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Zeus e a astúcia (Métis)

 

TEORIA DA HISTÓRIA

 

 

 

As astúcias do poder: Zeus e Métis, segundo Vernant

“A primeira esposa de Zeus tem o nome de Métis, que significa essa forma de inteligência que, como vimos, permitiu a ele conquistar o poder: métis, a astúcia, a capacidade de prever todos os acontecimentos, de não ser surpreendido nem desorientado por coisa alguma, de nunca abrir o flanco para um ataque inesperado. Assim, Zeus se casa com Métis e esta logo fica grávida de Atena. Zeus teme que algum filho seu, por sua vez, o destrone. Como evitar? Aqui encontramos o tema do devoramento. Crono engoliu os filhos, mas não chegou à raiz do mal, já que foi por uma métis, uma astúcia, que um vomitório o fez expelir todos os filhos. Zeus quer resolver o problema de forma bem mais radical. Diz que só há uma solução: não basta que Métis esteja ao seu lado como esposa, ele mesmo tem de se tornar Métis. Zeus não precisa de uma sócia, de uma companheira, mas deve ser a métis em pessoa. Como fazer? Métis tem o poder de se metamorfosear, ela assume todas as formas, assim como Tétis e outras divindades marinhas. É capaz de virar animal selvagem, formiga, rochedo, tudo o que quiser. Trava-se então um duelo de astúcias entre a esposa, Métis, e o esposo, Zeus. Quem vai ganhar?

Há boas razões para se supor que Zeus recorra a um processo que conhecemos também em outros casos. Em que consiste? É claro que, para enfrentar uma feiticeira ou um mago extraordinariamente dotado e poderoso, o ataque direto estaria fadado ao fracasso. Mas, se escolher o caminho da artimanha, talvez haja uma chance de vencer. Zeus interroga Métis: ‘Podes de fato assumir todas as formas, poderias ser um leão que cospe fogo?’ Na mesma hora Métis se torna uma leoa que cospe fogo. Espetáculo aterrador. Zeus lhe pergunta depois: ‘Poderias também ser uma gota d’água?’ ‘Claro que sim’. “Mostra-me”. E, mal ela se transforma em gota d´água, ele a sorve. Pronto! Métis está na barriga de Zeus. Mais uma vez a astúcia funcionou. O soberano não se contenta em engolir seus eventuais sucessores: ele agora encarna, no correr do tempo, no fluxo temporal, essa presciência ardilosa que permite desfazer antecipadamente os planos de qualquer um que tente surpreendê-lo ou derrotá-lo. Sua esposa Métis, grávida de Atena, está em sua barriga. Assim, Atena não vai sair do regaço da mãe, mas da cabeça do pai, que é agora tão grande quanto o ventre de Métis. Zeus dá uivos de dor. Prometeu e Hefesto são chamados para socorrê-lo. Chegam com um machado duplo, dão uma boa pancada na cabeça de Zeus e, aos gritos, Atena sai da cabeça do deus, jovem donzela já toda armada, com seu capacete, sua lança, seu escudo e a couraça de bronze. Atena é a deusa inventiva, cheia de astúcia. Ao mesmo tempo, toda a astúcia do mundo está agora concentrada na pessoa de Zeus. Ele está protegido, mais ninguém poderá surpreendê-lo. E assim se resolve a grande questão da soberania. O mundo divino tem um senhor que nada e ninguém pode questionar, pois ele é a própria soberania. A partir daí, nada mais pode ameaçar a ordem cósmica. Tudo se resolve quando Zeus engole Méits e, assim, se torna o Metióeis, ou seja, o deus feito inteiramente métis, a Prudência em pessoa.”

Fonte: VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.39-41.