ENTENDENDO PORQUE AS TORRES DE CELULAR
NÃO CAUSAM MAL À SAÚDE
Bruno Maçães
Existem muitas histórias conhecidas por todas as pessoas, porém difíceis de determinar se são verdadeiras ou não. São chamadas mitos urbanos. Muitos nova-iorquinos, por exemplo, acreditam que de vez em quando jacarés vão parar nos esgotos da cidade, mas esta história é falsa. Um outro rumor que correu o mundo fala de uma mulher que colocou seu poodle dentro do forno de microondas para secar, matando-o. Posteriormente a mulher ganhou um processo contra o fabricante do forno. Esta história também é falsa. Alguns boatos chegam por e-mail, como aquele alerta sobre um novo tipo de golpe: um sujeito conheceu uma mulher numa boate em Buenos Aires, e na manhã seguinte acordou numa banheira cheia de gelo e um bilhete o informava que seus os dois rins haviam sido retirados. Cuidado com as boates portenhas!
Algumas
histórias são superstições fáceis de desmascarar. O Chupacabras é
um exemplo. Outras são mais difíceis porque requerem algum conhecimento mais
especializado. Um exemplo é o falso boato, plantado pela imprensa americana na década
de 70, de que cabos de alta tensão causavam câncer. Uma polêmica mais
atual refere-se aos telefones celulares e também às torres de transmissão
destes telefones.
Algumas
destas histórias falsas podem até causar medo generalizado. Se uma vítima de
câncer no cérebro atribui seu mal a seu telefone celular, logo centenas de pessoas
ligarão seus problemas de anemia ou leucemia à mesma "causa".
Em seguida, uma grande quantidade de anedotas reforça o boato e uma chuva de
processos recai sobre os fabricantes de celulares. Anos depois, quando tudo é
esclarecido, uma pequena nota na página dez dos jornais é publicada para esclarecer a população.
E o mito sobrevive,
de uma forma mais branda.
Um pouco de física
-
Para entendermos porque a radiação emitida por telefones celulares e suas
antenas é inofensiva, é necessário saber alguns conceitos físicos. Após
entendermos estas noções, concluiremos para nosso espanto que aquilo que
algumas pessoas acreditam existir simplesmente não está lá, e que é a desinformação que
permite a crença de que celulares oferecem riscos à saúde.
Átomos
- Tudo o que existe é formado por entidades extremamente pequenas
chamadas átomos. Na espessura de um fio de cabelo podemos enfileirar cerca de três
milhões deles! Cada átomo, entretanto, é formado por partículas ainda
menores: os prótons e nêutrons, que ficam numa região 100.000 vezes menor do
que o átomo(!) chamada núcleo, e os elétrons, que localizam-se
em volta do núcleo. Os elétrons, que têm carga elétrica negativa, são atraídos
pelo núcleo, que é positivo.
Os
elétrons, como tudo
na natureza, caminham para o estado de menor energia possível. Na ilustração vemos uma bola que é liberada da parte superior de um “vaso”.
A bola irá fazer um movimento de vaivém até estacionar no fundo do vaso.
Dizemos que o fundo do vaso é o local que tem a menor energia potencial. De
qualquer lugar que soltemos a bola, ela irá se movimentar. O único ponto onde
isto não acontece é o fundo do vaso. Para tirar a bola do fundo é necessário
dar um empurrão, ou seja, aumentar sua energia.
Da
mesma forma, os elétrons procuram ir para o local onde sua energia é menor.
Quanto menor a distância do núcleo, menor é a energia do elétron. O núcleo
seria como o fundo da bacia. Para mover um elétron
para longe do núcleo, é necessário fornecer energia. Inversamente,
quando um elétron se aproxima do núcleo ele libera energia até estacionar.
(ver figura)
Mas os elétrons
não estão uniformemente distribuídos ao redor do núcleo. Existe uma
estrutura onde eles têm que se encaixar. Às vezes, o estado de menor energia
de um elétron pode não estar no átomo onde ele se encontra, e sim em outro átomo.
Quando isto acontece, o elétron simplesmente troca de dono: passa de um átomo
para o outro (ou é compartilhado pelos dois átomos). Mas neste caso o átomo
que cedeu o elétron fica positivamente carregado (porque passa a ter menos elétrons
negativos do que prótons positivos). O átomo que recebeu o elétron, por
outro lado, fica negativo, pois agora tem mais cargas negativas do que
positivas. Resultado: os dois átomos acabam ficando juntos porque suas cargas
opostas se atraem.
Esta
união de átomos forma partículas chamadas moléculas
(quando dois átomos partilham elétrons) e aglomerados iônicos (quando
há uma transferência total de elétrons).
As ligações químicas entre os átomos em última instância são resultado do movimento de elétrons tentando se
encaixar na estrutura atômica da melhor forma possível. Algumas moléculas,
como o DNA humano, podem conter milhões de átomos unidos. Cada tipo de átomo
é ligado aos outros com uma certa força, a energia de ligação.
Podemos imaginar uma molécula como uma série de bolas (os átomos) ligadas por
cordas finas e grossas (as ligações), como na figura à esquerda.
O
que é a luz, e como ela afeta as moléculas que formam nosso corpo - Um
dos grandes trunfos da ciência no século XX foi ter conseguido mostrar que fenômenos
aparentemente diferentes na verdade representam a mesma coisa. Por exemplo, todos já
ouvimos falar que a radiação ultravioleta do Sol provoca câncer de
pele. Sabemos também que raios X são usados para tirar radiografias. Sabemos que o rádio que escutamos no carro
recebe ondas que estão "no ar". O alarme em nossas casas contém
um sensor infravermelho. Usamos diariamente fornos de microondas e
tememos armas nucleares por causa da radiação gama. Pois bem, todos
estes nomes na verdade são tipos diferentes de radiação eletromagnética.
A luz que enxergamos também é radiação eletromagnética. De fato, podemos
definir a luz como aquele tipo de radiação eletromagnética que enxergamos. Não
enxergamos raios X ou ondas de rádio, mas eles são da mesma natureza que a luz
visível.
A radiação eletromagnética se propaga no vácuo. É por isto que a luz do Sol, que viaja no espaço, chega até nós. Todas as variedades de radiação mencionadas acima são dotadas de movimento ondulatório. Ou seja, elas se deslocam como ondas no mar. A distância entre duas ondas é chamada comprimento de onda. (ver figura ao lado) E a diferença entre dois tipos de radiação eletromagnética está justamente no seu comprimento de onda. Os raios gama, por exemplo, possuem comprimentos de onda microscópicos - tão pequenos que são comparáveis ao tamanho de um átomo. As ondas de rádio têm um comprimento de onda enorme, que pode ser medido em quilômetros. Entre estes dois tipos de radiação existe todo um espectro, como pode ser visto na ilustração abaixo. Podemos ver inclusive que a própria luz visível pode ser decomposta em radiações de "cores" diferentes, indo do vermelho até o violeta (as cores do arco-íris). O vermelho tem o maior comprimento de onda enquanto o violeta tem o menor comprimento de onda. É interessante notar que a parte do espectro que enxergamos é minúscula (continua abaixo).
Todas
as formas de radiação eletromagnética, não importa de qual estejamos
falando, se deslocam exatamente à mesma velocidade: a velocidade da luz.
Ora, os raios gama têm ondas muito pequenas mas se deslocam na mesma velocidade
que as ondas de rádio, que tem ondas grandes. Assim, em um segundo passam por nós
muito mais ondas de raios gama do que de rádio. Esta medida do número
de ondas que passa por nós em um segundo é chamada freqüência. Então,
quanto maior o comprimento de onda de uma radiação, menor sua freqüência. E
vice-versa. Porque estas diferenças de freqüência são importantes? Porque
quanto maior a freqüência, maior a energia da radiação.
Uma
distinção importante a ser feita é entre intensidade e freqüência
da radiação. A intensidade está relacionada à quantidade de feixes
de luz (ou fótons) emitidos. A freqüência nos diz qual é a energia
de cada feixe (daqui em diante, fóton) individual. Vamos imaginar duas lâmpadas:
uma vermelha e outra azul. Tanto uma quanto a outra podem mudar de intensidade.
É só aumentarmos ou diminuirmos seu brilho (variando o número de fótons
emitidos). Podemos aumentar ou diminuir a energia que uma lâmpada emite
variando seu brilho (ver figura à direita), e mantendo sua cor (freqüência) igual. Mas também
podemos alterar a energia mudando a cor da lâmpada porque o azul é uma radiação
mais energética (freqüência menor) do que o vermelho. Mais estes dois tipos
de aumento de energia emitida não são iguais. No primeiro caso, estamos emitindo mais radiação de um mesmo tipo (mais vermelho ou mais azul).
No segundo caso, cada fóton azul emitido tem
mais energia do que cada fóton vermelho.
Juntando
as peças -
Albert Einstein tornou-se o cientista mais famoso de todos tempos por causa de
suas teorias da relatividade. Mas curiosamente foi devido a um outro trabalho
que ele ganhou o prêmio Nobel. De fato, Einstein foi tão genial a ponto de
estar por trás dos dois pilares da física moderna. Com seu "outro"
trabalho, Einstein explicou o efeito fotoelétrico, o fenômeno que nos permitirá
a encaixar estes conceitos e entender a questão dos celulares.
O
efeito fotoelétrico foi observado pela primeira vez em 1887 pelo físico alemão
Heinrich Hertz, que notou que ao brilhar uma luz sobre certos metais, eles
emitiam elétrons. Sabemos hoje que é fácil arrancar elétrons de metais
porque eles estão fracamente ligados a seus átomos. Ou seja, têm uma baixa energia
de ligação. À primeira vista poderíamos supor que se a intensidade
(brilho) da luz é aumentada, a velocidade dos elétrons ejetados também
aumentará, já que mais energia está sendo fornecida a eles (imagine-se
chutando fracamente uma bola e depois a chutando com força). Mas isto não
acontecia. Em vez disso, o número de elétrons ejetados aumentava, mas
sua velocidade continuava fixa. Por outro lado, pode-se observar que a
velocidade dos elétrons agitados aumenta se a freqüência da luz emitida é
aumentada e, equivalentemente, sua velocidade decresce se a freqüência da luz
é diminuída. De fato, à medida que a freqüência da luz usada é diminuída,
chega-se a um ponto onde a velocidade dos elétrons emitidos cai para zero e
eles param de ser ejetados da superfície, mesmo que a intensidade da fonte de
luz seja ofuscante. Por alguma razão, a cor da luz emitida - não sua energia
total - determina se elétrons são ejetados ou não; e se eles são, a energia
que eles têm (figura abaixo, continua abaixo).
Einstein foi a primeira pessoa a explicar o que dissemos acima, a saber, que cada fóton individual de luz tem uma energia específica, que é determinada por sua freqüência. Tudo o que importa para quebrar uma ligação química é a freqüência da radiação: a energia de cada fóton individual, e não a intensidade da radiação (sua quantidade).
Vimos
que diferentes moléculas possuem diferentes energias de ligação entre seus átomos.
Para quebrar uma determinada molécula, ou ionizá-la, é necessário que
cada fóton individual que a atinge tenha uma energia mínima. Esta energia
mínima é a mesma necessária para deslocar os elétrons que compõem as
ligações. Os tipos de radiação
eletromagnética capazes de quebrar moléculas são chamados radiações
ionizantes. Para as moléculas presentes nos seres vivos, inclusive nós,
apenas as radiações na faixa do ultravioleta para cima (para a
esquerda, na figura acima) são
consideradas perigosas, capazes de destruir o DNA e provocar mutações que
levem ao câncer. Todas as outras formas de radiação, ou seja, luz visível,
microondas e ondas de rádio, são incapazes de quebrar as ligações presentes
em nossas moléculas. É por isso que os médicos recomendam que usemos protetor
solar - por causa dos raios ultravioletas que causam câncer de pele. Também
somos recomendados a não ser submetidos muitas vezes a raios X. Por isto também
as explosões nucleares são tão perigosas: elas liberam raios gama.
As
antenas das estações de televisão emitem radiações na faixa das ondas de rádio e
microondas. Podemos passar a vida embaixo de uma antena transmissora de televisão, não
importa sua potência, sem sermos afetados. O mesmo acontece com as microondas
emitidas pelas antenas de celulares. Devido aos boatos, alguns reclamam de seus
aparelhos celulares sem saber que as lâmpadas incandescentes (e ainda mais as
fluorescentes tão em moda devido ao racionamento de energia) de suas casas emitem radiações
num amplo espectro de freqüências, inclusive raios ultravioletas. Portanto, são
muito mais perigosas do que as radiações usadas pelos telefones celulares.
Aparelhos de televisão também emitem raios X, uma radiação ainda mais
perigosa, e não ouvimos falar de problemas. Um único fóton de raios X é
suficiente para causar danos, ao passo que nem todos os fótons de microondas do
mundo fariam o mesmo (a quantidade de fótons recebidos da televisão cai
com a distância - por isto é que a proximidade do aparelho aumenta o risco).
Vamos supor que mesmo assim as microondas das antenas de celular façam mal. Ainda assim, a quantidade de radiação recebida do transmissor seria menor do que aquela que recebemos quando assistimos um saco de pipocas girar em nosso forno de microondas. Uma ressalva: apesar das microondas não romperem nossas moléculas, elas podem entrar em ressonância com as moléculas de água presentes em nosso corpo, esquentando-o. Mas novamente neste caso, nossos fornos de microondas e lâmpadas são muito mais "perigosos" do que uma antena de celular nas proximidades, por estarem muito mais próximos.
A ciência trabalha com experimentos que podem refutar teorias. No caso das radiações emitidas por telefones celulares, estudos epidemiológicos estão em andamento para tentar verificar se os aparelhos são realmente seguros. Podemos prever que os estudos concluirão pela segurança dos mesmos. Do contrário, boa parte da física e química atuais teriam de ser rejeitadas de uma só vez devido a estes estudos. E pelo número gigantesco de pesquisas cuidadosas realizadas até o momento, a probabilidade de boa parte do conhecimento científico atual estar errada é menor do que a probabilidade de que este seja mais um boato.
* O autor não está envolvido com companhias de telecomunicações nem tem qualquer interesse econômico no assunto!