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A Verdade

 

..........A verdade é um dos temas mais difíceis de tratar, e não apenas em filosofia. Todo o ser humano, de alguma forma, julga estar de posse da verdade, pelo menos naquilo que é fundamental para ele: a sua religião, o seu partido, a sua equipa de futebol, os seus amigos, etc. Por outro lado, os poucos exemplos apontados bastam para ficarmos conscientes das divergências que podem existir no que respeita à verdade: as guerras religiosas, as guerras partidárias, a oposição entre adeptos, etc., tudo em nome de verdades diferentes.
..........Comecemos por analisar as coisas tomando como ponto de partida o conhecimento científico; é ele que aparece muitas vezes como o mais verdadeiro, aquele que obtém o maior consenso, tendo em conta sobretudo a eficácia das suas realizações no nosso quotidiano. Vamos tomar como guia um especialista, o epistemólogo Karl Popper

Verdade como correspondência

..........Popper subscreve a posição clássica, já formulada por Aristóteles: a verdade é o acordo, ou correspondência, do pensamento com a realidade. Uma teoria científica é verdadeira se está de acordo com a realidade. Como podemos saber se isso acontece? O problema é que, de uma forma absoluta, nunca o podemos saber: as teorias científicas são sempre hipotéticas, sempre sujeitas a revisão devida a novos factos ou novas formas de encarar os factos. Donde decorre que nunca podemos ter certeza da verdade de uma teoria. Verdade e certeza são coisas diferentes. Assim, se esta é talvez ainda uma das melhores definições de verdade, deixa em aberto outra questão tão ou mais importante: o critério. Como distinguir o verdadeiro do não verdadeiro? (Cf. texto de García Morente, Critérios de verdade).

... como coerência

..........Davidson analisa estes problemas e avança com a coerência como forma de solucioná-los (cf. Verdade como coerência). Não podemos sair de nós mesmos e pôr de um lado os nossos conhecimentos, do outro a realidade, para conferirmos se esta corresponde àqueles. Tudo aquilo a que temos acesso é aos nossos conhecimentos, às nossas opiniões ou crenças. Todavia, na medida em que o conjunto dessas opiniões, conforme revelado na nossa comunicação com os outros, se revela coerente, podemos admitir que o mesmo é em geral verdadeiro.

... como processo

..........Existem outras formas de ver a questão da verdade. Hegel, por exemplo, chamando a atenção para as divergências entre os diversos sistemas filosóficos, rejeita a verdade como algo estático, vendo nela um processo contínuo, em que os diversos aspectos da verdade, por vezes contraditórios mas sempre necessariamente ligados entre si, se vão manifestando (cf. A verdade como processo). O saber absoluto corresponderia ao resultado desse processo, manifestado na arte, na religião e na filosofia; com a reserva de que, ainda aqui, é necessário continuar a ter presente o carácter dinâmico da verdade.

... e outras verdades

..........Poder-se-iam multiplicar as concepções de verdade. A título de exemplo, podíamos apontar Heidegger, fazendo da verdade o desvelamento do ser na e através da linguagem; Nietzsche, que rejeita o próprio conceito, afirmando que não há factos em si em relação aos quais se pudesse estabelecer uma verdade, mas unicamente pontos de vista, valorizações, interpretações; e isto leva-nos directamente para a perspectiva céptica de que, como diria o nosso Francisco Sanches, nada se pode saber.
..........Tal como em relação à realidade (cf. Ontologias da contemporaneidade), o nosso problema com a verdade pode dever-se a pensarmos nela numa perpectiva de apropriação, de redução ao Mesmo. Sem pretender uma verdade absoluta, da mesma forma que parece não ser possível um conhecimento (apropriação) absoluta da realidade, podíamos no entanto reconhecer lugar para a verdade, uma verdade da qual todos nós, de vez em quando, temos experiência, nem sempre de forma agradável. Isto pode ser compreendido melhor através de um exemplo prático: pensemos na nossa relação com os outros. Muitas vezes convivemos anos com determinada pessoa sem a encontrarmos, quer dizer, sem sabermos realmente o que ela é. Por fim, às vezes por um mero acaso, descobrimos a verdade! A realidade, qualquer coisa, entrou pelo nosso pensamento adentro e impôs-se, e a partir daí já não somos os mesmos (cf. texto de de Aldo Gargani, O encontro com a necessidade).

( Fonte: Veja o Link Bibliografia )