força de demonstrações rigorosas, tais como aquelas que ocorrem somente através do uso da matemática, me enchem de prazer.
Galileo Galilei
Quase tudo que distingue o mundo moderno dos séculos passados é atribuído à ciência
Os teistas pensam que todos os deuses, a não ser os seus, são falsos. Os ateistas simplesmente não abrem exceção para o último.
Até hoje nunca consegui encontrar uma razão, uma única razão que fosse, que justificasse se perder mais tempo dentro de templos, orando ao divino escolhido – porque divindades não faltam, então no final sempre escolhemos a que mais nos agrada ou o que nos foram impostos pelas tradições familiares – do que ajudar ao próximo necessitado. Poderia o ingênuo argumentar que não é profissional em "ajudar ao próximo", e então delega este poder ao clero, seja ele qual for, ou então encontra uma explicação para os infortúnios da vida em pseudo-ciências, misticismos e superstições. Tal pensamento, entretanto, é absolutamente absurdo, porque qualquer que seja sua área de experiência, sempre se pode contribuir mais para a sociedade – para o futuro de nossos filhos – atuando ativamente dentro de sua própria área de conhecimento, do que parado dentro de um templo achando que algum ser sobrenatural mudará as leis naturais para nos ajudar, ou ajudar à sociedade. Tão ruim quanto ficar esperando no templo a ajuda sobrenatural é recorrer a métodos que se mascaram de sábios porque são métodos antigos, embora não surtam quaisquer efeitos quando analisados objetivamente. Simplesmente é perda de precioso tempo que poderia estar sendo empregado para melhorar a vida coletiva. Na sua área de experiência existem muitas formas de ser útil: seja acrescentando conhecimento à humanidade, para que nossos netos, e os seus netos, vivam melhor, seja gerenciando melhor a empresa para qual trabalha, de tal forma que ninguém venha a perder o emprego e passar necessidade, seja somente se instruindo, para que os mal-intencionados aproveitadores da fé não roubem parte do quinhão que nos pertence, ou que pertence a nossas famílias.
Se a fé é tão boa, porque menos crianças passaram a morrer depois da revolução científica? Porque o homem aumentou tanto sua expectativa de vida? Porque deixamos de sentir dor na mesa de cirurgia, ou do dentista? Orando? Se Deus existe (e pessoalmente acho esta questão absolutamente irrelevante), porque conseguimos melhor qualidade de vida quando, de uma hora para outra, a humanidade decidiu que o método dele, ou pelo menos aquele descrito pelo clero como sendo dele, deviria ser posto em questão pelo método científico, pela análise estatística, pela matemática? E foi esta mudança na forma de encarar os acontecimentos e investigar os fatos que trouxe tantos benefícios para a humanidade.
A questão finalmente relevante é se deus, qualquer que seja ele, intervém no dia a dia. É evidente que não encontraremos milagres acontecendo na vida das pessoas. Muito embora milhões acreditem que eles existam, nenhum deles – de nenhuma religião - passa em um procedimento científico simples (como uma análise estatística). A intervenção divina também não é encontrada nas coisas mais triviais, como por exemplo alterar a gravidade, a velocidade da luz no vácuo e todas as demais leis da natureza. Então, ficamos com um deus acorrentado às leis da física, e portanto absolutamente sem livre-arbítrio, e por conseqüência absolutamente irrelevante.
A questão da intervenção divina, alterando o curso natural dos acontecimentos, é a base de qualquer pensamento religioso, por princípio. Uma religião baseada em um deus que não age, não pensa e não escuta as orações, seria desprovida de sentido. Então, a base do pensamento religioso é solicitar a intervenção divina. Se os acontecimentos naturais são eventualmente comandados por um deus sobrenatural todo poderoso, por que haveria este deus ter feito as coisas darem errado? Por que necessitaríamos nós, meros primatas de cérebro grande, tentar alterar sua ordem sobrenaturalmente perfeita através de pedidos e orações e sacrifícios?
Suponhamos então que exista um ser sobrenatural que realmente intervém no dia a dia das pessoas que tenham fé. Então ficamos sujeitos a duas conseqüências inevitáveis: ou este deus não é perfeito (ou é perfeito porém nós somos melhores do que ele porque o controlamos), ou então é um deus malévolo e narcisista que, mesmo sabendo de antemão os sofrimentos por que passam milhares de pessoas todos os dias, não faz nada, a não ser para os que tenham fé e massageiem seu orgulho através de ritos e orações. Ambas as alternativas me parecem absurdas.
No primeiro caso ou este ser não tem infinito poder sobre os eventos porque não fez as coisas acontecerem de maneira correta da primeira vez, e então os fatos que ele mesmo criou necessitam correções freqüentes. Neste caso o poder sobrenatural do deus estaria mais ou menos igualado ao nosso, uma vez que ele não poderia saber de antemão quais fatos necessitariam de "ajustes", quem teria de ser ajudado ou quem teria de ser castigado. Fundamentalmente essa opção corresponde às nossas incertezas mais profundas, que nos levaram a criar religiões em primeiro lugar! Ou então nós é que estaríamos controlando as ações deste deus, uma vez que seguindo os rituais e fazendo as orações certas, o deus não teria escolha senão realizar aquilo que pedimos. Na primeira opção, um deus desprovido do poder de fazer as coisas acontecerem corretamente de antemão, é um deus imperfeito, e portanto não é todo poderoso. Na segunda opção, seríamos mais poderosos do que o deus, porque seguindo-se os ritos apropriados, ele não teria escolha senão atender aos pedidos, e por conseqüência também seria um deus desprovido do poder total, senão desprovido de qualquer poder.
O segundo caso, de realmente existir um deus sobrenatural omnipresente e omnisciente que nos ajude caso tenhamos fé é a pior alternativa. Tal criatura, com poder para resolver todos os problemas do mundo de uma só vez, ao contrário de fazê-lo estimula a destruição e o sofrimento. Seria tal criatura merecedora de devoção? Uma reverência medrosa e acovardada, talvez, como fazem aqueles que imploram misericórdia a seus carrascos, mas nunca – em nenhuma hipótese – poderíamos perder tempo adorando nosso torturador.
Qualquer referência à religião, e considero religião qualquer forma de se acreditar em algo que não tenha evidências, e não somente as religiões e seitas tradicionais, é feita pela paixão, e normalmente a primeira regra é que o maior crime de todos é a dúvida, a falta de fé. Assim sendo, as religiões são absolutamente tautológicas: não se pode questionar porque, ao se questionar viola-se a regra mais básica, portanto tudo que for dito será verdade, independentemente de quão absurdo forem as regras, as normas, a mitologia ou as condutas. Isso reflete o interesse do clero em manter as pessoas ignorantes sobre as verdades da vida, porque assim podem conduzi-las como se conduz as crianças. Se queremos ser adultos, e tomar conta de nossas próprias vidas e destinos, não há como ser a favor de qualquer idéia que nos impeça de questionar e nos impeça de acumular dados e verificá-los experimentalmente.
A ciência, por outro lado, é sóbria. Podemos ver acaloradas discussões científicas, onde cada lado apresenta mais dados do que o outro, onde os egos em questão se inflamam e, às vezes, quase vão às vias de fato, entretanto, nunca vi ninguém matar, torturar, decepar, promover a exclusão, promover o racismo e o sectarismo, alienar, manter pessoas em cárcere privado ou fazer lavagem cerebral em crianças em nome da ciência. Em geral as discussões entre os cientistas se dá onde não existem dados suficientes, ou onde as experiências adequadas ainda não são possíveis ou não foram propostas. Com o passar do tempo, e o cuidadoso acúmulo de informações, tais discussões perdem o sentido. E porque a ciência não promove as mesmas barbaridades feitas em nome da fé? Porque a ciência promove a diferença, a discussão, o debate acalorado, porque é assim que ela evolui. É claro que a ciência também tem dogmas, mas o próprio método científico estabelece que novos dogmas substituirão os anteriores caso venham a explicar melhor os resultados observados nas experiências. Em si mesmo, a ciência contém um mecanismo de controle, que é o experimento, que separa a idéia absurda daquela que tem sentido, e mais ainda, separa a que explica melhor daquela que explica parcialmente.
Muitos humanistas acham que todo o problema do mundo reside nas religiões. Não acredito que isso seja verdade. Acredito que grande parte do problema do mundo reside no fato de que as ideologias religiosas impediram o avanço do conhecimento por milhares de anos, quer seja através de ataques frontais aos grandes pensadores como Galileu ou Giordano Bruno, quer seja através da ocupação do tempo dos fiéis com rituais e outras perdas de tempo, o que é muito pior. Ora, se o mundo segue algumas leis fundamentais, e quem já jogou uma pedra para cima sabe que ela cai, é absolutamente irrelevante expressar nossas vontades e desejos através de preces a um suposto ser divino. O tempo que é gasto em adorações, seria melhor aproveitado em outra atividade qualquer.
Evidentemente existe uma razão pela qual as pessoas procuram o conforto das explicações simples fornecidas pela filosofia religiosa, porque se não fosse assim não seria necessário este trabalho. É sempre mais fácil creditar os fatos da vida a uma entidade que "escreve certo por linhas tortas" (e sabe-se lá o que quer dizer isso, exceto que o criador de tudo tem uma péssima caligrafia), do que se dedicar anos a fio a estudar todo o conjunto de respostas que a ciência forneceu até o momento para explicação destes fatos.
A religião tem a função de fazer com que as pessoas incultas achem uma resposta fácil para suas inquietudes, e isso eu posso entender profundamente, e talvez seja por isso que as religiões – pelo menos as dominantes – tendem a fazer com que seus discípulos se mantenham ignorantes. A ciência, por outro lado, é extremamente enfadonha. O processo científico é construído através de observações incessantes (o que quer dizer um longo tempo coletando, anotando e classificando dados), uma análise estatística que requer uma grande capacidade de análise matemática pesada (significando destinguir o que é um erro devido ao acaso de um comportamento real da natureza) e um grande poder de síntese e abstração (para acharmos as regras gerais que governam o comportamento dos dados). Este método não é fácil e muitas vezes os resultados são inconclusivos, o que quer dizer que deve-se começar tudo outra vez. Entretanto, é um método em que as hipóteses erradas são descartadas, o que não acontece no método da fé, uma vez que não podemos testar as hipóteses.
Grande parte do mundo que nós conseguimos explicar extrapola enormemente nossos débeis sentidos. O mundo físico que realmente existe é completamente diferente daquele que construímos em nossas mentes. A maioria da matéria que conhecemos pelo toque é composta de espaços vazios. O senso comum que diz que estamos parados sobre uma Terra plana e fixa é falso. Conseguimos acessar o mundo real através da tecnologia aplicada à instrumentação auxiliado por um pensamento teórico completamente abstrato, muitas vezes determinado por equações matemáticas sofisticadas e que não seriam possíveis a poucos anos atrás. Nenhuma religião, por ter surgido antes destas novas descobertas vindas da ciência, conseguiu incorporar os conceitos que transcendem aos nossos sentidos. O mundo dos comprimentos de onda que não conseguimos enxergar, como o ultra-violeta e o infra-vermelho, passaram completamente ao largo das explicações teológicas, apesar de serem muito comuns na natureza para outras espécies, como vários pássaros e insetos. Da mesma forma, as galáxias distantes, que não podemos enxergar a olho nu sem o auxílio de poderosos telescópios, não são abordadas em nenhuma religião tradicional. Como estes exemplos, podemos ainda acrescentar todas as iterações eletro-magnéticas, todos os sons fora dos comprimentos de onda audíveis, todo o mundo vivo ou inerte microscópico, a bio-química, e diversos outros ramos da ciência que foram abertos através da utilização de instrumentos que melhoravam, ou simplesmente alteravam nossos sentidos.
Qual religião pode se considerar como a palavra de deus, se não pregava a existência destes fenômenos? Se alguém possui o mapa para o pensamento divino, certamente neste mapa deveria constar não somente aquilo que nossos sentidos nos informam, mas também aquilo que existe mas não conseguimos perceber por nossas próprias limitações.
Como as diversas seitas, religiões e pseudo-ciências em geral tem posições conflitantes, se alguma delas é verdadeira, as demais necessariamente são falsas. Como podermos, então, distinguir a verdadeira da falsa, sem acabar acreditando que todas são falsas? As pessoas seguem uma ou outra religião em função de sua tradição familiar ou cultural, e não pela busca da verdade. Se assim o fizessem, discernindo o que é verdade (e por verdade quero dizer o que se baseia em evidências) daquilo que é mentira (ou seja, aquilo que não apresenta evidências), certamente não acreditariam em nenhuma religião, seita ou pseudo-ciência.
As religiões pregam posições absolutamente contraditórias entre si. Ou se desfruta de vida eterna no reino dos mortos ou se reencarna para uma nova vida na terra; ou existe um único deus, ou são vários; ou o deus é amoroso e atua como um pastor conduzindo seu rebanho, ou é um deus vingador e egoísta. Qual critério devemos utilizar para separar o que é mentira daquilo que é verdade?
Até poucos séculos atrás, a única forma de se escolher entre a religião certa ou a errada era a tradição. Sociedades baseadas na religião católica, por exemplo, educavam seus filhos para serem católicos e acreditar que virgens dão à luz e que a carne morta ressuscita. Sociedades baseadas em outras religiões educavam seus filhos em outras mitologias, que em geral serviam para manter a coesão social em torno de suas histórias igualmente absurdas. Fora a tradição, não existe nenhuma maneira de se destinguir uma mitologia como verdadeira e outra como falsa. É necessário um método rígido e imparcial para que possamos separar o certo do errado, embora este método vá de encontro com tudo aquilo que nossos antepassados acreditavam.
Ainda, se existe uma religião certa, e consequentemente outras erradas, porque o deus da religião certa, dotado de supremo poder e infinita sabedoria, simplesmente não aparece para todas as pessoas, e esclarece o mal entendido? Certamente ficaria mais fácil acreditar em uma religião qualquer endossada por Deus em pessoa, de preferência se ele anunciasse qual religião deveríamos seguir, de maneira majestosa e teatral, como seria de se esperar na aparição divina.
E por que as religiões são assim tão desprendidas da realidade? Certamente porque foram fundadas por grupos de pessoas incultas há muito tempo. Como seus preceitos são dogmáticos, e portanto impossíveis de serem questionados, as novas descobertas da ciência e da crítica racional não puderam ser incluídas em suas pautas, mitologias e crenças. Aqueles que acreditam nos textos antigos, sejam eles os Veda hinduístas, o antigo testamento judaico, o novo testamento cristão, a medicina milenar chinesa ou astrologia, entre outras fontes da antigüidade, perdem não somente o montante de novas descobertas em todas as áreas como também se esquecem que, se esses textos realmente possuíssem sabedoria e conhecimento, deveriam prever as descobertas de leis naturais absolutas feitas milênios mais tarde. Seria muito simples a qualquer deus indicar a crença "verdadeira", simplesmente dizendo em suas escrituras "a razão entre a circunferência e o diâmetro em um círculo é 3,1415926535897900". Pode-se argumentar que o valor de pi é somente uma abstração humana, e portanto não tem nada a ver com o plano divino. Mas a velocidade da luz no vácuo, ou a constante gravitacional certamente teriam que fazer parte de um plano divino, se tal plano existisse, simplesmente porque são constantes básicas e fundamentais da natureza. Porque nenhum Deus incluiu estas pedras fundamentais do universo em seus pensamentos?
Tentei demonstrar, através do trabalho de grandes pesquisadores antigos e da atualidade, como podemos responder às perguntas sofisticadas e complexas através do conhecimento que temos hoje em dia, como encontramos uma ordem muito mais elegante do que aquela encontrada pelas religiões, mitos e crendices. Em nossa procura a respostas para perguntas fundamentais, a ciência fez um duplo trabalho, não só fornecendo elementos para que entendamos e obtenhamos respostas a estas questões filosóficas, mas também gerando, ao longo do caminho, melhores condições de vida para todos.
É muito triste ver pessoas com fé, porque reflete não somente uma completa falta de conhecimento científico, como também reflete uma profunda deficiência no ensino de ciências nas escolas. Acredito que poucos professores entendem os princípios básicos da evolução das espécies através da seleção natural, a transmissão de caracteres através da genética ou – pior - as conseqüências de tais deficiências na formação das pessoas em história natural. Carl Sagan, um dos maiores divulgadores da ciência nos nossos tempos, alerta sobre o fato de que como cada vez mais as influências da ciência na sociedade são explícitas e invitáveis, a falta de conhecimento científico pelas pessoas comuns deixará as decisões realmente importantes do futuro nas mãos de poucos. Não digo que as pessoas devam se tornar experts em evolução, cosmologia ou mecânica quântica, mas deveriam ao menos ter uma noção das idéias científicas que revolucionaram o mundo conceitual.
Este exemplo serve para demonstrar o problema que será enfrentado pelas próximas gerações, principalmente face a tecnologias potencialmente perigosas se mal utilizadas. A ciência em si não é boa ou ruim, uma vez que simplesmente é um método de investigação das coisas do mundo, das coisas naturais. A ciência aplicada, a tecnologia, ou o que fazemos com as coisas que descobrimos é que pode ser boa ou ruim.
Segundo John Carrey, [...] os poderes combinados da ignorância, retórica e bom senso podem constituir um problema para a ciência.
Mas afinal, o que é um intelectual? Será alguém diferente da raça humana, que já se considera sensivelmente mais avançado na sua capacidade de processamento de informações do que o resto dos seres vivos? Será que o intelectual tem alguma diferença genética que poderíamos classificá-lo como uma nova espécie, o Homo intelectualis? Acho que não. Acho que o intelectual deve ser uma pessoa extremamente normal, porém desprovida de trabalho e que goste de ler e escrever. Para não ser chamada de desempregado, chama-se de intelectual. Seria muito interessante ver Sir Isaac Newton sendo perguntado – Profissão? – Intelectual. – O senhor não é físico ? – Não senhor, sou um intelectual!
Por pura diversão, procurei no Aurélio o significado de intelectual e achei a seguinte definição:
"Pessoa que tem gosto predominante ou inclinação pelas coisas do espírito, da inteligência".
Por esta definição chegamos à conclusão que ser intelectual é uma característica de personalidade, nada tendo a ver com a sabedoria, o conhecimento ou a erudição de uma pessoa. Desta forma, classificar-se ou ser classificado como intelectual não deveria ser motivo de orgulho, uma vez que é somente uma observação quanto à personalidade, algo como comentar que uma pessoa é tímida, expansiva, carente, alegre, depressiva, etc... Um fato. Uma observação é somente um rótulo que utilizamos para categorizar eventos, de tal forma que fique mais fácil formar grupos de eventos parecidos e colocá-los disponíveis para identificação futura, e não tem em si mesma nenhuma conotação pejorativa ou não pejorativa. Contrariamente ao uso comum da palavra, costumamos classificar de intelectual todo aquele detentor de grande saber ou erudição, sem levarmos em conta que todos aqueles que – embora sem saber e sem erudição – que gostem (predominantemente) dos assuntos do intelecto, são intelectuais.