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Comunalismo
Das Origens ao Século XX
7. A
Reforma Radical, Thomas Münzer
8. Münster
9. Anabatistas,
Hutterites
A Reforma de Lutero, Zwinglio e Calvino, quando surgiu, foi certamente
uma revolução, mas foi uma revolução inserida
na sociedade, na cultura dominante, e no processo geral da história
da civilização ocidental. A Reforma dissolveu a natureza
hierárquica do feudalismo e quebrou sua capacidade de interligar
direitos e deveres. Liberou os ativos congelados sob a propriedade eclesiástica
mais da metade das terras férteis da Europa Ocidental e
provavelmente a maior parte de seu ativo. Aboliu a alfândega e todas
as sanções legais e a alfândega que mantinham a economia
estática. Sancionou a usura e permitiu ao agiota exigir o juro
que quisesse. Anulou a supressão ou o controle da competição
entre os sócios das agremiações. Na Idade Média
os camponeses tinham claramente definidos os seus direitos e deveres,
sancionados por um costume imemorial e por leis as pessoas comuns
estavam subordinadas ao senhor local, que por seu turno tinha responsabilidades
e privilégios em relação ao seu superior, e assim
por diante até chegar ao imperador ou papa. Com a Reforma, o camponês
que no princípio esperava ganhar uma vaga mas maravilhosa liberdade
a partir da nova moralidade social pregada pelo jovem Lutero, acabou mesmo
reduzido ao estado de servo, sem quaisquer direitos e, em vez de deveres,
era obrigado a trabalhos forçados.
Ao final da Idade Média, a sociedade estava abarrotada de organizações
de caridade de todos os tipos que cuidavam de desempregados crônicos
ou pessoas fora do mercado de trabalho. Com a concentração
de riqueza da Igreja, apenas uma pequena fração destas instituições
eram alimentadas pelos auspícios privados ou estatais e pela absorção
da mais valia necessária para manter-se diante de uma economia
estática. Desde aquela época até os dias presentes
os legisladores tornaram-se ferozes perseguidores dos "desocupados"
e vagabundos As leis da Europa pós-Reforma, que dizem
respeito aos pobres, não importa o país, todas tem um ponto
em comum a pobreza é culpa do próprio pobre e a indigência
é um vício. Teoricamente os velhos tratos da Idade Média
foram substituídos por uma estrutura de contratos entre indivíduos,
homem a homem, "pessoa jurídica" ou instituições
legais; mas devido ao tamanho da população não comportar
contratos de qualquer espécie, isso acabou resultando em uma progressiva
atomização. O homem medieval era salvo como um membro do
corpo de Cristo, a Igreja, que literalmente incorporava seus membros.
O cristão luterano salvava-se sozinho, por um ato individual de
fé, e a sua relação com a deidade era um momento
atômico totalmente contingente e destituído de auto-suficiência
diante da absoluta onipotência e auto-suficiência de Deus.
O calvinismo introduz apenas uma mudança de ênfase. Se Deus
predestina um eleito à salvação, e todos os outros
homens à danação desde o começo dos tempos,
esse eleito não faria parte de uma comunidade, porque sua sociedade
era desconhecida e irreconhecível. Alguém poderia pensar
que isto conduziria a um completo antinomianismo, o abandono de toda moralidade.
Totalmente o contrário, tudo aquilo que o homem poderia fazer era
se comportar como eleito e esperar o melhor. Assim, o extremo ascetismo
de Calvino circunscrevia o comportamento do homem de tal forma que ele
não poderia fazer outra coisa senão trabalhar duro, acumular
dinheiro, e investi-lo. Lutero era a religião do livre empreendimento,
Calvino da acumulação de capital. Em tal sistema, com as
teocracias calvinistas de Genebra, França, Escócia, ou Nova
Inglaterra, o pobre estava condenado a priori pela sua própria
condição. Nem todo sócio da elite poderia ser um
sócio do eleito, mas o pobre, e especialmente o indigente pobre,
obviamente não o era. O incompetente, o artigo defeituoso, o bêbado,
e todos aqueles que apenas viveram para o prazer em vez do lucro eram
por si só evidentemente malditos.
Embora os três grandes reformadores enfatizassem a Bíblia
apenas pela fé, apenas pela Bíblia, disse
Lutero a era apostólica, e os pais da Igreja, sua teologia
na realidade foi derivada diretamente de Santo Agostinho e dos escolásticos
medievais. Sua insistência na salvação pela fé
e predestinação representa apenas leves mudanças
de ênfase, comparados com os ensinamentos dos escolásticos
mais ortodoxos. Não foi assim no começo do século
dezessete na Inglaterra onde a Igreja Anglicana iniciou uma séria
tentativa para construir uma teologia baseada nos Pais e no testemunho
de uma Igreja unida por conselhos ecumênicos. Para os reformadores
a Igreja era coligada ao Estado, da mesma maneira que os teólogos
católicos, a Igreja e o Estado exerciam apenas papéis diferentes
no exercício do poder. A diferença era que a Igreja não
tinha mais a autoridade final personificada no papa. Em princípio
a principal apelo foi o próprio Lutero. Os outros líderes
da Reforma alemã sempre adiaram decisões concludentes
como no caso da doutrina da Eucaristia de Zwinglio; na questão
das relações com a igreja de Utraquisto da Boêmia,
dos remanescentes Taborites, e dos primeiros irmãos suiços;
foi no bojo desses problemas disciplinares que surgiu Thomas Münzer;
e, naturalmente, a notória condenação da Revolta
dos Camponeses por parte de Lutero.
A maioria dos problemas religiosos eram conhecidos pelo Estado secular,
pelos conselhos da cidade, pelos senhores locais, e até mesmo pelos
príncipes e duques dos conglomerados de estados insignificantes
e de reinos pequenos que compunham o Império alemão, a velha
comunidade política começava a desmoronar sob o sopro do
conflito universal gerado pela Reforma. Assim foi estabelecido o princípio
cujus regio, ejus religio, como o governo, assim a religião,
sem o qual a Europa Central se esfacelaria em uma guerra de todos contra
todos, a autoridade espiritual na realidade não estava mais centrada
em um imperador ou em algum poder secular abstrato, mas circunstancialmente
nas insignificantes cortes da Alemanha.
A religião dos anabatistas e a reforma radical, em termos gerais,
se opunham diametralmente à Reforma de Lutero. Thomas Münzer em
Mühlhausen e Frankenhausen, da mesma forma que a comuna apocalíptica
anabatista de Münster, pretendiam estabelecer o reino milenário
na forma de um Império secular, mas apesar de toda sua notoriedade
eles eram atípicos. Em termos relativos, poucas pessoas estavam
envolvidas nos grupos anabatistas. Recentes historiadores americanos menonitas
e batistas têm ligado as antigas raízes anabatistas e os
reformadores radicais do século dezesseis com seitas similares
ao longo da Idade Média que vêm desde o tempo dos apóstolos.
Eles estão essencialmente certos.
A Reforma aparenta, de forma bem superficial, advogar a liberdade de
expressão, libertar e tornar pública a dissidência
radical, que estava lá todo o tempo, e brevemente permitiu que
o proselitismo se espalhasse através de pastores cujas doutrinas
eram subversivas à própria Reforma, até mesmo mais
do que ao catolicismo romano. Há registros que indicam que até
a Reforma a Igreja romana vinha provavelmente ignorando a maioria dos
cultos estranhos que floresciam na Idade Média, a menos que dessem
algum escândalo ou fizessem questão de aparecer, algo semelhante
à concubinagem clerical. Nos anos posteriores os extremistas sectários
e os católicos romanos freqüentemente formavam uma frente
unida contra a igreja protestante e o estado, conforme testemunha a estreita
amizade entre William Penn e James II.
Os sectários radicais não apenas apelaram às tradições
da Igreja, antes de serem cooptados por Constantino, eles se esforçavam
em restabelece-la totalmente em fé e prática, como um remanescente
salvo em um mundo condenado. Eles eram indiferentes ao conflito de poder
entre o imperador e o papa, entre Lutero e o príncipe, porque eles
não acreditavam no poder mundano como tal. Eles eram indiferentes
a leis que regulam competição e tomada de interesse porque
eles não acreditavam nessa coisa que mais tarde foi denominada
"economia política". Eles se esforçavam por alcançar
a economia auto-suficiente de uma subcultura fechada, um comunismo de
produção e consumo. Na maioria dos casos as circunstancias
não permitiam isso, mas eles sempre defendiam uma comunidade apostólica
de bens coletivos, a responsabilidade compartilhada para o bem-estar físico
de todos os sócios; e desde os primeiros dias eles freqüentemente
praticaram um comunismo de consumo enquanto ganhavam seu pão e
trabalhavam no mundo. Profundamente influenciados por Eckhart, Tauler,
e Suso, que segundo a maioria dos seus leitores teólogos, eles
olhavam o processo de salvação como uma progressiva deificação
do homem em comunidade em vez da forense "justificação"
do indivíduo diante do julgamento de Deus pela fé no sacrifício
de Cristo eles acreditavam em com-ação não
em compensação, no Cristo vivo não em seu
sacrifício, na comunhão não na Missa. Assim,
os anabatistas (duas-vezes-batizados) se opunham ao batismo de crianças
inconscientes ou de crianças imaturas. Para eles o batismo era
o selo divino na alma desperta na comunidade do eleito, um ato consciente
pelo qual o indivíduo dá as costas para o mundo e embarca
na peregrinação espiritual pela divinização
em companhia de sua amada comunidade.
Embora praticamente todos os anabatistas sejam milenaristas no sentido
de que eles esperam a vinda do reino em um futuro indefinido, eles não
concebem a si mesmos como o exército do apocalipse para o qual
foi dada a função de condutor nos últimos dias, eles
concebem a si mesmo como aqueles que aguardam o advento divino. Os dois
episódios mais famosos da história dos anabatistas primitivos
não surgiu fora do corpo principal do movimento mas germinou de
uma forma independente.
Thomas Münzer não foi um anabatista, ou pelo menos não
dava qualquer importância a questões sobre quando e por que
batizar, várias vezes em sua carreira ele deu respostas contraditórias
sobre esse assunto. Nem mesmo em seus últimos dias ele pregou comunidade
de bens coletivos, e sua única declaração definida
no assunto foi feita em sua confissão final após tortura
e antes da execução.
Münzer nasceu em Stolberg de uma família próspera nas montanhas
de Harz e foi educado em Leipzig e Frankfurt. Parece que ele se encontrou
com Lutero por volta de 1519, passou seus anos de escola estudando seriamente
a procura de respostas, profundamente aborrecido pela apostasia da Igreja
estabelecida. Naquele mesmo ano tornou-se padre confessor em um convento
em Beuditz e com a segurança e o lazer proporcionados por sua posição,
gastou mais de um ano em um intensivo estudo lendo Josephus, a história
da igreja de Eusebius, St. Augustine, os atos dos conselhos gerais, os
atos de Constance e Basel, e os escritos místicos de Suso e Tauler.
Ele começou a se corresponder com os principais reformadores, a
maioria dos quais eram de cinco a dez anos mais velhos do que ele. No
próximo ano lhe recomendaram como pastor na Igreja de Santa Maria
em Zwickau para substituir temporariamente o pastor João Egranus. No princípio
ele parecia ser mais um dos jovens apóstolos de Lutero -- cuja
fama se espalhava por toda a Alemanha -- até que se envolveu em
uma violenta controvérsia com os franciscanos locais.
Zwickau por aqueles dias era uma das maiores cidades da Alemanha, três
vezes maior do que Dresden. Fora um próspero centro têxtil
mas com o desenvolvimento das minas de prata nas montanhas vizinhas, abandonou
o comércio de tecelagens gerando desemprego entre os tecelões.
A cidade assumiu uma característica de boom econômico
com uma grave inflação dos preços locais, típico
das cidades mineradoras, a polarização radical das classes,
com uma grande riqueza ao topo e pobreza e desemprego em massa na base.
Zwickau fazia fronteira com a Boêmia e fora o pivô da agitação
de Tamborite no século anterior. Nicholas Storch -- o descendente
de uma família anteriormente rica e poderosa mas que foi levada
à falência pelos proprietários das minas -- juntou
e organizou pequenos grupos clandestinos de Picardos remanescentes
formando um movimento aberto conhecido como os Profetas de Zwickau. Quando
se encontrou com Münzer, Storch já era um líder pentencostal
extremista, de uma seita chiliástica de religiosos revolucionários,
freqüentemente bem ao gosto dos tecelões desempregados.
A violência dos sermões de Münzer contra os franciscanos
resultou em problemas com a assembléia municipal, a congregação
de Santa Maria, e com João Egranus, ao qual devolveu o púlpito,
ele se viu cada vez mais lançado em direção a Storch.
Eventualmente ele deixou a classe alta de Santa Maria tornando-se o pastor
de Santa Catarina, uma grande congregação composta por mineiros,
tecelões pobres, e desempregados. Em Santa Catarina, Münzer tornou-se
conscientemente um pastor de pobres. Ele abandonou sua postura de luterano
ortodoxo tornando-se um apocalíptico como Storch, dedicando cada
vez mais tempo em reuniões com os Profetas. A assembléia
municipal assumiu um crescente antagonismo. Na primavera de 1521 Münzer
recebeu ordem para sair de Zwickau. Lutero retirara seu apoio.
Münzer foi a Praga onde recebeu entusiásticas boas-vindas como
um dos novos luteranos, sendo convidado a pregar nas igrejas. Mas seus
sermões não eram luteranos; ele não apenas se tornara
um chiliasta desenvolvido, como também sua linguagem se
tornara extraordinariamente violenta, abusiva, e grosseira, ao mesmo tempo
que reivindicava-se escolhido por Deus para recrutar os eleitos para a
luta armada final antes do milênio, devido às condições
ultrajantes daqueles dias. Os sofisticados cidadãos de Praga ouviram
tudo isso cem anos antes e não se impressionaram.
Münzer partiu, desiludido com os bohemios. Antes de partir, imitando
Lutero, ele pregou um manifesto nas portas das principais igrejas, resumindo
suas principais idéias que o guiariam até o fim de sua vida,
mas com a violência e a incoerência de sua linguagem configurando
sua característica mais notável. Durante 1522 ele vagou
quase que sem uma ocupação regular. Ele visitou Lutero em
Wittenberg, com o qual aparentemente se aborreceu, mas que parece ter
usado de sua influência tanto que Münzer obteve uma posição
como pastor da Igreja de São João na pequena cidade de Alstedt
na Saxony. Lá ele deu seu primeiro sermão no dia de Páscoa
em 1523.
Os dezesseis meses que Münzer permaneceu em Alstedt foram os mais
quietos e os mais produtivos de sua breve carreira. Ele se casou com uma
ex-freira, Ottilie von Gersen. Na Páscoa do ano seguinte ela o
presenteou com um filho. Münzer, que tinha iniciado, de uma forma
muito tranqüila para ele, como um porta-voz da Reforma ortodoxa,
embora emocional e excêntrico; decidiu-se mover cautelosamente e
com uma certa dose de duplicidade, mas seus tempestuosos sermões
logo fizeram dele o pastor mais popular de todo distrito. As pessoas vinham
dos arredores para ouvi-lo. Ele escreveu e celebrou a primeira Eucaristia
no idioma alemão e depois publicou um missal completo com liturgias
para comunhão, batismo, matrimônio, comunhão do doente
e funerais, inclusive confissão pública de pecado antes
da comunhão. Sua liturgia prometia ser amplamente adotada, mas
seu envolvimento com a Revolta dos Camponeses trouxe a condenação
por parte de Lutero que, porém, não teve escrúpulos
em copiá-la três anos depois. A coisa mais impressionante
sobre a liturgia de Münzer é a completa ausência de
sua habitual grosseria e violência. Pelo contrário elas mostram
uma excepcional sensibilidade poética e devocional.
Com o tempo Münzer revelou cada vez mais sua mensagem apocalíptica,
apresentando-se abertamente como um homem escolhido de Deus. Ao mesmo
tempo ele começou a organização secreta de um exército
revolucionário. A Liga dos Eleitos começou a invadir, pilhar,
e incendiar conventos e monastérios na zona rural aos arredores
da cidade. Em pouco tempo ele recrutara para sua liga um vasto círculo
de comunidades da Thuringia. Com sua fama chegando até o estrangeiro,
suas atividades começaram a preocupar Frederick, o eleitor da Saxônia,
seu irmão Duque João, que eram partidários da Reforma,
e Lutero, com o qual sua relação tornava-se cada vez mais
atribulada e divergente. Münzer também entrou em uma violenta disputa
com o senhor local, o Conde de Mansfeld. Enquanto isso ele constantemente
emitia panfletos, cada um mais radical que o outro. Frederick decidiu
investigar e enviou o Duque João, seu filho João Frederick,
seu chanceler, e vários outros oficiais para Alstedt. Eles convidaram
Münzer para que pregasse para eles no castelo e em 13 de julho ele
formulou aquilo que foi considerado a expressão vocal pública
mais extraordinária da era da Reforma.
Seu sermão baseou-se em visões apocalípticas do
livro de Daniel, Münzer anunciou uma guerra iminente entre as forças
do Diabo e a Liga dos Eleitos que conduziria ao milênio, e apelou
aos príncipes visitantes para que se juntassem ao exército
de santos. Ele visava uma nova reforma tendo como sua capital a pequena
cidade de Alstedt, dali a palavra se esparramaria, primeiro pela Saxônia,
depois por toda a Alemanha, e finalmente por todo o mundo. Seria um reino
exclusivo de eleitos, alcançado por um método simples --
matar todos os opositores. Ele terminou ameaçando exterminar seus
nobres ouvintes se não se juntassem a ele. Nada revelou melhor
a turbulência intelectual da época do que o Duque João
confiando em Münzer e aceitando suas idéias.
O sermão foi impresso e distribuído. Duque João
retornou para consultar o Eleitor Frederico, que no princípio estava
preparado para tolerar o fanatismo de Münzer, desde que seu fanatismo
não se convertesse em ações. Münzer persistiu acossando
tanto Lutero como os governantes. Ele foi chamado até Weimar, onde
proclamou ser o líder do final dos tempos, e onde sua linguagem
sanguinária tornou-se ainda mais extremada. Ele voltou a Alstedt,
ainda confiante da vitória sobre a corte saxônica. Frederick,
Duque João, e Lutero começaram a exercer pressão
no conselho de Alstedt para que o expulsassem da cidade. Repentinamente,
na noite de 7 de agosto de 1524, ele saiu de Alstedt, deixando para trás
sua esposa, seus filhos e todas suas posses.
Münzer passou o outono e o inverno viajando, primeiro para Mühlhausen,
onde o militante anabatista Henry Pfeiffer organizara sua Liga dos Eleitos
visando assumir a cidade. Münzer imediatamente assumiu a liderança
de Pfeiffer, sobrepôs seu próprio programa apocalíptico,
organizou uma manifestação, e tentaram tomar a prefeitura
e o conselho da cidade. Os nobres, juntamente com uma companhia de soldados
mercenários, dispersaram a multidão e expulsaram Münzer
e Pfeiffer.
Münzer foi até Nuremberg visitar seu amigo João Hut, que
publicou o panfleto mais violento, incoerente, e abusivo de Münzer
contra Lutero, uma expressão de ódio histérico e
contínuo. As autoridades de Nuremberg confiscaram e destruíram
quase todas as cópias, apreenderam a impressora, e expulsaram Münzer
e Pfeiffer. Münzer foi para a Suíça em busca de aliados
entre os Irmãos Suíços, nessa oportunidade visitou
João Oecolampadius, um reformador ortodoxo zwingliano. Ele também
visitou Balthasar Hübmaier em Waldshut na fronteira com a Alemanha, um
líder anabatista ligeiramente menos militante do que Münzer,
tudo isso na busca de aliados, em toda parte, na tentativa de levantar
as pessoas para a sua revolução. Todavia ele não
conseguiu impressionar nem os líderes nem as pessoas, o máximo
que conseguiu foi chocar profundamente os pacíficos Irmãos
Suíços. Münzer retornou a Mühlhausen. Pfeiffer já
retornara e os radicais controlavam a cidade. Münzer revitalizou e armou
sua liga, expeliu os oponentes, e estabeleceu oficialmente um novo conselho
no qual tanto ele como Pfeiffer recusaram pertencer. Nesse meio tempo
a Revolta dos Camponeses já havia alcançado a Thuringia,
e Münzer estava pronto, não apenas para juntar-se a ela, mas também
para assumi-la.
Embora Münzer fosse muitas vezes chamado de herói das Revoltas
Camponesas, devemos entender que, na verdade, ele nada teve a ver com
elas. A revolta em Mühlhausen foi uma ação completamente
separada e com objetivos bastante diferentes. Como a Reforma procedeu
destruindo relações econômicas e sociais do feudalismo,
os camponeses da Alemanha assumiram a postura de Lutero como favorável
à liberdade econômica, uma sociedade de fazendeiros independentes
e de trabalhadores livres. A velha relação social começava
a despencar desde o topo de tal forma que os nobres e magnatas
iniciaram uma servidão forçada aos camponeses, uma condição
bem diferente dos camponeses medievais que tinham direitos e deveres.
A servidão pós-Reforma em muito se assemelha à versão
Russa, uma condição servil muito próxima à
escravidão.
Na medida em que as classes dominantes fechavam o cerco, os camponeses
de todo o sul da Alemanha começaram a se rebelar. Desde o princípio
do século dezesseis todos os anos em algum lugar eclodiram revoltas
esporádicas, normalmente sob a liderança do soldado Joss
Fritz, e pela difusão de uma organização secreta
chamada no princípio de Bundschuh e depois de Pobre Konrad.
Estas não foram pequenas revoltas, mas batalhas que envolviam algo
em torno de cinco mil camponeses armados. Em 1525 as ações
locais e revoltas se fundiram em uma completa guerra no Tirol, Áustria
e sudoeste da Alemanha.
Antes desse tempo, Lutero, que tinha permanecido originalmente neutro,
culpando tanto camponeses como governantes, passou a denunciar os camponeses
e incitar a nobreza para a matança, em uma linguagem tão
desenfreada quanto a de Thomas Münzer. Só há
uma maneira do sr. povinho fazer sua obrigação",
disse Lutero, "constrangendo-o pela lei e pela espada, prendendo-o
em cadeias e gaiolas, da mesma forma que se faz com bestas selvagens . . .
melhor a morte de todos os camponeses do que a morte dos príncipes
. . . estrangulem os rebeldes como fariam com cães raivosos.
E quando a rebelião foi suprimida através de um massacre
total, Lutero disse "que todo seu sangue recaia sobre mim",
procedendo uma justificação teológica à nova
servidão.
As demandas dos camponeses eram simples, consistentes, longe de milenarismos,
raramente religiosas, e certamente não comunistas. Eles reivindicavam
a abolição do que restara do feudalismo e das novas medidas
que os lançava na servidão, o desestabelecimento
da Igreja, uma drástica redução de taxas, o restabelecimento
de direitos comuns nos pastos, bosques, e liberdade de caça e pesca.
Não havia nada de subversivo na nova ordem social inaugurada pela
Reforma. Pelo contrário, era o retorno a um capitalismo semi-feudal,
o esmagamento da Revolta dos Camponeses, o que assegurou o desenvolvimento
alemão por trezentos anos.
Thomas Münzer não estava interessado nos problemas práticos
dos camponeses e proletários. Em todos os seus escritos ele não
mostra nem mesmo qualquer evidência de estar atento a eles. Seu
interesse estava apenas no milênio, e em seu retorno a Mühlhausen
ele dedicou-se febrilmente a essa idéia. Münzer enviou mensageiros
em todas as direções para juntar forças onde quer
que a Liga dos Eleitos tivesse membros, ou onde Münzer formasse grupos
de discípulos. Alstedt, Zwickau, Mansfeld, foram chamadas para
compor as tropas. Da mesma forma que Tabor, um século antes, os
revolucionários puseram-se a caminho quando chegaram as notícias
de Mühlhausen. Nicholas Storch chegou encabeçando seu próprio
pequeno exército. Naquele momento Münzer, Pfeiffer, e Storch podem
ter apresentado a comunidade de bens coletivos, entretanto é impossível
determinar se isso ocorreu na forma de um comunismo de assédio,
ou simplesmente na forma de comunismo de cidade sitiada. Esse assunto
apenas é mencionado na passagem da confissão final de Münzer.
Durante a primeira semana de maio o exército camponês, entre
oito e dez mil, se reuniu em Frankenhausen, que tinha sido tomada por
revolucionários de Mühlhausen. Em onze de maio Münzer chegou ao
acampamento camponês e começou a organizar o exército
do apocalipse. É importante destacar que ele trouxe apenas trezentos
de seus próprios seguidores de Mülhausen e que Pfeiffer tenha ficado
para traz, opondo-se à aliança da cidade do apocalipse com
o exército de camponeses. Enquanto isso o Duque João, que
havia se tornado eleitor pela morte de seu irmão em quatro de maio,
e outros príncipes das vizinhanças levantaram um exército
sob o comando de Filipe, proprietário de terras em Hesse, que imediatamente
marchou para Mühlhausen.
No dia 15 Filipe atacou com cerca de cinco mil artilheiros e dois mil
cavaleiros, os camponeses não tinham nada disso. Filipe propôs
paz se entregassem Münzer; mas após uma resposta emotiva do
próprio Münzer -- dizendo que pegaria as balas de canhão
com seu capote, que aqueles que tivessem fé completa seriam imunes
às balas, que apareceria um arco-íris (símbolo de
sua bandeira) no céu -- os camponeses recusaram. Enquanto o exército
camponês cantava "Veni Sancte Spiritus" a artilharia de
Filipe abriu fogo forçando os camponeses a recuar abrindo o flanco
à cavalaria enquanto que a infantaria atacava pelos outros dois
lados. Completamente cercados, os camponeses foram feitos em pedaços.
Foram mortos cinco mil no campo de batalha, seiscentos capturados, o restante
fugiu para as florestas da Thuringian. O exército de Filipe perdeu
seis homens.
No momento em que o ataque começou Münzer correu para longe
escondendo-se em um sótão em Frankenhausen. Os soldados
o descobriram deitado em uma cama com a cabeça coberta. Ele dizia
ser um homem doente e que não tinha nada a ver com a revolta; como
recusava mostrar seus documentos foi descoberto. Ele foi levado à
presença de Filipe e depois ao seu inimigo, o Conde Ernesto de
Mansfeld, que o torturou a maior parte da noite. Pela manhã Münzer
assinou uma confissão onde nomeava todos seus confederados e proclamava
ter iniciado sua carreira revolucionária num grupo secreto em Halle
quando era garoto.
Em 24 de maio um exército do Duque capturou Mühlhausen que implorando
clemência não ofereceu nenhuma resistência. Em 26 de
maio Pfeiffer e a maioria dos membros do "conselho eterno" foram
decapitados, Münzer foi decapitado em praça pública.
Münzer retratou-se e recebeu comunhão de acordo com o rito católico
mas não conseguiu se lembrar do Credo de Niceia. Pfeiffer recusou
e morreu desafiante. A cidade de Mühlhausen foi multada em quarenta mil
gulden (mais de meio milhão de dólares). Seu estatus de
cidade livre foi abolido e nunca mais recuperou sua prosperidade.
A batalha de Frankenhausen marcou o fim da Revolta dos Camponeses, embora
os anos seguintes tenham sido dedicados a operações de rescaldo,
julgamentos, execuções, e massacres secundários de
camponeses desmoralizados por toda parte do sul da Alemanha e da Áustria.
Lutero publicou um panfleto exultante, A Terrivel História
e o Julgamento de Deus para com Thomas Münzer. Os documentos de Münzer
ficaram em poder de Filipe de Hesse e de George da Saxonia que depositou-os
nos arquivos de Marburg, Dresden, e Weimar.
Quatro diferentes Thomas Münzers sobreviveram na história. Para
os protestantes ortodoxos suas conclusões lógicas foram
que ele seria um típico anabatista que não fez outra coisa
senão empurrar suas doutrinas de sectarismo radical. Mas para os
anabatistas cuja maioria sempre foi pacifista, seu pacifismo foi ainda
mais intensificado devido a Münzer e a comuna de Münster alguns
anos depois. Assim eles o repudiaram como um completo e lunático
fanático sem nenhuma real conecção com o corpo principal
do movimento. Para os historiadores católicos romanos Münzer
simplesmente operou dentro das inevitáveis conseqüencias do
individualismo protestante, e Mühlhausen foi apenas mais um exemplo ligeiramente
mais extremo da Reforma atacando a lei e a ordem. Em 1850 Friedrich Engels
publicou The Peasants' War in Germany e Münzer tornou-se um santo
revolucionário, uma posição que ele nunca abandonou.
Os historiadores marxistas o qualificam de ideólogo da Guerra dos
Camponeses, o primeiro político cosmopolita. Engels disse que a
filosofia religiosa de Münzer tocava o ateísmo e que seu programa
político tocava o comunismo. Karl Kautsky em sua obra Communism
in Central Europe at the Time on the Reformation e Ernst Bloch em
Thomas Müntzer als Theologe der Revolution, ambos retratam Münzer
como um plenamente desenvolvido, embora primitivo, ideólogo do
comunismo revolucionário. Ele é um herói popular
na Alemanha Oriental. Muitos livros foram escritos sobre ele, ruas e praças
receberam seu nome. A versão de Engels da história de Münzer
é ensinada para educar as crianças, e foram impressos selos
onde aparece seu rosto. Em recentes anos pesquisas em fontes que Engels
desconhecia tornaram possível desenhar um quadro bastante preciso
do real Thomas Münzer.
Embora seja bem provável que a maioria dos primitivos líderes
da Reforma radical se opusessem ao batismo infantil, apenas após
21 de janeiro de 1525, que o primeiro rebatismo de um adulto foi executado
no círculo dos Irmãos Suíços em Zurique, quando
seu líder, Konrad Grebel, batizou Georg Blaurock, um exato contemporâneo
do começo da revolução em Mühlhausen. Em alguns anos
todos que tomaram parte disso seriam martirizados, mas os Irmãos
Suíços permaneceram pacifistas comunitários, sobrevivendo
e provendo a primeira imigração menonita para a América.
Desde os primeiros anos eles pregaram uma comunidade apostólica
de bens coletivos. Na prática, em parte porque tratava-se de um
movimento urbano de pessoas empregadas, tal comunalismo usualmente tomava
a forma de pobreza voluntária e de um fundo comum. Eles eram milenaristas,
mas não como Lutero, Zwinglio, ou Calvino. O fim do mundo estava
próximo, mas sua chegada não era tão eminente; e
seu milenarismo tomava a forma de uma escatologia ética
Viva como se o mundo fosse terminar amanhã, procedendo como
membro da raça humana, que é na realidade a moralidade
do Sermão do Monte.
Depois da queda de Frankenhausen, o violento milenarismo de Thomas Münzer
se espalhou de norte a oeste dos Países Baixos e pelas regiões
da Alemanha onde se falava o dialeto plattdeutsch. O livreiro e
impressor itinerante Hans Hut escapou da batalha e esparramou o evangelho
da revolta pelo sul da Alemanha, mas acabou sendo pego e imediatamente
executado. Pequenos grupos comunais milenários se levantaram em
algumas partes no sul da Alemanha mas logo foram suprimidos. Muitos deles,
como os conduzidos por Augustine Bader, rejeitaram todos os ritos e sacramentos,
possuindo todas as coisas em comum, e vivendo de acordo com a orientação
do grupo religioso Luz Eterna, aguardando o fim do mundo. O líder
mais importante foi Melchior Hoffmann, um sócio de Münzer em seus
primeiros dias. Ele tornou Strassburg sua sede, mas a influencia de seu
ensino se esparramou como uma atividade de missão organizada, tanto
ele como seus discípulos exerceram forte influência por toda
a Alemanha. Ele era principalmente milenarista, e os melchioritas
apenas adotaram o batismo de adultos como um símbolo para marcar
o corpo do eleito. Embora ele não acreditasse pessoalmente em implantar
o reino pela violência, seus seguidores tornaram-se mais e mais
revolucionários. Simultaneamente as medidas repressivas tornaram-se
ainda mais severas. O fervor escatológico de Hoffmann desafiava
o risco de prisão ou morte, não excluindo uma violenta revolução.
Mas em 1533 às vésperas do estabelecimento da Nova Jerusalém
em Münster, Hoffmann foi aprisionado em Strassburg passando 10 anos de
sua vida na prisão.
Münster era um dos muitos pequenos estados eclesiásticos no noroeste
da Alemanha sob o governo dos príncipes bispos, que na realidade
freqüentemente eram leigos. Uma cidade com um importante comércio,
sofrendo uma grave e crônica tensão entre os desejos dos
príncipes bispos e o conselho de comerciantes e líderes
de agremiações. Münster tinha recentemente passado por uma
época de inundações, pestes, escassez local, e conflito
de classes resultante da Revolta dos Camponeses no sul; mas apesar destes
problemas, emergira uma quantia considerável de civismo democrático,
com o poder nas mãos do conselho da cidade.
O líder religioso mais influente da cidade foi Bernt Rothmann.
De 1531 até 1533 ele constantemente se movia do catolicismo evangélico
para o luteranismo, da doutrina de Zwinglio do repúdio à
real presença de Cristo no pão e no vinho, para a simpatia
com os melchioritas e os apóstolos do grupo Luz Eterna.
Até o último momento ele teve o apoio do conselho da cidade,
e a cidade tornou-se oficialmente protestante com a Igreja Católica
limitada à catedral, monastérios, e conventos.
Mas quando Rothmann e seus seguidores recusaram batizar as crianças
que eram apresentadas na igreja, o conselho se rebelou e exilou-os da
cidade, substituindo-os por luteranos ortodoxos. Porém, enquanto
isso, a cidade estava sendo invadida por pregadores melchioritas dos Países
Baixos, discípulos vagantes de Thomas Münzer e outros militantes
sectários. Rothmann recusou partir e um mês depois
em janeiro de 1534 ele reassumiu o controle, com os católicos
da catedral e os luteranos permitindo-o pregar na igreja de São
Lambert.
A cidade tinha sido visitada no outono anterior por Jan Bockelson (João
de Leyden), que retornou à Holanda com excitantes notícias
de que o reino dos eleitos estava próximo de ser estabelecido em
Münster. Jan Mattys, o líder melchiorita em Amsterdam, teve uma
revelação de que Melchior Hoffmann tinha compreendido
mal suas próprias visões, e que Münster, não Strassburg,
fora destinada a ser a Nova Jerusalém. No início de janeiro
de 1534 dois apóstolos de Amsterdam, enviados por Mattys, foram
até Münster e imediatamente rebatizaram Rothmann, o sócio
de Henry Rol, e vários outros clérigos. Nos próximos
oito dias Rothmann e outros batizaram mil e quatrocentos cidadãos
em cerimônias privadas em suas casas. Pouco tempo depois, chegaram
o próprio Mattys e Bockelson, pregando o mais militante chiliasmo
e exigindo uma completa reorganização da comunidade; eles
converteram Rothmann e seus seguidores, inclusive o prefeito, Bernard
Knipperdolling.
O conselho da cidade tentou resistir. O bispo juntou uma força
de mercenários da vizinhança e ofereceu ajuda, que o conselho
rejeitou, mas os cidadãos em massa publicamente forçaram
o conselho a renunciar. Uma nova eleição foi feita e Knipperdolling,
um rico comerciante de tecidos foi eleito como prefeito. Knipperdolling
fora discípulo de Sebastian Franck e, mesmo antes do levante anabatista,
ele fora, por ordem direta do rei, proibido de pregar a Reforma radical.
Logo Bockelson se casou com Klara, a filha de Knipperdolling, e tanto
ele como Mattys assumiram o completo controle da cidade. Dali em diante
Rothmann dedicou-se a trabalhar principalmente como teólogo e apologista
do movimento. Aparentemente, ele teve uma premonição de
um futuro apocalíptico pois advertiu um amigo seu para aceitar
um compromisso em outro lugar fora de Münster, pois, disse ele, "as
coisas não irão bem por aqui".
Mattys começou a instituir uma comunidade de bens coletivos e
solicitou todas as riquezas em dinheiro, jóias, e metais preciosos
para serem trazidas para um fundo comum. O conselho lutou resistindo e
aprovou por estreita maioria uma ordem de expulsar os pregadores radicais
da cidade. Os radicais foram escoltados a um portão da cidade e
foram despejados, eles rodearam o muro, e entraram por outro portão,
onde foram recebidos e colocados de volta a suas igrejas por uma multidão
solidária; de cima do púlpito passaram a denunciar as hordas
do Anticristo. Católicos, Luteranos, e pessoas neutras que desejavam
evitar problemas começaram a fugir da cidade. Os habitantes, metade
da população original, foram substituídos por santos
entrantes. Mattys tinha enviado pregadores por toda parte dos Países
Baixos e Baixa Alemanha para recrutar cidadãos para sua Nova Jerusalém,
proclamando para que viessem rapidamente, desembaraçando-se de
suas posses, pois lá havia suficiente para todos os eleitos. Os
monastérios e as igrejas já haviam sido pilhadas quando
Mattys, prevendo futuras pilhagens, confiscou toda propriedade privada
daqueles que haviam fugido da cidade. Os depósitos de alimento
foram declarados propriedade pública, todas as lojas particulares
foram confiscadas e posteriormente transformadas em postos de livre distribuição.
As casas também foram declaradas propriedade pública, mas
foi permitido às famílias permanecer nelas contanto que
as portas fossem mantidas abertas de dia e de noite.
Como resultado de toda essa agitação, o príncipe
bispo ficou completamente desprovido de dinheiro, pois a riqueza da Igreja
era extraída da própria cidade. Ele perdeu todo seu crédito.
A nobreza protestante não estava interessada em restabelecer um
senhor católico e a nobreza católica era principalmente
imperialista e o Império durante anos tentara tomar o controle
de Münster. Na realidade desde os primeiros dias o imperador tinha enviado
uma oferta de apoio à comuna de Münster. Com o fato da revolução
social, o príncipe bispo pode angariar alguns empréstimos
de alguns governantes e nobres da vizinhança para contratar mercenários
e, embora temeroso no princípio, tentou investir sobre a cidade.
A perspectiva de vida relativamente longa na comuna de Münster deveu-se
principalmente ao acaso, por causa de suas ligações com
a Revolta dos Camponeses. O Império entrara em colapso e não
havia nenhuma entidade política como a Alemanha, relegada a uma
imensa quantidade de querelas jurídicas. As velhas coletas feudais
eram impossíveis de ser feitas e os príncipes só
poderiam confiar em exércitos de mercenários e em estruturas
tiradas do meio da nobreza que se sentia diretamente ameaçada.
Os conflitos imperiais e religiosos tornaram as alianças difíceis
de serem formadas e impossíveis de serem mantidas. Estados bem
organizados como a França e a Inglaterra daquela época,
teriam sido capazes de mobilizar forças necessárias para
controlar rapidamente cidades como Münster restabelecendo a ordem dominante
e esmagando a revolta.
Embora a ajuda do Príncipe Bispo Franz von Waldek demorasse a
chegar, os governantes foram bem rápidos em suprimir os anabatistas
em seu próprio território através da mais completa
brutalidade. Em Amsterdam todos os participantes de uma tentativa para
tomar a prefeitura foram executados, da mesma forma revoltas semelhantes
foram contidas em outros lugares. Depois que Bernt Rothmann chamou todos
os anabatistas para vir até Münster, grandes multidões começaram
a se dirigir à cidade. Eles foram caçados nas estradas,
assassinados, ou aprisionados. Três mil homens, mulheres e crianças
que tentavam vir pelo mar foram capturados e devolvidos aos Países
Baixos. A matança indiscriminada teve que ser interrompida pelo
temor de despovoar o país. A despeito dos contínuos ataques
aos anabatistas, eles constituíam um número surpreendente.
A população da cidade foi completamente alterada. Depois
que aqueles que recusavam o batismo de adultos se retiraram, os novos
habitantes se tornaram maioria. Outra maioria igualmente significante
foi a população feminina que possivelmente chegou a compor
dois terços da população, transformando as ruas e
praças durante o dia e durante a noite em um contínuo reavivamento
pentecostal, gritando, dançando, cantando, esvoaçando seus
cabelos soltos, e caindo em transes pelas ruas.
Mattys teve uma súbita visão de um banquete cerimonial
que havia se tornado uma parte essencial no culto de Münster, no outro
dia enviou um punhado de voluntários para atacar o exército
do príncipe bispo. Jan Bockelson imediatamente tomou o poder executivo.
Ele dissolveu o novo conselho por haver sido escolhido por homens em vez
de por Deus que agia através dele; e designou um gabinete subordinado
a Bockelson, simbolizando os doze anciões das tribos de Israel.
Em seu nome ele emitiu um novo código de leis que abrangia praticamente
todos os crimes, contravenções, faltas, defeitos de caráter
de gravidade capital, desde a traição e adultério
até responsabilidades que atingiam os pais da pessoa. Uma vez estabelecida
a lei também foi estabelecida uma política para obrigar
seu cumprimento, Bockelson introduziu a poligamia, sem ouvir nem mesmo
as recomendações contrárias de seu próprio
gabinete. Quarenta e oito dos principais cidadãos se revoltaram
e o prenderam, mas a população libertou Bockelson e os quarenta
e oito foram mortos. Após algumas outras execuções,
a poligamia foi estabelecida. Eventualmente Bockelson adquiriu quinze
esposas e Rothmann nove.
Nesta época Bockelson, com uma extraordinária ingenuidade,
abriu negociações com Filipe de Hesse e com o Imperador
Carlos V. Este último respondeu enviando um emissário para
que se encontrasse com Rothmann. As negociações fracassaram.
Depois de uma drástica derrota das forças sitiantes quando
tentaram invadir a cidade, em um triunfal banquete massivo, Bockelson
coroou-se a si mesmo como Rei do Povo de Deus e Governador da Nova Sião.
Daí para a frente ele sempre aparecia em estado cerimonial, em
roupões reais feitos dos vestuários religiosos mais suntuosos,
segurando uma maçã dourada perfurada por duas espadas, e
ostentando uma coroa que simbolizava seu governo no mundo, sempre precedido
e seguido por espadachins. Knipperdolling sugeriu a si mesmo como líder
espiritual enquanto que Bockelson agiria como rei nos assuntos mundanos
os messias sacerdotais e reais depois de David e Melchizedek do
apocalipse judaico. Bockelson não recebeu bem essa sugestão
e aprisionou Knipperdolling, como isso repercutiu mal ele logo o libertou
designando-o como mestre de cerimônias, na realidade um sub-comandante.
Em 13 de outubro Bockelson convocou toda população para
uma assembléia na praça da catedral, para que depois marchasse
para fora para subjugar os sitiadores e desse boas vindas ao imaginário
exército de anabatistas que estava vindo dos Países Baixos.
Quanto todos se concentraram ele anunciou que se tratava de um teste de
lealdade e convidou-os todos para um grande banquete messiânico.
Foram fixadas mesas pela praça e toda população alegrou-se,
dançou e cantou enquanto o rei, a rainha e os conselheiros os serviam,
ao final foi distribuído pão e vinho santificado em sagrada
comunhão. Quando Bockelson anunciou sua abdicação,
Jan Dousentschuer, o profeta de plantão, imediatamente teve uma
comunicação com a deidade que proibia a abdicação,
e cerimonialmente ungiram e coroaram Bockelson novamente, enquanto o povo
reunido festejava.
Antes que se tornasse um líder religioso, Jan Bockelson tinha
sido escritor de concursos e peças religiosas, e ele disse que
havia planejado e organizado a comuna de Münster como um melodrama religioso.
Certamente ele proporcionou às pessoas bastante esplendor nas cerimônias
de sua corte: encontros religiosos ao ar livre, comunhão, banquetes
messiânicos, e jogos, trata-se de uma situação revolucionária
mesmo baseada no misticismo medieval e em milagres. Um de seus atos mais
importantes foi difundir a distribuição de bens e de comida,
e o mais importante, introduzir o comunismo de produção.
Os membros da guilda cujo trabalho era essencial à vida da comunidade
foram ordenados para trabalhar sem salário e contribuir com seus
produtos ao depósito de bens os quais todos poderiam dispor livremente
de acordo com a necessidade. Todo esse programa parece ter funcionado
com pouca resistência. Algumas pessoas foram executadas por acúmulo
e algumas mulheres por se oporem às práticas poligâmicas
ele próprio decapitou uma de suas esposas mas sobretudo
por se objetarem às suas medidas comunizantes. Muitas de suas execuções
parecem ter sido incentivadas pelo seu gosto pela decapitação.
Ele possuía uma concepção folclórica de realeza
um rei deve constantemente gritar "arranquem a cabeça
dele!". Esta atitude naturalmente foi compartilhada pela maioria
da população. Na realidade toda a ideologia de Münster que
emerge dos documentos é carregada de folclore, uma combinação
de lendas apócrifas do judaísmo, contos camponeses dos irmãos
Grimm, e lendas da Idade Média, tudo sob o pano de fundo da teologia
anabatista que não exerce um papel exclusivo. Durante o outono
e o inverno lentamente von Waldek juntou dinheiro, aliados, e mercenários,
apertando o assédio e aumentando ainda mais o cerco. Foram despachados
emissários para pedir ajuda mas todos eram pegos e executados,
exceto um, Henry Graess, que virou traidor e revelou o plano de mobilização
efetuado para obter suporte de forças anabatistas. Poucos responderam.
O próprio Graess que já havia retornado a Münster foi julgado
e decapitado.
Antes da primavera a cidade passava fome. Em junho de 1535 começou
a escassez. As mulheres e crianças, com exceção da
Rainha Divara e alguns outros, e os homens mais velhos, foram enviados
para fora da cidade. Von Waldek recusou que atravessassem suas linhas
e permaneceram cercados entre os muros e o exército sitiante até
que a maioria morresse. Este ato de extraordinária crueldade foi
executado sob as ordens específicas do arcebispo de Colônia
que von Waldek tinha convidado para seu conselho.
Parecia que Münster iria se render durante o verão quando de repente
dois homens, Hans Eck e Henry Gresbeck, escaparam da cidade e atravessaram
as fileiras do príncipe bispo. Depois de uma batalha de intensidade
diabólica que durou todo o dia a cidade caiu e o exército
invasor arrasou a cidade matando a maioria de seus habitantes. Bockelson,
Knipperdolling, e Bernard Krechting, principais conselheiros do rei, foram
capturados. Rothmann desapareceu e nunca foi encontrado, nem vivo, nem
morto. Durante seis meses os três líderes desfilaram pelo
país afora dentro de gaiolas. Até que foram devolvidos a
Münster, julgados, condenados, e literalmente torturados até
a morte. Depois seus corpos foram colocados em gaiolas e dependurados
na torre da igreja de Santo Lambert, onde permaneceram até o fim
do século dezenove, quando a torre foi reconstruída e as
gaiolas substituídas. Assim terminou a única comunidade
comunista a ser estabelecida em um estado regular até a Revolução
Russa pelo menos na civilização Ocidental.
Thomas Münzer permanecera apenas alguns dias em Mühlhausen, e é
duvidoso se qualquer uma das medidas comunizantes propostas por ele e
Pfeiffer tivessem resultado efetivas, além do mais tais medidas
eram centralizadas em sua política milenarista. A resistência
incrivelmente longa de Münzer deveu-se a vários fatores. Tanto
Burgomaster Knipperdolling como João de Leyden foram notáveis
políticos qualificados e organizadores, com toda sua fantástica
linguagem e cerimoniais, Rothmann foi um apologista de uma inteligência
incomum. Eles não tiveram escrúpulos de fazer uso do mais
extremo terror. Não apenas mantendo os rebeldes fora de circulação,
como unificando e convencendo a maioria da população a consentir
isso.
O comunismo não foi um incidente no milenarismo de Bockelson,
nem foi um mero "comunismo de assédio. O comunismo de
Bockelson foi central. O batismo em massa de adultos propiciava nos membros
uma convenção e a comunhão em massa mantinha-os juntos.
Os sacramentos não eram o principal. O principal estava na comunidade
onde as coisas eram compartilhadas. Cada esforço era feito para
intensificar este senso de comunidade. A vida ela melodramatizada. Concursos,
execuções, grandes banquetes messiânicos, até
mesmo o próprio assédio contribuiu à exultação.
Se a vida em Tabor foi exaltada, a vida em Münster por mais que seus participantes
fossem estáticos e encantados, havia um contínuo ágape.
Havia pouca chance para pausar e lembrar de si mesmo. Até mesmo
o anabatista mais convicto necessitaria apenas de alguns dias de pausa
para suspeitar que não estava em nenhuma Jerusalém divina
mas que se tratava de uma armadilha em que foi pego. A poucos foi permitido
um tempo para reflexão. Eles foram varridos por um tremendo fervor
revolucionário aumentado pelo mito.
Houve ganhos positivos a serem considerados a partir da experiência
de Münster, mas poucos deles foram percebidos. O mais importante
foi precisamente a manifestação da comuna revolucionária
através de um culto dramático, cerimonial. Algo que os revolucionários
do futuro raramente estariam preparados para admitir. Apenas Robespierre
na plenitude de seu poder e os bolcheviques nos primeiros anos da Revolução
e da Guerra Civil conscientemente adotaram tal conceito ou prática.
Indubitavelmente haveria coisas a serem aprendidas da economia política
real de Münster mas nada sabemos sobre esse assunto. Porém,
um número surpreendente de pessoas escapou para retornar posteriormente
na forma de grupos comunais pacifistas provavelmente trazendo consigo
alguns benefícios práticos de sua experiência.
O anabatismo jamais seria capaz de sobreviver em Münster. Desde o começo
as perseguições foram grandemente intensificadas. A descoberta
de um grupo anabatista, não importa o quão pequeno fosse,
era recebido com horror pelas autoridades e os sócios eram freqüentemente
executados sem as mãos. Não obstante o movimento foi suficientemente
grande em seu início, considerando o grande número que fugiu
de Münster para voltar depois; nos anos posteriores se espalhou pelo
estrangeiro crescendo de forma espantosa. Essa histeria política
se assemelhou um pouco à histeria macartista que varreu o século
XX em toda a Europa. As autoridades viam anabatistas em toda parte e qualquer
encontro ortodoxo não católico, luterano ou calvinista era
imediatamente rotulado de anabatista. Os eclesiásticos ingleses
estavam convictos de que todo o sul e oeste da Inglaterra estava enxameado
de anabatistas. A verdade é que se havia alguns eram bem escassos,
quando descobriam um punhado de imigrantes alemães e holandeses
estes eram presos, exilados ou executados. Como ocorreu com o próprio
movimento anabatista, Münster tornou-se rigorosamente pacifista
na realidade a maioria dos grupos organizados sempre foram pacifistas.
Durante os quatro anos que se sucederam após a queda de Münster
os anabatistas passaram a ser caçados como nunca. Eles já
eram perseguidos anteriormente. Agora, protestantes, católicos,
e quase todos os estados da Europa Central se uniram para extermina-los.
E isto não era uma tarefa pequena. Havia um número significante
de anabatistas na Suíça, onde o movimento nascera apenas
dez anos atras; no Tirol austríaco, no lado italiano dos Alpes,
na Moravia, Silesia, Danzig, Polonia, sudoeste da Alemanha e a Baixa Renolândia,
o Vale do Rhone, e Picardia na França; e na Bélgica e Países
Baixos onde, até a chegada do calvinismo e a luta pela libertação
do Império, o anabatismo era adotado como a principal vertente
da Reforma.
A despeito do grande número de pessoas vindas dos Países
Baixos tentando chegar até Münster, a militancia chialista
nunca caracterizou o anabatismo alemão. A maioria era composta
por pacifistas que, mesmo supondo serem milenaristas, já havia
iniciado um processo de eterealização desse item
de sua fé. A maioria deles foi profundamente influenciado pelo
movimento paralelo dos espiritualizadores, que colocaram pouca
ênfase no batismo e na sagrada comunhão ou tinham abandonado
completamente os sacramentos. Nos anos em que chegaram os espiritualizadores,
Sebastian Franck, Caspar Schwenkfeld, Hans Denk, Valentin Weigel, e outros,
inclusive Jakob Boehme, eles se tornaram leitura favorita dos anabatistas
reorganizados e reformados que passaram a ser chamados de menonitas.
Sob a égide de uma implacável e inexorável perseguição
o movimento dividiu-se em três partes: os pacifistas, que recusavam
juramentos, o serviço militar, e cargo público, mas que
rejeitavam o comunismo; os pacifistas e comunistas; e os militantes chialistas
remanescentes que literalmente desapareceriam sob perseguição.
Menno Simons nasceu em Friesland, filho de camponeses, foi treinado para
o sacerdócio romano e ordenado em 1524. Desde o princípio
pareceu ser um católico evangélico mas logo rejeitou a doutrina
da transubstanciação. Seu irmão Peter morreu lutando
juntamente com um bando que tentava libertar Münster. Menno ficou profundamente
chocado com a violência praticada por ambos os lados em Münster.
Na plenitude das perseguições subsequentes ele abandonou
seu sacerdócio. Passou a atuar secretamente e gastou o resto de
sua vida como um pregador vagante, com a cabeça a prêmio,
caçado pelas autoridades, mas sempre protegido pelos crentes. No
devido tempo ele transformou o que tinha sido um movimento independente
e freqüentemente antagônico em uma igreja ligeiramente organizada
que incluía tanto comunistas como não comunistas
mas disciplinada pela excomunhão congregacional a
"proibição.
Menno recolheu e sistematizou a teologia anabatista e embora suas idéias
não tenham sido universalmente aceitas elas proveram um núcleo
normativo, um núcleo central. Em dez anos os anabatistas em geral
passaram a ser chamados de menonitas. Por séculos a proibição
foi utilizada, originalmente como um princípio unificador. Os cismas
e divisões surgiam na medida da rigidez ou da flexibilidade dessas
proibições, divisões bem visíveis hoje por
toda a América, que separa as várias tendências. Porém,
estas divisões não impediram os menonitas de se apresentarem
enquanto frente unida em todo o mundo.
Em 1577 na medida em que o protestantismo dos Países Baixos ficava
mais calvinista e o país batalhava por libertar-se do Império,
William de Orange conseguiu, sob sua liderança, imprimir nos Estados
Gerais uma garantia de liberdade religiosa ao longo dos Países
Baixos, pelo menos lá não houve mais perseguição.
Com o passar do tempo os menonitas holandeses tornaram-se ricos, concordaram
com parte do establishment, e finalmente permitiram seus sócios
aceitar empregos públicos, e em alguns casos, participar na guerra.
A tradição comunitária original estritamente pacifista,
embora não propriamente comunista, sobreviveria entre os menonitas
americanos.
Mas imediatamente após a queda de Münster não foi fácil
aos anabatistas praticarem o comunismo ao mesmo tempo em que eram caçados.
Os militantes, sob a liderança de João de Battenberg, um
dos líderes que tinham escapado de Münster, atuavam secretamente.
Eles não praticavam nenhuma cerimônia pública de batismo,
comunhão, ou o ágape mas escrupulosamente compareciam
à Igreja Católica. Eles praticavam poligamia da melhor maneira
que podiam, compartilhavam em comum os seus bens e aumentavam seu fundo
comum pilhando igrejas e monastérios. Battenberg foi capturado
e executado em 1538 mas o movimento sobreviveu nos Países Baixos
durante outros cinco anos. Aqueles que rejeitavam a poligamia, violência,
roubo, e nudismo foram mais ou menos unidos por David Joris, um artista,
poeta, e compositor de hinos. O mais estudioso da maioria dos sobreviventes
münsteritas, ele foi profundamente influenciado pelas profecias apocalípticas
dos "três reinos" de Joachim de Fiore, pelo misticismo
de Meister Eckhart, e pelos espiritualistas contemporâneos. Os seguidores
de Joris desencadearam uma ativa propaganda no sudeste da Inglaterra.
Suas idéias tiveram muito a ver com a determinação
do caráter da Reforma radical inglesa dali em diante. Porém,
a principal influência foi exercida pelo movimento puramente espiritualista
fundado por Henry Nicholas a Família do Amor. David Joris
refugiou-se em Basel e conduziu o seu movimento através de cartas
e missionários. Ele foi um dos poucos anabatistas a morrer pacificamente
em cima de uma cama, em 1556. Depois de sua morte alguns dos seus seguidores
que o acusaram de manter um harém e praticar as mais completas
imoralidades, desenterraram e queimaram seu corpo. Pequenos grupos comunistas
sobreviveram em alguns países como a Suíça e Países
Baixos durante mais uma geração, mas a maioria imigrou por
questões de segurança.
Desde 1528 um santuário comunista estava sendo preparado na Moravia.
Em 1526 Jacob Hutter chegou na colônia de Nicolsburg, que estava
sob o patrocínio do duas vezes batizado Lord de Liechtenstein.
Hutter era um milenarista e comunitarista violento, mas ele também
era um "violento pacifista". Ele provocou grandes divisões
na comunidade anabatista, um dos seus mais típicos seguidores,
Balthasar Hübmaier, no transcorrer destas disputas foi capturado e condenado
à morte em Viena em 1528. O próprio Hutter foi testemunhar
o martírio, foi quando seu grupo pacifista, comunista, sob a liderança
de Jacob Wiedemann e Filipe Yaeger, montou sua própria comunidade.
Após uma longa e pacífica discussão, Lord Liechtenstein
pediu que partissem. Eles decidiram se mudar para Austerlitz na Moravia,
e nas palavras das Crônicas Huteritas:
Então eles buscaram vender suas posses. Alguns venderam,
mas outros permaneceram com o que tinham, e dividiram entre si o que
possuíam. O que sobrou de suas posses o Lord de Liechtenstein
enviou-lhes posteriormente. Assim Nicolsburg, Bergen, juntaram aproximadamente
duzentas pessoas, sem [contar] as crianças diante da cidade [de
Nicolsburg]. Algumas pessoas saíram . . . tomadas de
grande compaixão, mas outros discutiram. . . . Então
eles se levantaram, saíram, e ocuparam. . . uma aldeia desolada
durante um dia e uma noite, formando um conselho para negociar com o
Lord com relação à sua presente necessidade, ordenaram
[geordnet] ministros para suas necessidades temporais [dienner
in der Zeitlichenn Notdurfft]. . . . Então os
homens estenderam uma manta diante das pessoas, e os homens deram sua
contribuição, com o coração aberto e sem
constrangimento, para o sustento dos necessitados, de acordo com a doutrina
dos profetas e dos apóstolos [Isaías 23.18; Atos 5.4-5].
Naquela manta, na primavera de 1528, foram colocadas as bases da sociedade
comunista de mais longa vida que o mundo já viu. Leonhardt von
Liechtenstein escoltou-os até a fronteira do seu principado e lhes
implorou para que ficassem. Ele prometera defender seu refúgio
anabatista com seus punhos contra Viena, ao que os líderes responderam,
Mesmo que você prometa recorrer à espada para nos proteger,
não podemos permanecer. Eles enviaram mensageiros para os
irmãos von Kaunitz e para os Lordes de Austerlitz, que responderam
que o huteritas seriam vem-vindos, mesmo que fossem aos milhares. Depois
de três meses de estrada eles foram entusiasticamente recebidos
já havia uma colônia de membros radicais dos Irmãos
Boêmios por lá. Em pouco tempo eles construíram casas
e começaram a trabalhar seus ofícios e cultivar a terra.
Eles trouxeram consigo um programa de doze pontos para um comunismo religioso
prático que havia sido desenvolvido por um grupo de anabatistas
em Rattenburg, este documento sobrevive nas Crônicas Huterites
e em sua primeira constituição. Em pouco tempo os refugiados
começaram a chegar da Suíça, dos Países Baixos
e especialmente do Tirol. A maioria chegou mais tarde, tanto que hoje
o cerimonial é feito em um velho dialeto tirolês, o familiar
"pequeno idioma", embora os huteritas tivessem sido forçados
a vagar ao longo dos dois hemisférios.
Durante os próximos cinco anos em toda parte os comunistas anabatistas
se envolveram em divisões sectárias e expulsões muito
complicadas para serem descritas brevemente; mas em 1533 Jacob Hutter,
que tinha sido convidado por vários grupos, inclusive de Austerlitz,
como mediador, trouxe seus próprios seguidores do Tirol e inauguraram
um movimento de reunião e federação que durante os
próximos dois anos congregaram todos ou a maior parte dos anabatistas.
No início das perseguições que se abateram sobre
a comuna de Münster ele e sua esposa foram capturados e repetidamente
torturados. Hutter não sucumbiu, mesmo diante das mais fantásticas
crueldades, à tentação de todos os revolucionários
de negociar suas doutrinas com seus captores, muito menos de revelar os
nomes de seus camaradas, ou qualquer segredo do movimento. Ele permaneceu
calado diante daqueles [que julgava ser] agentes do diabo. As autoridades
desejaram decapitá-lo em segredo; mas Ferdinando, que era o Arquiduque
da Áustria, Rei da Boêmia, e Santo Imperador Romano, recusou.
Hutter foi capturado na cidade de Klausen no Tirol, e queimado publicamente
em 25 de fevereiro de 1536.
Depois dos eventos que envolveram Münster, Ferdinando exigiu que todos
os anabatistas fossem expulsos dos territórios subordinados ao
trono austríaco. Eles foram expulsos de muitos lugares, muitos
fugiram para as montanhas e florestas até que a tempestade da perseguição
passasse; mas parece que os nobres moravianos lhes deram proteção,
e tão logo Ferdinando se distraiu eles restabeleceram suas antigas
colônias. Durante estes anos, sob a liderança de João
Ammon, os huteritas iniciaram uma atividade missionária na Europa
Central. Eles enviaram apóstolos, dos quais quatro quintos foram
martirizados, para Danzig, para a Lituânia, para Veneza, e para
a Bélgica.
Um dos mais ativos missionários foi Peter Riedemann, que, tanto
dentro como fora da prisão, iniciou o desenvolvimento de uma teologia
sistemática e uma ordem social para os huteritas. Com a morte de
Ammon em 1542 ele foi eleito líder, embora preso, muito livremente
na verdade, por Filipe de Hesse. Incidentalmente, pouco antes disso, os
huteritas haviam chamado seus líderes bispos, embora eles tivessem
pouca semelhança com os membros do episcopado católico.
Leonard Lanzenstiel tinha sido designado por Ammon como seu sucessor e
tanto Riedemann como Lanzenstiel compartilharam a liderança até
o ano de 1556 quando Riedemann morreu em uma nova colônia em Protzko
na Eslováquia, seu lugar foi ocupado por Peter Waldpot, um dos
maiores líderes huteritas, que morreu em 1578.
Uma geração inteira havia se passado, e o comunismo anabatista
tornara-se uma política bem sucedida, próspera, com raras
turbulências, exceto por uma ou outra contingência sectária,
expandindo colônias periféricas na Eslováquia e Boêmia.
O núcleo do movimento, diretamente administrado por Waldpot, contava
com algo em torno de trinta mil adultos. Desde o princípio em Austerlitz
eles tinham percebido que um comunismo de consumo não era bastante
e passaram a organizar seminários, pequenas fábricas de
artesãos, e passaram a trabalhar com brigadas e fazendas comunais,
com manuais detalhados para os diferentes ramos. Eles estabeleceram suas
próprias escolas (as primeiras escolas maternais e jardins da infância)
com graduações além da adolescência. O ensino
superior foi rejeitado, como é até hoje, como desnecessário
ao bem-estar da comunidade, por distrair do amor de Deus e do amor ao
próximo. Mas suas escolas elementares foram as melhores na Europa
de seu tempo. O cuidado das crianças foi socializado. As crianças
normalmente moravam nas próprias escolas e eram visitadas pelos
seus pais. Cada colônia huterita tinha um programa ativo e cuidadoso
de saúde pública. As aldeias não apenas estavam constantemente
limpas como sua higiene e serviço de saúde pública
eram inigualáveis. Os matrimônios aparentemente eram organizados
com a colaboração dos anciões, da comunidade, e dos
indivíduos em geral, e geralmente tinham muito êxito. De
todos os grupos anabatistas, não importa se fossem comunistas ou
pacifistas, a história dos huteritas é singularmente livre
de escândalos sexuais.
Com um sistema de produção e distribuição
muitas vezes melhor organizado do que qualquer outra coisa na ocasião,
as colônias cresceram ricas. Embora acreditassem individualmente
em viver uma "pobreza decente" eles logo acumularam consideráveis
excessos na produção, particularmente depois que as colônias
permitiram vender seus produtos aos gentios. Estes excessos foram
investidos em importantes melhorias e para subsidiar novas colônias,
uma necessidade, como ainda é hoje, por causa da alta taxa de natalidade,
e baixa taxa de mortalidade, naqueles dias devido à sua exemplar
saúde pública. Os huteritas haviam descoberto uma dinâmica,
contínua e expansiva economia do tipo que Marx mais tarde diagnosticaria
como a essência do capitalismo, tratava-se de uma economia capitalista
mas estava baseada em um nível muito alto de prosperidade para
o camponês, a fonte de sua acumulação de capital.
Em outras palavras, os huteritas em sua pequena sociedade fechada resolvia
a contradição na acumulação do capital e da
circulação que de formas diferentes maltratam os russos
e os americanos hoje.
A idade de ouro dos huteritas durou até 1622, quando os nobres
da Morávia, que haviam sido seus protetores, foram forçados
pela Igreja e pelo Império a expulsá-los de suas propriedades.
Eles se espalharam, encontrando refúgio na Eslováquia, Transilvânia,
e Hungria. Este molestamento aumentou durante a Guerra dos Trinta Anos
quando os imperialistas conseguiram obliterar a Igreja Utraquista da Boêmia
e dirigir secretamente os Irmãos Tchecos. Pelo século XVIII
o comunismo de produção necessariamente tinha sido abandonado
e a comunidade de bens coletivos só foi praticada na forma de um
fundo de bem-estar comum, mas os huteritas preservaram seus costumes tradicionais
e sua forma de adoracão.
Em 1767 foi emitido um decreto, sob a égide dos Jesuítas,
que implicava na captura de todas as crianças huterites na Hungria,
inclusive a Transilvania; as crianças seriam tomadas de seus pais
e internadas em orfanatos. Os huteritas fugiram para a Romênia e
viram-se a si mesmos bem no meio da Guerra Russo-turca. Em 1770 a Imperatriz
Catarina convidou os Pietistas Alemães e anabatistas a se instalarem
na Ucrânia para que ficassem lá o tempo que quizessem. Eles
se desenvolveram, degradaram, reavivaram, até que emigraram para
os Estados Unidos e finalmente Canadá, onde floresceram como nunca
antes. Retornaremos a eles quando voltarmos a discutir o comunalismo moderno,
dos quais eles são incomparavelmente os mais bem sucedidos praticantes.
Durante a última metade do século XVI houveram sobreviventes
isolados e esporádicos reavivamentos comunistas entre grupos de
anabatistas e espiritualistas. A comunidade de bens coletivos permaneceu
como um ideal apostólico entre os Irmãos Suiços e
os Irmãos Tchecos cuja prática ressurgiu temporariamente
quando alguns deles migraram para a América. Houveram colônias
comunistas na poderosa Igreja Unitária da Transilvânia.
A única comunidade que pode ser comparada com as comunidades huteritas
foi a de Rakow em Little Poland a noroeste de Cracóvia. Fundada
em 1569 por Gregory Paul, atraíu anabatistas, espiritualistas,
e líderes unitários de toda parte da Polônia, Prússia, Lituânia,
Silesia, e Galícia, toda a região nordeste da Europa Central daqueles
dias, antes da Contra-Reforma, parecia estar aderindo à Reforma
radical. Uma das características mais notáveis da Reforma
radical nesse território foi o grande número de nobres que
se converteram, libertando seus servos, vendendo suas terras, distribuindo
seus bens aos pobres, e tomando parte como iguais no comunismo de Rakow
nessa ordem de frequencia. Quer dizer, muitos apenas libertaram
seus servos, e apenas alguns vieram a Rakow, entretanto um bom número
dos nobres mais poderosos foram simpáticos ao anabatismo.
Os rakovianos enviaram uma delegação aos huteritas
da Morávia,propondo se afiliar com eles e aprender seus métodos.
Os rakovianos ficaram impressionados pela eficiência e prosperidade
huterite, mas rejeitaram seu trinitarianismo, e ficaram ofendidos pela
suposta arrogância, intolerância e vaidade que viram neles.
Neste momento, a julgar pelo testemunho polonês, os huteritas acreditavam
que aquele que possui uma casa, terra, ou dinheiro, e não
entrega essas coisas à comunidade, não é um cristão,
mas um pagão, e não pode ser salvo. O comunismo rakoviano
não era uma condição de salvação mas
simplesmente a deliberação de uma vida apostólica
mais perfeita.
Os huteritas por seu turno objetaram, naturalmente, o unitarianismo polonês,
mas surpreendentemente, não muito fortemente. Sem dúvida
o mais importante eram práticas que a nós pareceriam triviais.
Os huteritas batizavam por asperção e os poloneses por imersão.
Mas mais importante ainda foi a diferença de classe. Os huteritas
foram camponeses e trabalhadores cuja educação, por mais
estranho que pareça, foi limitada à Bíblia e alguns
escritores espirituais. Eles ficaram ofendidos pelos modos aristocráticos
dos poloneses, pela sua "frieza de coração", pelo
seu conhecimento de idiomas, seus nomes latinizados, e sua recusa em se
submeter completamente à autoridade huterite. Peter Waldpot foi
tão longe em suas demandas com os poloneses que propôs que
eles fossem rebatizados pelos huteritas. Durante dois anos houveram cartas
e visitas até que finalmente os rakovianos deixaram uma
esperança de se afiliarem aos huteritas. As negociações
caminhavam bem até que os poloneses quebraram alguns protocolos
quando visitaram as colônica huterites. Não há registro
de nenhum huterite visitando Rakow.
Além do anabatismo radical polonês destacou-se Faustus Socinus,
um dos principais teólogos do período da Reforma, que havia
migrado da Itália para a Polônia. Ele elaborou um sistema
completamente desenvolvido em que unitarianismo, pacifismo, comunidade
de bens coletivos, batismo por imersão, e todas as principais doutrinas
do anabatismo polones e espiritualista foram racionalmente relacionadas
em uma filosofia sistemática que era ao mesmo tempo consistentemente
evangélica. Quando os Irmãos poloneses foram expulsos da
Polônia e acharam refúgio na Holanda eles revelaram tanto
na doutrina como na prática uma considerável influência
dos menonitas holandeses mais radicais, mantendo-a no desenvolvimento
do movimento na Inglaterra e América. Na Polônia, a Contra-Reforma
conduzida pelos jesuítas fez seu trabalho completo, e os Irmãos
Poloneses comunalistas foram extintos.
Como uma nota de rodapé deveria ser mostrado que a diferença
básica entre os huteritas e quase todas as outras seitas cristãs,
ortodoxas ou heterodoxas, é que a sociedade das colônias
huteritas foram o que os teóricos modernos chamariam de uma "cultura
da vergonha", fundamentalmente não assimilável pela
"cultura da culpa" do cristianismo e do judaísmo rabínico
(diferente do hasídico).
Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão
de Kenneth Rexroth Trust.
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