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Comunalismo
Das Origens ao Século XX
INTRODUÇÃO
A Tradição Libertária
1. A
Aldeia Neolítica
2. Essênios,
Therapeutae, Qumran
3. A
Igreja Primitiva, Monasticismo
INTRODUÇÃO
A Tradição Libertária
Antes de 1918 a palavra comunismo não significava
Esquerda da Social Democracia do tipo representado pelos bolcheviques
russos, uma forma radical, revolucionária, de Estado socialista.
Bem pelo contrário, a palavra comunismo era utilizada por aqueles
que desejavam de uma forma ou de outra abolir o Estado, acreditando que
o socialismo não era uma questão de tomada do poder, mas
de anulação do poder, retornando a sociedade a uma comunidade
orgânica de relações humanas não-coercitivas.
Eles acreditavam que essa era a expressão natural da sociedade,
e que o Estado era apenas um elemento mórbido dentro do corpo normal
da economia, o trabalho local da família humana,
agrupada em associações voluntárias. Até mesmo
a própria palavra "socialismo" foi originalmente aplicada
significando as livres comunidades comunistas tão comuns na América
no século XIX.
As pessoas que acreditam no comunismo libertário a grosso modo podem
ser agrupadas debaixo de três teorias gerais, cada qual com seus velhos
mestres, teóricos, líderes, organizações,
e literatura. Primeiro há os anarquistas em uma variedade bastante
limitada: anarco-comunistas, mutualistas, anarco-sindicalistas, anarquistas
individualistas, e alguns grupos e combinações secundárias.
Segundo, os membros de comunidades intencionais, usualmente mas não
necessariamente de inspiração religiosa. As palavras comunalismo
e comunalista parecem ter desaparecido e seria bom destiná-las
a este grupo, embora a palavra "comunista", tão confusa
em nossos dias, de fato se ajusta melhor do que todas. Terceiro, há
a esquerda marxista, que antes de 1918 tinha se tornado um movimento tão
difuso que desaguou na Segunda Internacional Socialista Democrática.
Foi a ela que os bolcheviques pediram apoio nos primeiros dias da revolução.
O Estado e a Revolução de Lenin é uma paródia
autoritária dessas idéias. Contra essa esquerda marxista
Lenin escreveu Esquerdismo: Uma Desordem Infantil. Conta-se que,
quando a Internacional Comunista foi formada, um delegado objetou o nome.
Referindo-se a todos aqueles grupos disse: Mas os comunistas
já existem, ao que Lenin retrucou: Ninguém
jamais ouviu falar deles, e quando acabarmos com eles ninguém irá
notar. As idéias comunistas hoje são mais fortes
do que nunca.
Alemanha Oriental, Polônia, Hungria, Checoslováquia, cada
uma dessas revoltas contra o poder russo assumiu a mesma forma da primeira,
a revolta dos marinheiros de Kronstadt em 1921 assembleias livres,
conselho de trabalhadores, comitês de bairro, e comunas camponesas
os mesmos arranjos sociais que foram tão comuns nos primeiros
anos da Guerra Civil Espanhola em Barcelona e nas zonas rurais da Catalonia
e Andaluzia. De forma alguma estas revoltas assumiram um caráter
reacionário, anticomunista. O slogan Retorno ao Livre Empreendimento
nunca foi levantado. O fato é que após a sociedade ter sido
convertida em uma burocracia estatal capitalista, os bolcheviques com
seu Manifesto Comunista e O Estado e a Revolução
ensinaram às crianças nas escolas que uma sociedade que
rejeita a estrutura de poder não tem para onde ir, e que a única
maneira possível de estabelecer o comunismo era através
do Comunismo Oficial. Como o capitalismo que o antecedeu, o marxismo,
enquanto política de classe governante, contém dentro de
si as sementes de sua própria destruição. Na Iugoslávia,
onde um Partido Comunista conseguiu libertar-se da hegemonia russa, a
marcha por uma maior participação dos trabalhadores na indústria,
política e economia, e comunas federadas, foi irresistível.
O Partido Comunista Iugoslavo pode ter sido aquilo que Milovan Djilas
chamou de a nova classe governante; mas resistir à pressão
russa significava fazer contínuas concessões para assegurar
apoio popular, e estas concessões naturalmente ocorreram dentro
de um contexto ideológico comum tanto à burocracia como
aos trabalhadores um compromisso como o comunismo.
Houve um processo semelhante na Grande Revolução Cultural
da China, mas de cima para baixo. O Partido Comunista Chinês tentou
criar e preservar ao nível de uma imensa população
a relação social dos primeiros dois anos da revolução
russa bolchevique, não através de métodos democráticos
mas pelo mais rígido e coercitivo autoritarismo.
Esta é a situação na denominada metade socialista
do mundo: no meio capitalista, o desenvolvimento ideológico é
bem mais avançado, mas os resultados práticos são
bloqueados por uma estrutura de poder herdada da organização
industrial e financeira do capitalismo do século XIX. As tendências
para a descentralização, e as iniciativas no ponto da produção,
são mascaradas por um desgastado aparato jurídico. Essas
tendências aparecem nas áreas mais livres das relações
interpessoais dos indivíduos, onde o desenvolvimento revolucionário
é mais aparente, bem longe das fábricas ou da burocracia
governamental. Um efetivo ataque contra o Estado e contra o sistema econômico
requer poder, e o Estado, que não é outra coisa senão
a polícia do sistema econômico, tem, de fato, todo poder
efetivo. Manifestações ou coquetéis Molotov são
igualmente impotentes diante da bomba de hidrogênio. É por
isso que as mudanças mais importantes estão ocorrendo naquilo
que os jovens revoltosos chamam de "estilo de vida". É
por isso que tanto os veteranos da Velha Esquerda como a Direita os acusam
de parasitismo. Devido aos muitos luxos capitalistas, as velhas gerações
vêem as comunas como um amontoado de luxurias capitalistas, como
uma imensa e lucrativa exploração da música -- ou
das drogas.
Na medida em que aumenta a concentração e a despersonalização
na sociedade dominante, e na medida em que aumenta a concentração
de capital pela tomada dos maiores negócios pelos conglomerados
e pelas corporações internacionais, cada vez mais as iniciativas
locais são abandonadas pelos governantes do Estado central, e na
medida em que a computação e a automatização
reduz o papel da iniciativa humana tanto no trabalho como na administração,
a vida torna-se mais irreal, sem propósito, e desprovida de significado
para todos, inclusive para uma minúscula elite que ainda se agarra
na ilusão de que a iniciativa pertence a eles. É ação
e reação tese e antítese ou seja, este
estado de coisas produz uma reação diametralmente oposta.
Estamos testemunhando em todo mundo uma revolta instintiva contra a desumanização.
O marxismo propôs superar a alienação do homem de
seu trabalho, de seus companheiros, e de si mesmo, pela mudança
do sistema econômico. O sistema econômico foi mudado, mas
a auto-alienação humana só aumentou. Não importa
o nome, socialismo ou capitalismo, em termos de satisfação
humana e de significado para a vida não há qualquer diferença
entre Leste e Oeste. A presente revolta em nossos dias não está
primariamente preocupada com mudança nas estruturas políticas
ou econômicas mas em atacar frontalmente a auto-alienação
humana.
A sociedade alternativa que é a forma desta revolta ocorreu em grande
parte instintivamente. Dois séculos de revoluções
esvaziaram as opções. Não havia porque repetir tudo
novamente.
Não foi por acaso que a ecologia ficou tão popular nessa
conjuntura. O homem não apenas está destruindo o planeta
em que vive, ele está caminhando em direção à
extinção de sua própria espécie corroendo
seu meio ambiente e reduzindo todo empreendimento empresarial à
forma de uma indústria extrativa. A raça humana é
um determinado tipo de espécie, desenvolveu-se em um ambiente específico,
com específicas relações internas de homens para
homens, e externamente com outras espécies. Se esta situação
não tivesse existido, a raça humana não teria evoluído,
nem teria continuado dentro de um estreito range de modificação,
o homem seria extinto. A presente relação do homem com seu
meio ambiente e do homem com o homem desviou-se tanto do ótimo
necessário para a evolução das espécies que
a humanidade certamente não sobreviverá. Diante de tal situação
uma demanda para um reajustamento é tão instintiva quanto
a reação de um animal invertebrado diante de um choque elétrico.
Isto é o que todas as escolas e tendências libertárias
de tradição comunal tem em comum, uma ênfase primária
do homem como sócio de uma comunidade orgânica, um biota,
um ser criativo, uma relação de não-exploração
para com seus companheiros e seu meio ambiente. Os anarco-comunistas Élisée
Reclus e Peter Kropotkin foram ambos geógrafos e, não por
acaso, eles também foram os fundadores da ciência da ecologia.
Pelo século XVIII o homem teve que colaborar com seu meio ambiente
para poder sobreviver. O desaparecimento dos grandes mamíferos,
que floresceram até o final da Idade do Gelo, foi provocado por
caçadores humanos, e resta uma porção bastante reduzida
de biota; o desflorestamento, a agricultura de queimada, a salgadura de
terras irrigadas destruíram civilizações inteiras.
Com o início da era industrial e científica o empreendimento empresarial
cada vez mais tendeu a tratar o planeta como uma mina em vez de uma fazenda,
e a tratar recursos humanos da mesma maneira. É agora óbvio que se a raça
humana continuar neste curso não durará nem mesmo além o fim do século.
O funcionamento do sistema econômico produziu, em termos puramente
marxistas, muitos fenômenos comunalistas e anarquistas. O fenômeno
mais óbvio é o tremendo crescimento em todo mundo Ocidental
da própria vida comunal. Com a inflação escorregadia
da moribunda economia keynesiana, milhares de jovens, particularmente
jovens com crianças, diante da impossibilidade de preservar o padrão
de vida que usufruíam em uma sociedade abastada de classe-média,
viram nas pequenas comunas o modo único de escapar da real pobreza.
Enquanto isso, aquele estilo de vida típico das casas imponentes,
dos apartamentos de doze quartos, cessou, e estes locais estão
sendo ocupados por grupos que dividem despesas e responsabilidades
sempre movendo-se à frente daqueles que destroem sua qualidade
de vida. A vida urbana tornou-se muito cara, irresponsável e imunda
como também perigosa na medida em que o dinheiro
arrecadado pelos impostos vai cada vez mais para a guerra em vez de para
a vida da comunidade, mais e mais pessoas fogem da cidade fixando-se em
comunas rurais no velho estilo das fazendas entre sessenta e duzentos
acres, que não mais conseguem competir com a agricultura industrializada.
Essas coisas ficam mais claras quando estabelecemos uma relação
entre as duas economias e aquilo que Engels chamava de "superestrutura".
É verdade que tais comunas são, em certo sentido, parasitas
humanos diante de uma sociedade dominante desumana, de qualquer forma
assume-se que tais comunidades rurais podem sobreviver quando a sociedade
dominante entrar em colapso pelo caos e pela guerra nuclear. Para serem
economicamente independentes as comunas teriam que desenvolver uma economia
própria ao mesmo tempo em que dão as costas à economia
dominante centralizada. Isso requer uma modificação completa
no padrão de vida, a adoção de uma escala de valores
completamente diferente. Essas coisas, naturalmente, acontecem lentamente.
A maior parte dos problemas enfrentados pela sociedade alternativa tem
sido discutidos teoricamente em algum lugar da tradição
libertária. Friedrich Engels estabeleceu o contraste Socialismo
Utópico e Científico. O socialismo científico
de Marx e Engels pretendiam demonstrar matematicamente que a revolução
socialista era inevitável e que o dever do revolucionário
era colaborar com a história e nunca perguntar onde, quando, por
que, como, ou o que. Qualquer tentativa de responder tais perguntas era
utopia. Mas a história continuou repetindo as mesmas
coisas de sempre, inclusive algo que deram o nome de socialismo. Na medida
em que não responde, a priori, às questões fundamentais.
Na medida em que não possui um plano pelo qual a nova sociedade
emergirá, o marxismo em muito se assemelha a um cão que
gira em torno de si mesmo tentando morder o próprio rabo. Hoje
sabemos que apenas a criação de novos arranjos sociais evitará
o desastre que se aproxima. É utopia ou catástrofe.
Com a tecnologia movendo-se além do ponto crítico, o ponto
em que a quantidade vira em qualidade, o ponto em que a água vira
vapor, a vida torna-se cada vez mais incompatível com as estruturas
sociais vigentes, especialmente estruturas de poder como a exploração
financeira e industrial do século XIX. Essa mesma espécie
de contradição entre as formas sociais e econômicas
ocorreram durante o século XVIII e no início do século
XIX quando o método capitalista de exploração explodiu
as crostas feudais e mercantis. Contudo a tendência do sistema capitalista
e do Estado é de usar a revolução tecnológica
para uma maior concentração industrial, administrativa,
política, uma direção diametralmente oposta aos apelos
por mudança. As vastas áreas da economia constituem um campo
fértil para o início de um arranjo radical e para a descentralização
da produção. A força de trabalho, no sentido da energia
muscular bruta, perdeu sua importância; é muito questionável
a possibilidade de se construir hoje um modelo de teoria econômica
onde, como na economia de Marx e Ricardo, a força do trabalho naquele
sentido seja uma base ou até mesmo uma fonte primária de
valor.
Se a meta da produção fosse voltada para a vida e não
para o lucro, seria perfeitamente possível começar imediatamente
a fazer tipos de trabalhos cada vez mais fáceis, interessantes
e criativos. Já é notório que certo tipo de trabalho
monótono linha de produção de automóveis,
mineração antiquada, e daí por diante provocam
desarranjos morais, tanto que em alguns locais tornou-se difícil
recrutar mão-de-obra adequada para tocar a produção.
O uso de drogas em Detroit é quase tão comum como foi no
Vietnã e por razões semelhantes a rejeição
a um modo intolerável de vida.
A demanda por mudanças no modo de vida faz uma contínua
pressão contra o bloco das estruturas sociais obsoletas e, quando
as estruturas do poder permitem, tais estruturas acabam subvertidas e
quebradas. Os arranjos econômicos peculiares ao século XIX
e início do século XX tornaram-se obsoletos como o dente
da engrenagem na maquinaria da produção. (As coisas estavam
começando a ficar assim quando Ibsen escreveu A Casa das Bonecas).
Os atuais sistemas políticos, econômicos e religiosos não
oferecem nenhuma alternativa significante. Como resultado, ocorre uma
revolução sexual que ultrapassa os sonhos das mais selvagens
feministas e dos livres amantes do velho movimento anarquista. Vinte anos
atrás um amigo observou: Há uma Emma Goldman em cada
carro estacionado na beira da praia durante a noite. A demanda hoje
não é por relações casuais e promíscuas,
mas por relações que proporcionem uma nova espécie
de significação pessoal e interpessoal. Na medida em que
essas relações se tornam comuns elas atuam no sentido de
modificar profundamente as estruturas sociais. Não faz muito tempo
o estilo de vida anarquista era limitado por uma minúscula minoria
de boêmios revolucionários e autodidatas. A boemia é
a subcultura do alienado. Desconhecida nas sociedades anteriores, ela
cresceu com o próprio capitalismo. William Blake, William Godwin
e seus grupos são mais ou menos contemporâneos da Revolução
Francesa e do começo da era industrial. Havia comentários
de que a boemia era uma utopia parasitária cujos praticantes agiam
como se a revolução tivesse acabado; e também, de
que os boêmios desprezavam as necessidades dos pobres para curtir
a luxúria dos ricos. Isso significa que desde o começo do
capitalismo, secretamente, como uma espécie de subproduto natural,
uma pequena, vagarosa e crescente classe de pessoas pouco a pouco passou
a rejeitar sua alienação e ausência de significado
na vida. Mesmo nos difíceis dias da primitiva acumulação
de capital, o sistema era tão ineficiente que era possível
viver um tipo diferente de vida em seus interstícios, se a pessoa
tivesse sorte, boa formação, normalmente autodidata, mesmo
nascendo sob um nível de pobreza medonha. Hoje aqueles interstícios
se espalharam por toda parte na forma de uma sociedade afluente. O fato
é que milhares de pessoas puderam abandonar a economia capitalista
industrial para viver fabricando panelas, trabalhando couro, ou tocando
violão. Embora essas coisas possam parecer triviais, elas não
são. O problema é reorganizar a economia de forma que os
automóveis passem a ser produzidos da mesma forma.
Hoje todo mundo sabe que uma guerra mais ampla resultaria na exterminação
da raça humana, não obstante a possibilidade de que algum
desses atuais sistemas políticos e econômicos imponham essa
guerra é algo que eventualmente pode ocorrer. Os dois maiores conflitos
desde a Segunda Guerra Mundial, na Coreia e Vietnã, mergulharam
em um completo colapso moral. Mesmo sem guerra os sistemas econômicos
e políticos produzem o mesmo tipo de desmoralização.
Os sintomas de um colapso da civilização estão em
toda parte e aparecem em cada um de nós, tais sintomas são
mais pronunciados do que o foram durante os últimos anos do Império
Romano. Contudo nem todos esses sintomas são necessariamente patológicos.
O mundo contemporâneo está se rompendo através de
duas tendências contrarias uma aponta para a morte social,
e a outra aponta para o nascimento de uma nova sociedade. Muitos dos fenômenos
da presente crise são ambivalentes e podem tanto significar morte
como nascimento dependendo de como a crise se resolverá.
A crise de uma civilização é um fenômeno de
massa que avança sem benefício da ideologia. A demanda por
liberdade, comunidade, significado de vida, ataque à alienação,
é largamente instintivo e marcante. No movimento revolucionário
libertário tais objetivos são ideológicos, confinados
a livros, ou percebidos com dificuldade, usualmente apenas temporariamente
em pequenas comunidades experimentais, ou em vidas individuais em um minúsculo
círculo social. A onda revolucionária contemporânea
afirma que se trata de uma revolução sem teoria, e anti-ideológica.
Mas a teoria, a ideologia, já existe em uma tradição
tão velha quanto o próprio capitalismo. Além disso,
da mesma maneira que indivíduos especialmente talentosos podem
viver vidas livres nos interstícios de um sistema explorativo e
competitivo, nos períodos quando o sistema capitalista em desenvolvimento
temporária e localmente entram em pane devido ao arraste de formas
desgastadas, existem breves e revolucionárias luas de mel nas quais
as organizações comunais mais livres acabam prevalecendo.
Sempre que a estrutura do poder hesita ou falha a tendência geral
é substituí-la pelo livre comunismo. Esta é quase
uma lei na revolução. Até onde podemos ver, no momento
crítico ou surge uma velha estrutura de poder como ocorreu na Comuna
de Paris ou na Revolução Espanhola, ou surge uma nova estrutura
de poder, como ocorreu na Revolução Francesa e na Revolução
Bolchevique, estruturas de poder que acabam suprimindo as livres sociedades
revolucionárias pelo terror e pelo derramamento de sangue.
A idéia de que o homem primitivo passou uma longa fase de comunismo
primitivo nada tem a ver com Marx e Engels, Lewis Morgan, Tylor, nem com
antropólogos influenciados por Darwin no século XIX. Tais
idéias são compartilhadas por todos os historiadores clássicos
desde a Grécia até a China e é parte da história
da mitologia da maior parte das culturas. Isto é bem patente. Um
povo que caça-e-colhe não pode ser outra coisa senão
comunista. Até mesmo nos ambientes mais favoráveis a terra
pode suportar apenas um diminuto número de pessoas em qualquer
grupo que vive apenas daquilo que a natureza pode oferecer. A divisão
do trabalho é mínima caça para o homem, coleta
para a mulher. Alguns homens puderam se especializar lascando pederneiras;
algumas mulheres puderam se especializar trabalhando peles. Em um pequeno
bando, aqui e ali um indivíduo pode ter experiências religiosas
mais intensas do que outros.
Eventualmente alguns destes primitivos especialistas podem ter se tornado
conhecidos pelo seu grande talento em determinadas áreas. Há
provas arqueológicas de uma "fábrica de pederneira"
paleolítica na forma de grandes amontoados de fatias e rejeitos,
com o comércio de pederneiras cobrindo longas distancias. É
improvável que as extensas pinturas em cavernas como Lascaux ou
Altamira interessavam apenas às poucas pessoas da localidade. Presumivelmente
eram centros religiosos para os quais muitos bandos afluíam vindos
de um vasto território. Também é difícil acreditar
que o alto grau de habilidade demonstrado em muitas pinturas nas cavernas
paleolíticas não seja resultado de especialização.
Altamira e Lascaux foram pintadas por artistas. É verdade, naturalmente,
que as pessoas na Idade da Pedra mostram um talento artístico difuso
semelhante ao das crianças do jardim da infância. É
a especialização exigida pela sociedade que destrói
a resposta estética e a habilidade artística.
Há uma limitada porém possível divisão do
trabalho em uma sociedade composta por caçadores e coletores, para
sobreviver nenhum indivíduo precisa ser especializado. As mulheres
que juntam bolbos precisam ser capazes de contender com qualquer animal,
herbívoro ou carnívoro, que encontrarem; e é evidente
que os artistas de Altamira possuíam um completo conhecimento anatômico
dos animais que pintavam. Em uma sociedade de caçadores e coletores
é impossível acumular muito excesso. Os restos de mamíferos
apodreciam antes que pudessem ser comidos. Os roedores atacavam o estoque
de raízes e o depósito de grãos não
temos nenhuma evidência arqueológica de celeiros de grãos
e outros métodos de estocagem antes dos advento da "agricultura
incipiente".
Em tal sociedade é impossível o surgimento de uma estrutura
de classes. Embora seja uma suposição não comprovada,
os atuais caçadores e coletores seriam exatamente como seus e nossos
ancestrais paleolíticos, embora a ecologia seja determinativa
a forma determina a função. Eles são sem exceçãocomunísticos;
não poderiam ser outra coisa.
Até poucos anos os arqueólogos não estavam bem familiarizados
com estudos antropológicos sobre caçadores e coletores
remanescentes. A maioria deles vivem até hoje surpreendentemente
bem mesmo tendo que trabalhar bem pouco uma das razões por
que se recusam ser civilizados. Isto continua sendo verdade embora tenham
tendo sido segregados em terras que ninguém quer no Bushmen
no deserto de Kalahari na África; nos blackfellows nos desertos
da Austrália Central, nas densas selvas no Noroeste da Austrália;
ou em regiões selvagens da Malásia, Índia, Ceilão,
América do Sul, e outras partes da África. Muito frequentemente
eles vivem ao lado de pessoas que praticam a agricultura de queimada;
os caçadores e coletores parecem ter se adaptado às mais
variadas dietas.
John Muir estima que as nozes píneas do pinheiro [pinhão]
nas florestas abertas do declive ocidental das Sierras rendem mais
calorias por acre do que o milho do Iraque. Na Califórnia,
a oeste das Sierras, a colheita de grãos, raízes,
sementes, cascas, e pequenos animais, principalmente coelhos, sustentam
a população índia mais densa do continente. Várias
tribos que tinham praticado caça ou agricultura em larga escala,
abandonaram esse costume quando depararam com a abundância natural
da Califórnia. A maior parte desse presente da natureza desapareceu,
destruído pelas pastagens modernas e pela agricultura. O altamente
nutritivo bolbo de camas cujas flores inundavam como lagos as pradarias
do oeste, e as sementes selvagens ricas em proteína que brotavam
como grama natural, ambas se perderam para sempre, mas ainda hoje seria
perfeitamente possível a uma família de cinco pessoas viver
pescando, colhendo frutos e semente de algumas árvores e plantas
selvagens.
Alimentos naturais eram abundantes em quase todas as florestas decíduas
da América Oriental e Europa do Norte, foi por isso que a dependência
exclusiva da agricultura chegou mais tarde nessas áreas. Esse viver
da floresta produziu uma estrutura de poder peculiar. Na Califórnia,
o poder simplesmente se dissolvia diante da abundância do que era
oferecido pela natureza. Nas florestas decíduas, o poder foi firmado
através da organização da guerra como um esporte
e da exploração das pessoas que trabalhavam na agricultura
-- as mulheres. Os homens eram caçadores e guerreiros forçando
um estilo de vida que era uma espécie de revivificação
dos grandes caçadores paleolíticos. As mulheres eram coletoras,
fabricavam cestas, vasos de barro, roupas de peles, colhiam frutas e sementes,
e plantavam, permanecendo como zeladoras e construtoras quando o acampamento
era estabelecido. A conquista da Europa civilizada por pessoas com um
background de floresta estabeleceu esta ética, especialmente
entre as classes dominantes, e que permanece até hoje.
Paleolítico e neolítico são termos superados; mas
uma coisa que não é muito notada é que ferramentas
de pedra lascada eram em geral melhores para o trabalho que efetuavam
do que as ferramentas de pedra polida, de forma que a pedra lascada, para
muitos propósitos, sobreviveu durante durante a era neolítica.
A pedra polida veio com a agricultura (pedra lascada amolada é
melhor para capinar) e com o uso de uma gama maior de pedras, especialmente
oriundas de rochas duras e metamorficas como o quartzo que não
tem uma quebra regular.
A estratificação social na economia das primitivas aldeias
agrícolas ia até onde o braço podia alcançar.
O líder da guerra, ou chamã, estava imerso na comunidade
ou sujeito a ela. Apenas com a sistematização da agricultura
em larga escala, irrigação, a revolução urbana,
a especialização, as castas, as classes ficaram mais distantes
umas das outras.
Uma típica comunidade agrícola primitiva foi Jarmo na extremidade
do planalto persa, com vinte e cinco casas pequenas, e possivelmente cento
e cinquenta pessoas. Jerico, porém, um oásis no deserto
palestino, parece ter se urbanizado antes mesmo de desenvolver sua agricultura.
Nos vales da planície mesopotamia, as estratificações
sociais, classes, e status, surgem na transição de aldeia
para cidade, contemporânea da irrigação sistemática
em pequena escala, do beneficiamento de cereais, da lã de ovelhas
(ou seja, do deliberado cultivo de plantas e procriação
de animais domésticas), do arado, que logo passou a ser tracionado
pelo boi; mas as cidades ainda eram amplamente distantes umas das outras.
Com a irrigação em larga escala e a criação
das cidades o homem interrompeu seu equilíbrio ecológico
com o biota. Esse desequilíbrio torna-se aparente com o surgimento
de ervas daninhas e da salgatura típica da terra irrigada. Isto
resultou em uma dinâmica política na qual a vida se tornou
mais "antinatural" em suas relações internas e
externas.
Pequenas e grandes cidades se desenvolveram em terras férteis
com o surgimento das novas tecnologias na planície mesopotâmica.
Nos vales aos pés das montanhas as velhas aldeias preservaram seu
antigo modo de vida. Antes de 4000 A.C. a vida nas aldeias no Próximo
e Médio Oriente manteve-se intocada em toda sua essência
até meados do século XX. O Estado permaneceria uma realidade
distante, o único papel que exercia na vida da aldeia era associado
à violência à guerra, à coleta de impostos,
e mais raramente, à perseguição de um grande criminoso.
Na Europa a "religião megalítica" que produziu
monumentos como Stonehenge parece ter precedido a ereção
das cidades. A decídua cultura da queimada produziu uma
classe sacerdotal e um culto que se difundiu no contexto de um nível
tecnologicamente mais primitivo que o mundo mediterrâneo, conforme
testemunha a história da civilização maia.
Na aldeia, a vida religiosa assumia a forma de atividade grupal na qual
toda a comunidade participava: ritos da semeadura e de colheita, matrimônios
nos campos, estátuas de deusas mãe com caracteres
sexuais exagerados nos santuários domésticos. O crescimento
da religião nas cidades trouxe consigo um culto cerimonial no qual
a povo participa como espectador ou, na melhor das hipóteses, como
participante de uma procissão.
O excedente agrícola permitiu o desenvolvimento de especialistas
artesanais. Nos primitivos estados sacerdotais da Mesopotâmia encontramos
registros de comunidades altamente organizadas pastores, artesãos,
trabalhadores rurais, escribas todos unidos em uma espécie
de sindicalismo religioso. Eventualmente os pastores e guerreiros tiravam
proveito do aumento dessa especialização para desenvolver
uma rígida estrutura de castas escamoteada por artes imaginárias,
supostamente vitais à sobrevivência, com o intuito de forçar
o camponês a contribuir com mais trabalho para manter esta superestrutura.
Esta foi a gênese da alienação: o trabalho para uma
autoridade distante e o trabalho não remunerado. Mas esta alienação
logo foi exacerbada por sanções patrióticas e sobrenaturais.
A industrialização trouxe consigo o mais elevado grau de
alienação em toda a história humana, superando até
mesmo a escravidão. Os resultados desse trabalho permaneceram claramente
visíveis. O modo camponês de vida sempre produziu bens tangíveis
a partir de seu contato íntimo com a natureza. Na medida em que
os resultados do trabalho são visíveis, o trabalho preserva
alguma criatividade e não é psicologicamente destrutivo.
Claro que os artesãos e escribas primitivos não foram afetados
por esta alienação primitiva, bem pelo contrário,
temos uma abundante literatura louvando seu modo de vida.
Na medida em que a agricultura se desenvolvia e se tornava o principal
meio de sustento, começaram a surgir grandes edificações,
conforme podemos ver em algumas das ruínas no planalto do Iraque
e Irã. Algumas dessas edificações, de até
cinco metros de altura, continham dormitórios familiares típicos
das grandes casas iraquianas. Em outras edificações a ausência
desses dormitórios sugere que eram utilizadas como local de assembleia
ou templos primitivos, embora não tivessem altares. Alguns possuem
um único grande cômodo que podem ter sido utilizados como
espaço para jantares comunais.
Tanto quanto podemos saber, e a julgar pelas evidências fornecidas
por sociedades agrícolas primitivas, como de Jericó e do
planalto persa, por exemplo, a vida deve ter sido tão comunista
como entre caçadores e coletores. A revolução
neolítica agricultura, domesticação de animais
e plantas, tecelagem, cerâmica, ferramentas de pedra polida e armas,
comunidades sedentárias de aldeias alterou profundamente
a vida. As provas arqueológicas apontam no sentido de que a divisão
do trabalho e a estrutura de classe foram ligeiramente mais marcantes
naquele tempo do que na era paleolítica. A comunidade ainda era
pequena; a estrutura ainda era comunalística; mas a produção
de um excedente exigia um maior grau de especialização.
No local onde tais sociedades existiram ainda encontramos, nos tempos
modernos, oleiros, tecelões, mágicos, curandeiros, ferramenteiros,
e às vezes, especialmente na África, artistas profissionais.
Mas não encontramos indivíduos que vivem do poder que exercem
sobre seus companheiros. A exploração do homem pelo Estado
e do homem pelo homem ocorreu ao mesmo tempo que a segunda revolução,
a revolução urbana o desenvolvimento das cidades
e da agricultura em extensas regiões. Reis, padres, e uma casta
de comerciantes, surgiram ao mesmo tempo que os primeiros conglomerados
urbanos, as pequenas cidades, guerreando com exércitos organizados,
irrigando em larga escala, e em seguida, escrevendo.
Acredito que as civilizações do final da era neolítica
e da Idade do Bronze estivessem bem distantes da prática do comunismo
primitivo. De fato, a maioria deles praticava aquilo que nós chamamos
hoje de Estado socialista. Este termo é muitas vezes aplicado
à civilização Inca do Peru. Aquilo que poderia ser
chamado de mito da civilização chinesa, e não
apenas de confucionismo, representa todo aquele universo de discursos
onde a teoria político-econômica chinesa operou desde os
primórdios até os presentes dias, ou seja, traduzindo em
termos ocidentais, certamente chamaríamos essa teoria político-econômica
de socialismo Estatal.
As sociedades comunistas sobreviveram bem à revolução
neolítica tanto historicamente como entre as pessoas naquela fase
de desenvolvimento em nossos dias. Os mais imediatamente óbvios
são os povos indígenas do sudeste da América do Norte.
São povos que falam as mais variadas linguagens, com diferentes
antecedentes históricos, e que estão situados dentro de
zonas de radiação de civilizações altamente
estruturadas do planalto mexicano. Compartilhando uma vida comunal apaixonadamente
vigiada, eles conseguiram resguardá-la até hoje das arremetidas
missionárias espanholas e dos livre empreendedores dos Estados
Unidos. Em alguns povos a ética comunal é mais aparente
do que em outros. O povo zuni pode perfeitamente ser o povo mais
homogêneo da face da terra. Algumas comunidades de Pueblo estão
sendo envolvidas pela civilização americana transformando-se
em uma espécie de grande jardim zoológico humano para turistas;
enquanto que outras entraram em um processo de desintegração
total. Mesmo onde a vida econômica da comunidade foi em grande parte
americanizada, ainda é a comunidade com seus conselhos e comitês
que se autogoverna, embora plena de conflitos entre o velho e o novo.
O mesmo ocorre com a vida religiosa das comunidades de Pueblo que
não são controladas por castas de padres ou pastores, onde
a vida religiosa permanece nas mãos de grupos sancionados pelas
tradições, ou pelo menos pertencentes à própria
comunidade.
É bem provável que foram fraternidades religiosas como
das comunidades de Pueblo que fizeram a transição
para o monasticismo que encontramos na maioria das cidades e civilizações
fundadas no sistema de nação-estado. A ordem monástica
é por definição uma sociedade religiosa comunista,
normalmente autoritária. Sabemos que houveram tais sociedades na
civilização egípcia; houveram milhares do que chamaríamos
de monges em grandes centros como Heliópolis, nas civilizações
asteca, maia, e peruviana do Novo Mundo, assim como na Mesopotâmia
pelo menos depois dos sumérios, e naturalmente, na Índia.
A única grande civilização onde o monastismo parece
não ter surgido foi a chinesa antes do budismo. A vida entre os
servos nos templos na Palestina pré-exílica provavelmente
foi organizada com base em princípios monásticos.
A coisa notável é que nós não sabemos quase
nada destas comunidades. Até mesmo o Egito com sua enorme quantidade
de registros sobreviventes nos proporciona uma pequena evidencia direta.
Nossa evidência vem de Herodotus e de historiadores gregos e romanos.
Não sabemos quase nada sobre os druídas. Há
uma disputa sobre se de fato existiram enquanto irmandade religiosa organizada.
A vida e os ensinamentos do monasticismo primitivo provem de ocultistas,
pelo menos em sua maior parte. Provavelmente foi propositadamente dificultado
o acesso da comunidade a tais documentos. Seu modo de vida e seus ensinamentos
eram mantidos em segredo, fora do acesso da população em
geral, funcionando como um tipo de "civilização hidráulica",
usando o termo de Wittvogel, como parte integrante do aparato Estatal.
Na Grécia e no Israel pós-exílico tais comunidades
eram tão ocultistas quanto alienadas, pelo menos em relação
aos propósitos de suas classes dominantes. A primitiva irmandade
pitagoreana ultimamente vem sendo amortalhada na condição
de lenda helenística neo-pitagoreana e neo-platonística.
Contudo, aparentemente existem poucos fatos determinantes. Os primitivos
seguidores de Pitágoras parecem ter sido uma comunidade monástica
não-celibatária dedicada ao estudo primitivo da ciência,
especialmente o misticismo matemático, sem nenhuma ligação
com crenças, mitos e cultos da religião ordinária
grega, estruturada em castas. Na verdade, tratava-se de uma teoria comunalística
da sociedade que sobreviveu de uma forma altamente modificada na República
de Platão. No princípio, aparentemente, eles não
tomaram parte na vida política usual das comunidades onde viviam
na Magna Graeca, na sola da bota italiana. O famoso fragmento atribuído
a Pitágoras, infelizes, absolutamente infelizes, com suas
mãos cheias de feijões!', provavelmente não
se refere à dieta, mas à política democrática
o cidadão grego votava sim ou não utilizando
punhados de feijões brancos e pretos. Com o passar do tempo a irmandade
pitagoreana tornou-se política passando a controlar várias
cidades, mais notavelmente Cortona e Metapontum. Eventualmente as pessoas
se revoltavam contra eles e eram massacrados. O quanto disso tudo é
história ou lenda, é impossível dizer; mas é
quase impossível que em poucos anos e em tão poucas comunidades,
uma política tão vaga como a República de
Platão, por mais simples que tenha sido, tenha sido colocada em
prática.
Até recentes anos nosso conhecimento de grupos comunistas religiosos
no período clássico era bastante limitado. Não sabemos
quase nada sobre a vida dos monges dos templos egípcios embora
seja certo que o poder dos sacerdócios organizados era tão
grande como o dos faraós, notavelmente no sacerdócio de
Amon na 18a. Dinastia do século XVI A.C., que dominou o trono,
chegando a superar os faraós em poderio. O famoso "rei herege",
Ihknaton, foi mais um rebelde contra o sacerdócio de Amon do que
um monoteista. Nada se sabe sobre as vidas das várias irmandades
religiosas gregas, romanas ou persas. A maior parte das informações
que temos é sobre os essênios, o culto religioso comunista,
e o movimento monástico entre os judeus; mas tais informações
vão pouco além de breves descrições por parte
de Philo, Josephus, e Plínio. Com a descoberta dos manuscritos
do Mar Morto, e das comunidades do Qumran nas colinas do deserto na região
do Mar Morto, certamente os mesmos essênios descritos por Philo,
nós podemos formar um quadro bem claro da vida de uma seita religiosa
comunista ao redor do começo da era cristã. Do ponto de
vista antropológico a característica mais marcante na vida
dessas comunidades é que ela foi um retorno altamente ritualizado
à vida comunitária das aldeias primitivas, uma revolta consciente
contra a vida na cidade, mesmo em cidade pequena. Outra característica
foi sua estrutura de templo sacerdotal e de realeza militarista.
Os breves materiais providos por Plínio, Josephus, e Philo, com
algum eco mas com pouca referência aos pais da Igreja, deram base
a uma imensa estrutura de especulação, particularmente no
século XIX, por parte de escritores influenciados por grandes críticos
da Bíblia e pelo Protestantismo Liberal. Supunha-se que os essênios
tinham sido budistas, magi, pitagoreanos, ou membros de um secreto,
eremítico, culto egípcio. Foi levantada a hipótese
de que Jesus era um essênio; e até mesmo João Batista.
Considerando que esses três autores clássicos eram comumente
estudados pelos teólogos e leigos religiosos da Renascença,
o quadro que eles pintam sobre o estilo de vida dos essênios provavelmente
exerceu uma considerável influencia no modo de vida das seitas
mais letradas, as seitas mais estritamente pietistas. No século
XIX, as especulações mais equilibradas sobre as relações
entre os essênios, João, Jesus, e os cristãos primitivos
partiram de Ernest Renan. Suas idéias exerceram grande influência
na descrição do cristianismo primitivo defendida pela maioria
dos socialistas radicais depois da publicação de sua obra
Vida de Jesus.
Em 1947 sete rolos de papel de couro foram achados por pastores beduínos
nas proximidades da área descrita por Plínio. No curso dos
próximos dez anos, doze cavernas ao redor das ruínas de
uma base do Wadi Qumran produziram rolos e fragmentos em abundância
mais de quinhentos manuscritos a própria base foi
cuidadosamente escavada. A comunidade essência foi afastada do reino
da especulação e da fantasia. As descobertas incluíram
grandes partes e fragmentos de quase todos os livros do Velho Testamento,
apócrifos, escritos pseudoepigraficos, comentários, hinos,
textos apocalípticos e proféticos peculiares à seita,
e um extenso e detalhado Manual de Disciplina ou preceitos monásticos.
Em termos gerais foi confirmada a participação de três
autores clássicos na produção dos manuscritos. Com
duas importantes exceções, há variações
apenas nos detalhes. A primeira coisa a ser notada foi a grande quantidade
de esqueletos de mulheres no cemitério do Qumran. O que levanta
duas hipóteses, ou a seita não era celibatária, ou
fora dividida em uma ordem celibatária e um ajuntamento de de leigos
casados como os franciscanos. Entre os documentos da comunidade os arqueólogos
descobriram um grande número de jarros cuidadosamente enterrados
com ossos de ovelhas, cabras, gado, em seu interior, com cada animal enterrado
individualmente. Existem poucas dúvidas de que se trata de restos
de banquetes sacrificatórios da comunidade, de forma que a declaração
de Josephus foi compreendida como significando que os essênios rejeitaram
o culto sacrificatório do templo em Jerusalém e proveram
um local próprio para fazer isso (como os falasha da Etiópia
fazem hoje). Isto é importante porque significa que a comunidade
essênia não se considerava apenas uma seita judia mais rígida,
mas uma nova Jerusalém que substituiria a antiga.
Os rolos manuscritos e as escavações ampliam o quadro da
comunidade fornecido pelos autores clássicos de uma forma bem específica,
no geral e nas discordâncias menores. A comunidade era organizada
de acordo com uma ordem bastante rígida. Ao topo estava o denominado
Professor de Retidão, seguido pelos pastores e levitas,
e abaixo deles em graduações e postos, cada qual ocupava
seu lugar em uma elaborada estrutura hierárquica. Apesar desta
estrutura a comunidade compunha uma completa democracia. Em assuntos teológicos
a autoridade dos pastores parece ter sido absoluta, mas o conselho
administrativo consistia em doze leigos e três pastores,
padronizado no governo de Israel no deserto, as decisões deste
conselho estavam sujeito à reunião de toda comunidade na
qual cada homem tinha um voto. A teologia da comunidade era um tipo de
apocalipticismo, milenarismo, chialismo, uma rigorosa interpretação
escatológica da vida e da história.
A profecia apocalíptica tem sido chamada de profecia deteriorada.
Os livros proféticos do Velho Testamento visam o cumprimento do
propósito de Deus na história e o desenvolvimento normal
deste mundo. Os escritos apocalípticos do Velho e do Novo Testamento
e suas respectivas edições apócrifas apontam para
o fim da história, para o governo deste mundo, para o cataclismo,
para o advento de um reino sobremundano de Deus além da história.
O milenarismo é a convicção no advento deste reino
com o cumprimento dos tempos os mil anos mencionados em Apocalipse
20 durante os quais a santidade triunfará em todo o mundo, quando
Cristo, o Messias ungido, reinará na terra com seus santos. O chialismo
é a convicção em um reino teocrático, a crença
de que a presente comunidade de crentes deve modelar-se ao futuro reino.
Do ponto de vista escatológico todas as moralidades e éticas,
toda escala de valores, pessoais ou históricas, são orientadas
para, e organizadas para, a expectativa do cataclismo final, o julgamento
do mundo, o advento trans-histórico do reino.
Diante de uma expectativa imediata do apocalipse, as grandes posses,
estados, poder, ficam sem sentido quando o chiliasta, a comunidade
milenária, pratica um rígido compartilhamento de bens e
de pobreza voluntária. O trabalho é reduzido a suas condições
mais simples o labor agrícola da aldeia da primitiva comunidade,
seus necessários ofícios auxiliares, todas essas coisas
acabam facilitadas pela tecnologia tomada da classe dominante condenada
da sociedade. Estas três características da comunidade
essênia no Qumran certamente não tinham nada de original.
Muitos aspectos dessa teologia, a eminência da guerra dos Filhos
das Trevas contra os Filhos da Luz, por exemplo, são encontrados
na religião persa. Pelo que podemos concluir, cada vez mais nos
tornamos convictos de que o Qumran representou na realidade não
apenas a maior descoberta, mas a descoberta mais importante. A existência
de comunidades similares ao longo do Oriente Próximo durante o
curso da primitiva era cristã ainda é largamente especulativa.
Contudo, qualquer que sejam seus antecedentes, estas notáveis características
dos essênios permaneceriam dali em diante marcantes na quase totalidade
das seitas comunalistas. Estas práticas essênias foram, de
uma forma secularizada, perpetuadas nos movimentos revolucionários
do século XIX, utópicos, comunistas, anarquistas, e socialistas.
Philo de Alexandria, o (mais ou menos) filósofo judeu neoplatônico
em seus escritos nas primeiras décadas da era cristã, menciona
os essênios em seu livro Quod Omnis Probis Liber Sit e
em sua Apologia pro Judaeis. Suas obras posteriores se perderam
mas a passagem relativa aos essênios é citada por
Eusebius de Caesarea. Philo relata:
Os essênios são totalmente dedicados à adoração
de Deus. Eles não oferecem sacrifício animal. Eles fogem
das cidades e moram em aldeias. A maior parte deles trabalha nos campos.
Outros praticam ofícios leves. Eles não acumulam dinheiro,
nem compram e nem alugam terras. Eles vivem sem bens ou propriedade.
Eles nunca fabricam armas ou qualquer objeto que possa ser usado para
um mau propósito. Eles não se ocupam de nenhum comércio.
Eles não tem nenhum escravo e condenam a escravidão. Eles
evitam a metafísica, a lógica, e todas as filosofias,
exceto a ética que estudam nas leis divinas dadas aos seus ancestrais
judeus. Eles guardam o sétimo dia como santo sem fazer qualquer
trabalho dedicando esse dia a assembleias religiosas postados cada um
estritamente de acordo com sua posição, e ouvindo a exposição
de seus livros sagrados de acordo como o antigo sistema simbólico.
Eles estudam devoção, santidade, justiça, a sagrada
lei, e os preceitos de sua ordem, tudo conduzindo ao amor a Deus, à
virtude, e aos homens, para essa finalidade suas vidas estão
completamente devotadas. Eles recusam prestar juramentos e nunca mentem.
Eles acreditam que Deus é a causa única do bem, nunca
do mal. Eles tratam todos os homens com a mesma bondade e vivem juntos
de um modo comunal. Nenhum homem é dono da casa onde mora. Suas
casas estão sempre abertas aos membros visitantes. Eles mantêm
um fundo e uma provisão. Eles comem juntos em uma refeição
comum e guardam suas roupas em um depósito comum. Eles cuidam
do doente, do jovem, e do idoso.
Na mesma linha de Quod Omnis Probis Liber Sit. Em Apologia
pro Judaeis Philo acrescenta:
Eles vivem em várias cidades na Judéia e também
nas aldeias em grandes bandos. Não há nenhuma criança entre eles. [Isto
está em contradição com outra declaração dele]. A variedade de suas
ocupações os torna auto-suficientes. Aqueles que recebem
salários "no mundo" depositam seu dinheiro em um fundo
comum. Eles não se casam.
Philo termina esse tema com quatro parágrafos de diatribe
contra as mulheres, casamento, e crianças, que normalmente assume-se
como refletindo sua própria atitude, não a dos essênios.
Alguns parágrafos de sua narrativa aparentemente descrevem a vida
nas comunidades da ordem; outros parágrafos fazem referência
a elas, como ocorre com os franciscanos terciários que vivem no
mundo.
Em De Vita Contemplativa, que é duvidosamente atribuída
a Philo, ocorre uma descrição de uma comunidade egípcia
semelhante à dos essênios a comunidade de Therapeutae.
Eles viveram na Alexandria, cada membro em uma cabana separada, com uma
minúscula capela para oração, algo como o arranjo
de um cartusiano medieval, se encontravam ao amanhecer e ao pôr-do-sol
para oração na comunidade, e uma vez por dia para uma refeição
comum. Os membros mais ascéticos comiam apenas a cada dois dias,
e alguns apenas uma vez por semana. No Sabbath, eles se encontravam para
um serviço religioso mais extenso que incluía um sermão.
Nos principais feriados judeus, especialmente Pentecostes, eles começavam
no pôr-do-sol, na véspera da Semana Santa com uma ascética
mas cerimoniosa festa, um sermão, orações, declamação
de antífonas de salmos e cânticos de hinos (com os homens
separados das mulheres), e um coral dançante imitando Moisés
e Mírian no Mar Vermelho. No amanhecer eles pedem para que a Luz
da Verdade ilumine suas mentes, em seguida retornam aos seus solitários
recantos ao estudo e à contemplação.
Esta é a única passagem original de Therapeutae, e por
causa de sua semelhança com o primitivo monasticismo no deserto
egípcio, atraiu grande atenção dos primeiros escritores
cristãos, muitos dos quais acreditavam que Philo e Therapeutae
fossem cristãos da era apostólica. No século XIX
frequentemente eram comparados com os essênios, mas eles parecem
ter sido mais ascéticos, citadinos, e ter praticado uma mínima
parcela de vida comunitária. Se aceitarmos as descrições
de De Vita Contemplativa como genuínas essas comunidades
mencionadas seriam seitas monásticas comunais judaicas influenciadas
pela religião egípcia e pelas práticas das comunidades
de pastores e sacerdotisas nos grandes templos, especialmente no templo
de Heliópolis, uma vez que os essênios foram indubitavelmente
influenciados pela religião persa. Philo não diz como eles
ganhavam a vida. Isso implica em que se eles compartilhavam os bens em
comum, esses bens eram bem poucos, e viviam de esmolas. A luz e o sol
jogam um intenso papel nessa breve narrativa. Por exemplo, eles
cuidam das necessidades naturais apenas sob a sombra para não
ofender o sol. Esta ênfase conecta-os com possíveis rituais
tabus do templo Heliopolitano, e com as luzes metafísicas
de Philo, este conceito filosófico persa assombraria as seitas
comunalísticas mais místicas de nossos tempos. Pela
Luz, Ilumine, nas palavras do próprio Philo.
O historiador judeu Flavius Josephus escreveu As Guerras Judaicas
entre 70 e 75 A.D. Onde diz:
Os essênios são celibatários mas adotam crianças
e as conduzem para a ordem. Eles dão todas suas propriedades
à ordem e vivem uma vida comum sem pobreza ou riqueza. Eles consideram
o óleo como uma corrupção e não ungem seus
corpos. Eles sempre usam roupas brancas. Seus tesoureiros e outros oficiais
são eleitos por toda comunidade. Eles não compram nem
vendem entre si. Cada homem dá a quem precisa e recebe em troca
tudo aquilo que necessita. [De cada um de acordo com sua capacidade,
a cada um de acordo com sua necessidade]. Eles se levantam, oram pelo
amanhecer, trabalham até aproximadamente 11 da manhã,
tomam banho em água fria, vestem sua túnica, e participam
em seu almoço comunal de pão e um prato de comida. Antes
e após a refeição um pastor abençoa o alimento
e diz uma prece. Depois todos dão graças a Deus, guardam
as vestes que usaram para a refeição, por se tratar de
artigos sagrados de vestuário, [enfatiza Josephus] e trabalham
até o pôr-do-sol, e jantam da mesma maneira como fizeram
no almoço. A maior parte de suas ações é
regulamentada pelos seus administradores mas quando se trata de ajudar
e auxiliar outros é permitido a iniciativa individual. Eles não
prestam juramentos. Eles estudam seus livros antigos, ervas e minerais
que curam doenças. Um postulante à ordem espera por mais
de um ano para ser experimentado e testado. Se for aceito ele recebe
um hatchet, uma túnica, e um roupão branco [como na fraternidade
pitagoreana]. Durante dois anos ele participa de um noviciato, podendo
tomar parte nos ritos de purificação. Se ele passa este
período de teste ele é admitido na ordem, podendo participar
das refeições comuns, após jurar lealdade por toda
vida em uma solenidade de juramento. Quando culpado por faltas mais
sérias é expulso e, se insiste em seu juramento, morre
por falta de alimento. A justiça é exercida pela assembleia
de toda a comunidade, não menos do que cem participantes. Eles
não apenas não fazem qualquer trabalho no Sabbath; como
também não acendem fogo, não movimentam qualquer
objeto, nem vão ao banheiro. Usam suas machadinhas para cavar
uma latrina e transportam suas fezes cobertas com seus roupões.
Durante a guerra romana eles foram brutalmente torturados, mas aguentaram
impassíveis suas dores, recusando-se blasfemar ou comer alimento
proibido. Eles acreditam na imortalidade da alma, que os bons vão
para o céu e os maus para o inferno. Alguns deles, estudando
seus livros sagrados, tornaram-se especialistas em predizer o futuro.
Na forma de um adendo Josephus menciona que existem outras ordens de
essênios casados. Em Antiguidades Judias ele observa que
eles enviam ofertas ao templo em Jerusalém mas não tomam
parte nos sacrifícios que lá são feitos. Não
entram nos recintos do templo mas oferecem sacrifícios entre si.
Ele estima que há mais de quatro mil essênios vivendo a vida
em comum.
O décimo sétimo capítulo do quinto volume de A
História Natural de Plínio, o Ancião na tradução
de Philemon Holland feita em 1601 diz:
Along the west coast [of the Dead Sea] inhabite the Esseni. A nation
of all others throughout the world most admirable and wonderful. Women
they see none: carnall lust they know not: they handle no money: they
lead their life by themselves, and keepe companie onely with date trees.
Yet neverthelesse, the countrey is evermore well peopled, for that daily
numbers of straungers resort thither in great frequencie from other
parts: and namely, such as be wearie of this miserable life, are by
the surging waves of frowning fortune driven hither, to sort with them
in their manner of living. Thus for many thousand yeers (a thing incredible,
and yet most true) a people hath continued without any supply of newbreed
and generation. So mightily encrease they evermore, by the estate and
repentance of other men. Beneath them, stood sometime Engadda, for fertilitie
of soile and plentie of datetree groves, accounted the next citie in
all Iudaea, to Ierusalem. Now, they say, it serveth for a place onely
to interre their dead. Beyond it, there is a castle or fortresse situate
upon a rocke, and the same not farre from the lake of Sodome Asphatites.
And thus much as touching Iudaea.
Próximo às cavernas onde foram descobertos os rolos de
manuscritos do Mar Morto haviam extensos escombros, o Khirbet Qumran,
que embora visitados por arqueólogos nunca haviam sido explorados.
Em 1951 começaram escavações e logo ficou óbvio
que eles estavam descobrindo os edifícios da comunidade da seita
que tinha escondido os rolos de manuscritos. Não havia nenhum dormitório.
Os membros devem ter morado em barracas, cabanas e cavernas próximas.
Havia silos, armazéns, padaria, fábrica, cozinha, lavanderia,
sala de reuniões, potes de cerâmica, um elaborado sistema
hidráulico, um aqueduto vindo das proximidades do Wadi Qumran,
e cisternas que abasteciam tanques e piscinas de banho. A água
era o fator mais importante na vida da comunidade naquela terra desértica.
Havia um escritório onde seus livros sagrados eram compilados,
um espaço para assembleia e um refeitório para refeição
comum. Em 1956, duas milhas ao sul das escavações de Khirbet
Qumran, começaram novas escavações em Ain Feshkhah,
onde foi descoberto um centro agrícola onde aqueles que trabalhavam
nos campos, nos arvoredos de palma, cuidando dos rebanhos, viviam e trabalhavam.
Hoje podemos traçar um quadro mais claro da vida, crenças
e práticas de culto das comunidades Qumran mais do que qualquer
outra daquele distante passado.
É significante que os essênios tenham escolhido o local
de uma aldeia fortificada da primitiva Idade do Broze para iniciar uma
obra de irrigação arcaica. Eles estavam voltando à
vida de aldeia que precedera aos helenistas e até mesmo à
cultura hebraica. Uma volta às origens. O fim daquelas pessoas
era dramaticamente óbvio. Todos edifícios foram marcados
pelo fogo e demolidos a ferro pela Décima Legião Romana
que em 76-78 A.D. marchava pelo deserto exterminando sectários
judeus, pacifistas, essênios, e os guerreiros zelotes. Inúmeras
vezes os documentos do Qumran se referem ao Mestre de Retidão,
sua perseguição, e sua longa luta contra o Mau Pastor. Provavelmente
existe mais referencias a estas duas figuras nos rolos de manuscritos
do que a qualquer outra coisa. Teria sido este tal Mau Pastor o antigo
fundador da seita? Será que Mestre de Retidão representava
uma liderança da comunidade e o Mau Pastor simbolizava a hierarquia
do templo de Jerusalém o establishment? Seriam figuras
cosmogônicas e apocalípticas cuja guerra é travada
no céu? Provavelmente todas as três hipóteses são
verdadeiras, dependendo do texto em particular. Deveríamos nos
lembrar que não apenas a vida de Cristo é tratada deste
modo, como também há uma tendência geral por parte
do religioso judeu de pensar e projetar a história sobre a tela
dos céus. Uma coisa que o Professor de Retidão não
é: o Messias; e a longa discussão sobre se ele se antecipa
a Cristo ou é o próprio Jesus Cristo é inconcebível.
A elaborada estrutura hierárquica da comunidade do Qumran não
tipifica uma iniciação religiosa ou regulamentos de grupo.
É militar. O termo comum para "normas locais" e regulamentos
da comunidade é usualmente traduzido como normas de "campo".
O Khirbet Qumran com suas barracas e cabanas em torno dos edifícios
construídos sobre um velho forte não era apenas um acampamento
militar; tratava-se de um quartel general de um exército de salvação
engajado em uma guerra santa, uma guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos
das Trevas. Uma guerra em que cada homem exercia uma função
não um cargo de comando No momento do conflito final,
cada um saberia o que fazer. Essa ordenação militar
foi concebida como integrante e paralela às ordenações
das hostes celestes. É por isso que os nomes secretos dos anjos
fazem parte da iniciação do noviciado. A batalha estava
adentrando na eternidade, a comunidade estava aguardando o momento certo
para envolver o inimigo. A história chegaria a um termo com o triunfo
da guerra santa e o estabelecimento de um reino messiânico.
O caráter sacramental da refeição comunal como um
sinal físico externo de uma realidade espiritual interna, é
óbvia, mas difere radicalmente da Eucaristia Cristã, pelo
menos da forma em que aparece pela primeira vez no final do século
I D.C.. Trata-se de uma antecipação do banquete messiânico
que celebra a vitória na guerra santa e a inauguração
de um novo reino. A refeição começa com a bênção
do pão e do vinho ministrada por um pastor e por um administrador
secular que, segundo os textos litúrgicos, assume a figura do Pastor
Messias, o descendente de Arão, e o Rei Messias, o descendente
de Davi. Os Filhos da Luz, o exército vitorioso de Deus, estão
sentados à mesa, cada um em seu local. Esse cerimonial, duas vezes
por dia [durante as refeições], permite a cada membro da
comunidade viver o escaton, o fim dos tempos.
O acampamento militar do Qumran não era apenas o acampamento do
Exército do Futuro, era o acampamento do Exército do Passado,
de Israel no Deserto, e da conquista de Canaã. Aqui vemos novamente
uma dupla estrutura hierárquica associando Israel com o começo
da história, o tempo da Convenção e da Lei. O conselho
administrativo é modelado exatamente como no Êxodo, com seus
reis das doze tribos, e seus três supremos sacerdotes.
A história se repete, mas em um plano transcendente.
Muitas das discussões em cima dos documentos do Qumran são
geradas a partir do critério utilizado para traduzir termos chaves.
Algumas pessoas traduzem a palavra esah como comunidade.
Outros traduzem dupont-sommer como partido. O que lhes
permite falar em termos de Partido da Comunidade e de Conselhos
de Partidos, configurando uma óbvia distorção.
É como pegar a palavra soviete que significa conselho
e associa-la à versão bolchevique da Internacional:
A raça humana tomando a forma de uma internacional soviete.
Uma construção maluca, ou certamente mau intencionada.
O apocalipse é a profecia do desengano é verdadeira,
mas o que realmente ela significa? Significa que o apocalipticismo surge
quando as condições históricas se tornam apocalípticas,
quando as condições históricas chegam a um impasse,
quando desaparecem todas as opções, quando o ser humano
não vê outra coisa diante de si senão um abismo. O
essênios do Qumran não estavam equivocados. Embora a guerra
santa não viesse, tanto o velho como o novo Israel foram derrotados.
Uma nova tradição se estabeleceu e juntamente com ela um
novo modo de vida. Como disse Renan, o cristianismo foi um essenismo que
mais ou menos teve sucesso.
Desde que o cristianismo se tornou igreja, enquanto estrutura de poder,
os doutores da Igreja vem depreciando ou negando a natureza comunal do
cristianismo primitivo. Por outro lado, os radicais sociais muitas vezes
adotaram a visão de que havia íntimas conexões, ou
mesmo identidade, da igreja primitiva com os essênios. Um leitor
sem preconceitos, distante de toda essa controvérsia, lendo o Novo
Testamento pela primeira vez, certamente formaria a impressão de
que o cristianismo primitivo foi comunista e que sua "vida comunal"
permaneceu firme ao longo do ministério de Paulo, e se aprofundasse
sua pesquisa, concluiria que esse comunismo continuou ao longo do tempo
dos pais apostólicos. Estas narrativas de Atos são categóricas.
Atos 2.44-47:
"Todos os crentes se reuniam constantemente e repartiam tudo
uns com os outros, vendendo suas propriedades e dividindo com os que
tinham necessidade. Regularmente eles adoravam juntos no templo todos
os dias, reuniam-se em grupos pequenos nas casas para a Comunhão,
e participavam das suas refeições com grande alegria e
gratidão, louvando a Deus. A cidade inteira tinha simpatia por
eles, e cada dia o próprio Senhor acrescentava à igreja
todos os que estavam sendo salvos".
Atos 4.32-37 e 5.1-10:
"Todos os crentes eram um só na mente e no coração,
e ninguém pensava que aquilo que possuía era seu próprio;
todo mundo estava repartindo o que tinha. Os apóstolos pregavam
sermões poderosos sobre a ressurreição do Senhor
Jesus, e havia uma calorosa fraternidade entre todos os crentes. Não
havia pobreza -- pois todos os que possuíam terra, ou casas,
vendiam tudo e traziam o dinheiro para que os apóstolos dessem
aos outros em necessidade. Por exemplo, um deles foi José (aquele
que os apóstolos apelidaram de 'Barnabé, o Pregador'!
Era da tribo de Levi, e natural da ilha de Chipre). Ele, pois, vendeu
um campo que possuía e trouxe o dinheiro aos apóstolos".
"Porém, houve um homem chamado Ananias (com sua esposa
Safira) que vendeu uma certa propriedade, e trouxe somente uma parte
do dinheiro, afirmando que era o preço total (a esposa dele tinha
concordado com essa mentira). Mas Pedro disse: 'Ananias, Satanás
encheu seu coração. Por que você deixou? Quando
você afirmou que este era o preço total, estava mentindo
ao Espírito Santo. A propriedade era sua para vender ou não,
como quisesse. E depois de vendê-la, estava com você decidir
quanto ia dar. Como pôde inventar uma coisa destas? Não
estava mentido a nós, e sim a Deus'. Logo que Ananias ouviu estas
palavras, caiu morto no chão! Todo mundo ficou com medo. E os
mais jovens cobriram o morto com um lençol, levaram para fora
e sepultaram Ananias. Cerca de três horas depois entrou a esposa
dele, sem saber o que tinha acontecido. Pedro perguntou: 'Vocês
venderam aquela terra por este preço assim, assim?'. 'Sim', respondeu
ela, 'vendemos'. Então Pedro disse: 'como é que você
e seu marido puderam até mesmo pensar em fazer uma coisa destas
-- conspirar juntos para pôr à prova a capacidade do Espírito
de Deus de saber o que está acontecendo? Bem ali, do lado de
fora daquela porta, estão os rapazes que sepultaram o seu marido,
e levarão você também'. Imediatamente ela caiu morta
no chão; os jovens entraram, e ao ver que Safira tinha morrido,
carregaram o corpo para fora e sepultaram ao lado do marido".
Esta narrativa é completamente determinante porque constitui um
ponto crucial. Essa narrativa certamente não deixa nenhuma dúvida
de que a igreja apostólica foi de fato comunalista. Tanto a Carta
de Tiago como a Carta de Judas situam bem este contexto e é significante
que ambos documentos são dirigidos aos irmãos no Senhor.
Ao longo das várias cartas paulinas há inúmeras observações
que podem ser interpretadas como antagônicas à vida comunalista
da chamada Igreja de Jerusalém. Supõe-se que
Tiago, irmão de Jesus, tenha sido bispo dessa Igreja, ou segundo
documentos posteriores, "bispo dos bispos". Quando começaram
os ataques à celebração da Eucaristia como parte
de uma refeição comum de toda comunidade cristã,
a passagem chave foi I Corintios 11:20-22, na qual Paulo aparenta, ou
certamente sugere, rejeitar essa prática.
"Quando vocês se reúnem para comer, não
é a Ceia do Senhor que estão comendo. Mas sim a de vocês
mesmos. Disseram-me que cada um engole apressadamente toda a comida
que pode, sem esperar para repartir com os outros, de tal maneira que
um não consegue obter o suficiente e sai com fome, enquanto outro
tem demais para beber e até fica bêbado. Como é?
Isso é verdade realmente? Vocês não podem comer
e beber em casa, para evitar desmoralização para a igreja
e para não envergonhar aqueles que são pobres e não
podem levar nenhuma comida? Que esperam que eu diga a respeito dessas
coisas? Ora, é claro que não vou elogiá-los".
Esses primeiros hereges preservadores da vida comunal, os ebionitas
e os nazarenos, não apenas rejeitaram as epístolas
paulinas, como também reivindicaram uma continuidade das práticas
de Tiago, da Igreja de Jerusalém, e da vida judia, cumprindo a
Lei Velha como também a Nova, sendo frequentemente chamados de
essênios-cristãos. Ebionita significa homem
pobre, e o termo nazareno pode ter sido empregado referindo-se
a seitas semelhantes a dos essênios até mesmo antes do ministério
de Jesus.
Eusebius, Hippolitus, e Origen, que já haviam iniciado a eterialização
e a escatologia dos Evangelhos, observaram um extremo milenarismo nos
ebionitas. Aparentemente eles viveram em comunidades separadas
e, como os essênios, tomavam frequentes banhos de purificação.
As obras Sermões e Reconhecimentos embora pseudo-clementinas,
curiosamente expõem algumas de suas idéias. Séculos
depois os menonitas recorreriam a Sermões e Reconhecimentos
como primitivas autoridades cristãs que autenticavam a fé
que possuíam. Nós lemos sobre os antigos fundadores das
mais variadas seitas comunistas hereges mas não sabemos quase nada
a respeito delas. Contudo, aparentemente se destacam por provocar divisões
na Igreja não apenas em cima de questões doutrinárias
mas também pela rejeição ao seu mundanismo, e pelo
reavivamento do comunalismo da Igreja apostólica. Antes do surgimento
da Igreja Estatal de Constantino e da definição de seus
dogmas por concílios ecumênicos convocados pelo imperador,
essas seitas comunistas hereges atravessaram os séculos. Uma coisa
notável nos ebionitas é que eles sobreviveram enquanto
comunidade nas terras marginais do Oriente Próximo até serem
absorvidos ou aniquilados pelo Islã no século VII.
O comunismo na Igreja Ortodoxa se situou bem distante do homem laico,
tornando-se privilégio de monges, um comunismo monástico,
celibatário e autoritário. As comunidades monásticas
cristãs surgiram pela primeira vez nos desertos do Egito, e depois
na Síria, Palestina, e Sinai locais bem semelhantes ao das
comunidades essênias do Qumran e do therapeutae egípcio
descritas por Philo. Em termos toynbee tais comunidades monásticas
podem ser descritas como "evidentes sucessores" dos essenios.
Os primitivos monges ficaram conhecidos entre nós como ermitões
que não viviam em comunidades organizadas mas, conforme consta,
em bandos frouxamente associados na beira do deserto perto do Nilo e no
Baixo Egito. Curiosamente eles não parecem ter sido sempre celibatários.
Muitos deles, como a soror mystica, por exemplo, viviam em companhia
feminina. O que isso significa, nós não temos condições
de saber, mas essa prática sobreviveu na vida eremítica,
reaparecendo na antiga Igreja Irlandesa.
Consta que foi São Pachomius quem estabeleceu os primeiros monastérios
organizados no Alto Egito. Embora os primitivos bandos de ermitões
provavelmente tivessem alguma coisa parecida com uma comunidade, aparentemente
eles não viviam juntos, muito menos compartilhavam refeições,
trabalho, ou uma base de acordo comum. Todos estes fatores foram introduzidos
na vida monástica por Pachomius e suas fundações,
que eventualmente alcançou o número de sete mil pessoas
enquanto ele viveu. Todas as futuras ordens monásticas ortodoxas
surgiram a partir de Pachomius.
Um aspecto significante sobre São Pachomius foi ter sido um oficial
no exército de Constantino. O monasticismo organizado surge como
um reflexo da Igreja Estatal. Mesmo sob o imperador mais tolerante as
comunidades cristãs tinham interesses diametralmente opostos à
sociedade dominante. Os cristãos ainda aguardavam a Segunda Vinda.
Embora, com o passar dos anos, o chiliasmo extremista se extinguisse
diante do ortodoxismo, e o apocalipcismo passasse do imediato para o futuro
remoto, a Igreja ainda era a comunidade dos remanescentes que seria salva,
em todos seus valores antagonística àquela sociedade secular.
A vida apostólica era celebrada pela ligação de todos
os seus membros, todavia, o comunismo primitivo acabou relegado à
condição de simples ajuntamento de pessoas forçadas
a viver no mundo. A contínua insistência dos Evangelhos
à prática da caridade conduziu, em uma medida considerável,
ao comunismo de consumo. O monasticismo pré-constantiniano
foi simplesmente uma forma mais extremada de vida do que o cristianismo
ordinário. O fato de não serem governados por qualquer disciplina
comunal tendeu a empurrar aqueles ascetas a práticas cada vez mais
extremadas.
O advento de Constantino mudou não apenas a própria natureza
da Igreja, alterou completamente todo conceito de reino. A Igreja deixou
de ser um remanescente, passando a se auto-conceber enquanto apêndice
da própria sociedade. Seus bispos tornaram-se parte da estrutura
estatal. Suas disputas teológicas passaram a ser resolvidas por
conselhos de estado formados por funcionários nomeados pelo imperador.
Suas congregações se tornaram paróquias fixas em
determinado local, com seus bispos administrando um determinado território.
A organização apostólica e paulina de intervisitação,
correspondência, e missionários viajantes, cessara por completo.
A partir dali, em todos os futuros regulamentos monásticos haveriam
parágrafos condenando monges e pregadores vagantes. O contraste
é tão grande que é fácil ver porque os futuros
hereges e seitas protestantes passaram a encarar a Igreja estabelecida
como uma organização que visava suprimir o cristianismo,
e cuja cabeça imperador ou papa era o próprio
Anticristo.
A vida apostólica, segundo a Igreja estabelecida, era um concílio
de perfeição exclusivo para aqueles que possuíam
uma vocação especial os monges e as freiras. Futuramente,
o termo "religioso" seria aplicado apenas a eles, em distinção
aos laicos. O dinamismo da vida apostólica era tão grande
que se lhe fosse permitido correr solto na sociedade, ele logo derrubaria
a Igreja estabelecida, o império, ou qualquer instituição
política mundana, sendo necessário, portanto, o mais rápido
possível, isolar esse dinamismo. O monasticismo era um método
de aprisionar a vida cristã. Foi por isso que a Igreja sempre insistiu
com o monasticismo celibatário. Houveram apenas algumas pouquíssimas
ordens religiosas que juntaram monges, freiras, e pessoas casadas em uma
comunidade, e quando isso acontecia era em oposição às
associações heréticas. O monasticismo secular, uma
comunidade de famílias compartilhando todas as coisas em comum,
vivendo uma vida modelada na dos apóstolos, torna-se uma contracultura,
o remanescente que espera a vinda do reino messiânico. O passar
do tempo e o imperador postergam a Segunda Vinda para um futuro remoto
a Igreja estabelecida é o reino.
Estas idéias são usualmente atribuídas a Santo Agostinho,
mas tais idéias funcionam apenas no contexto dos sistemáticos
detalhes de sua Cidade de Deus, que se ajustava ao colapso do
império no Oeste. É significante o detalhe de que Santo
Ambrósio, o mestre de Agostinho, ainda acreditasse, ou acreditasse
mais ou menos, no comunismo da vida apostólica, enquanto que Agostinho
não apenas pregava contra esse comunismo, como também constantemente
denunciava a refeição comunitária. Os dois ritos
mais importantes do culto cristão deixaram de ser funções
comunais para serem reorganizados e redirecionados em apoio à religião
Estatal. A Eucaristia tornou-se um sacramento executado pelo padre onde
o laico participava apenas como espectador. O significado importante na
insistência no batismo infantil era que amarrava a família
secular à paróquia, facilitando a administração
territorial futuramente tanto os anabatistas por um lado, como
Lutero e os católicos por outro, insistiram nesse ponto, cada um
deles com diferentes finalidades.
Nas áreas distantes do controle da Igreja e do Império
como a Irlanda e, em menor grau, a Inglaterra, ou em paragens remotas
e heréticas como a Igreja Nestoriana, que trocou o Império
Romano pelo Império Persa, o monasticismo foi mais eremítico
e mais socialmente efetivo. No que diz respeito à essa Igreja e
à sociedade secular a sua volta, cristã ou pagã
uma medida aparente de quarentena foi estabelecida por São Pachomius,
São Basil, e São Benedito.
A efetividade social do monasticismo organizado ocorreu em virtude da
insistência dos fundadores no trabalho, uma insistência que
aumentou de Pachomius para Basil, e dele para Benedito. Os primitivos
monges do deserto seriam parasíticos comparados com uma comunidade
cristã ordinária. Considerando onde viviam, não haveria
outra maneira pela qual pudessem sustentar a si mesmos. Eles devotavam
a si mesmos à oração, meditação, jejum
e outras austeridades. No que diz respeito às fundações
de São Pachomius, elas eram governadas por um regulamento bem elaborado.
Os membros moravam separadamente em dormitórios em vez de cavernas
e cabanas e tinham suas refeições e orações
em comum. O abade da casa das madres era hierarquicamente superior
aos demais conventos de homens ou de mulheres, escolhendo seus dirigentes,
visitando-os periodicamente, e presidindo um encontro geral que ocorria
a cada ano na casa das madres. Um sistema tão firmemente
organizado como esse não surgiria novamente até as reformas
beneditinas no princípio da Idade Média. O tempo que não
era dedicado à oração era dedicado ao trabalho. Cada
monastério tinha suas próprias glebas cultivadas, seminários
de ofícios e era largamente auto-suficiente. Em outras palavras,
eles alcançaram uma grande medida de "comunismo de produção".
O monasticismo de Pachomian floresceu até a conquista muçulmana
do Egito, entrando em longo declínio; com exceção
da Etiópia, está quase extinto.
O avanço de São Basil, de estudante para padre, de padre
para bispo e fundador monástico, é atribuído à
sua força como polemista contra a heresia ariana que estava
ameaçando a integridade da Igreja e do Império. A vida monástica
na Grécia e na Ásia Maior tinha sido largamente eremítica
e não sujeita a qualquer disciplina tanto no modo de vida quanto
na teologia. São Basil adaptou as regras dos monges Pachomianos
às condições do patriarcado de Constantinopla, o
que permanece até hoje na ortodoxia oriental. Originalmente
estas regras enfatizavam grandemente o trabalho e a obediência rígida
à doutrina ortodoxa. Com o tempo o monasticismo no Oriente ficou
mais economicamente parasitário. Os monges viviam em terras que
não cultivavam, cediam algumas áreas aos camponeses e contratavam
trabalhadores, enquanto se dedicavam à oração e contemplação.
Talvez devido a esta atmosfera de estufa, as heresias, cismas, e movimentos
entusiásticos que surgiram da ortodoxia, se originaram nos monastérios.
Eventualmente surgiriam cidades monásticas como Monte Athos, não
completamente autônomas, parasíticas, isoladas da sociedade
secular.
O monasticismo no império Ocidental surgiu por iniciativa de Benedito
de Nursia. Embora todo o propósito e significado da vida monástica
concebida por ele estivesse centrado na oração, contemplação,
no trabalho de Deus, nas oito horas do Divino
Ofício quando a comunidade solenemente recitava salmos, cantava
hinos, e orava juntos na capela, na realidade, havia uma ênfase
muito maior no trabalho no campo, nas lojas, na compilação
de manuscritos, do que no monasticismo Oriental. A razão para isso
é simples. O que tinha sido o Império Romano no Ocidente
estava em ruínas. As cidades estavam sendo abandonadas, as terras
não estavam sendo cultivadas, a população declinava
de uma forma inacreditável, talvez à quinta parte do que
tinha sido sob Marcus Aurelius, e os afazeres da civilização,
notadamente a literatura e as artes, cessaram de ser produzidas pela sociedade
secular. O monasticismo irlandês era uma exceção especial,
contrario de qualquer outro, provavelmente com fontes pré-cristãs.
Os beneditinos derrubaram florestas, drenaram terras pantanosas, reorganizaram
culturas camponesas, esculpiram e pintaram estátuas e quadros religiosos,
copiaram manuscritos, principalmente religiosos, mas também alguns
da cultura clássica romana. Muitos líderes monásticos
no Ocidente estavam bastante conscientes de seu papel como preservadores
da civilização. Cassiodorus fundou um monastério
dedicado a preservar a herança literária da civilização
latina. No caso dos beneditinos a "quarentena" do monasticismo
organizado teve um efeito inverso. A sociedade secular fora demolida pelo
caos. A civilização sobreviveu dentro dos monastérios
em um verdadeiro estado de preservação, protegida
por sanções sobrenaturais, dentro do estado secular
selvagem.
Cada monastério beneditino era por si mesmo uma entidade. Não
havia nenhuma administração central. O beneditinismo primitivo
não era uma ordem religiosa no sentido lato da palavra. Por uma
razão muito simples. A centralização requer facilidade
de comunicação, e a comunicação estava interrompida.
O regulamento beneditino é em alguns aspectos mais rígido
do que o monasticismo basiliano ou pachomiano, mas ainda é mais
racional, mais flexível, e mais comunitarista. O abade funciona
como presidente do capítulo, um conselho de monges no qual
cada participante tem direito a um voto. Os monges juram obedecer o regulamento
e o abade, dessa forma não é fácil modificar o regulamento.
O abade funciona como dirigente de uma espécie de centralismo democrático.
As decisões estão sujeitas à discussão e ao
voto, mas àquilo que for decidido deve-se obediência absoluta.
Existem funcionários delegados para as mais variadas atividades
da comunidade, nos campos, no hospital, nos seminários, na cozinha,
no escritório e na biblioteca, cada inspetor está sujeito
ao controle do abade e do capítulo.
Ao contrário dos essênios do Qumran ou dos monges primitivos,
os beneditinos não concebiam a si mesmos como um remanescente salvo,
antagonico a um mundo condenado à perdição. Bem pelo
contrário, eles eram chamados para salvar o mundo no sentido mais
literal. Não apenas eram chamados para salvar e reabilitar uma
civilização caída, mas também para esparramar
o Evangelho aos pagãos além dos limites oficiais do Império.
Os beneditinos, juntamente com os monges irlandeses da ordem de São
Columba, inaugurou uma segunda onda de atividade missionária depois
da igreja primitiva, sendo os responsáveis pela cristianização
da Europa Central e Escandinávia. A importância estratégica de
tal atividade missionária enquanto defesa da civilização latina foi óbvia.
A ordem beneditina, com seus regulamentos e medidas administrativas são
um depósito inestimável de informações envolvendo
técnicas e problemas do companheirismo comunal diante da relação
dinâmica com uma sociedade desorganizada. Infelizmente, embora alguns
historiadores da Igreja pensem o contrário, o exemplo da vida beneditina
parece ter exercido pouca influência direta nos grupos religiosos
comunalistas posteriores, nas seitas heréticas ou nos movimentos
dentro da Igreja.
Há apenas uma ordem religiosa de alguma importância que
inclui padres, monges, freiras, e pessoas casadas, todos vivendo em comunidade,
usualmente em uma aldeia, com um monastério numa extremidade, um
convento na outra, e as pessoas seculares no centro. Trata-se da ordem
fundada na Inglaterra por São Gilbert de Sempringham. Essa ordem
nunca ultrapassou os limites da Inglaterra, embora seu exemplo tenha influenciado
algumas poucas fundações continentais muito pequenas. Considerando
que a Igreja sempre tenha temido esse tipo de organização,
é de se estranhar que os gilbertinos aparentemente tenham
exercido tão pouca influência na sociedade permanecendo desconectados
com qualquer tipo de monasticismo secular que havia se tornado tão
popular na véspera da Reforma, especialmente os béghards,
os béguines, os Irmãos da Vida Comum, e os gottesfreundes
ou Amigos de Deus.
Essa relação dinâmica ocorreu com os frades, especialmente
os franciscanos. É significante o fato do próprio São
Francisco sempre ter recusado a ordenação sacerdotal. Tanto
os franciscanos como os dominicanos eram laico-orientados. Isso pode ser
visto no próprio nome da sociedade fundada por São Dominic,
a Ordem dos Pregadores, enquanto que os franciscanos se dedicavam à
pregação, ouvir confissões, e manifestar pobreza
como expressão de virtude e como testemunho ao mundo. A vida de
São Francisco, como a do Papa João XXIII, é um exemplo
perfeito do que acontece com a Igreja quando ela acidentalmente permite
a uma pessoa que modela sua vida próxima ao Jesus histórico
atingir uma posição de influência ou poder.
A Idade das Trevas e o começo da Idade Média transcorreram
notavelmente livres de grandes seitas milenárias, comunistas ou
heréticas. A solução beneditina parece ter sido efetiva
em satisfazer a demanda implícita no cristianismo por uma vida
comunitária apostólica e de pobreza. A doutrina de Santo
Agostinho de que a própria Igreja era o reino parece ter sido aceita
quase que universalmente. Havia uma febre milenar endêmica que pregava
um milênio literal, no ano mil, ou em suas proximidades (muitos
historiadores modernos negam que isso tenha acontecido exceto na imaginação
dos historiadores do século XIX que julgavam que essa febre precisava
ocorrer); o ano mil passou, o fim do mundo não veio, e o milenarismo
desapareceu, naqueles dias não haviam seitas separadas proclamando-se
remanescente salvo, isso provocou um efeito na população
como um todo. Desde a queda de Roma até o século XII as
energias espirituais humanas foram direcionadas para a construção
da civilização medieval, uma civilização com
poucas diversões. A chamada síntese medieval
foi uma estrutura notavelmente auto-suficiente na história das
culturas, e na medida em que se desenvolvia foi capaz de absorver todas
as atividades possíveis de sua sociedade. A Igreja não era
apenas uma extensão da sociedade, a sociedade era uma extensão
da Igreja. Como nas culturas primitivas, o catolicismo era uma religião
antropológica, um método de definir a sociedade.
A única heresia importante, a dos paulicianos-bogomiles-cathari-albigenses,
não foi propriamente uma heresia, mas uma religião diferente,
o agnosticismo e o manichaeanicismo. Ou seja, ela teve uma
origem Oriental e pré-cristã, ocupando-se com o progresso
da alma através das fases de um drama cosmogônico, um progresso
auxiliado pelo conhecimento dos mistérios ocultos. Uma religião
absolutamente distante da prática comunalista, e apenas incidentalmente
milenarista. O julgamento, o fogo, e o reino, foram interiorizados como
fases na salvação da alma. A igreja albigense era
governada por uma elite de adeptos iluminados e onde quer que chegasse,
como ocorreu brevemente na Bulgária, estava bem disposta a se estabelecer
como igreja. Quando pretendeu se estabelecer no sul da França ela
foi esmagada na mais sangrenta de todas as cruzadas numa disputa
que tomou a forma, significativamente, de guerra territorial.
O agnosticismo nunca foi suprimido totalmente, aqui e ali sempre
surgiram vestígios de mistérios ocultos nas heresias pós
Idade Média, mas eles permaneceram ocultos, difíceis de
localizar, e destituídos de qualquer importância em qualquer
movimento popular, exceto possivelmente na Fraternidade do Espírito
Livre. Isso não impediu a Igreja de ver Chatari em toda
parte, desde o final da Idade Média até a Reforma. Verdadeiramente
dualistas, as doutrinas Manichaean, ou agnósticas
são sumamente raras em evidências, não há nenhuma
maneira de provar ou de contestar as proclamações ocultistas
relativas aos últimos dias, por tratar-se de um ensino esotérico
com acesso limitado às elites internas dos vários movimentos
heréticos.
Na medida em que pesquisamos os muitos minúsculos grupos heréticos
que entram em choque com as autoridades entre os séculos X e XII,
é perfeitamente possível ver o surgimento de uma ortodoxia
a partir do heterodoxo, um consenso que formaria um corpo de doutrina
típica da vertente mais radical da Reforma, os taboritas,
os anabatistas, e os sectários extremistas da guerra civil inglesa
são exemplos perfeitos. Por exemplo, oito seitas diferentes negaram
a existência do purgatório e a eficácia das orações
para o morto. O batismo de crianças foi rejeitado por quinze desses
grupos; a realidade da humanidade de Cristo, por quatro; a ressurreição
do corpo, por três. O sacramento da Santa Ceia foi abandonado, enquanto
comunhão ou sacrifício, em doze casos distintos. Quase todos
os hereges negaram a doutrina da transubstanciação que ainda
iniciava seu processo de definição pela própria Igreja.
As orações e veneração dirigidas aos santos
foram igualmente rechaçadas. A confissão auricular foi rejeitada
por um número infinito, embora muitos grupos praticassem a confissão
pública à congregação, como na Igreja primitiva.
Houve nove casos de vegetarianismo, dez ou mais admissões da prática
do amor livre, sexo grupal, ou orgias cerimoniais, e um número
bem grande de acusações desprovidas de substância.
Os catharistas e agnósticos influenciaram alguns
na rejeição ao Velho Testamento, mas a maioria dos grupos
acabou colocando mais ênfase no Velho Testamento do que na Igreja,
enquanto alguns adotaram os preceitos da Lei Judia. Sem exceção
todos eles rejeitaram a Igreja estabelecida, condenando seu clero de simonia,
adultério, pederastia, ignorância, e hipocrisia.
Apenas uma pequena minoria é conhecida por ter praticado a comunidade
apostólica de bens. Um local onde essa prática se destacou
de uma forma notável foi na comunidade de Monteforte, um castelo
na arquidiocese de Milão. Quando o arcebispo descobriu sua existência,
prendeu todo mundo, levando-os para julgamento em Milão. Toda a
população do castelo e de seus domínios havia sido
convertida por um homem que conhecemos apenas por Giardo. Sob sua direção,
os acusados mais articulados transformaram o julgamento em uma manifestação
de auto-propaganda, por causa disso possuímos um registro bem completo
de suas convicções. Eles não acreditavam em sacerdócio
ou sacramentos, mas viviam vidas guiadas e santificadas através
do Espírito Santo. Eles eram vegetarianos e não comiam nada
que tivesse sido procriado através de relações sexuais.
Aqueles que podiam viviam em rígida castidade com seus cônjuges,
ou não casavam. Quando o arcebispo perguntou como a raça
humana poderia se perpetuar se todo mundo vivesse assim, Giardo respondeu
que quando os homens se tornassem puros eles se reproduziriam assexuadamente
como abelhas. Os anciões do grupo mantiveram uma cadeia contínua
de oração, noite e dia, alternando-se uns aos outros. Eles
interpretavam a Trindade alegoricamente o Pai como Criador, o Filho
como a alma do homem, o amado de Deus, e o Espírito Santo como
a sabedoria divina em cada alma humana. Desde a condessa, nobres, até
ao camponês mais humilde praticavam um comunismo completo, vivendo
uma vida largamente autônoma, independente da economia circunvizinha.
Eles reivindicaram possuir irmãos por toda parte da Europa. Eles
também sustentavam uma convicção, bem peculiar, de
que para serem salvos precisariam morrer em tormento. Eles estavam tão
convictos disso que se algum deles começasse a morrer de morte
natural, ele chamaria os outros para torturá-lo até a morte.
O arcebispo montou uma cruz e uma estaca e exigiu que eles escolhessem
entre submissão à Igreja ou morte na fogueira. Apenas alguns
escolheram a cruz. Quase todos se regozijaram com suas mortes.
Esta foi apenas a segunda execução oficial por heresia
na Igreja Ocidental. Os primeiros foram um grupo de hereges em Orléans
por volta de 1015. Aparentemente eram agnósticos, na realidade
mais agnósticos do que cathari, o que chamaríamos
hoje de intelectuais boêmios da classe alta. Eles foram acusados
por um espião, que tinha sido treinado com o propósito de
expor suas orgias sexuais rituais e adoração a demônios.
Até onde sabemos, eles não praticavam a comunidade de bens.
Os julgamentos por heresia no princípio da Idade Média ocorreram
em cima das mais diversas acusações.
Um fator importante nas heresias que se seguiram foi a expansão
do conhecimento da Bíblia, especialmente depois de ter sido traduzida
no vernáculo. O apelo ao comunismo dos apóstolos era um
apelo à Bíblia, e a autoridade exclusiva da Bíblia
não era um fator importante nas primeiras heresias. A riqueza não-cristã
da Igreja, por sua vez, era um fator importante. Bastou uma leve familiaridade
com os Evangelhos e com as epístolas que eram lidas na Missa para
perceber que se o cristianismo tivesse como modelo de vida pessoal a vida
de Cristo e de seus discípulos, então a Igreja era literalmente
o Anticristo, ilustrado pela personificação apocalíptica
como a grande figura do mal, o Anticristo. A acusação foi
certamente justa. Nada era mais perigoso para o poder da Igreja estabelecida
do que aqueles pequenos bandos de leigos devotados a uma pobreza voluntária,
ao estudo da Bíblia, e a boas ações, que começaram
a florescer no século XII no norte da Itália, na França
Oriental, na Renolândia, e Boêmia.
Em 1176, uma geração antes de São Francisco, Peter
Waldo, um rico comerciante de Lyons, vendeu tudo que tinha para doar aos
pobres. Reuniu um grupo de leigos piedosos que desejavam retornar à
vida apostólica da pobreza e do evangelismo. Logo entraram em contato
com outros pequenos grupos e o movimento cresceu rapidamente. O Papa Alexandre
III aprovou seus votos de pobreza e os submeteu à obediência
dos bispos locais, que na maioria dos casos lhes proibiram de pregar,
mas o simples fato de viverem uma vida apostólica representava
uma negação do clero enquanto representantes dos apóstolos.
Quando o bispo de Lyons lhes proibiu de pregar eles decidiram obedecer
a Deus em vez de obedecer ao homem, foram excomungados e expulsos da cidade.
Três anos depois foram condenados pelo Papa Lucius III e pelo Conselho
de Lyons em 1184.
Assim começou a seita herética dos waldenses ou
Homens Pobres de Lyons que rapidamente se esparramou por toda a
Europa tornando-se a maior e mais difundida de todas as heresias medievais.
Incansavelmente perseguidos pela Igreja, e objeto de várias cruzadas,
eventualmente se refugiaram nos vales monteses da Lombardia, Savoy, Tirol,
Boêmia e Moravia onde conseguiram sobreviver durante séculos.
Os waldenses checos foram absorvidos pelos taboritas ou
Irmãos Checos. Os waldenses lombardos foram redescobertos
pelos Reformadores, especialmente pelos protestantes ingleses, depois
do massacre imortalizado no soneto de Milton, e em menor grau, pela política
externa de Cromwell. Eles ainda habitam os mesmos vales monteses e recentemente
estabeleceram capelas em algumas das cidades no norte da Itália.
Os Homens Pobres originários de Lyons praticaram a comunidade
de bens e em várias ocasiões, conjuntamente com grupos
waldenses, adotaram uma espécie de comunismo de assédio.
Contudo, apesar de todas as mudanças doutrinais da seita através
dos séculos eles nunca abandonaram a prática da pobreza
voluntária. Eles foram acusados originalmente de recusar prestar
juramentos, possuir armas, ou aprovar a pena de morte. Eventualmente,
eles acreditavam que qualquer leigo poderia ministrar o pão e o
vinho da comunhão desde que não estivesse em pecado mortal,
eles rejeitaram o sacrifício da Missa, negaram que a Igreja papal
fosse a Igreja de Cristo, ao mesmo tempo em que apontaram a Igreja papal
como sendo a mulher escarlate do apocalipse e que nenhum dos seus ensinos
ou práticas poderiam ser seguidos sem pecado.
Durante a Reforma no século XVI os waldenses foram extensivamente
convertidos pelos reformadores e doutrinariamente assimilados pelo corpo
principal do protestantismo em sua versão calvinista suíça.
Ao longo do século XIX os protestantes ingleses, conduzidos pelo
Coronel Beckwith, resolveram gastar uma considerável quantia em
dinheiro construindo escolas, hospitais, igrejas, e outros serviços
sociais em suas comunidades. Embora doutrinariamente divirjam muito pouco
dos protestantes suíços ao norte, seu modo de vida nas aldeias
montesas é bem diferente. Embora não pratiquem mais o comunismo,
eles não são competitivos nem consumistas. Eles permanecem
bem mais pobres do que deveriam ser, dedicando suas vidas a uma ética
social e ajuda mútua, cooperação, e unidade espiritual
íntima, não muito diferente dos padrões estritos
das comunidades menonitas ou amish na América do
Norte.
Copyright 1974. Texto em inglês reproduzido com permissão
de Kenneth Rexroth Trust.
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