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"Os 'amos
libertadores' nos pedem obediência hoje em nome de uma
libertação que veremos amanhã, mas amanhã é sempre
amanhã. Por isso, propomos aos amos libertadores (delegações
políticas, dirigentes burocratizados e outros militantes
tristes) a libertação aqui e agora e a obediência,
amanhã."
trad. de http://www.sinectis.com.ar/u/redresistalt/index.html
por Railton Sousa Guedes - railtong@g.com
1. Resistir é criar
Contrariamente à posição defensiva na qual se
encontram a maioria dos movimentos e grupos de resistência
ou alternativos, achamos que a verdadeira resistência
passa pela criação, aqui e agora, de laços e de formas
alternativas que levantem movimentos, grupos e pessoas,
os quais através de uma militancia pela vida, superem o
capitalismo e a reação. Cremos que, a nível
internacional, assistimos hoje ao começo de uma
contraofensiva, depois de um longo tempo de dúvidas,
recuos e destruição das forças alternativas. Este
retrocesso tem sido amplamente aproveitado pelas forças
do neoliberalismo e do capitalismo para destruir uma boa
parte do que foi construído ao longo de cento e
cincoenta anos de lutas revolucionárias. Assim, resistir
é criar novas formas, novas hipóteses teóricas e práticas
que estejam à altura do desafio atual.
2. Resistir à
tristeza
Vivemos uma época profundamente marcada pela tristeza. Não
apenas a tristeza das pessoas, mas sobretudo, a tristeza
da incapacidade. Os homens e as mulheres de nosso tempo
vivem na certeza de que a complexidade da vida é tal que
a única coisa que podemos fazer, sob pena de aumentá-la,
é nos submetermos à disciplina do economicismo, do
lucro e do egoísmo. A tristeza social e individual nos
corrói e nos convence de que não temos mais os meios de
viver uma vida verdadeira e assim nos submetemos à órdem
e à disciplina da sobrevivência. O tirano precisa da
tristeza porque assim, cada um de nós se isola em seu
pequeno mundo, virtual e inquietante, pois os homens
tristes necessitam do tirano para justificar sua tristeza.
Cremos que o primeiro passo contra a tristeza (os efeitos
do capitalismo em nossas vidas) é a criação de laços
solidários e concretos. Romper o isolamento. O
compromisso vêm da solidariedade, de uma militancia que
não funciona mais "contra" mas "pela"
vida, pela alegria, através da libertação da
capacidade humana.
3. Resistência é
diversidade
A luta contra o capitalismo, que não pode restringir-se
à luta contra o neoliberalismo, implica práticas de
diversidade. O capitalismo inventou um mundo único e
unidimensional, mas esse mundo não existe "em si".
Para que possa existir exige nossa submissão e nossa
concordância. Esse mundo unificado, que é um mundo
transformado em mercadoria, se opõe à multiplicidade da
vida, se opõe às infinitas dimensões do desejo, da
imaginação e da criação. Se opõe, fundamentalmente,
à justiça. É por isso que nós cremos que toda luta
que se pretenda global e totalizante contra o capitalismo
se desenvolva fora das estruturas que são próprias do
capitalismo ou do globalismo. A resistência deve aflorar
e se desenvolver a partir das diversidades mediante a
criação de laços de solidariedade e de ajuda, mas em
nenhum momento de uma direção ou de uma estrutura que o
globalize, que centralize estas lutas.
4. Resistir é um
centro difuso
Uma rede de resistência que respeite a diversidade é um
círculo que possui, poética e paradoxalmente, seu
centro em todas as partes.
5. Resistir é não
desejar o poder
Cento e cincoenta anos de revoluções nos ensinaram que,
contrariamente à visão clássica, o lugar do poder, os
centros de poder, são por sua vez centros de mínima
capacidade ou mesmo de incapacidade. O poder se ocupa -
digamos - da gestão, e não tem, em si mesmo, a
possibilidade de se modificar a partir do cume da
estrutura social sem que as forças contidas na base o
permitam. A capacidade se encontra, portanto, forçosamente
separada do poder constituído. É por isso que, a nosso
ver, as coisas que acontecem "de cima"
tem a ver com a gestão e a política, em sentido nobre,
e as coisas que acontecem "em baixo", tem a ver
com o poder constituído. É por ele que a resistência
alternativa será potente na medida em que abandone a inação,
ou seja, o dispositivo político clássico que posterga e
espera, invariavelmente por um "amanhã", por
um porvir, pelo momento da liberdade. Os "amos
libertadores" nos pedem obediência hoje em nome de
uma libertação que veremos amanhã, mas amanhã é
sempre amanhã. Por isso, propomos aos amos libertadores
(delegações políticas, dirigentes burocratizados e
outros militantes tristes) a libertação aqui e agora e
a obediência, amanhã.
6. Resistir à
seriedade
O poder mantém e dissemina a tristeza apoiado na
ideologia da insegurança. O capitalismo não pode
existir sem sizudez, sem dividir, sem separar. E a separação
triúnfa quando, pouco a pouco, as pessoas, os povos, as
nações, passam a viver sob a égide da insegurança.
Nada é mais fácil que disciplinar um povo de ovelhas
convencidas de que são, todos e cada um, um lobo para o
outro. A insegurança e a violência são reais, mas
somente na medida em que a aceitamos, ou seja, que
aceitemos esta ilusão ideológica que nos faz crer que
somos, cada um de nós, um indivíduo isolado dos demais.
O homem triste vive como se o seu papel fosse meramente
decorativo; os outros é que são os figurantes. A
natureza, o mundo e os animais são "utilizáveis",
e cada um de nós, o protagonista central e único de
nossas vidas.
O indivíduo não é uma pessoa, o indivíduo é uma ficção,
uma etiqueta; a pessoa, em troca, é cada um de nós
desde que tenha os olhos abertos à realidade de
pertencer a este todo substancial que é o mundo. Trata-se
de rechaçar as etiquetas de: profissão, nacionalidade,
estado civil, desempregados, empregados, descapatitados,
etc., detrás das quais o poder intenta uniformizar e
pasteurizar a diversidade que cada um de nós representa.
Nós somos diversidades mescladas com diversidades. É
por isso que o laço social não é algo que deva apenas
ser construído, deve também ser também assumido. Os
indivíduos, as etiquetas, vivem e reforçam o mundo
virtual. Recebem notícias de suas próprias vidas através
da tela da televisão. A resistência alternativa implica
em dar um lugar ao real dos homens, das mulheres, da
natureza. Os indivíduos encontram-se como tristes sedentários
amarrados em suas etiquetas e regras. É por isso que a
alternativa implica assumir um nomadismo libertário.
7. Resistir sem
amos
A criação de uma vida diferente passa, fundamentalmente,
pela criação de alternativas, de modos de vida, de
modos de desejar. Se nós desejamos o que pussui o amo,
se desejamos da mesma maneira que o amo, estaremos
condenados a repetir as famosas revoluções mas, no
sentido em que a física tem dado à palavra "revolução",
ou seja, uma volta completa em torno de um mesmo ponto.
Trata-se assim de inventar e de criar concretamente novas
práticas e imágens de felicidade. Se nós pensamos que
somente podemos ser felizes da maneira individualista do
amo e pedimos uma revolução que nos dê satisfação
estaremos condenados eternamente a mudar de amos.
Há que se criar um comunismo não de obrigatoriedade mas
de voluntarismo que gera solidariedade. Não se deve
compartilhar com tristesa, ou seja, como se fôssemos forçados
a fazer isso. Há que se descobrir o gozo de uma vida
mais plena, mais livre. Na sociedade da separação, da
atomização, ou seja, na sociedade capitalista, os
homens e as mulheres não encontram o que desejam, devem
contentar-se em desejar o que encontram. A separação é
separação uns dos outros, de cada um de nós com o
mundo, do trabalhador com seu produto, o que resulta em
cada um de nós, separados, exilados de nós mesmos. Esta
é a estrutura da tristeza.
8. Uma política
de liberdade
Com efeito, a política, em seu sentido profundo, tem a
ver com práticas emancipatórias, com idéias e imágens
de felicidade que derivam delas. A política é a
fidelidade na busca ativa da liberdade. Complementando
essa idéia, política se eleva a política como gestão.
A gestão é um momento, é uma tarefa, é um aspecto.
Mas este elemento almeja o todo. Reclama o todo da política.
Demanda toda a atenção e hierarquiza as prioridades,
limitando, freando e institucionalizando as energias
vitais que a impulsionam. A gestão é representação, e
a representação como tal é apenas parte do movimento
real. Este - movimento real - não necessita de
representação para viver.
A política revolucionária é aquela que a todo momento
persegue a liberdade mas, em sua essência, não se
associa a homens ou a instituições. Como um dever
permanente não aceita atar-se, fundir-se, encarnar-se,
nem institucionalizar-se. A busca da liberdade se vincula
com a constituição do movimento real, da crítica prática,
do questionamento permanente e do desenvolvimento
ilimitado da vida. Neste sentido a política revolucionária
não se contrapõe à gestão. Em todo caso o que se
contrapõe à política revolucionária é a sua separação
e não a aplicação da gestão.
A política como tal não é mais que a harmonia da
diversidade da vida em conflito permanente com seus próprios
limites. Liberdade é o desprendimento de capacidades, a
gestão é apenas um momento limitado e circunscrito em
que este desprendimento aparece.
9. Resistência e
contracultura
Resistir é criar e desenvolver contrapoder e
contracultura. A criação artística não é um luxo do
homem, é uma necessidade vital da qual as imensas
maiorias se encontram privadas. Na sociedade da tristeza,
a arte foi separada da vida ainda mais, a arte está cada
vez mais separada da própria arte, porque está possuída,
gangrenada, por valores comerciais. É por isso que os
artistas entendem, talvez melhor que muitos, que resistir
é criar. A eles também nos dirigimos, para que a criação
supere a tristeza, a separação, para que a criação
possa libertar-se da égide do dinheiro e recupere seu
lugar no seio da vida.
10. Resistir à
separação
Resistir é, por sua vez, superar a separação
capitalista entre teoria e prática, entre o engenheiro e
o trabalhador, entre a cabeça e o corpo. Uma teoria que
se separa das práticas se transforma em uma idéia estéril.
Dessa forma, em nossas universidades, existem miríades
de idéias estéreis, uma vez que as práticas que se
separam da teoria estão condenadas a desaparecer com o
tempo numa espécie de auto reabsorção. Resistir, então,
é criar os laços entre as hipóteses teóricas e as hipóteses
práticas, que todo aquele que saiba fazer algo saiba
também transmití-lo para aqueles que desejam libertar-se.
Fazendo assim estaremos criamos as relações, os laços,
que fortalecem teorias e práticas de emancipação,
longe dos cantos de sereia que nos propõem "ocuparmos
nossas vidas". Dessa forma, nossas vidas se extenderão
além dos limites de nossa pele.
11. Resistir à
normalização
Resistir significa destruir o discurso falsamente democrático
que pretende ocupar-se dos setores e das pessoas excluídas.
Em nossas sociedades, não existem "excluídos";
em nossas sociedades, estamos todos incluidos de maneiras
diferentes, de maneiras mais ou menos indignas e terríveis,
mas incluídos. A exclusão não é um acidente, não é
uma excessão. O que eles chamam exclusão e insegurança
é o que nós devemos entender como a própria essência
desta sociedade que ama a morte. É por isso que lutar
contra as etiquetas implica em nosso desejo de
contatarmos com as lutas dos denominados "anormais"
ou incapacitados. Em nosso entendimento, não há homem
ou mulher anormal, não há homem ou mulher incapacitados.
Existem pessoas e modos de ser diferentes. As etiquetas
atuam como minicampos de concentração onde cada um de nós
está limitado por um determinado nível de incapacidade.
O que nos interessa é a capacidade, a liberdade. Um
incapacitado existe somente em uma sociedade que aceita a
divisão entre fortes e fracos. Se nós rechaçamos isto,
que é a barbarie, não haverá o isolamento, a seleção
do capitalismo.
É por isso que a alternativa implica em um mundo onde
cada um de nós assume sua fragilidade e onde cada um de
nós desenvolve o que pode, com os outros e pela vida.
Conhecemos, por exemplo, a incrível riqueza da cultura
sorda, criada na ocasião em que tanto homens como
mulheres de corágem souberam explodir as cadeias da
toxicologia médica, da mesma maneira, a luta contra a
psiquiatrização da sociedade, e tantas outras lutas que,
longe de serem pequenas lutas por um pouco mais de espaço,
são verdadeiras criações que enriquecem a vida. Por
isso, convidamos, também a resistir juntamente conosco,
aos grupos que lutam contra a normalização da
disciplina médico-social. O mesmo sucede com as formas
de disciplinamento próprias dos sistemas educativos. A
normalização opera aqui como uma ameaça permanente de
fracasso ou desemprego. Existem em troca experiências
paralelas, alternativas e diversas a respeito da
escolarização nas quais os problemas ligados à educação
aparecem em uma lógica diferente.
Incapacitados, desocupados, presos, culturas
marginalizadas, homosexuais, tudo isso são formas de
classificação sociológica que operam separando e
isolando a partir da incapacidade, do que não pode fazer,
tornando unilateral e pobre, o múltiplo, o rico, o que
pode ser visto como pleno de capacidade.
12. Resistir ao
racismo
Resistir é, também, rechaçar a tentação de um
racismo de identidade que separe nacionais de
estrangeiros. A imigração, os fluxos migratórios não
são um problema, são uma profunda realidade da
humanidade, desde sempre e para sempre. Não se trata de
ser filantropicamente bom para com os estrangeiros, trata-se
de desejar a riqueza que a mestiçagem produz. Resistir
é criar laços entre os "sem", sem teto, sem
trabalho, sem papéis, os sem dignidade, os sem terra,
todos os sem que não possuem a "boa cor de pele",
a boa prática sexual, etc. Uma união de sem, uma
fraternidade dos sem, não para ser "com" mas
para construir sociedades donde não existam mais os sem
e os com.
13. Resistir à
ignorancia
Nossas sociedades que se apresentam como culturas científicas
são, na realidade, do ponto de vista histórico e
antropológico, o modo de ser de uma sociedade que tem
produzido o maior gráu de ignorância que a epopéia
humana jamais conheceu. Se em toda cultura os homens
possuíam técnicas, nossa sociedade é a primeira
propriamente possuída pela técnica. Noventa por cento
de nossos contemporâneos são incapazes de saber o que
se passa entre o momento em que eles apertam os botões e
o momento em que o efeito desejado se produz. Noventa por
cento de nossos contemporâneos ignoram a quase
totalidade dos recursos e mecanismos do mundo em que
vivem.
Assim, nossa cultura produz homens e mulheres ignorantes
que, ao sentirem-se exilados de seu meio, podem destruí-lo
sem mais delongas. A violência deste exílio é tal que,
pela primeira vez, a humanidade se encontra frente a uma
real e concreta - talvez inevitável - possibilidade de
sua destruição. Nos dizem que dada a complexidade da técnica
os homens devem aceitá-la sem compreendê-la, mas o
desastre ecológico mostra que aqueles que crêem
compreender a técnica estão longe de saber manejá-la.
É urgente criar coletivos, núcleos, foros de socialização
do saber para que os homens possam novamente fazer parte
do mundo real. Hoje em dia, a técnica da genética nos põe
diante de uma seleção entre os seres humanos de acordo
com critérios de produtividade e benefício. O eugenismo,
em nome do bem, bestializa a humanidade. Nos dizem, desde
os mecanismos que ordenam nossas vidas, que já podemos
proceder à clonágem de um ser humano, e nossa triste
humanidade desorientada ignora até mesmo o que seja um
ser humano. Estas são questões profundamente políticas
que não devem cair em mãos de técnicos. A
responsabilidade pública não deve desaguar em
responsabilidade técnica.
14. Resistir
permanente
Resistir é afirmar que, contrariamente ao que podemos
crer, a liberdade não será nunca um porto de chegada.
Paradoxalmente, a esperança nos mergulha na tristeza. A
liberdade e a justiça existem somente aqui e agora,
pelas vias que a constroem. Não há amo bom nem utopia
realizada. A utopia é o nome político da essência da
própria vida, a saber, o porvir permanente. É por isso
que o objetivo da resistência não será jamais o poder.
O poder e os poderes estão todos condenados a não
alijar-se demasiado do que um povo deseja. É por isso
que é sempre uma atitude de escravo crer que o poder
decide o real de nossas vidas. É por isso que o homem
triste - conforme dizíamos - necessita o tirano. Não é
suficiente pedir aos homens que ocupam o poder que ditem
tal ou qual lei, separadas das práticas da base social.
Não podemos, por exemplo, pedir a um governo que dite
leis de solidariedade para com os estrangeiros se não
construirmos esta solidariedade na base social. A lei e o
poder, se são democráticos, devem
refletir o estado da vida real da sociedade. É por isso
que nosso problema não é que o poder seja corrupto e
arbitrário. Nosso problema e nosso desafio é a
sociedade que este poder reflete, quer dizer, nossa
tarefa, como homens e mulheres livres, é que existam os
laços de solidariedade, de liberdade e amizade que impeçam
realmente que o poder seja reacionário. Não há mais
liberdade que as práticas de libertação.
15. A alternativa
é luta
Não se pode realmente ser anticapitalista e aceitar, ao
mesmo tempo, as imágens de felicidade e realização que
o mesmo sistema gera. Se se deseja ser como o amo, ter o
que o amo tem, se está em posição de escravo. O
caminho da liberdade é incompatível com o desejo do amo.
Precisamente da resistência surgem outras imágens da
felicidade e da liberdade, imágens alternativas, ligadas
a criação e ao comunismo.
Desejar o poder do amo é o oposto de desejar a liberdade.
E a liberdade é porvir livre, é luta. A composição de
laços aumenta a capacidade, a separação capitalista a
diminue. A luta pela liberdade é a luta comunista para
recuperar e aumentar a capacidade.
O capitalismo em mudança opera por abstração, por
serialização e retificação, decompondo laços e
mergulhando-nos na incapacidade. Por isso a luta pela
liberdade e pela democracia são um moto constante que não
encontra encarnação definitiva. Por isso a luta é
sempre por encontrar-se com a capacidade, por compor laços,
por alimentar o desejo de liberdade em cada situação
concreta.
16. Resistência
dos trabalhadores
A resistência e a criação de novas sociedades exige
que pensemos a questão do chamado sujeito revolucionário,
ou seja, a classe trabalhadora, personágem messiânico
dentro do historicismo moderno. Contrariamente ao que
pretendem os sociólogos pós modernos da complexidade, a
classe trabalhadora não tende a desaparecer.
Simplesmente, a função trabalhadora se desprende e se
ordena geográficamente. Assim, se nos países centrais
numericamente há menos trabalhadores, a produção afeta
os chamados países periféricos, onde a exploração
brutal de homens, mulheres e crianças garante enormes
benefícios às empresas capitalistas.
Assim, nos países centrais, mediante a evocação da
insegurança e do medo, se propõem às classes populares
alianças nacionais para melhor explorar o terceiro mundo.
A produção capitalista é uma produção difusa,
desigual e combinada. É por ela que a luta, a resistência,
deve ser múltipla, mas solidária. Não existe libertação
individual ou setorial. A liberdade se conjuga somente em
termos universais, ou seja, minha liberdade não termina
onde começa a liberdade do outro, mas que minha
liberdade não existe senão sob a condição da
liberdade do outro. Em nosso entendimento, não existe um
sujeito revolucionário, existem, de todas as maneiras, múltiplos
sujeitos revolucionários.
Hoje em dia, vemos florescer coordenações, coletivos e
grupos de trabalhadores que abarcam amplamente em suas
reivindicações as mais diversas lutas setoriais. Estas
lutas devem em cada singularidade, em cada situação
concreta, superar os encarceramentos do amo, ou seja,
rechaçar a separação entre empregados e desocupados,
entre nacionais e estrangeiros. Não porque o empregado,
o nacional, homem, branco, seja caritativo com o
desempregado, o estrangeiro, a mulher, o descapacitado, o
menor, mas porque toda luta que aceite e reproduza estas
diferenças - diga-se isto claramente e de uma vez por
todas - é uma luta que, por mais violenta que seja,
respeita e reforça o capitalismo.
Mas a função operária também se manifesta em outro
sentido. Da fábrica clássica como espaço físico
privilegiado de constituição de valor à fábrica
social, em que o capital assume a tarefa de coordenar e
assumir todas e cada uma das atividades sociais. O valor
se dissemina por toda a sociedade. Circula através das múltiplas
formas de trabalho. A acumulação capitalista se amplia
por toda a sociedade e, portanto, pode ser saboteada em
qualquer ponto do circuito, mediante atos de insubordinação.
O trabalho valoriza o mundo de formas múltiplas mediante
a combinação de um complexo de tarefas puramente técnicas,
profissionais, administrativas e criativas, sejam elas
manuais ou intelectuais. Na base de todo o processo está
a capacidade da cooperação como a força produtiva do
valor.
17. Trabalho e o não
trabalho
Parte da construção das hierarquias e classificações
que se nos impôem surgem da confusão oriúndas das
divisões técnicas do trabalho e da divisão social do
trabalho. É que sob a noção de trabalho entendemos
duas coisas diferentes. Por um lado uma atividade
constitutiva, antropológica ou ontológica do homem, o
conjunto das relações sociais que nos conformam, a
perspectiva materialista da sociedade e da história. Mas
por outro lado o trabalho é esse dever alienante, essa
escravidão moderna sob a qual o capital nos separa em
classes. É aquilo que nos faz sofrer quando o temos e
quando não o temos. Abolir o trabalho neste último
sentido é realizar as possibilidades da idéia comunista
do trabalho, a do primeiro sentido.
As hierarquias que se fundam na unidimensionalização da
vida na questão do trabalho alienado, do emprego, devem
se dissolver na multiplicidade de saberes e práticas da
vida.
O trabalho, do ponto de vista ontológico, o conjunto de
atividades que efetivamente valorizam o mundo (técnicas,
ciências, artes, políticas) são, por sua vez, uma
fonte de democratização radical e um questionamento
definitivo e total do capitalismo.
18. Resistir é
construir práticas
Reistir não é, então, ter opiniões. Em nosso mundo,
contrariamente ao que se crê, não há "pensamento
único"; há quantidades de idéias diferentes. O
que ocorre é que opiniões diferentes não implicam em
práticas realmente alternativas e portanto essas opiniões
são apenas opiniões sob o império do pensamento único,
ou seja, da prática única. Há que se parar com esse
mecanismo da tristeza que faz com que tenhamos opiniões
diferentes e práticas únicas. Romper com o mundo do
espetáculo significa não ser mais espectadores de nossa
vida, espectadores do mundo.
Atacar o mundo virtual, este mundo que existe para nos
disciplinar, para nos serializar, para fazer com que
todos nós e cada um estejamos na mesma hora em frente a
um televisor para nos informar, para nos dizer como deve
ser o mundo, a economia, a educação, de maneira
abstrata. Resistir é construir milhões de práticas, de
núcleos de resistência que não se deixem engolir pelo
que o mundo virtual chama "seriedade". Ser
realmente sério não é pensar a globalidade e constatar
nossa incapacidade. Sermos sérios implica construir,
aqui e agora, as redes e laços de resistência que
libertem a vida deste mundo de morte. A tristeza é
profundamente reacionária. Ela é compreensível mas não
deixa de ser reacionária. A tristeza nos faz impotentes.
A libertação, finalmente é também libertação dos
comissários políticos, em síntese, de todos estes
turvos e tristes amos libertadores. É por isso que
resistir é também incentivar a criar redes que nos
retirem do isolamento. O poder nos quer isolados e
tristes, sejamos alegres e solidários.
É neste sentido que nós não reconhecemos a militancia
como uma escolha individual. Todos temos um determinado
gráu de compromisso. Não existem os não militantes e
os independentes. Todos estamos ligados. A questão é
saber por um lado que gráu de comprometimento se tem e,
por outro lado, saber de que lado da luta se está
comprometendo.
19. Conectar-se é
capacitar-se
Resulta imprescindível refletir sobre nossas práticas.
Pensá-las, torna-las visíveis, inteligíveis, compreensíveis.
Poder conceitualizar o que fazemos é parte da
legitimidade de nossas construções e, ademais, da
socialização de saberes entre o que pensamos fazendo e
fazemos pensando. Sermos nossos próprios leitores,
pensadores e teóricos de nossas práticas para evitar
que nos empobreçam com leituras normalizadoras. Ser
capazes de apreciar o valor de nosso trabalho.
20. Resistir é
criar laços.
Este manifesto é um convite não à adesão a um
programa ou menos ainda a uma organização.
Convidamos simplesmente aos homens e às mulheres, aos
grupos e aos coletivos que se sintam refletidos nestas
preocupações a entrar em contato conosco, a contar para
nós vossas experiências e inquietudes para começar
aqui e agora a destruir o isolamento.
Pedimos às pessoas que receberem este manifesto nos mais
diferentes países a fotocopiá-lo e difundi-lo pelos
meios que disponha.
De nossa parte, sem privarnos nem rechaçar métodos como
internet, pensamos que seria melhor que este manifesto
possa circular de maneira mais concreta de mão em mão.
Todos aqueles que sozinhos ou juntos queiram produzir
comentários, propostas ou relatos, que os façam chegar
até nós. Nós nos comprometemos a fazê-lo circular
pela REDE DE RESISTÊNCIA ALTERNATIVA.
Ao não propomos contruir um centro ou direção
colocamos a disposição dos companheiros e amigos o
conjunto dos contatos da R.R.A. para que estes, projetos
e diálogos não ocorram de forma concêntrica.
21. Coletivo de
coletivos
Muitos de nossos coletivos e grupos possuem revistas ou
publicações. Nelas se encontram experiências e saberes
que podem ser proveitosos para outros grupos. A RRA se
propõe acumular e por a disposição dos outros grupos
estes saberes libertários que possam ajudar e capacitar
a luta dos companheiros.
Centenas de lutas se esgotam pelo isolamento ou por falta
de apôio. Centenas de lutas se vêem obrigadas, por
assim dizer, a cobrir-se de cera. E cada luta que
fracassa não é só uma "experiência", cada
fracasso reforça, vacina o inimigo. Daí a necessidade
de nos ajudarmos, de criar "retaguardas solidárias"
para que cada pessoa, em qualquer lugar do mundo, que
lute à sua maneira, em sua situação, pela vida e
contra a opressão, possa contar conosco, como nós
esperamos contar com vocês.
22.
Anticapitalismo ativo
O capitalismo não cairá de cima para baixo. É por isso
que na construção das alternativas não há projeto
pequeno ou projeto grande.
Desde o outono de Buenos
Aires, 1999.
Saudações fraternais a todos os IRMÃOS DA COSTA*.
*"Irmãos da costa":
saudação pirata.
Diferentemente dos corsários, traficantes, escravagistas
e mercantilistas dos mares, os piratas eram comunistas e
criavam comunas livres.
Firmas:
El Mate (Argentina)
Asociación Madres de Plaza de Mayo (Argentina)
Colectivo Amauta (Perú)
Malgré Tout (Pasís-Francia)
Colectif Che (Toulon-Francia)
Cllectif contre les expulsins (liege-Bélgica)
Centre Social (Bruselas-Bélgica)
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