EDMUND HUSSERL
(1859-1938)
Originalmente publicado em Clássicos da Filosofia, org. Rossano Pecoraro. Rio de Janeiro: Editora da PUC-Rio, 2008, p. 231-253.
1) O filósofo e o seu tempo
Edmund Husserl foi o fundador do movimento
fenomenológico no início do século XX. Sua vida é inseparável de suas obras
mais significativas --quase todas uma introdução à fenomenologia--, assim como
de seus encontros com pensadores, epígonos e interlocutores notáveis, dentre os
quais Dilthey, Scheler, Jaspers, Heidegger e Levinas. As duas Grandes Guerras
foram, sem dúvida, os acontecimentos mais marcantes na vida e obra de Husserl:
um de seus filhos morreu em combate na Primeira e, embora Husserl tenha morrido
antes do início da Segunda Guerra, testemunhou em pessoa o espectro do terror
nazista e vaticinou sobre o futuro da filosofia européia. Lecionou filosofia em
Halle (1887-1901), Göttingen (1901-1916) e Freiburg (1916-1928), etapas que
correspondem aos três períodos mais distintos do desenvolvimento da
fenomenologia --que podem também ser
identificados, grosso modo, com as
tentativas de formular um método estático, genético e generativo para a fenomenologia,
em termos de suas respectivas tematizações da intencionalidade, da constituição
e da intersubjetividade para dar conta das análises de sínteses ativas e
passivas inrentes ao método transcendental de toda pesquisa fenomenológica.
Edmund Husserl nasceu aos 8 de abril de 1859 em Prossnitz
(Morávia, atual República Tcheca, na época território do Império Austro-Húngaro),
numa família judia, o segundo de quatro filhos. Entre
1876 e 1878, o jovem Edmund estuda astronomia na Universidade de Leipzig, e, de
Em 1900, Husserl publica a primeira parte das Investigações Lógicas (Logische Untersuchungen), os “Prolegômenos
à Lógica Pura” (Prolegomena zur reinen
Logik). Em 1901, publica a segunda parte das Investigações: Untersuchungen
zur Phänomenologie und Theorie der Erkenntnis. Ainda em 1901, inicia seu
trabalho como professor assistente em Göttingen, onde começa a proferir
regularmente suas aulas sobre a fenomenologia. Em 1901, encontra-se com Max
Scheler, que seria um de seus assistentes mais famosos e expoentes da pesquisa
fenomenológica. Em abril e maio de 1905, Husserl profere cinco conferências
sobre a idéia da fenomenologia (Die Idee
der Phänomenologie). Naquele mesmo ano, Husserl viaja até Berlim para
visitar Wilhelm Dilthey, que havia oferecido um seminário sobre as Logische Untersuchungen. Em 1906, Husserl
é promovido a uma cátedra (ordentlichen
Professor) na Universidade de Göttingen.
Em 1909, Husserl recebe a visita de Paul Natorp
Em 1916, Husserl assume a cátedra de
Filosofia na Universidade de Freiburg, onde Edith Stein trabalhará dois anos
como sua assistente. Martin Heidegger torna-se, depois, seu assistente (a
partir de 1919). Em 3 de maio de 1917, profere a aula inaugural sobre “A
Fenomenologia, seu domínio de pesquisa e o seu método” (Die reine Phänomenologie ihr Forschungsgebiet und ihre Methode). Em
novembro do mesmo ano, profere três conferências sobre o ideal de humanidade em
Fichte (Fichtes Menschheitsideal). Em 1918, inicia correspondência com o
matemático de Göttingen, Hermann Weyl, apoiando sua concepção de fundamentação
da matemática no trabalho sobre o continuum (Das Kontinuum). Em
setembro de 1921, Martin Heidegger visita Husserl
Em julho de 1929, Husserl publica Lógica Formal e Transcendental (Formale
und transzendentale Logik). No mesmo mês, Husserl assiste a aula
inaugural de Heidegger na Universidade de Freiburg, “Was ist Metaphysik?”, e a
partir do verão desse ano, dedica-se a estudar criticamente os textos de seu
ex-pupilo, Sein und Zeit, Kant und das Problem der Metaphysik
e “Vom Wesen des Grundes”. Em 1931, Husserl apresenta um paper na Kant-Gesellschaft de Frankfurt sobre “Fenomenologia e
Antropologia” (Phänomenologie und
Anthropologie), retomado em Berlim e Halle. Em 1933, é impedido pelo Partido
Nacional-Socialista alemão de deixar o país sem autorização. Em maio de 1935, Husserl profere sua famosa conferência sobre
a filosofia e a crise européia (Die
Philosophie in der Krisis der europäischen Menschheit), perante a Federação
de Cultura (Kulturbund) de Viena. Em
novembro de 1935, Husserl apresenta outra versão da mesma conferência, Die
Krisis der europäischen Wissenschaften und die Psychologie, perante o Cercle philosophique de Prague pour les
recherches sur l’entendement humain. Naquele mesmo ano, Husserl foi
proibido pelos nacionais-socialistas de fazer apresentações públicas. Ao saber
das intenções nazistas de destruir os manuscritos de Husserl, o padre franciscano
Herman Leo Van Breda, que preparava sua tese doutoral sobre a fenomenologia de
Husserl, iniciou em 1938 todo um processo de proteção, recuperação e compilação
dos Arquivos Husserl, que foram transportados para Louvain (Bélgica). Aos 27 de
abril de 1938, Edmund Husserl morre de pneumonia em Freiburg, aos setenta e
nove anos de idade.
2) Ensaio
O maior legado de Edmund Husserl foi, sem dúvida, a
inovação metodológica proposta pela fenomenologia. Assim como Descartes, Hume e
Kant revolucionaram a Modernidade através de suas respectivas contribuições para
o racionalismo, o empirismo e o idealismo,
Husserl contribuiu de maneira decisiva para uma nova leitura dos
problemas filosóficos da ontologia, da subjetividade e da linguagem, pela sua
nova concepção de como devemos abordar o problema do conhecimento, através de
uma incansável investigação sobre o significado de fenômenos visados pela
consciência enquanto fluxo temporal de experiências vividas ou vivências (Erlebnisse). Husserl, na verdade,
recorre com freqüência a esses três autores –assim como a outros filósofos da
tradição ocidental—apenas para destacar o impasse de toda teoria do
conhecimento que, por um lado, reconhece a impossibilidade de se pressupor uma
racionalidade inata ou uma razão absolutamente segura de seus pressupostos
cognitivitos, assim como, por outro lado, vê-se obrigada a lidar com o dado e
sua dação de sentido (Sinngebung), na
medida em que as coisas nos impelem a conhecê-las e a delas nos apropriarmos
pela linguagem e pelos sentidos. Assim, Husserl buscou incessantemente uma
terceira via entre o subjetivismo e o objetivismo, de forma a evitar tanto o
logicismo dos racionalistas quanto o psicologismo dos empiristas. Embora ele
rejeite o subjetivismo cartesiano, Husserl reconhece a sua dívida para com a
guinada transcendental: as cogitationes
inerentes ao próprio exercício de pensar (cogitare)
a minha relação ao objeto de meu pensamento são um ponto de partida decisivo
para as meditações cartesianas. Aqui se encontram a chave cartesiana para a mathesis universalis de todo
conhecimento possível, o ponto arquimediano de toda investigação e o prelúdio a
toda antropologia filosófica. Por outro lado, é mister questionar também o empirismo
por uma arqueologia da coisa a ser intuída, de forma a desvelar as origens de
uma constituição transcendental. Husserl revisita o desafio humeano que
provocou o idealismo transcendental de Kant, reformulando o problema do ceticismo
e a ameaça constante do psicologismo, mas sem contentar-se com uma ruptura
noumênica que nos separa da “coisa em si”. Para Husserl, ao contrário, devemos
pela fenomenologia retornar às coisas mesmas (zurück zu den Sachen selbst), não mais concebidas como fatos, sense data ou matéria bruta dos
sentidos, mas pela dação de sentido (Sinngebung)
na própria correlação entre a consciência e o ser do fenômeno. Daí o seu
intento programático de introduzir a fenomenologia, enquanto ciência dos
fenômenos, para constituir-se em ciência rigorosa e teoria da ciência, de forma
a tornar toda ciência e toda teoria científica possíveis. A concepção
husserliana da consciência enquanto consciência de algo a ser objetivado por
uma subjetividade transcendental em muito lembra o intento kantiano de
revolucionar o modo tradicional de se conhecer. Com efeito, para Husserl, as concepções
correlativas de intencionalidade, intersubjetividade e normatividade traduzem a
co-constituição do mundo e do sujeito, na medida em que ambos se pressupõem e
são co-constituídos para sua mútua significação.
Outrossim, significação, sentido e teoria do significado ocupam um lugar
privilegiado na monumental obra husserliana, que nos foi legada através dos
quase quarenta volumes dos seus trabalhos publicados, anotações e manuscritos
em mais de 45.000 páginas estenografadas (Husserliana).
A hermenêutica, a desconstrução, filosofias da linguagem, speech-acts theories, teorias semânticas, neurociências e teorias
da comunicação estão entre as inúmeras correntes do pensamento que foram
engendradas e influenciadas, direta ou indiretamente, pela fenomenologia
husserliana. Desde as Investigações
Lógicas até o apêndice sobre a Origem
da Geometria incluído no texto da Crise,
toda a fenomenologia husserliana é, com efeito, pautada pelo problema da
significação.
A primeira Investigação, sobre expressão e significação (Ausdruck und Bedeutung), parece dirigir nossa leitura das cinco
investigações subseqüentes. Poder-se-ia mesmo pensar numa estratégia de
esquivarmo-nos de todas as pressuposições, a chamada ausência de pressuposições
(Voraussetzungslosigkeit) de que
falava Husserl, para refundarmos a ciência (Wissenschaft)
sobre um novo método. Depois de seus
trabalhos em matemática, particularmente Über
den Begriff der Zahl (1887) e sua Philosophie
der Arithmetik (1891), Husserl buscara, sob a influência de Brentano, uma
fundamentação da lógica e da filosofia, particularmente na concepção de número
para dar conta do problema da multiplicidade, ainda num contexto visivelmente
marcado pela epistemologia neokantiana. De acordo com tal concepção, o nosso
“mundo” seria construído pela reflexão, através da abstração de todo conteúdo
físico, de forma a desvelar os fenômenos psíquicos ou mentais por trás de
nossas construções lógico-matemáticas. Pouco a pouco, Husserl desenvolve uma
crítica radical do psicologismo, paralela à sua crítica do empirismo, sobretudo
a partir das Logische Untersuchungen
e com a publicação do primeiro livro das Ideen
em 1913, onde a fenomenologia é explicitamente formulada como uma nova versão
de idealismo transcendental, rompendo definitivamente com o platonismo e o
empirismo.
As Investigações Lógicas abrem com um longo e polêmico ensaio sobre a
lógica pura, onde a psicologia descritiva é articulada para refutar o
psicologismo e o empirismo: as leis e regras de inferência da lógica são
intuídas a priori, por sua
necessidade e universalidade idealmente vinculadas à própria descrição normativa
das mesmas, entre a subjetividade cognoscente e a objetividade do que é
conhecido. Assim, uma teoria do conhecimento é uma teoria do saber, uma teoria
da ciência (Wissenschaftslehre), cuja
peculiaridade é de constituir-se, justamente, em uma ciência da ciência (Wissenschaft von der Wissenschaft). A lógica,
enquanto doutrina pura da ciência (reine Wissenschaftslehre),
tem como tríplice tarefa: fixar as categorias puras da significação, dos
objetos e de suas combinações segundo suas próprias leis; estabelecer as leis e
teorias cujos fundamentos encontram-se nessas categorias; e, finalmente,
constituir-se como teoria das formas possíveis de teorias ou como teoria pura
de multiplicidades (Prolegômenos §§ 67-69). No segundo volume das Investigações Lógicas, Husserl finalmente
apresenta sua definition da lógica como “a ciência dos significados como tais [Wissenschaft von Bedeutungen als solchen]”
(Logische Untersuchungen. Husserliana,
Band XIX/1, p. 98). A concepção de significação e
significado em Husserl deve ser contrastada com a de Frege, para quem as duas expressões “1+1+1+
Para Husserl, a fenomenologia deve trazer à pura expressão (zu reinem Ausdruck) e descrever em
termos essenciais de seus conceitos (deskriptiv
in Wesensbegriffen) as essências que os fazem conhecidos em intiuição, de
forma que cada enunciado (Aussage) de
tal essência seja um enunciado a priori.(p.
6) A fenomenologia, enquanto ciência
descritiva da intuição de essências de todo fenômeno, propõe-se a investigar,
segundo as leis da lógica pura, como objetos articulados em termos gramaticais
preenchem uma intencionalidade de significação num sentido que, para além do
mero juízo psicológico, forma uma unidade significativa com a sua expressão.
Assim, Husserl inicia a primeira investigação assinalando a ambigüidade ou
duplicidade de sentido (Doppelsinn) inerente
ao termo “signo” ou “sinal” (Zeichen):
“Todo signo é um signo de algo, mas nem todo signo tem um ‘significado’, um
‘sentido’ com o qual o signo é expresso [Jedes
Zeichen ist Zeichen für etwas, aber nicht jedes hat eine “Bedeutung,” einen “Sinn,”
der mit dem Zeichen “ausgedrückt” ist] (p. 30). Embora todo signo ou sinal
signifique alguma coisa, nem todo significado tem sido referido por um
significante, nem todos os significantes têm um significado --para usar uma
terminologia saussureana--, na medida em que nem todos os signos são expressões
(no sentido husserliano). O texto de Husserl antecipa o famoso Cours de linguistique générale publicado
em 1916 por Ferdinand de Saussure, assim como várias das intermináveis
discussões em torno do significado, da linguagem e da semântica, que só seriam
tematizadas depois da Segunda Guerra Mundial. Deve-se, todavia, lembrar ainda
que o contexto da problemática husserliana é o mesmo da chamada concepção tradicional
da linguagem, segundo a qual esta funciona como um veículo ou meio para exprimir
e transmitir um pensamento, o qual representa uma realidade independente.
Se, por um lado, o signo (Zeichen)
tem a característica genérica da “expressão” (Ausdruck), por outro lado, pode este mesmo signo a nada referir-se,
sem nada exprimir, sendo simplesmente um sinal (Anzeichen), uma “indicação”, um “indício”, uma “marca” ou uma
“nota”. Por exemplo, os canais de Marte parecem um sinal ou indicam que haja
água naquele planeta, mas não exprimem nenhuma intenção significativa, não
querem dizer algo, como uma placa ou sinal de trânsito --em português,
dir-se-ia, neste caso, que o sinal funciona como um signo no sentido
husserliano. Segundo Husserl “significar [Das
Bedeuten] não é um modo particular de ser um signo” no sentido de indicar
ou assinalar algo.(p. 30) Portanto, um signo indicativo é desprovido de sentido
ou signficado (bedeutungslos), na
medida em que não preenche uma função significante (eine Bedeutungsfunktion). Assim, expressões (Ausdrücke) devem ser distinguidas de signos indicativos (anzeigenden Zeichen) na medida em que
são significativas (bedeutsamen) (p. 37).
Ademais, uma expressão não apenas tem um significado mas também refere-se a
certos objetos (Gegenstände), isto é,
toda expressão é acerca de algo (über Etwas) (p. 52), não apenas numa
relação de dar nomes às coisas, pois nem todas as expressões nomeiam seus
objetos. Aqui reside precisamente um importante ponto de ruptura entre Husserl
e Frege: enquanto Frege associa o sentido (Sinn)
de uma proposição ao pensamento (Gedanke)
expresso e sua referência (Bedeutung)
ao seu valor de verdade (Wahrheitswert),
a proposição significa para Husserl um pensamento (Gedanke) mas refere-se a um estado de coisas (Sachverhalt) --como o faria mais tarde, Wittgenstein.(p. 53)
Husserl ilustra o seu problema ao assinalar que as proposições “a é maior do
que b” e “b é menor do que a” dizem de diferentes modos algo (Sache) que exprime, em última análise, o
mesmo estado de coisas.
A abordagem fenomenológica que caracteriza a análise husserliana do
significado não se reduz, todavia, ao mero tratamento de funções simbólicas e
lingüísticas, mas tem a pretensão de evidenciar plenamente o trabalho das
intuições em uma fenomenologia do conhecimento, entre a intenção de significação
(Bedeutungsintention) e o
preenchimento de significação (Bedeutungserfüllung),
ou seja, como o subjetivo e o objetivo são articulados na estrutura essencial
de experiências puras, como significado idealmente unificado.(§§ 29‑35). Por
exemplo, quando eu entro na piscina e digo que “a água está fria”, estou não
apenas exprimindo uma sensação térmica subjetiva mas também constatando que a
temperatura da água está efetivamente abaixo de quinze graus centígrados --ou
algum estado de coisas semelhante. A questão, para Husserl, não é de
simplesmente descartar os condicionamentos meramente subjetivos ou de aspirar a
uma objetividade que independe da subjetividade, mas de dar conta da
significação de tudo que pode ser dito acerca do mundo, pela correlação entre
intencionalidade, intersubjetividade e normatividade. A unidade ideal de
significação adquire, em Husserl, um sentido lógico-teorético que viabiliza a
própria cognição. Todavia, não se trata de advogar a existência metafísica de “objetos
universais” numa mente divina ou em algum topos
ouranios, mas de situar toda referência dentro da correlação de significado
entre o objeto conhecido e o sujeito cognoscente que o constitui.
Nas três Investigações seguintes,
Husserl desenvolve algumas das idéias diretrizes introduzidas na Primeira Investigação,
seguindo a distinção essencial entre “Bedeutung”
e “Gegenstand.” “Tudo que é lógico,” escreve
Husserl, “situa-se entre as categorias correlatas de significado [Bedeutung] e
objeto [Gegenstand]” (p. 101). A objetidade (Gegenständlichkeit) é determinada pelas leis lógicas do significado,
“que considera os significados em virtude de terem ou não objetos”. Enquanto
objeto, “o paralelograma de forças” resulta da apreensão de um “significado
ideal”, enquanto “a cidade de Paris” é um “objeto real” da percepção sensível
ou imaginária. Mas ambos exigem para “serem conhecidos” um tipo correlativo de
apreensão (Auffassung). Portanto, Husserl
não estaria tão primariamente preocupado com a “realidade” (Wirklichkeit) do objeto e sua “existência”
(Dasein), mas estaria afirmando que
apenas um “ato objetificante” nos daria um “objeto” através da sua “presentificação”
(se estiver efetivamente presente) ou através da sua “representação” (por
exemplo, se for imaginado ou pensado).
A noção de intencionalidade, herdada
de Brentano, na constituição de atos mentais ou psíquicos, isto é, o fato de
que toda consciência seja, desde sempre, consciência de algo, é criticamente discutida
na Quinta Investigação (“Sobre Vivências Intencionais e seus ‘Conteúdos’”). É
somente aqui que a diferença entre um “ato intuitivo” (que alcança o seu objeto)
e um “ato significante” (que simplesmente visa tal objeto)-- uma diferença
fundamental para a concepção de “preenchimento” na (re)constituição do significado--,
é fenomenologicamente articulada. Como toda consciência é sempre intencionalidade,
a diferença entre “pensamento puro” e “contato com a realidade” não reside no
objeto, mas no seu modo de dação ou doação, no seu modo de ser experienciado ou
vivenciado. O conhecimento emerge, portanto, como a confirmação pela intuição
do que fora tencionado e visado na intenção significante não preenchida, na
medida em que o “vazio” dos atos significantes é finalmente preenchido pela
“plenitude” de atos intuitivos. Tal é, com efeito, o tema recorrente da Sexta Investigação,
“Elementos de uma Elucidação Fenomenológica do Conhecimento.” Para Husserl, a fenomenologia
deve sempre ser tomada como um todo ou um complexo significante cujas partes correlatas
informam, complementam e sustentam-se mutuamente. Precisamente por causa de seu
intento original de livrar-se de todas as pressupposições tradicionais, a
fenomenologia das Investigações Lógicas
só pode ser aclarada à luz da leitura do Primeiro Livro das Idéias. Como o título de sua Segunda
Investigação indica (Die ideale Einheit
der Spezies und die neueren Abstraktionstheorien), o conceito-chave de “idealidade”
do significado traduz a tese husserliana de que a lógica pura trata exclusivamente
de “unidades ideais que nós chamamos ‘significados’”.
Tal é a base do conhecimento em geral, e de saberes científicos em particular,
na medida em que objetividade e “significado objetivo” são viabilizados. A
essência (Wesen) do significado não
pode, portanto, residir numa experiência meramente subjetiva, mas deve ser
encontrada em seu “conteúdo”, em sua “idéia” (Husserl recorrerá com freqüência
ao termo platônico, Eidos): “nós
significamos não este aspecto de vermelho na casa, mas o vermelho como tal”.(p.
112ss.) Esse ato do significado como unidade idêntica intencional é um ato “fundado”
(ein fundiertes) sobre apreensões
subjacentes (Auffassungen) do objeto,
i.e., sobre certos aspectos deste objeto “visado” (tencionado, significado)
pelo sujeito cognoscente: “um novo modo de apreensão tem sido construído sobre
a intuição [Anschauung] da casa individual
ou do seu aspecto vermelho, um modo de apreensão [Auffassungsweise] constitutivo da presença intuitiva da idéia de
vermelho [die für die intuitive
Gegebenheit der Idee Rot konstitutiv ist]” (p. 114).
Não há significado, portanto, sem a
dação de sentido e dabilidade do próprio objeto. Ademais, tal dação é correlata
a atos intuitivos, que possuem seu objeto, seja pela “percepção” (Wahrnehmung), “presentação” (Gegenwärtigung), ou pela memória do que
é representado, pela imaginação (Einbildung)
ou “presentificação” (Vergegenwärtigung)
(§§ 25-30). Sendo a percepção, segundo Husserl, uma “intuição primária”, na
medida em que nos dá o ser (Sein) in persona, é nesta oposição correlata
entre “intuição” e “re-presentação,” mas especialmente na própria (re)presentação,
que encontra-se uma das chaves conceituais para o sentido ambíguo do termo
“significado” (Sinn / Bedeutung). Seguindo a teoria da intencionalidade formulada por Brentano, Husserl afirma
a interdependência de atos intencionais e representações, na medida em que “uma
vivência intencional somente ganha referência ao encorporar uma objetidade no
próprio ato de vivência de fazer presente, através do qual o objeto lhe é presentificado [Ein intentionales Erlebnis gewinnt überhaupt
seine Beziehung auf ein Gegenständliches nur dadurch, da in ihm ein Akterlebnis des Vorstellens
präsent ist, welches ihm den Gegenstand vorstellig macht]” (p. 443). Devemos
lembar a crítica sistemática de Husserl a teorias da abstração tais como as que
foram propostas por Locke, Berkeley, Hume e Mill (notadamente, na Segunda
Investigação), quando desdenha seu uso meramente instrumental de representação como
“um dispositivo para economizar o pensamento” ou como mera “substituição” (§§
24-31). Assim, para Husserl, o significado é indissociável da intencionalidade e
do seu preenchimento como expressão: expressões como tais são constituídas por
seu significado.
Uma distinção essencial se faz necessária entre intuição
e significado: enquanto este tenciona ou visa ao seu objeto, a intuição, e em particular,
a percepção, o alcança. A “representação”, em oposição à “presentificação
direta” da percepção, implica diferentes modos de apreensão no ato objetivante.
O uso husserliano de três palavras distintas em alemão (Vorstellung, Repräsentation
e Vergegenwärtigung) serve para indicar
a nuância psicológica de seu tropo semântico, em conexão com uma teoria da intuição,
que seria desdobrada em uma teoria genética da constituição.
Assim, a passagem das Investigações ao primeiro livro das Idéias, ajuda-nos a entender como Husserl antecipa vários dos
problemas envolvidos no atual debate entre autores analíticos e continentais
sobre racionalidade, razão e razoabilidade, em sua pretensão de investigar, na
lógica, a possibilidade de uma ciência sem pressupostos dogmáticos. Embora não
tenha se situado claramente no debate opondo platonismo, formalismo e
intuicionismo em filosofia da matemática e sobre o problema dos fundamentos da
matemática, em particular, Husserl antecipou muitas das polêmicas discussões
atuais sobre semântica e pragmática, ao destacar, por um lado, uma noção de
categoria semântica (Bedeutungskategorie),
a ser contraposta, por outro lado, a uma abordagem genética, diferenciada de
sua abordagem estática nos primeiros escritos, a partir do momento em que temos
de dar conta do trabalho de abstração do mundo, na saída de uma atitude ou
orientação (Einstellung) natural em
direção a uma atitude ou orientação fenomenológico-teórica --por exemplo,
quando tentamos dar conta do fenômeno do espaço, do ser e do tempo. Aqui, Husserl também assegura o
lugar fundamental da intersubjetividade e antecipa a questão generativa da
historicidade e da co-constituição da consciência e do mundo, tematizadas nos
outros dois livros de Idéias, nas Meditações Cartesianas e nos vários escritos,
textos inéditos e apêndices sobre a Crise.
Neste sentido, mais uma vez, o caráter transcendental
da pesquisa fenomenológica reabilita o problema semântico do a priori, como já
fora tematizado por Kant. A fenomenologia é agora definida como “uma doutrina
eidética descritiva de processos mentais transcendentalmente puros como vistos
numa atitude fenomenológica [eine deskriptive
Wesenslehre der transzendental reinen Erlebnisse in der phänomenologischen
Einstellung]”(§ 75). É somente através da epoché, isto é, da suspensão da tese natural do mundo, que a consciência
alcança pela reflexão uma “região” que transcende a natureza --a região
fenomenológica da “consciência pura”-- e opera o que Husserl denomina de
“constituição transcendental” do significado. De accordo com Husserl, trata-se
de efetivar a epoche fenomenológica,
não mais para duvidar da existência do mundo, mas para tirar de circuito ou
colocar fora de ação todas as ciências que se referem a esse mundo natural, de
forma a atingirmos o “resíduo fenomenológico” da própria consciência que
sobrevive a todo experimento eidético de redução fenomenológica. A
fenomenologia enquanto idealismo transcendental adquire, no primeiro livro das Idéias, seu direito de cidadania na
própria concepção da filosofia como tarefa do pensamento, partindo da problemática
da intencionalidade em direção a uma teoria da constituição, estabelecendo a
correlação co-constitutiva entre consciência e mundo enquanto regiões
ontológicas absolutamente distintas. Segundo Husserl,
“A fenomenologia é então, com efeito, uma disciplina puramente descritiva, que investiga todo
o campo da consciência transcendental pura na
intuição pura. As proposições lógicas, de que ela poderia oportunamente
lançar mão, seriam portanto somente axiomas
lógicos, como o princípio de contradição, cuja validez geral e absoluta ela
poderia, no entanto, tornar exemplarmente evidente em seus dados próprios.
Podemos, pois, incluir a lógica formal e toda a mathesis em geral na epoche
que procede expressamente à exclusão de circuito e, a este respeito, podemos
estar seguros da legitimidade daquela norma
que preendemos seguir enquanto fenomenólogos: não fazer uso de nada, a não
ser daquilo que possamos tornar eideticamente evidente para nós na própria
cosnciência, em pura imanência. (§ 59 p. 136 da versão brasileira, trad.
Márcio Suzuki) A idealidade do
significado não pode ser confundida com uma versão de psicologismo ou de idealismo
metafísico, mas alude a uma concepção-limite, como a “Idéia [Idee] no sentido kantiano” (§ 74).
Além da redução fenomenológica e do trabalho
propriamente transcendental de seus experimentos a partir de vivências mentais
(“psíquicas”, na linguagem husserliana), a fenomenologia se mostra também um
perspectivismo [Perspektivismus], na
medida em que parte de “adumbrações” [Abschattungen]
que viabilizam a percepção do objeto pelas perspectivas das partes com relação
ao seu todo, determinando um continuum perceptivo: nós constituímos o outro
lado (invisível) da lua que observamos no céu ou mesmo da maioria dos objetos
visíveis à nossa mão -- um artifício que seria consagrado pelas escolas de
psicologia Gestalt. A apreensão de adumbrações
e sensações de dados materiais distingue um momento noético de seu correlato
momento noemático, quando da constituição do sentido e da aparência: enquanto a
noesis desvela a multiplicidade de
perspectivas constitutivas na percepção/apercepção do objeto e seu perfil, o noema desvela o sentido de unidade de
tal objeto tencionado como tal e tal coisa –o seu significado. Trata-se aqui de
uma importante correlação entre o que é constitutivo e o que é constituído. É
assim que Husserl operaria, mais tarde, uma guinada genética ao passar de uma
descrição estática da constituição por uma análise categorial a uma análise “estética”
(no sentido kantiano da Primeira Crítica)
de sínteses passivas, a partir do segundo Livro das Ideen. Ainda nos anos 20 e
30, Husserl desenvolve os conceitos de “corpo vivido” (Leib) e “mundo da vida” (Lebenswelt),
para destacar o papel genético do corpo “estético” --em oposição a sua mera
extensão físico-corpórea (Körper)--
precisamente por causa de sua intersubjetividade inserida desde sempre num
mundo de vivências, onde se dão inclusive sínteses associativas, por exemplo,
entre o que se me dá como “familiar” (Heimwelt)
e “estranho” (Fremdwelt), assim como
relações de empatia e normalidade. A partir das palestras sobre a Krisis, Husserl enfatiza o significado
da vida humana numa teoria de constituição intersubjectiva que tenha alcançado
sua plenitude. A liberdade e a dignidade da pessoa humana excedem todas as
limitações e condicionamentos empíricos localizados (cultura, religião e
cosmovisão, Weltanschauung), por isso
mesmo a fenomenologia teria diante de si uma nobre tarefa junto às ciências da
natureza e do espírito (Natur- und Geisteswissenschaften)
como guardiã da espiritualidade civilizatória em tempos de incertezas e ameaças
contra a nossa própria humanidade. Assim como vários elementos para uma
preocupação com o destino do planeta Terra, Husserl também teceu considerações
sobre a nossa historicidade (Geschichtlichkeit),
pela “sedimentação” e “transmissão” de legados e tradições, em conjunção
constante com o enraizamento corporal, em nossa incessante constituição de
objetividades.
3) Conceitos-chave
Apesar de emergir a partir de uma visão tradicional e
metafísica da linguagem, a fenomenologia de Husserl nos fornece uma teoria do
significado que em muito antecipa a reviravolta lingüística (linguistic turn) em filosofia, assim
como o que seria denominado de “guinada semântica” (semantic turn), o problema dos argumentos transcendentais e problemas
de monismo, realismo e anti-realismo, numa terminologia da filosofia da mente e
da filosofia analítica da linguagem. As concepções-chave da fenomenologia tais
como consciência, intencionalidade,
linguagem, representação, redução, significação, constituição, correlação
noético-noemática e intersubjetividade, definem novos horizontes de
investigação filosófica e novas concepções de mundo e subjetividade. A
incessante busca de fundamentos para justificar a correlação noético-noemática
traduz a preocupação husserliana de evitar posições definitivas entre o realismo
e o anti-realismo, na medida em que mantém sua concepção de espécie ideal do
significado lado a lado do caráter co-constitutivo e intersubjetivo da
consciência, cada vez mais detalhado em termos genéticos e generativos (historicidade,
linguagem e socialidade) no preenchimento da significação. Assim, os conceitos
de mundo e mundo da vida são fundamentais para entendermos os desdobramentos da
recepção de Husserl e de sua fenomenologia mais tarde. Nas palavras do filósofo
morávio, “o mundo da vida [Die Lebenswelt]
está desde sempre lá [immer schon da],
sendo para nós de antemão, fundamento para qualquer um, seja na prática teórica
ou na práxis extra-teórica. O mundo nos é dado de antemão, a nós despertos, que
somos sempre de algum modo sujeitos com interesse prático…[o mundo] nos é dado como
campo universal de toda práxis efetiva e possível, dado de antemão como horizonte”.(Krisis p. 145) Como observado, o termo Lebenswelt foi desenvolvido nos anos 20,
tendo sido empregado pela primeira vez por Husserl no segundo livro das Idéias, de 1916-17, num apêndice ao
parágrafo 64, acerca da primazia do espírito (absoluto) sobre a natureza
(relativa) (Ideen II, p. 384, cf. 302
n.) Lebenswelt é usado aqui para
caracterizar o mundo comunicativo pessoal, o mundo natural, o mundo intuitivo e
o mundo “estético” da experiência, em oposição a concepções naturalistas e
objetivas das ciências naturais. Lebenswelt,
nesta acepção, é tomado como equivalente a Umwelt
(mundo ambiental/circundante), Alltagswelt
(mundo cotidiano), Erfahrungswelt
(mundo da experiência) e o conceito natural de mundo (natürlicher Weltbegriff), que Husserl reconhecidamente empresta de
Richard Avenarius. Mas é notavelmente no texto da Krisis (Husserliana VI, 1a.
ed. 1954; 2a. ed. 1993) dos anos 30 que Husserl nos fornece pelo menos quatro
conceitos provisórios de mundo da vida:
1. mundo da vida é
o que pode ser intuído
2. o fundamento do
sentido
3. o reino das
verdades relativas-subjetivas
4. o mundo da vida
enquanto estrutura essencial, ou como o mundo perceptual (Eidos)
Os conceitos de Welt
e Lebenswelt são, inicialmente,
formulados segundo uma concepção ontológica, pertecencendo a uma fenomenologia
estática (não-genética, não-generativa) e devendo ser diferenciados dos conceitos
transcendentais de Lebenswelt como
horizonte e como fundamento. Pode-se falar, neste sentido, de seis conceitos
distintos de Lebenswelt
1. O mundo é
pressuposto como tendo a mesma estrutura de um objeto.
2. Numa
perspectiva fenomenológica, isso siginifca que o mundo torna-se um correlato da
vida intencional (como numa análise cartesiana do mundo).
3. O mundo se
torna uma unidade abrangente, telos e
arche, uma única força constitutiva.
4. Precisamente
enquanto mundo “futural”, baliza o desenvolvimento do sentido unitário de todos
objetos, comunidades e culturas.
5. Em última
análise, não haveria mais a possibilidade de se encontrar um mundo radicalmente
outro, isto é, um Heimwelt implicaria
todo possível Fremdwelt, na medida em
que eles são co-constituídos em modalidades opostas (normal e anormal) de
constituição de sentido.
4) Percursos e influências
Como já foi observado, a fenomenologia de Husserl se
consolidou como o mais importante movimento filosófico do século XX e,
juntamente com a filosofia analítica, se mantém neste novo século como a mais
promissora, abrangente e pluralista escola de filosofia, abrigando inúmeras
tendências e correntes do pensamento. Além das influências diretas e decisivas
sobre pensadores como Max Scheler, Martin Heidegger, Nicolai Hartmann, Karl
Jaspers, Hans-Georg Gadamer, Eugen Fink, Emmanuel Lévinas, Ludwig Landgrebe, Roman Ingarden, Jean-Paul
Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Simone de Beauvoir, Paul Ricoeur, Gabriel
Marcel, José Ortega y Gasset, Alfred
Schütz, Michel Foucault, Gianni
Vattimo, Michel Henry, Jean-François Lyotard, J.N. Mohanty, Jacques Derrida e Bernhard Waldenfels, a
fenomenologia exerceu uma importante influência sobre várias correntes e
escolas contemporâneas, tais como o existencialismo, o personalismo, a
hermenêutica, o estruturalismo, a teoria dos atos de fala, a teoria crítica e o
desconstrucionismo. A importância desses autores e movimentos ultrapassa os
domínios tradicionais da filosofia, como se nota pela presença da fenomenologia
em grandes obras das ciências naturais, das ciências humanas, das ciências
sociais, das ciências jurídicas, das belas artes e da literatura. A influência
de Husserl na América Latina se manifestou, no século passado, sobretudo
através do existencialismo e das apropriações de pensadores religiosos,
marxistas ou juristas, tais como Leopoldo Zea, Francisco Romero, Miguel Reale e
Enrique Dussel. No Brasil, apesar da formidável contribuição de grandes
pensadores tais como Vilém Flusser, Benedito Nunes, Ernildo Stein, Gerd
Bornheim, Zeljko Loparic, Emmanuel Carneiro Leão, Bento Prado Jr., Carlos
Alberto Ribeiro de Moura, José Arthur Giannotti, Renato Cirell Czerna, Marilena
Chaui, Guido Antonio de Almeida, Renato Janine Ribeiro e Creusa Capalbo,
somente em 1999 foi concretizada a fundação de uma Sociedade Brasileira de
Fenomenologia, em Porto Alegre, vinculada ao Círculo Latinoamericano de Fenomenología e à
Organization of Phenomenological Organizations, que abriga mais de 160
organizações e sociedades de fenomenologia em todo o mundo.
5) Bibliografia
As Obras Completas (Gesammelte Werke) de Edmund Husserl estão sendo publicadas em sua
versão crítica definitiva, em alemão, desde 1950, na coleção Husserliana, em Haia (Holanda) por Martinus Nijhoff. Listamos abaixo
alguns dos seus escritos mais importantes disponíveis em português e inglês:
A crise da humanidade européia e a filosofia. Trad. Urbano Zilles. 2a.
ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
Investigações Lógicas: “Sexta Investigação: Elementos de uma elucidação
fenomenológica do conhecimento”. Trad. Zeljko Loparic e Andréa Loparic.
Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
Idéias para uma Fenomenologia Pura e para uma
Filosofia Fenomenológica.
Trad. Márcio Suzuki. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006.
Meditações Cartesianas. São Paulo: Madras, 2001.
Conferências de Paris. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1992.
A idéia da fenomenologia. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1990.
A filosofia como ciência de rigor. Trad. Albin Beau.
Coimbra: Atlântida, 1952.
The Essential Husserl: Basic
Writings in Transcendental Phenomenology. Edited by Donn Welton.
The Crisis of the European
Sciences and Transcendental Phenomenology: An Introduction to Phenomenological
Philosophy. Trans. David Carr.
Cartesian Meditations: An
Introduction to Phenomenology. Trans. Dorion
Ideas Pertaining to a Pure
Phenomenology and to Phenomenological Philosophy. First
Book. Trans. F. Kersten.
The Hague: M. Nijhoff, 1982.
Logical Investigations. 2 vols. Trans. J.N. Findlay. London: Routledge &
Kegan Paul, 1970.
Husserl: Shorter Writings. Ed. Peter McCormick e F.
Elliston.
Alguns dos mais importantes estudos e trabalhos
introdutórios já publicados sobre Husserl:
Almeida, Guido Antonio de. Sinn und Inhalt in der Genetischen Phänomenologie E. Husserls. The
Hague: M. Nijhoff, 1972.
Derrida, Jacques. La voix
et le phénomène. Introduction au problème du signe dans la phénoménologie de
Husserl.
---------. Edmund Husserl's Origin of
Geometry: An Introduction.
Dreyfus, Hubert (editor). Husserl, Intentionality, and Cognitive Science.
Held, Klaus. Lebendige
Gegenwart: Die Frage nach der Seinsweise des transzendentale Ich bei Ed.
Husserl.
Kern, Iso. Kant
und Husserl. Eine Untersuchung über Husserls Verhältnis zu Kant und
Neukantianismus.
Lévinas, Emmanuel. The
Theory of Intuition in Husserl's Phenomenology.
---------. En
découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger.
Moura, Carlos Alberto Ribeiro de. Crítica
da Razão na Fenomenologia. São Paulo: EDUSP, 1989.
Oliveira, Nythamar Fernandes de, e Ricardo Timm de Souza, editores. Fenomenologia
Hoje. Porto Alegre: Edipucrs, 2001.
---------.
Fenomenologia Hoje, Volume 2:Significado e Linguagem. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.
---------.
Fenomenologia Hoje.
Volume 3: Bioética, Biotecnologia,
Biopolítica. Porto Alegre: Edipucrs, 2007.
Prechtl, Peter. Edmund Husserl zur Einführung. Hamburg:
Junius, 2006.
Ricoeur, Paul.
Husserl: An Analysis of His Phenomenology.
Silva, Jairo J. da e Michael Wrigley (editores). “Husserl”, Manuscrito XXIII/2
(2000).
Smith, Barry and David Woodruff Smith (editors). The
Sokolowski, Robert. Introduction to Phenomenology.
Spiegelberg, Herbert. The Phenomenological Movement: A Historical Introduction.
Stein, Ernildo
J. Seminário sobre a Verdade. Petrópolis: Vozes, 1993.
Steinbock, Anthony. Home and Beyond: Generative Phenomenology after Husserl.
Thévenaz, Pierre. De Husserl à
Merleau-Ponty: Qu’est-ce que la phénoménologie? Neuchatel:
Tugendhat, Ernst. Der
Wahrheitsbegriff bei Husserl und Heidegger.
Welton, Donn. The
Origins of Meaning: A Critical Study of Husserlian Phenomenology.
---------. The
Other Husserl: The Horizons of Transcendental Phenomenology.
6) Seleção de textos
Logische
Untersuchungen: Zweiter Band, Zweiter Teil, I. Ausdruck und Bedeutung, Erster
Kapitel, §§ 1,2, 5-9. Gesammelte Werke (Husserliana), Band XIX/1, Herausgegeben
von Ursula Panzer. Den Haag: Martinus Nijhoff, 1984.
Primeira
Investigação: Expressão e Significação
Capítulo 1: Distinções Essenciais
§1. Uma ambigüidade no termo ‘signo’
Os termos ‘expressão’ [Ausdruck] e ‘signo’ [Zeichen]
são, não raramente, tratados como sinônimos [gleichbedeutende], mas não seria inútil observar que nem sempre coincidem
no seu emprego na linguagem comum. Todo signo é um signo de algo, mas nem todo
signo tem um ‘significado’, um ‘sentido’, com o qual o signo é ‘expresso’. Em muitos
casos nem se pode dizer que o signo ‘refere-se’ ao que se lhe atribui como signo.
E mesmo quando isso pode ser dito, é mister observar que ‘referir-se a’ não
valerá como o ‘significar’ [“Bedeuten”]
que caracteriza a expressão. Pois signos no sentido de sinais [Anzeichen] (características, marcas,
etc.) não exprimem nada a menos que venham a preencher uma função de
significação [Bedeutungsfunktion]
assim como uma função indicativa. Se, como se faz inadvertidamente, alguém limitar-se
a expressões empregadas no diálogo vigente, a noção de um sinal parece aplicar-se
mais amplamente do que a de uma expressão, mas isso de modo algum significa que
o seu conteúdo seja o gênero do qual uma expressão seria a espécie. O
significar [Das Bedeuten] não é um
modo de ser signo [Art des Zeichenseins] no sentido da assinalação [Anzeige]. Ele apenas tem uma aplicação
mais restrita --na fala [Rede]
comunicativa -- porque está sempre conectado a uma tal relação de ser sinal [Anzeichenseins], e esta por sua vez
conduz a um conceito mais amplo, visto que o significado é também capaz de
ocorrer sem uma tal conexão. Expressões desempenham sua função de significação
até mesmo na vida mental solitária [im
einsamen Seelenleben], onde não mais funcionam como sinal para indicar alguma
coisa. Na verdade, os dois conceitos de signo não se situam numa relação como a
de um gênero mais amplo com a sua espécie mais restrita. O assunto exige,
todavia, uma elucidação mais profunda.
§2. A essência da assinalação
Dos dois conceitos conectados com a palavra ‘signo’, lidaremos
primeiro com o do sinal. A relação aqui obtida denominaremos uma ‘assinalação’
[Anzeige]. Neste sentido, o estigma é
o signo de um escravo, uma bandeira o signo de uma nação. Aqui pertencem todas
as marcas, no sentido etimológico primordial de todas as propriedades características
adequadas para reconhecermos os objetos a elas associados.
Mas o conceito de sinal é mais amplo ainda do que o de
marca. Dizemos que os canais de Marte são um sinal da existência de seres inteligentes
naquele planeta, que fósseis vertebrados são um sinal da existência de animais
antediluvianos, e assim por diante. Sinais para ajudar a memória, tais como o
costumeiro nó no lenço, monumentos, etc., todos têm aqui o seu lugar. Se coisas
e eventos adequados, ou suas propriedades, são deliberadamente produzidos para
funcionar como tais sinais [Anzeichen],
podem ser denominados ‘signos’ [Zeichen],
quer desempenhem ou não essa função. Somente no caso de signos deliberadamente
e artificialmente produzidos, pode-se falar de ‘significar’ [Bezeichnen], tanto, por um lado, com
respeito à ação que produz a marca do sinal [Merkzeichen] (marcar a ferro no estigma ou o estigmatizar, etc.),
quanto por outro lado, no sentido da própria assinalação [Anzeige], qual seja, tomado em sua relação ao próprio objeto a ser
assinalado ou que deve significar.
Essas distinções e outras semelhantes não esvaziam o
conceito de sinal de sua unidade essencial. Uma coisa só é propriamente um
sinal se e apenas onde serve de fato para indicar ou assinalar algo para um ser
pensante [denkenden Wesen]. Se
quiséssemos apreender o ubíquo elemento comum aqui presente, teríamos de referir
tais casos de volta à função vital [lebendigen
Funktion]. Nestes casos, descobrimos a circunstância comum do fato de que certos
objetos [Gegenstände] ou estados de
coisas [Sachverhalte] de cuja realidade
[Bestand] alguém tenha conhecimento
atual indique-lhe a realidade de certos outros objetos ou estados de coisas [Sachverhalte], no sentido de que sua
crença na realidade [Sein] de um seja
vivenciada (embora não seja de todo evidente) como motivando uma crença ou
suposição na realidade [Sein] da
outra. Esta relação de ‘motivação’ representa uma unidade descritiva entre
nossos atos de juízo nos quais estados de coisas indicativos e indicados
tornam-se constituídos para o pensador. Esta unidade descritiva não deve ser
concebida como uma mera ‘qualidade de forma’ [“Gestaltqualität”] fundamentada em nossos atos de juízo, pois é na
sua unidade que a essência do sinal reside. Colocado em termos mais
elucidativos: a unidade ‘motivacional’ de nossos atos de juízo tem ela mesma o
caráter de uma unidade de juízo; perante si, como um todo, um correlato
objetivo, um estado de coisas unitário, para si mesmo, é tencionado em um tal
juízo, parecendo ser em e para aquele juízo. Claramente, um tal estado de
coisas reduz-se a isso: que certas coisas possam ou devam existir, desde [weil] que outras coisas tenham sido
dadas. Este ‘desde, tomado como exprimindo uma conexão objetiva, é o correlato
objetivo da ‘motivação’ tomada como um modo descritivamente peculiar de combinar
atos de juízo em um único ato de juízo.
§5. Expressões como signos pertinentes. Separação de
um sentido não-relevante de ‘expressão’ para a presente discussão
Dos signos indicativos nós distinguimos os signos significativos,
isto é, as expressões. Nós empregamos assim o termo ‘expressão’ de modo restritivo:
excluímos muito daquilo que a linguagem comum chamaria de ‘expressão’ do seu
âmbito de aplicação. Há outros casos nos quais temos, portanto, de transgredir
o seu uso, conceitos para os quais há apenas termos ambíguos e exigem uma
terminologia fixa. Vamos esboçar, para inteligibilidade provisória, que cada
instância ou parte da fala, assim como também cada signo que é essencialmente
do mesmo tipo, contará como uma expressão, quer uma tal fala seja ou não
realmente proferida, quer seja dirigida ou não a quaisquer pessoas com intento comunicativo.
Uma tal definição exclui expressões faciais e vários gestos que involuntariamente
acompanham a fala sem intento comunicativo, ou aquelas em que o estado mental [Seelenzustand] de uma pessoa alcança uma
‘expressão’ compreensível para o seu ambiente [Umgebung], sem o auxílio adicional da fala. Tais ‘enunciados’ [Äusserungen] não são expressões no
sentido em que um caso de fala é uma expressão, eles não estão fenomenalmente
unidos com as vivências nelas externadas, na consciência da pessoa que as
externa, como é o caso da fala. Em tais manifestações uma pessoa não comunica
nada a uma outra: o seu enunciado não envolve nenhuma intenção para registrar certos
‘pensamentos’ de forma expressiva, seja para a própria pessoa, em seu estado solitário,
seja para outras pessoas. Tais ‘expressões’, em suma, não têm propriamente
falando nenhum significado. Não é relevante que uma outra pessoa possa
interpretar nossas manifestações involuntárias, por exemplo, nossos ‘movimentos
expressivos’, e que ela possa, portanto, tornar-se bem familiarizada com nossos
pensamentos íntimos e emoções. Eles ‘significam’ algo para tal pessoa na medida
em que os interpreta, mas mesmo para ela, eles são sem significado no sentido peculiar
em que os signos verbais têm significado: eles apenas significam no sentido de uma
indicação [Anzeichen].
Na consideração que se segue, essas distinções devem
ser levantadas a fim de completar a elucidação conceitual.
§6. Questões referentes a distinções fenomenológicas e
intencionais pertinentes para expressões como tais
É comum distinguirmos duas coisas com respeito a toda expressão:
2. Uma certa seqüência de vivências psíquicas [psychischen Erlebnissen], associativamente
ligadas à expressão, que a fazem expressão de algo. Essas vivências psíquicas são
geralmente chamadas de ‘sentido’ ou ‘significado’ da expressão, querendo com
isso dizer o que esses termos significam em linguagem comum. Mas veremos que
tal noção é na verdade errônea, e que a mera distinção entre signos físicos e
vivências doadoras de sentido não é de modo algum satisfatório, sobretudo para
fins lógicos.
As observações feitas aqui têm sido desde muito
consideradas no caso especial dos nomes. Nós distinguimos, no caso de cada
nome, entre o que ela ‘insinua’, ‘dá a entender’ [“kundgibt”] (isto é vivências psíquicas), e o que ela significa. E,
mais uma vez, entre o que ela significa (o sentido ou ‘conteúdo’ de sua
presentação nominal) e o que ela nomeia (o objeto da presentação).
Necessitaremos de distinções semelhantes no caso de toda expressão, e teremos
de explorar a sua natureza [Wesen] de
forma precisa. Tais distinções têm nos conduzido à nossa distinção entre as
noções de ‘expressão’ e ‘sinal’, a qual não está em conflito com o fato de que
uma expressão na fala corrente também funcione como um sinal, um ponto que será
logo elucidado. A essas distinções outras importantes serão acrescidas que
dirão respeito às possíveis relações entre o significado e a intuição que o ilustra
e ocasionalmente o torna evidente. Somente atentando para essas relações, o
conceito de significado pode ser claramente delimitado e, conseqüentemente, a
fundamental oposição entre a função simbólica dos significados e a sua função
epistemológica ser implementada.
§7. Expressões em sua função comunicativa
As expressões foram originariamente destinadas a
preencher uma função comunicativa: estudemos, assim, primeiramente as
expressões nesta função, de forma a trabalhar suas distinções lógicas
essenciais. O complexo sonoro articulado, assim como o signo escrito, etc.,
primeiro se torna uma palavra falada ou uma fala comunicada, quando um falante
o produz com a intenção de ‘exprimir-se acerca de algo’ através de seu meio;
ele deve outorgar-lhe um sentido em certos atos psíquicos, a fim de
compartilhá-lo com seus ouvintes. Tal compartilhar torna-se uma possibilidade
se o ouvinte também compreende a intenção do falante. E isso ele o faz na
medida em que assume que o falante seja uma pessoa, que não está meramente
proferindo sons mas falando com ele, que acompanha esses sons com certos atos
doadores de sentido, o qual os sons revelam ao ouvinte, ou cujo sentido tais
atos procuram comunicar-lhe. O que primeiramente torna o intercâmbio mental
possível, e transforma a fala conectada em discurso, reside na correlação entre
as vivências físicas e psíquicas correspondentes de pessoas que se comunicam, a
qual é efetivada pelo aspecto físico da fala. Falar e ouvir, manifestação ou
insinuação* [Kundgabe]
de vivências psíquicas através da fala e da sua recepção [Kundnahme] na audição, são mutuamente correlatos.
Se examinarmos essa interconexão [Zusammenhang], reconheceremos imediatamente que todas as expressões
na fala comunicativa funcionam como sinais. Elas servem ao ouvinte como signos
de ‘pensamentos’ do falante, isto é, de suas vivências psíquicas doadoras de
sentido, assim como de outras vivências psíquicas que fazem parte de sua intenção comunicativa.
Esta função das expressões verbais denominamos a sua função manifestativa ou
insinuativa [kundgebende Funktion]. O
conteúdo de tal insinuação consiste nas vivências psíquicas insinuadas. O
sentido do predicado ‘insinuada’ pode ser compreendido de modo mais restrito ou
mais amplo. O sentido mais restrito podemos aplicar a atos que outorgam
sentido, enquanto o sentido mais amplo cobre todos os atos que um ouvinte pode
introjetar num falante com base no que diz (possivelmente porque nos fala de
tais atos). Se, por exemplo, proferimos um desejo, nosso juízo acerca daquele desejo
é o que nós insinuamos ou damos a entender no sentido mais restrito da palavra,
enquanto que o próprio desejo é insinuado no sentido mais amplo. O mesmo se
aplica a um enunciado comum de percepção, que o ouvinte imediatamente assume
como pertencendo à percepção atual, sem interpretá-la. O ato de percepção é
neste caso insinuado no sentido mais amplo, sendo o juízo construído [aufbauendeUrteil] insinuado no sentido
mais restrito. Nós imediatamente vemos que o modo de fala comum [gewöhnliche Sprechweise] nos permite
descrever as vivências insinuadas [kundgegebenen
Erlebnisse] como sendo também vivências expressas [ausgedrückte].
Compreender uma insinuação não é ter conhecimento
conceitual dela, não é ajuizá-la no sentido de asserir algo acerca dela: simplesmente
consiste no fato de que o ouvinte intuitivamente assume que o falante é uma
pessoa que está expressando isto ou aquilo, ou como podemos certamente dizer, o
percebe como tal. Quando eu escuto alguém, eu o percebo como um falante, eu o
ouço contar, demonstrar, duvidar, desejar, etc. O ouvinte percebe a insinuação
no mesmo sentido em que percebe a pessoa que dá a entender ou insinua algo --
embora os fenômenos mentais que o tornam uma pessoa não possam cair, pelo que
eles são, na apreensão intuitiva de uma outra. A linguagem comum nos autoriza a
compartilhar percepções até mesmo de vivências mentais de outras pessoas: nós
‘vemos’ sua raiva, dor, etc. Tal fala é perfeitamente correta, na medida em
que, por exemplo, nós permitimos que coisas corporais exteriores possam
igualmente ser contabilizadas como sendo percebidas, e desde que, em geral, a
noção de percepção não seja restringida ao que é percebido de modo
adequadamente ou estritamente intuitivo. Se a marca essencial da percepção
reside na persuasão intuitiva que a coisa ou evento é em si mesmo diante de nós
para nossa apreensão -- tal persuasão é possível, e na grande parte dos casos,
atual, sem apreensão verbalizada, conceitual -- então o recebimento de tal
insinuação é o seu mero perceber. A distinção essencial apenas assinalada está
obviamente aqui presente. O ouvinte percebe o falante manifestar certas
vivências mentais, e na medida em que também percebe essas mesmas vivências:
todavia, ele não as vivencia ele próprio, ele não tem delas uma percepção
‘interna’, mas antes ‘externa’. Aqui encontramos a grande diferença entre a
real apreensão do que está numa intuição adequada, e a apreensão putativa do
que está na base de uma presentação inadequada, mesmo que seja intuitiva. No
primeiro caso, o que está em jogo é uma vivência, no segundo caso, trata-se de
um ser suposto [supponiertes Sein],
ao qual nenhuma verdade corresponde. A compreensão mútua exige uma certa
correlação entre os atos mentais mutuamente desvelados na insinuação e na sua
recepção [Kundgabe und Kundnahme],
mas de modo algum a sua exata similitude.
§8. Expressões na vida solitária
Até o momento, temos considerado as expressões como
são usadas na função comunicativa, a qual depende em última análise
essencialmente de que elas operem indicativamente ou como sinais [Anzeichen]. Mas as expressões também
desempenham um importante papel na vida mental interior, não-comunicativa. Esta
mudança de função claramente nada tem a ver com o que faz de uma expressão
expressão. Expressões continuam a ter significados como tinham antes, e os
mesmos significados como num diálogo. Uma palavra somente deixa de ser uma
palavra quando o nosso interesse pára no seu limite sensorial, quando ela se
torna uma mera estrutura sonora [Lautgebilde].
Mas quando nós vivemos na compreensão de uma palavra, ela expressa algo e a
mesma coisa, quer nós a dirijamos ou não a alguém.
Parece claro, portanto, que o significado de uma
expressão, e tudo o mais que lhe diz respeito essencialmente, não pode
coincidir com seu êxito de insinuação [seiner
kundgebenden Leistung]. Ou diríamos que, mesmo na vida mental solitária,
alguém ainda usa expressões para insinuar ou dar a entender algo, embora não o
faça para uma segunda pessoa? Será que diríamos que no solilóquio alguém fala
para si mesmo, e emprega palavras como signos, isto é, como sinais de suas
próprias vivências mentais? Eu não creio que tal concepção seja aceitável.
Palavras funcionam como signos aqui como elas funcionam em qualquer outro
lugar: e em todo lugar elas podem apontar para alguma coisa. Mas se nós
refletirmos sobre a relação entre expressão e significado, e para este fim,
dividirmos nossa complexa e intimamente unificada vivência de expressão
preenchida de sentido nos dois fatores de palavra e sentido, a palavra se nos
aparece como intrinsicamente indiferente, enquanto o sentido parece a coisa
‘visada’ pelo signo verbal e tencionada por meio do signo: a expressão parece
direcionar o interesse para fora de si em direção ao seu sentido, e apontar
para este último. Mas este ‘apontar’ [Hinzeigen]
não é um sinal no sentido previamente discutido. A existência do signo [Das Dasein des Zeichens] nem ‘motiva’ a
existência do significado, nem, propriamente expressa, nossa crença na
existência do significado [Dasein der
Bedeutung]. O que devemos usar como sinal deve ser percebido por nós como
existente [daseiend]. Isso vale
também para expressões usadas na comunicação, mas não para expressões usadas em
solilóquio, onde nos contentamos geralmente mais com palavras imaginadas [vorgestellten] do que com palavras reais
[wirklichen]. Na imaginação, uma
palavra falada ou impressa flutua perante nós, embora na verdade não exista.
Não deveríamos, todavia, confundir presentações imaginativas e os conteúdos de
imagem sobre os quais se baseiam, com os seus objetos imaginados. O som verbal
[Wortklang] imaginado ou a palavra
impressa imaginada não existem, somente a sua presentação imaginativa [Phantasievorstellung] existe. A
diferença é a mesma daquela entre centauros imaginados e a imaginação de tais
entes. A não-existência da palavra nem nos incomoda nem nos interessa, visto
que não afeta a função expressiva da palavra como expressão. Ela só faz
diferença onde a função insinuativa se liga com a função significativa. Aqui os
pensamentos devem ser não apenas expressos como significação, mas também
comunicados através da insinuação [Kundgabe].
O que todavia somente é possível efetivamente através do falar e do ouvir.
Em certo sentido, pode-se naturalmente falar até mesmo
em um solilóquio, e é certamente possível pensar em si mesmo falando, e até
mesmo falando para si próprio, como, por exemplo, quando alguém diz para si
mesmo: ‘O que você fez está errado, você não pode continuar assim.’ Mas no
sentido genuíno da comunicação, não há nenhuma fala em tais casos, ninguém está
comunicando nada a alguém: apenas alguém se imagina a si mesmo como falante e
interlocutor. Em um monólogo, as palavras podem não desempenhar nenhuma função
indicativa da existência de atos mentais, visto que um tal sinal seria afinal
desprovido de finalidade [zwecklos].
Pois os atos em questão são eles mesmos vivenciados por nós naquele momento
preciso.
§9. Distinções fenomenológicas entre a aparência
física da expressão, o ato doador de sentido e o ato preenchedor de sentido
Se agora deixarmos as vivências especialmente
relacionadas à insinuação [Kundgebung],
e considerarmos as expressões com respeito às distinções igualmente
pertinentes, sejam as que ocorrem em diálogo ou em solilóquio, duas coisas
parecem ter sido negligenciadas: as próprias expressões e o que elas exprimem
como seu significado ou sentido.
Diversas relações são, todavia, interconectadas aqui
nesse ponto, e falar acerca do ‘significado’ ou sobre ‘o que é expresso’ é
igualmente ambíguo. Se nós buscássemos um fundamento [Boden] na descrição pura, o fenômeno concreto da expressão
informada de sentido [sinnbelebten
Ausdrucks] se divide, por um lado, no fenômeno físico formando o lado
físico da expressão e, por outro lado, nos atos que lhe dão significado e
possivelmente também plenitude intuitiva, na qual sua relação ao objeto
expresso é constituída. Em razão de tais atos, a expressão é mais do que um som
meramente verbalizado [Wortlaut]. Ela
significa algo, e na medida em que significa algo, refere-se ao que é objetivo
[Gegenständliches]. Esse objetivo de
certo modo pode ser tanto realmente presente através de intuições que o
acompanham quanto pelo menos aparente em sua presentificação [vergegenwärtigt], por exemplo, em
imagens mentais [Phantasiebilde];
onde isso ocorre a referência à objetidade [Gegenständlichkeit]
é realizada. Ou, quando esse não for o caso, a expressão funciona de modo
significante [sinnvoll], ele
permanece mais do que um som inócuo de palavras, mas carece de qualquer
intuição fundante que dará o seu objeto. A relação ou referência [Beziehung] da expressão ao objeto é
agora não-realizada tendo sido limitada a uma mera intenção de significação [Bedeutungsintention]. Um nome, por
exemplo, nomeia o seu objeto em quaisquer circunstâncias, na medida em que
tenciona aquele objeto. Mas se o objeto não estiver intuitivamente perante
alguém, e portanto não estiver posto como um objeto nomeado ou tencionado [gemeinter], a mera opinião [Meinung] é tudo que lhe resta. Se a
intenção de significação originalmente vazia for em seguida preenchida, a
referência a um objeto é realizada, o nomear torna-se uma relação atual e
consciente entre nome e objeto nomeado.
Assumamos essa fundamental distinção entre intenções
de significação vazias de intuição e aquelas que são intuitivamente
preenchidas: se nós deixarmos de lado os atos sensíveis nos quais a expressão,
enquanto mero som de palavras, faz sua aparência, teremos de distinguir entre
dois atos ou conjuntos de atos. De um lado, teremos atos essenciais à expressão
se esta for afinal uma expressão, ou seja, um som de palavras impregnado de
sentido. Esses atos chamaremos de atos que conferem sentido [bedeutungsverleihenden Akte] ou
intenções de significação. Mas, como veremos, por outro lado, teremos atos que
não são essenciais à expressão como tal, que estão para ela na relação
logicamente fundamental de preencher (confirmar, corroborar, ilustrar) tal
expressão de modo mais ou menos adequado, de forma a atualizar [aktualisieren] sua relação objetiva.
Esses atos, que são fusionados com os atos que conferem sentido na unidade de
conhecimento ou preenchimento, denominaremos atos preenchedores de intenção [bedeutungerfüllende Akte]. A expressão
mais curta ‘preenchimento de intenção’ [Bedeutungserfüllung]
somente pode ser usada em casos onde não há um risco óbvio de confusão com a
vivência completa, na qual uma intenção de significação encontra preenchimento
em sua intuição correlata. Na relação realizada da expressão à sua objetidade
correlata, a expressão informada de sentido torna-se unida ao ato de
preenchimento de intenção. O som da palavra é primeiramente unido à intenção de
significação, e esta por sua vez torna-se uma (como as intenções em geral estão
unidas ao seu preenchimento) com o seu preenchimento de intenção correspondente.
A palavra ‘expressão’ é normalmente compreendida -- em qualquer lugar, isto é,
não falamos de uma ‘mera’ expressão -- como expressão animada de sentido. Não
se deveria dizer, portanto, propriamente (como geralmente se faz) que uma
expressão exprime o seu significado (sua intenção). Alguém poderia mais
propriamente adotar o modo alternativo de falar sobre o ato de preenchimento
como ato expresso pela expressão completa: podemos, por exemplo, dizer que um
enunciado ‘dá expressão’ a uma percepção ou imaginação.
Não precisamos aqui assinalar que tanto os atos que
conferem significação quanto os atos que preenchem significação têm uma parte a
desempenhar na insinuação [Kundgabe]
no caso do discurso comunicativo. Os primeiros, de fato, constituem o âmago
mais essencial da insinuação. Torná-los conhecidos para o ouvinte é o primeiro
propósito de nossa intenção comunicativa, pois somente na medida em que o
ouvinte os atribui ao falante ele compreenderá os segundos.
_________________________________________
* A melhor e mais literal tradução de Kundgabe nas Investigações
seria “o que dá a entender”, por isso optamos por “insinuação” sem o sentido
pejorativo intencional ou “manifestação” sem o sentido trivial.[N.T.]
Brazilian Seminar on Axel Honneth
Phenomenology Seminar (U Toledo, Ohio)
Habemus Habermas: Mundo da Vida, Universalismo e Naturalismo
Mundo da Vida em Habermas
Ethos Democrático e Mundo da Vida em Habermas
Mini-Curso sobre Mundo da Vida, Subjetividade e Vontade
Wikipedia on Lifeworld
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Patrick Heelan, Lifeworld and Science
A Fenomenologia Social de A. Schutz
What is Phenomenology?
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Simone de Beauvoir, The Ethics of Ambiguity (1947)
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Nietzsche, Foucault, and the Death of God
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Dialectic and existence in Kant and Kierkegaard
Husserl, Heidegger and the Transcendental Problem of Signification
Heidegger and Heraclitus
Edmund Husserl's Phenomenology of Meaning
Rawls's Normative Conception of the Person
Social Justice, Secularization, Democratization (Research Project)
Transcendental-Semantic Perspectivism (Research Project)
The Philosophical Foundations of Human Rights (Research Project)
W. Kaufmann: Existentialism from Dostoevsky to Sartre
What is Phenomenology ? Was ist die Phänomenologie ? Qu'est-ce que la phénoménologie ?
Friedrich Christoph Oetinger, Philosophie der Alten, Johann Heinrich Lambert, Neues Organon oder Gedanken über die Erforschung und Bezeichnung des Wahren und dessen Unterscheidung von Irrtum und Schein (1764): Phaenomenologia = optica transcendentalis.
Immanuel Kant, KrV (1781), Letter to J.H. Lambert (1770): "A quite special, though purely negative Science, general phenomenology (phaenomologia generalis), seems to me to be presupposed by metaphysics." Letter to Markus Herz (February 21, 1772): "... Ich dachte mir darinn zwey Theile, einen theoretischen und pracktischen. [The first part would have two sections, (1) general phenomenology and (2) metaphysics, but this only with regard to its nature and method.] Der erste enthielt in zwey Abschnitten 1. Die phaenomologie überhaupt. 2. Die Metaphysik, und zwar nur nach ihrer Natur u. Methode... Ich frug mich nemlich selbst: auf welchem Grunde beruhet die Beziehung desienigen, was man in uns Vorstellung nennt, auf den Gegenstand? (I asked myself the question, on which grounds lies the relationship between what in us one calls representation to the object)"
Georg W.F. Hegel, Phänomenologie des Geistes (1807): Science of the experience of consciousness (Wissenschaft der Erfahrung des Bewusstseins), "Dies Werden der Wissenschaft überhaupt, oder des Wissens, ist es, was diese Phänomenologie des Geistes darstellt." (S. 26)
Franz Brentano: Phenomenology as a "rigorous science" (als strenge Wissenschaft) of "intentionality" (Intentionalität), "Descriptive Psychology" (Deskriptive Psychologie), Von der mannigfachen Bedeutung des Seienden nach Aristoteles (1862, On the several senses of Being in Aristotle)
Edmund Husserl: phenomenology is the science of the essence of consciousness, the philosophical science of consciousness qua intentionality, "the reflective study of the essence of consciousness as experienced from the first-person point of view," a return "to the things themselves" (zu den Sachen selbst); rigorous science of all conceivable transcendental phenomena, esp. meaning. Die Methode der Erkenntniskritik die phänomenologische, die Phänomenologie die allgemeine Wesenslehre, in die sich die Wissenschaft vom Wesen der Erkenntnis einordnet. (Hua II 3) "The method of the critique of knowledge (the phenomenological method), phenomenology is the universal doctrine of essences, in which takes place the science of the essence of knowledge."
"Die Forschung [in der phänomenologischen Kritik oder Theorie der Erkenntnis] hat sich eben im reinen Schauen zu halten, aber darum nicht an das reell Immanente: sie ist Forschung in der Sphäre reiner Evidenz und zwar Wesensforschung. Wir sagten auch, ihr Feld ist das Apriori innerhalb der absoluten Selbstgegebenheit." (Hua II 3/ Die Idee der Phänomenologie)
"The research (in the phenomenological critique or theory of knowledge) has to be held in the pure seeing, but not for this reason has to be limited to the real immanent: it is research in the sphere of pure evidence and hence research of essences. We also say that its field is the apriori within the absolutely given in itself."
"Phänomenologie bezeichnet eine an der Jahrhundertwende in der Philosophie zum Durchbruch gekommene neuartige deskriptive Methode und eine aus ihr hervorgegangene apriorische Wissenschaft, welche dazu bestimmt ist, das prinzipielle Organon für eine streng wissenschaftliche Philosophie zu liefern und in konsequenter Auswirkung eine methodische Reform aller Wissenschaften zu ermöglichen." (Husserliana IX, 277)
Martin Heidegger, "to let that which shows itself be seen from itself in the very way in which it shows itself from itself" (SuZ, 1927), "the possibility of thinking... what is to be thought."
"For Husserl, the phenomenological reduction is the method of leading phenomenological vision from the natural attitude of the human being whose life is involved in the world of things and persons back to the transcendental life of consciousness and its noetic-noematic experiences, in which objects are constituted as correlates of consciousness. For us, phenomenological reduction means leading phenomenological vision back from the apprehension of a being, whatever may be the character of that apprehension, to the understanding of the Being of this being (projecting upon the way it is unconcealed)." (The Basic Problems of Phenomenology, Indiana University Press)
"Der Ausdruck Phänomenologie bedeutet primär einen Methodenbegriff. Er charakterisiert nicht das sachhaltige Was der Gegenstände der philosophischen Forschung, sondern das Wie dieser. (...) Der Titel "Phänomenologie" drückt eine Maxime aus, die also formuliert werden kann: "zu den Sachen selbst!" (...) Definiert man Phänomen mit Hilfe eines zudem noch unklaren Begriffes von "Erscheinung", dann ist alles auf den Kopf gestellt, und eine "Kritik" der Phänomenologie auf dieser Basis ist freilich ein merkwürdiges Unterfangen. (...) Phänomenologie ist Zugangsart zu dem und die ausweisende Bestimmungsart dessen, was Thema der Ontologie werden soll. Ontotogie ist nur als Phänomenologie möglich. Der phänomenologische Begriff von Phänomen meint als das Sichzeigende das Sein des Seienden, seinen Sinn, seine Modifikationen und Derivate. (...) Sachhaltig genommen ist die Phänomenologie die Wissenschaft vom Sein des Seienden - Ontologie. (...) Phänomenologie des Daseins ist Hermeneutik in der ursprünglichen Bedeutung des Wortes, wonach es das Geschäft der Auslegung bezeichnet. (...) Phänomenologische Wahrheit (Erschlossenheit von Sein) ist veritas transcendentalis." (SuZ sect. 7)
Jacques Derrida: deconstruction as radical, hermeneutic phenomenology, "deconstruction is justice" ("The Force of Law," in Deconstruction and the Possibility of Justice, ed. D. Cornell et al. (New York: Routledge, 1992)
"La phénoménologie n'a critiqué la métaphysique en son fait que pour la restaurer. Elle lui a dit son fait pour la réveiller à l'essence de sa tâche, à l'originalité authentique de son dessein." (Note sur la phénoménologie du langage)
Donc, la déconstruction, l'expérience déconstructive se place entre la clôture et la fin, dans la réaffirmation du philosophique, mais comme ouverture d'une question sur la philosophie elle-même. De ce point de vue, la déconstruction n'est pas simplement une philosophie, ni un ensemble de thèses, ni même la question de l'Etre, au sens heideggérien. D'une certaine maniàre, elle n'est rien. Elle ne peut pas être une discipline ou une méthode. Souvent, on la présente comme une méthode, ou on la transforme en une méthode, avec un ensemble de règles, de procédures qu'on peut enseigner, etc. (...) Si je voulais donner une description économique, elliptique de la déconstruction, je dirais que c'est une pensée de l'origine et des limites de la question "qu'est-ce que?...", la question qui domine toute l'histoire de la philosophie. Chaque fois que l'on essaie de penser la possibilité du "qu'est-ce que?...", de poser une question sur cette forme de question, ou de s'interroger sur la nécessité de ce langage dans une certaine langue, une certaine tradition, etc., ce qu'on fait à ce moment-là ne se prête que jusqu'à un certain point à la question "qu'est-ce que?" (Le Monde, mardi 12 octobre 2004)
Transcendental-semantic perspectivsm