VISUALIZANDO A RELATIVIDADE

 

Bruno Maçães

 

 

 

 

A teoria da relatividade pode ser entendida? Certamente que sim. Diariamente, milhares de estudantes e curiosos aprendem esta parte da física. Surpreendentemente, uma minoria acadêmica acredita que a obra de Einstein é incompreensível ao cidadão comum (e até mesmo aos cientistas!). Mas estes sábios estão errados. O mito da genialidade inatingível é isso: um mito. Einstein era um ser humano, e formulou sua teoria para ser compreendida por outros humanos. Sua genialidade estava em perceber coisas antes de outros cientistas, e não em inventar teorias "difíceis". Sabemos que uma parte da filosofia, também pequena, se afigura impenetrável ao leigo - não por ser profunda, e sim por encontrar na linguagem obscura um refúgio para sua desprezível importância. Mas nas ciências naturais não há lugar para disciplinas incompreensíveis e sem conteúdo. Se um conhecimento é para poucos, há algo errado com ele. Qualquer pessoa pode entender o assunto que quiser - incluindo a relatividade, que deveria ser ensinada ao público em geral. É uma pena que alguns desenvolvimentos científicos tão espetaculares não tenham ainda chegado ao grande público, quase um século após sua introdução. É uma obrigação do divulgador das ciências aprender e transmitir esta informação.

 

O número de aplicações da relatividade é extenso. Estas aplicações vão desde a descrição do funcionamento de certas estrelas até a utilização bastante prática no sistema de navegação GPS (este sistema perderia a precisão em poucos dias se a relatividade não fosse levada em conta). Porque o assunto é vasto, é possível que somente alguns poucos dominem todos os seus aspectos. Mas isto não é o mesmo que dizer que os cientistas não entendem relatividade. O núcleo desta disciplina na verdade é bastante simples.

 

O propósito deste texto não é ensinar relatividade, e sim fornecer aos que não a conhecem uma intuição sobre o assunto. Alguns exemplos fascinantes podem dar uma idéia desta elegante teoria e mostrar que ela é obrigatória para uma correta descrição da natureza. Suas conclusões podem contrariar a experiência comum porque os fenômenos relativísticos são muito sutis nas situações a que estamos acostumados. Eles só são grandes o suficiente para serem notados nos objetos que viajam muito mais rápido do que qualquer veículo que já foi inventado. Mas longe de contrariar o senso comum, a relatividade tem um caráter de inevitabilidade lógica.

 

Relatividades - Para começarmos a falar de relatividade, é necessário fazer a distinção entre relatividade especial e relatividade geral. A relatividade especial lida apenas com fenômenos que se passam longe da influência de um campo gravitacional, enquanto que a relatividade geral descreve os mesmos fenômenos levando em consideração a gravidade.

 

TRECHO DO DIÁLOGO SOBRE OS DOIS PRINCIPAIS SISTEMAS  DO MUNDO, DE GALILEU

 

Coloque-se com um amigo na cabine de um navio grande, e tenha com você algumas moscas, borboletas, e outros pequenos animais voadores. Arranje também uma grande bacia de água com alguns peixes dentro; pendure uma garrafa d'água no teto e deixe a água pingar numa bacia embaixo dela. Com o navio parado, observe cuidadosamente como os pequenos animais voam com velocidades iguais para todos os lados da cabine. Os peixes nadam indiferentemente em todas as direções; e, ao jogar algo para seu amigo, você não precisa atirar o objeto mais fortemente em uma direção do que em outra, as distâncias sendo iguais; ao pular com seus pés juntos, você percorrerá espaços iguais em todas as direções. Depois de ter observado essas coisas cuidadosamente (apesar de não haver dúvida de que quando o navio está parado tudo deve transcorrer desta maneira), faça o navio andar com qualquer velocidade que deseje, desde que seu movimento seja uniforme e ele não sacuda muito. Você descobrirá que não ocorre a menor diferença nos efeitos mencionados, e que você não poderia dizer a partir de nenhum deles se o navio está se movendo ou está parado.

 Ao pular você percorrerá os mesmos espaços que antes, e não dará pulos maiores na direção da popa [a parte de trás do navio]do que da proa [a frente] apesar de que o navio está se movendo com bastante velocidade, e apesar do fato de que durante o tempo em que você estiver no ar o chão sob você estará indo numa direção contrária a seu rumo. Ao jogar algo na direção de seu companheiro você não precisará de mais força para atingi-lo se ele estiver na direção da proa do que se ele estiver na popa. As gotas cairão como antes na bacia abaixo sem ficar para trás na direção da popa, apesar de que enquanto elas estão no ar o navio anda um bom espaço. Os peixes na água nadarão em direção à frente da bacia com não mais esforço do que em direção à traseira e irão com a mesma facilidade em direção às iscas colocadas em qualquer lado da bacia. Finalmente, as borboletas e moscas continuarão seus vôos indiferentemente em direção a todos os lados; não acontecerá que elas fiquem concentradas na popa como se cansadas de tentar acompanhar o curso do navio, do qual elas estarão separadas durante longos intervalos ao manter-se no ar.

 A relatividade especial se baseia em dois princípios simples, previstos teoricamente e verificados empiricamente:

 

1) as leis da física são as mesmas para todos, não importando sua velocidade (que é sempre medida em relação a alguma outra coisa). Isto tinha sido descoberto por Galileu - ver quadro.

 

2) a velocidade da luz é sempre a mesma para todos os observadores, independentemente de seu estado de movimento. Esta foi a parte que Galileu não descobriu, e que demanda um aperfeiçoamento de suas conclusões para que o princípio 1 continue válido.

 

Vamos agora fazer algo que Einstein adorava: experiências imaginárias.

 

Experiência 1) Imagine dois navios: um deles parado em relação a um farol e o outro se aproximando dele. Quando cada um medir a sua velocidade em relação ao farol, um deles verá que sua velocidade é zero e o outro verá que o farol se aproxima com uma certa rapidez, digamos 50km/h (ver figura  abaixo à direita). Mas ao medirem a velocidade da luz emitida pelo farol, os dois encontrarão exatamente o mesmo valor (300 mil quilômetros por segundo). O navio que se aproxima do farol não encontrará o valor de sua velocidade adicionado ao valor da velocidade da luz. Aparentemente, isto é contraditório. Parecerá aos capitães que o princípio 1 está sendo violado? Absolutamente não! Então, qual a explicação? Vejamos o conceito de velocidade: distância em um certo tempo, ou espaço dividido por tempo. Para que os dois navios concordem tanto em sua velocidade com relação ao farol quanto com sua velocidade em relação à luz (e entra a genialidade de Einstein), os dois devem DISCORDAR quanto à distância com que cada um se encontra do farol, bem como quanto ao tempo que o navio que se aproxima do farol levará para atingi-lo! Foi isto o que Einstein viu; e ele identificou a maneira precisa de converter o ponto de vista de um navio para o do outro. O navio que se aproxima do farol, por exemplo, constatará que sua distância até o mesmo é menor do que avalia o navio parado. Sendo esta distância menor, o tempo que levará para percorrê-la também será menor. O ajuste no espaço e no tempo é feito de maneira que a velocidade da luz seja a mesma para os dois. A distância e o tempo menores se compensam, e mantém a mesma proporção de 50 quilômetros por hora de velocidade em relação ao farol (e ao outro navio, que encontra parado em relação ao farol). Cada um dos navios, incrivelmente, verá as coisas se passando em câmera lenta no outro. Isto nos leva à

 

Experiência 2) Vamos supor que cada um dos capitães tenha um relógio idêntico ao do outro, um tipo de relógio muito simples mas muito preciso, cujo funcionamento é ilustrado na figura a seguir. Um fóton (uma partícula de luz, que se move, portanto, na velocidade da luz) é refletido para cima e para baixo por dois sensores espelhados dentro de uma caixa. Quando o fóton atinge o sensor de cima, o relógio faz "tique". Ao ser refletido, o fóton caminha para o sensor de baixo e ao atingí-lo faz "taque", e o ciclo de tique-taques se repete. Vamos imaginar que antes de partir os dois navios tiveram seus relógios acertados de maneira idêntica. Agora, voltemos à situação em que um dos navios encontra-se parado em relação ao farol e o outro em movimento. O capitão de cada navio verá seu relógio funcionar perfeitamente: o fóton “pêndulo” vai para cima e para baixo e faz tique-taque (ou seja, em cada navio Tudo Transcorrerá NORMALMENTE). Mas ao observar o relógio do colega com uma luneta, cada capitão verá o pêndulo do relógio do outro andar em uma diagonal, como mostra a figura abaixo. 

 

    O pêndulo de bordo em cada navio percorrerá uma linha vertical, mas passará ao longo da hipotenusa de um triângulo retângulo ao ser observado pelo outro navio. Sabemos que num triângulo retângulo a hipotenusa é sempre maior do que os catetos. Cada capitão verá que o fóton-pêndulo do colega percorrerá esta hipotenusa, demorando mais do que o seu próprio, que percorre uma vertical. Tanto para o relógio de bordo quanto para o relógio do navio vizinho, os pêndulos estarão se deslocando exatamente na velocidade da luz, mas a distância que eles terão de percorrer será maior no navio do outro (o efeito é mútuo). Quanto mais rápido o navio do outro capitão estiver se deslocando, maior será esta diagonal, e mais parecerá que o tempo para o outro está passando devagar. Isso mesmo, não é o relógio do outro capitão que parecerá mais lento. Na verdade, tudo à bordo do outro navio parecerá se mover em câmera lenta. O efeito observado não ocorre somente para este tipo de relógio; qualquer relógio parecerá atrasar ao ser observado por uma pessoa em movimento relativo. À bordo de seu navio, cada capitão ouvirá o outro perguntar pelo rádio: Queee hoooraas sããão aíííí, cââââââmmbiioooo.....   

 

            Pode-se alegar que nunca se viu essas coisas bizarras acontecerem. Com toda a razão! E o motivo está na enorme velocidade com que a luz se desloca. Mesmo um carro de Fórmula-1 não consegue ultrapassar muito  a velocidade de 0,008% da velocidade da luz. Os capitães dos navios da experiência acima, na verdade, observam o pêndulo do relógio do vizinho se deslocar numa linha muito próxima de uma vertical perfeita (cada pêndulo, por se deslocar na velocidade da luz, executa milhões de vaivéns em um segundo!). Portanto a hipotenusa do triângulo que eles observam é praticamente idêntica ao comprimento do lado. Isto significa que na verdade o efeito da dilatação do tempo é extremamente pequeno para as velocidades com as quais estamos acostumados. Se nos deslocássemos com velocidades próximas à da luz veríamos os efeitos relativísticos acontecerem a toda hora. O mesmo aconteceria se a velocidade da luz fosse mais baixa, digamos 300 quilômetros por hora. Neste caso um carro de corrida veria as pessoas nas arquibancadas quase imóveis. A contração do espaço também é mínima nas velocidades com que estamos acostumados. Para um carro de Fórmula-1, a linha de chegada fica mais próxima apenas uma distância comparável ao tamanho de um átomo.

 

            A teoria de Newton supõe implicitamente que a velocidade da luz é infinita, o que é uma boa aproximação da realidade (tão boa que a NASA utiliza as equações da mecânica newtoniana para dirigir naves a outros planetas, e a perda de precisão é apenas de alguns centímetros!) Se este fosse o caso, os efeitos relativísticos não existiriam. Mas atualmente observa-se a relatividade em ação a todo instante, em laboratórios terrestres que aceleram partículas a velocidades próximas à da luz. Algumas partículas, quando paradas em relação a nós (em repouso), duram apenas alguns milionésimos de segundo e se desintegram. Mas ao serem aceleradas quase à velocidade da luz, têm seu "tempo de vida" aumentado milhares de vezes. Uma partícula chamada múon se forma no alto da atmosfera terrestre e, se não fosse a relatividade, nunca poderia atingir o solo (como ela regularmente faz) devido a sua vida extremamente curta. Esta partícula tem sua vida alongada várias vezes devido à sua alta velocidade. Se pudéssemos tomar uma carona nesta partícula, constataríamos que ela não teve sua vida aumentada. Em compensação, mediríamos uma distância muito menor até o chão, o suficiente para que a partícula a percorresse em sua curtíssima vida. 

  

Relatividade Geral

 

        1905 foi o annus mirabilis de Einstein. Neste ano, ele publicou três trabalhos tão importantes - incluindo a relatividade especial - que cada um deles mereceria um prêmio Nobel (a propósito, Einstein não ganhou o prêmio Nobel pela descoberta da relatividade, e sim pela explicação do efeito fotoelétrico, uma das bases da mecânica quântica). Para formular a relatividade geral, entretanto, foram necessários mais dez anos. A complexidade do problema era muito maior. Einstein passou muito tempo estudando geometria, essencial para a descrição de espaços curvos. Pensamos no espaço como umvazio”, e é difícil imaginar como ele pode ser curvo. Uma comparação com a superfície da Terra pode ser útil. Para nós a Terra parece perfeitamente plana (ao olharmos para o mar). Se desenharmos um pequeno triângulo num caderno ou um grande triângulo na areia de uma praia, os ângulos somados terão 180 graus. Mas se desenhássemos triângulos cada vez maiores, veríamos algo inusitado acontecer. A soma dos ângulos começaria a aumentar; ela passaria de 180 graus! Triângulos cada vez maiores têm a soma de seus ângulos crescente. Se quiser desenhar um triângulo de 270 graus, faça o seguinte: percorra em linha reta, ao longo do Equador, um quarto da circunferência terrestre por exemplo, de Belém até Nairobi, no Quênia – e em seguida faça uma curva em 90 graus, e vá em  direção ao Pólo Sul. Ao chegar ao Pólo Sul, faça outra volta de 90 graus e prossiga numa linha reta, até retornar a Belém. Ao chegar, você terá desenhado um triângulo eqüilátero, com três ângulos de 90 graus (ver figura à direita). Ora, você sabe que não andou numa linharealmente reta, porque a Terra é redonda. Mas localmente pareceu-lhe que tudo era plano e sua trajetória era reta. Assim acontece com o espaço: numa escala pequena ele parece plano. Mas ocorreu a Einstein que, tal como acontece na Terra, alguém poderia iniciar uma viagem em linha reta pelo espaço e...retornar ao ponto de partida! Como o Universo é imensamente maior do que a Terra, sua curvatura deve ser ainda muito mais difícil de notar. Por isso a trajetória de uma nave em linha reta parecerá tão... reta! Mas quanto mais a nave se afastasse, mais a curvatura de sua rota seria percebida.

 

           

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