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por Railton S. Guedes
Imagine um
pregador, bradando com todo o fervor de sua fé: "A
religião impede a libertação do homem!"
Loucura? Então imagine um homem profundamente religioso,
mas que veio a perceber numa prisão nazista, pouco antes
de sua execução, que a religião poderia ser um sério
impedimento à libertação do homem, além de se
constituir em um obstáculo importante àquela
solidariedade total com a humanidade, que Jesus tanto
apoiava.
Estamos falando de Dietrich Bonhoeffer, um dos maiores
expoentes da moderna teologia cristã, que morreu como um
conspirador político, cúmplice num plano de assassinar
Adolf Hitler.
Para Bonhoeffer, a palavra religião perdera de tal forma
sua dignidade humana, que não teve outra escolha a não
ser formular a proposição da "cristandade sem
religião" como algo necessário para o homem maduro,
o homem "que atingiu a maioridade". As implicações
sociais e políticas não só do pensamento de Bonhoeffer,
mas de sua própria vida, ao mesmo tempo que assusta e
afasta aqueles que tem sua igreja na mesma conta que seu
clube, por outro lado entusiasma e aproxima cristãos
sinceros de todo mundo que anseiam pela construção do
Reino de Deus manifesto na oração de Jesus: "...
venha o teu Reino..." aqui e agora, na Terra.
Assim como Abraham Ficher que passou grande parte de sua
vida em prisões da África do Sul pela sua luta contra o
aparthaid, Bonhoeffer não morreu como um mártir "religioso",
insistindo na pureza da religião e na inviolabilidade da
Igreja.
Não seria exagerado supor que, neste ponto, ele estava
muito mais próximo dos anarquistas, os quais,
conscientemente ou não, historicamente vêm assumindo o
papel do "bom samaritano" da parábola,
enquanto que a maioria dos cristãos abraça o odiento
papel do "religioso que passou ao largo",
aquele que, quando não faz vista grossa, apóia
descaradamente o massacre de inocentes. Por essas e
outras, não é de estranhar que as primeiras vítimas do
terror nazista tenham sido os anarquistas. Os bombardeios
sobre os republicanos que lutavam contra Franco, apenas
deram prosseguimento, na Espanha, a um processo iniciado
na Alemanha de Hitler contra os ideais libertários. Seu
martírio começou antes mesmo do dos judeus.
Enquanto a barbárie racista prosseguia a olhos vistos
por toda a Europa, a Igreja guardava um silêncio
sepulcral frente a toda essa perseguição. Nem um dedo
foi movido. Muitos dos silenciosos cristãos baixaram a
cabeça. Tudo ficava por isso mesmo, o que, de qualquer
forma, é vergonhoso. E o que é pior, segundo os termos
da tradição cristã, a Igreja "passou-se para o
outro lado".
Quem quer que acredite que isso é irrelevante para os
tempos atuais está privado não apenas de sensibilidade
humana, mas também de discernimento. É um louco.
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