B U R E A U   D O S   S E G R E D O S   P Ú B L I C O S

 

 

 

 

Comunalismo
Das Origens ao Século XX

 

10. Winstanley, Os Diggers

11. Oriente Próximo e Rússia

 

10. Winstanley, Os Diggers

Surpreendentemente o século XVII com suas guerras religiosas quase contínuas não foi um tempo bom para a reforma radical. Conforme o dístico cujis regio, ejus religio — a religião tinha se tornado em larga escala uma questão política. As guerras entre nações e entre alianças de nações dividiram a Europa em blocos de católicos, luteranos, e calvinistas. Pequenos grupos de eleitos foram esmagados pelo peso dos monstros em combate. Na guerra dos trinta anos também ocorreu coisa semelhante, a luta para destruir o santo império romano enquanto poder dominante na Europa, também esmagou ou distorceu profundamente a cultura das várias partes do império. A Alemanha emergiu fragmentada e desgastada e não se recuperou por gerações. A reforma radical teve um desenvolvimento natural na cultura da segunda metade da era medieval na Europa e a guerra dos trinta anos destruiu suas raízes. Nos Países Baixos, Suíça, e entre os huteritas em seus remotos refúgios, tinha começado um processo de fossilização.

A guerra civil inglesa e a commonwealth foram essencialmente um produto de luta de classes, e a proliferação de seitas nos dias posteriores da guerra civil aconteceu quase completamente no contexto proletário da baixa classe média. A despeito de seu nome, os levellers [nivelados] estavam longe de ser democratas desenfreados. Eles propuseram estender a participação no poder apenas a homens de substancia — substancia pequena, de classe média — como eles mesmos. Os homens da quinta monarquia eram chiliastas tão extremados que não tinham nenhum programa social.

Os ranters foram apenas incidentalmente milenaristas. Basicamente eles eram uma revivicação da fraternidade do espírito livre, que acreditavam que uma vez divinizada e absorvida por Deus a alma era incapaz do mal. Como os adamitas que foram expulsos de Tabor viviam exaltados em um êxtase amoral. Se praticavam a comunidade de bens, nudismo, falar em línguas, e orgias sexuais, tudo fazia parte de uma frenética, apressada, e desejada vida vivida em um estado de excitação insaciável. Algums ranters eram simplesmente espiritualistas ao extremo, descendentes de Meister Eckhart e dos místicos da Renolândia; com a restauração de Charles II eles foram absorvidos pelos quakers. Eles realmente se localizam completamente fora do desenvolvimento do puritanismo inglês.

A agitação dos levellers durou apenas três anos. Eles foram principalmente um partido político que desejava ver as promessas do Rump Parliament cumpridas. Tanto seu líder, John Lilburne, no princípio sócio de Cromwell, como os demais levellers estavam cobertos de razão quando acusaram o Parliament de te-los traído. Embora a redação final do Agreement of the Free People of England [Acordo das Pessoas Livres da Inglaterra], manifesto político do Parliament, propusesse uma democracia mais ampla que perduraria na Inglaterra até o fim do século XIX, eles não acreditavam em liberdade universal, tanto que excluíram criados, pobres, trabalhadores rurais, católicos romanos, episcopais, realistas, "hereges", e naturalmente, mulheres. Os levellers eram essencialmente esquerdistas republicanos calvinistas. Ao final de 1649 eles foram completamente suprimidos.

Em 1653 os parlamentos nomeados ou “barebones”, escolhidos pelos líderes da igrejas independentes, se instalaram brevemente; mas suas tentativas para inaugurar o regulamento dos santos foram tão radicais e desorganizados que Cromwell dissolveu-os tornando-se ditador — “Protector”. Isto conduziu os milenaristas mais extremados a uma revolta, para os quais Cromwell tornou-se o “pequeno chifre”, a besta do apocalipse. Eles propuseram o estabelecimento de um despotismo cruel do eleito em preparação do reino final do milênio. O movimento da quinta monarquia, pela ausência tanto de ideologia como de um programa social, adotou uma retórica inflamada que consistiu exclusivamente na reiteração e no rearranjo do idioma apocalíptico dos Livros de Daniel e Apocalipse. Foi uma histérica e ruidosa explosão de raiva de homens que sabiam que haviam sido traídos. Ao contrário dos levellers, eles adotaram a revolta armada. Em abril de 1657 um punhado de homens se precipitou sobre Londres como eles pretendiam e foram rapidamente suprimidos. Em janeiro de 1661 ocorreu outra tentativa ainda mais frenética e desesperada, e aqueles que não foram mortos nas ruas foram executados, foi quando a seita se acabou.

Movimentos como a velha família do amor, os seekers, e os quakers cresceram nos interstícios da reforma inglesa, no princípio tão clandestinamente que desde Henry VIII até a emergência dos quakers sabemos surpreendentemente muito pouco sobre eles. Vários grupos foram acusados de praticar o comunismo de bens; mas embora o movimento fosse difundido, pelo menos na imaginação de seus perseguidores, cada grupo parece ter sido um minúsculo conventículo, com os membros se encontrando nas casas uns dos outros e compartilhando seus recursos. Teologicamente o velho anabatismo morrera na Inglaterra sendo substituído pelo espiritualismo. A moderna seita batista que surgiu naqueles dias teve um desenvolvimento independente que não deveu praticamente nada ao anabatismo continental, era em muitos aspectos uma forma especial de calvinismo. Nos escritos e pregações de George Fox e dos primeiros quakers não havia nenhuma reunião social especial ou preocupações econômicas, apenas depois da restauração com a consolidação do moderno quakerismo nos dias de William Penn foi que os quakers se tornaram anti-políticos.

Um pequeno grupo de desempregados e camponeses sem terra se reuniram na colina de São George perto de Walton-on-Thames em Surrey em 1 de abril de 1649, ocuparam a terra e começaram a plantar legumes sob a liderança de William Everard e Gerrard Winstanley. No princípio, aquela atitude despertou curiosidade e uma certa dose de condolência, mas com o tempo os senhores locais donos da terra mandaram um bando de jagunços capturar os diggers [roceiros] na igreja de Walton que logo foram libertados pela justiça local. Foram novamente capturados pelos jagunços e levados para a cidade de Kingston e mais uma vez foram libertados. Em 16 de abril uma denúncia dirigida ao conselho de estado resultou em dois grupos de cavalaria enviados para investigar.

O capitão, Gladman, reportou que o incidente era trivial e enviou Everard e Winstanley para Londres para se explicarem eles mesmos para Thomas Fairfax. Eles explicaram que desde a conquista normanda a Inglaterra esteve debaixo de uma tirania, mas que essa tirania seria abolida, pois Deus aliviaria o pobre e restabeleceria sua liberdade para desfrutar os frutos da terra. Os dois homens explicaram que não pretendiam interferir com a propriedade privada, mas apenas plantar e colher nos muitos solos improdutivos da Inglaterra, e viver juntos com todas as coisas em comum. Eles tinham certeza que esse exemplo seria seguido pelo pobres e desapropriados de toda Inglaterra, e com o passar do tempo todos os homens deixariam suas posses e se uniriam em comunidade.

No mês seguinte Lord Fairfax interrompeu seus afazeres em Londres para ver pessoalmente o que estava acontecendo e decidiu que se tratava de um problema que teria que ser resolvido pelas autoridades locais. Em junho outro grupo de jagunços, incluindo alguns soldados, atacaram os diggers e pisotearam suas colheitas. Winstanley reclamou com Fairfax e os soldados aparentemente receberam ordens de deixar os diggers em paz. Em junho os diggers anunciaram que pretendiam cortar e vender madeira coletivamente, neste momento os proprietários os processaram por danos e invasão. O tribunal avaliou os danos em dez libras mais os custos do processo, e apreendeu as vacas colocadas por Winstanley nas pastagens coletivas, liberando-as em seguida por não pertencerem a ele.

Essa sentença desfavorável e a destruição de suas colheitas provavelmente fez com que os diggers se deslocassem no outono para Cobham Manor, onde construíram quatro casas, e pelo inverno começaram a colheita de grãos. Nesse tempo havia mais de cinqüenta diggers. Pela recusa em se dispersar, Fairfax finalmente enviou tropas que, juntamente com jagunços, destruíram duas casas e novamente pisotearam os campos. Os diggers persistiram e antes da primavera eles tinham onze acres cultivados e seis ou sete casas construídas. Movimentos semelhantes se espalharam por toda região de Northamptonshire e Kent. O proprietário, o clérigo, John Platt, lançou seu gado em cima das plantações e mandou seus jagunços destruir as casas e expulsar os diggers com suas mulheres e crianças.

No dia 1 de abril de 1650, Winstanley e quatorze de seus companheiros (Everard, que aparentemente era demente, desaparece cedo na história) foram acusados de desordeiros, formação de quadrilha, e invasão de terras. Não há nenhum registro da apresentação da acusação, mas este foi o fim da pequena sociedade comunista de Cobham.

É tudo isso que se sabe sobre o movimento digger, o episódio trivial dos maravilhosos noventa dias das novas folhas quando elas brotam pela primeira vez. Fatos na maioria das vezes ignorado em seu tempo, e facilmente esquecido pela história -- não fosse pelos escritos de Gerrard Winstanley esse seria o caso do movimento digger. Durante todo o curso dessa experiência ele emitiu uma série de folhetos. Na medida em que suas idéias rapidamente se expandiram, estes folhetos vieram a se constituir na primeira exposição sistemática do comunismo libertário na Inglaterra.

Todas as tendências da reforma radical parecem fluir junto a Winstanley, misturadas e secularizadas, tornando-se ideologia em vez de teologia. Espiritualismo, unitarianismo radical, comunismo apostólico, racionalismo evangélico. Uma pessoa pode facilmente acreditar que conhece toda literatura da reforma radical. Mas a verdade é que nós ainda não sabemos nada a respeito de sua base intelectual, de suas leituras ou de suas influências. Ele nunca cita uma autoridade secular, apenas a Bíblia, e em todos seus escritos, não sabemos nada sobre sua educação, e bem pouco sobre sua vida. Ele diz continuamente que suas idéias não se originam de nenhum homem nem de nenhum livro, mas apenas da Luz Interna e de sua “receptividade” em experiências visionárias. Talvez isso seja verdade.

Gerrard Winstanley nasceu em uma aldeia de Wigan em 1609, em uma família de pequenos nobres e comerciantes que tinham sido durante muito tempo proeminentes na Inglaterra. O pai de Edward era registrado como mercerizador e seu filho entrou no comércio de tecidos. Em algum lugar ele deve ter recebido uma educação muito boa para um garoto provinciano de classe média. Edward nunca faz uso de uma citação clássica, como todo mundo fazia naquela época, essa abstenção proposital indica que ele era não apenas educado mas também muito sofisticado, além disso o estilo prosaico de seus panfletos posteriores é típico de um homem altamente letrado. Aos vinte anos foi para Londres, para receber instruções de Sarah Gater, viúva de Willian Gater da companhia Merchant Taylor, e aos vinte oito anos se tornou um homem livre e montou seu próprio negócio. Três anos depois se casou com Susan King. Na depressão que teve início em 1643 ele faliu, e em 1660 ainda estava sendo processado pelos seus credores. Depois de sua falência, deixou Londres para ficar com amigos nos bairros de Cobham e Walton-on-Thames em Surrey onde, a julgar por suas dificuldades com o gado, ele propôs juntar o gado da comunidade em um pasto comum.

Pouco tempo antes de sua primeira publicação Winstanley juntou-se aos batistas, e aparentemente passou a ser seu pregador, mas antes de 1648 ele passou a acreditar que o batismo era apenas uma formalidade sem importância e parou de freqüentar os conventículos batistas. Foi aí que encontrou alguns pequenos grupos de seekers que se encontravam uns nas casas dos outros esperando pela Luz Interna, e comunicando-se apenas ex tempore. Nessa época ele passou por um período de tentação, culpa, medo da morte e danação, de diabos e fantasmas, e um sentido de perda e abandono, um tempo de crise espiritual universal nas vidas dos grandes místicos. Finalmente, ele foi tomado por uma consciência permanente de Deus dentro de si, uma garantia de salvação universal, e uma paz que vem pela experiência direta de iluminação mística. Suas primeiras duas publicações são realmente dedicadas a assimilar esta experiência. Elas se movem de um chiliasmo altamente espiritualizado, de uma doutrina bem arrazoada de salvação universal, para uma filosofia (em vez de teologia) altamente espiritualizada da história.

Até mesmo os primeiros panfletos tem uma perspicácia original. Seu chiliasmo não conduz a uma forma de salvação de um punhado de eleitos mas à divinização do homem. Em seus ensinos sobre pecado e salvação, o pecado original de Adão não é luxúria mas cobiça — egoísmo e desejo de poder — nesse ponto Winstanley revela-se incomparavelmente mais astuto que os puritanos. No final das contas, o Deus que opera na história, em todos os aspectos, e conscientemente na alma do homem, não é outra coisa senão a "Razão". Seria um erro concluir disto, como alguns modernos escritores tem feito, que Winstanley foi o precursor do racionalismo do século XVIII. Sua razão é o inefável Deus de Plotinus e de Meister Eckhart apreendido na experiência mística, entretanto não separado do homem como Onipotente Criador, mas como a última realização de todas as coisas. Assim, para ele a narrativa do Velho Testamento e a vida e paixão de Cristo deixam de ser documentos históricos sobre coisas que aconteceram no passado para tornarem-se arquétipos simbólicos do drama cósmico da luta entre o bem e o mal que toma lugar na alma do homem.

Quando o panfleto digger começa com a aventura na colina de São George, o apelo básico de Winstanley não é a prática dos apóstolos nem uma ética escatológica preparatória para o apocalipse. Seu comunismo inicia com uma “receptividade”, uma visão atual, e o apelo é sempre à sua transcendente e iminente Razão — uma lei natural espiritualizada, não diferente do Tao de Chuang Tsu.

Igualmente eu ouvi estas palavras: “Trabalhe em conjunto. Coma em conjunto. Declare essas coisas pelo mundo afora”. Igualmente eu ouvi estas palavras: “Entre o lavrador e qualquer pessoa ou pessoas que se erguem acima de si mesmas como senhores ou governantes sobre outros e que não vêem a si como iguais aos demais na criação, a Mão do Senhor está com o lavrador. Eu o Senhor disse isso e faço isso. Declare essas coisas pelo mundo afora”. [The New Law of Righteousness, 1648]

Esta visão não veio como um comando do alto, mas como uma voz brotando dentro da experiência da própria natureza, nas palavras de Winstanley, a doutrina da deidade antropomorfa, superior ao que era contra e independente da natureza,

é a doutrina de um espírito doentio e fraco que perdeu sua compreensão do conhecimento da Criação e do temperamento do seu próprio Coração e Natureza e assim se perde em fantasias. [The Law of Freedom in a Platform or True Magistracy Restored, 1652]

Conhecer os segredos da natureza é conhecer as obras de Deus; e conhecer as obras de Deus na criação é conhecer o próprio Deus, pois Deus mora em cada obra ou corpo visível. E se você conhece verdadeiramente as coisas espirituais, você o conhece como o Espírito ou o Poder da Sabedoria e da Vida, que causa o movimento ou o crescimento, que habita em seu interior e governa tanto os muitos corpos estelares e planetas nos céus lá em cima como os muitos corpos na terra aqui em baixo como a grama, as plantas, os peixes, os animais, os pássaros e os homens. [Ibid.]

Crer em céu ou inferno externos é um "conceito estranho", uma fraude pela qual os homens são submetidos ao poder de seus opressores,

. . . uma fantasia que seus falsos mestres colocaram em suas cabeças para se aproveitarem de vocês, enquanto pegam suas carteiras e traem a Cristo com as mãos da carne, e separam Jacob para ser servo do Senhor Esaú. [The New Law of Righteousness]

A verdadeira e genuína religião é esta, restituir à Terra tudo aquilo que tem sido retirado dela, que as pessoas comuns se apropriem do poder [usurpado] por antigas conquistas e que o oprimido se liberte. [A New Yeers Gift for the Parliament and the Armie, 1650]

A terra com todos seus frutos como milho, gado, e os depósitos de alimento, devem estar a disposição de toda a humanidade, amigos e inimigos, sem exceção. [A Declaration from the Poor Oppressed People of England, 1649]

E foi esta propriedade particular do meu e do teu que trouxe toda a miséria às pessoas. Seu primeiro aborrecimento: as pessoas começaram a roubar umas às outras. Seu segundo aborrecimento: fizeram leis para proteger aqueles que praticam o roubo. Isso tenta as pessoas a praticarem más ações e então as matam por fazer isso. [The New Law of Righteousness]

Agora, este mesmo poder no homem que causa divisões e guerra é chamado por alguns homens de estado natural que cada homem traz ao mundo com ele. . . . Mas esta lei das trevas não é o Estado Natural. [Fire in the Bush, 1650]

. . . o poder da Vida (chamada Lei da Natureza dentro das criaturas) que move o homem e a besta em suas ações; ou que faz a grama, as árvores, o milho e todas as plantas crescer em suas várias estações; e tudo que qualquer corpo faz, ele faz movido por esta Lei interior. E esta Lei Natural se move tanto racional como irracionalmente. [The Law of Freedom in a Platform or True Magistracy Restored]

No começo dos tempos o grande criador Razão fez da terra um tesouro comum . . . nem uma palavra foi dita no princípio de que uma parcela do gênero humano deveria governar sobre outra. [The True Levellers Standard Advanced, 1649]

. . . o poder de cercar a terra e de ser dono de uma propriedade foi trazido à criação por nossos antepassados pela espada. Primeiro assassinaram seus semelhantes e depois saquearam ou roubaram suas terras. [A Declaration from the Poor Oppressed People of England]

Por meio de sua sutil imaginação e inteligência voltada para a cobiça eles pegaram seus irmãos mais jovens ou humildes para trabalhar para eles por pequenos salários e pelo trabalho deles acumularam grandes riquezas. [The True Levellers Standard Advanced]

Por alto pagamento, muitos meeiros e outros saqueadores que trabalhavam para eles acumularam muito dinheiro e com ele compraram a terra. [Ibid.]

Nenhum homem pode ser rico, mas ele acaba enriquecendo, não pelo seu próprio trabalho, mas às custas do trabalho de outros homens. Se um homem não conta com a ajuda de seu próximo, ele nunca se apossará de centenas e milhares de propriedades por ano. Se outros homens o ajudaram a trabalhar, então essa riqueza pertence a esses homens como pertence a ele, porque é fruto tanto do trabalho de outros homens como do seu. Mas todo homem rico é folgado, alimenta-se e veste-se às custas do trabalho de outros homens e não do seu próprio; que é sua vergonha e não sua nobreza. por isso é mais abençoado dar do que receber. Mas o homem rico recebe tudo que tem das mãos dos trabalhadores, e o que ele dá é produto do trabalho de outros homens, não do seu próprio. [The Law of Freedom in a Platform or True Magistracy Restored]

. . . uma vez proprietários, então eles se elevam ao grau de juizes, legisladores e governadores dos estados conforme a experiência mostra. [The True Levellers Standard Advanced]

. . . o poder de assassinar e roubar legalmente pelo poder da espada, tanto no passado como nos dias atuais, tem fortalecido o governo e sustentado aqueles que governam; as prisões, as condenações à morte, e o poder da espada, servem para obrigar as pessoas a se submeterem a um governo que se estabeleceu pela violência e pela espada e que não pode se sustentar a si mesmo senão pelo mesmo poder assassino. [A Declaration from the Poor Oppressed People of England]

. . . os jogos de poder reais fixam uma Lei e regras de governo a serem cumpridas; aqui a Justiça é fingida mas a força da lei é imposta pela violência da espada para preservar sua filha Propriedade. . . . Assim eles dizem que a lei existe para manter a ordem mas a lei é a força, a vida e a medula do poder real que ainda se apoia na violência, cercando a terra para alguns e impedindo o acesso a outros; dando terra a alguns e negando terra a outros, o que contraria a Lei da Justiça na qual o acesso à terra é livre para todos. . . . Na verdade a maioria das leis foram feitas para que o pobre seja escravizado pelo rico pela imposição da violência e das leis dos grandes Dragões Vermelhos. [A New Yeers Gift for the Parliament and the Armie]

Winstanley emprestou dos levellers a idéia de que a Inglaterra anglo-saxã compartilhara a terra de forma eqüitativa; que a conquista normanda propiciara a criação de grandes propriedades, que a antiga população foi desapropriada ou lançada na servidão; que esta divisão desigual da riqueza básica da terra tinha sido perpetuada desde então pelo poder da espada; que aquela lei e religião estabelecida eram apenas dispositivos para justificar o uso da espada; e finalmente, que a subversão do rei, o herdeiro do poder normando, resultara em nenhuma mudança importante. As velhas leis permaneceram intatas. Uma nova Igreja, primeiro as presbiterianas e depois as independentes, foram estabelecidas, e a grandeza e riqueza da nova commonwealth foi construída pelos cavaleiros de William, o Conquistador, enquanto que o povo comum afundava na mais profunda pobreza. A interpretação de Winstanley da história inglesa foi considerada ingênua, mas há muito a ser dito a esse respeito. A Inglaterra anglo-saxã foi de fato um país de fronteira. Durante todo o período da Idade das Trevas foi marcada por um catastrófico despovoamento iniciado no século V, havia muita terra livre por toda Europa, principalmente nas ilhas britânicas.

Referindo-se aos advogados ele diz “eles amam o dinheiro tão afetuosamente como o cão de um homem pobre ama seu desjejum numa manhã fria, e ainda são tidos como trabalhadores limpos, eles viram uma causa conforme o tamanho do bolso do freguês”.

Oh parlamentar da Inglaterra, que despeja suas leis sobre nós, elas são tão triviais, você finge amar a todos, e não é fiel a ninguém. Na verdade, aquele que espera pela lei, conforme diz o provérbio, morrerá mendigo. As velhas leis, como velhas prostitutas, apanha as carteiras dos homens e as esvaziam . . . queimem todos seus códigos de leis . . . , e montem seu governo sobre suas próprias bases. Não coloquem vinho novo em odres velhos; se seu governo precisa ser novo então deixem as leis serem novas, senão você afundará mais ainda na lama onde você está atolado, você seria mais rápido em um pântano irlandês. [A New Yeers Gift for the Parliament and the Armie]

Referindo-se à igreja:

Pelo que temos visto, se se trata de adquirir dízimos ou dinheiro, de uma forma ou de outra, o clero dobra-se ao poder dos governantes, . . . do papado, do protestantismo; por um rei, contra um rei; pela monarquia, por qualquer governo; eles clamam por melhores salários, eles estarão do lado do mais forte para garantir seu sustento terrestre. . . . Há uma confraria entre o clero e o grande Dragão vermelho. As ovelhas de Cristo nunca estarão bem enquanto o lobo ou o Dragão vermelho pagar salários aos seus pastores. [Ibid.]

 

Para Winstanley, a propriedade privada, especialmente a propriedade da terra como fonte de toda riqueza, “é a causa de todas as guerras, matanças, roubo, e leis escravistas que mantém as pessoas em estado de miséria”. A propriedade privada divide o homem do homem, nação de nação, e conduz a um estado de contínuas guerras que realimentam o poder do estado.

Winstanley foi o primeiro a descobrir o axioma que Randolph Bourne tornou famoso — “guerra é saúde do Estado”. Ele também teve a idéia curiosa e original de que a invenção científica é encorajada pela estrutura do poder apenas em tempos de guerra. “A escravidão real é a causa da propagação da ignorância na terra pelo medo e a indisposição em remunerar os mestres impedindo muitas invenções raras e os segredos da criação, trancafiados pelo tradicional bla-bla-bla das Faculdades e Universidades”. A guerra, diz Winstanley, faz os ricos mais ricos, os pobres mais pobres, e fortalece os laços do poder.

Winstanley foi um completo e devoto pacifista durante a experiência com os diggers, por isso abusaram de violência contra eles, destruíram suas choupanas, feriram e mataram seu gado, tudo isso por não apresentarem nenhuma resistência. Eles acreditavam que seu exemplo, se apenas lhes fosse permitido cultivar a terra coletivamente em terras improdutivas, seria tão penetrante que logo seria imitado por todos os pobres da Inglaterra; e que uma vez estabelecida uma comunidade de amor, ela se espalharia por toda sociedade inglesa, seu sucesso conduziria até mesmo os ricos e poderosos a se unir a eles e, eventualmente, toda Europa se tornaria comunista persuadida apenas pelo exemplo.

Socialistas, modernos comunistas, anarquistas, todos reivindicam Winstanley como um precursor. Na realidade suas idéias mostram muita semelhança com as dos esquerdistas que apoiavam o imposto único de Henry George. Para ele a fonte de toda riqueza estava na terra e seu desenvolvimento na aplicação do trabalho usando os recursos da terra. Se estes recursos fossem de posse coletiva, se fosse permitido a todos os homens desenvolvê-los livremente, se os homens trabalhassem em comum, então a riqueza resultante, até mesmo as oficinas e fábricas, se tornariam naturalmente comunalizadas. Marxistas contemporâneos modernos chamaram isso de economia ingênua, mas tal idéia foi defendida no começo do século XX por um economista que poderia ser qualquer coisa menos ingênuo, Henry George, que atraiu incontáveis milhares de seguidores inteligentes e é, no final das contas, a tese fundamental do próprio Marx. Mas, para Winstanley, a economia não era a coisa mais importante. O que ele buscava era uma condição espiritual na qual o gênero humano estaria em harmonia com o funcionamento da Razão na natureza — o retorno do homem, que caíra pela cobiça, à harmonia universal. O comunismo de Winstanley não era uma doutrina econômica, mas ajuda mútua acompanhada por sua filosofia orgânica como uma conseqüência lógica.

Após a supressão de sua pequena comuna dos diggers Winstanley aquietou-se por um tempo. Então em 1652 ele publicou, com um prefácio dirigido a Cromwell, seu plano para uma nova commonwealthThe Law of Freedom in a Platform or True Magistracy Restored. Os panfletos digger não apresentam nenhum plano de política administrativa ou governamental. Winstanley parece ter assumido que o exemplo de funcionamento de pequenos grupos anarco-comunistas em ocupações de terra, em fraternidade, se expandiria por toda parte, converteria a Inglaterra e eventualmente o mundo. Os problemas de autodefesa e conflitos internos seriam resolvidos pelo total pacifismo reinante onde o poder simplesmente se dissolveria. A violenta repressão sofrida pelos diggers tanto pelos jagunços como pela força das autoridades fizeram com que Winstanley considerasse novamente a questão do poder.

The Law of Freedom, depois de uma introdução geral, está em grande parte relacionada a planos administrativos, e a introdução é um apelo a Cromwell para que use seu poder para introduzir uma nova commonwealth. Se você, diz Winstanley, não abolir o velho poder pela violência dos reis e nobres, mas apenas redirecioná-lo a outros homens, “você se perderá ou legará à posteridade as bases de uma grande escravidão nunca vista antes”, uma fria previsão das tenebrosas fábricas satânicas do primitivo capitalismo britânico.

No preâmbulo ele esboça as principais queixas populares, a falta de tolerância religiosa, a sobrevivência do velho sacerdócio, o fardo dos dízimos — a décima parte de toda renda para uma igreja estabelecida, a administração arbitrária da justiça, as velhas leis ainda em vigor, as velhas dívidas e obrigações feudais ainda em vigor sendo usadas para oprimir as pessoas, enquanto as classes altas ignorarem suas obrigações feudais, incorporando ou abusando das terras de uso comum. Estas são as mesmas queixas bem familiares nas guerras hussitas e na Revolta dos Camponeses na Alemanha.

Winstanley mostra que a verdadeira liberdade não estava no livre-câmbio, liberdade de religião, ou comunidade de mulheres (as mulheres são de todos), mas na liberdade no uso da terra, o tesouro natural da sociedade, e que o primeiro dever da nova comunidade deveria ser abrir o acesso à terra a todas as pessoas e assumir as propriedades anteriores do rei, da igreja e da nobreza. Para fazer isso corretamente, e usar os frutos da terra para o bem de todos, a sociedade necessitava de um verdadeiro governo, oficiais administrativos que se dedicariam à liberdade e ao bem-estar público.

A raiz original da magistratura estava na família, o primeiro magistrado é o pai, enquanto membro responsável final de um grupo em que todos são mutuamente responsáveis. Os funcionários públicos da sociedade deveriam ser escolhidos através do sufrágio universal pelas pessoas acima de vinte anos, no princípio os representantes da velha ordem precisavam ser presos, seria um notório mal deixá-los soltos e impedi-los de ser escolhidos. Os candidatos deveriam ter acima de quarenta anos de idade, após um ano sua responsabilidade poderá ser alternada ao longo da comunidade. Os primeiros a ser escolhidos seriam os inspetores e os oficiais de paz, formando um conselho local em cada comunidade. Eles preservariam a ordem pública, suprimindo o crime, querelas e disputas no âmbito da propriedade doméstica e outros bens móveis que permaneceriam em posse privada. Outros planejariam a distribuição do trabalho e iniciariam os jovens no aprendizado. Outros supervisionariam a produção nas fábricas e nas fazendas. Winstanley visualiza a fábrica como sendo em grande parte uma continuação das casas das pessoas com alguns seminários públicos. O aprendizado regularmente acontece dentro da família; apenas os meninos que não desejam seguir a profissão de seus pais são escolhidos para os seminários públicos. Outros organizam a distribuição de bens e comida que vão para armazéns e lojas, tanto atacadistas como de varejo, nas quais os artesãos e consumidores são livres para escolher o que desejarem.

Em cada comunidade há um "soldado", que poderíamos chamar de policial, cujo dever é obrigar o cumprimento das decisões do pacificador, um mestre para o qual é dada a tarefa de cuidar daqueles que são condenados por crimes contra a comunidade e encaminhá-los para uma trabalho coletivo. Também há um executor que administra punições corporais ou capitais para o recalcitrante sem esperanças. O sistema de penalidades de Winstanley pode parecer excessivamente severo para nós, especialmente em uma sociedade utópica, mas no contexto daqueles dias, onde as pessoas eram enforcadas por roubos insignificantes, ele era relativamente moderado. No município ou condado, os pacificadores das cidades, inspetores, soldados, presidiam acima do juiz, formando uma câmara e uma corte de primeira instancia. Acima de tudo está o parlamento, que Winstanley parece ter concebido principalmente como um tribunal de apelação final, Winstanley se opõe fortemente às indulgências da legislação promíscua. As leis dever ser poucas e simples tanto quanto possível. O que Winstanley tinha em mente era uma política como a dos israelitas do Livro dos Juizes — na realidade a justiça na aldeia neolítica era administrada de forma expontânea por anciões sentados embaixo de uma árvore. Curiosamente ele não diz nada sobre júris ou qualquer outra forma de democratização da justiça. A sociedade se defende por uma milícia e Winstanley demonstra perceber os males que se escondem por trás dos exércitos, militarismo e da guerra.

A educação na nova commonwealth é gratuita, geral, compulsória, e contínua pela vida. Todos aprenderão sobre comércio ou ofícios e trabalharão meio período. Nenhuma casta de intelectuais ou acadêmicos fixada aparte das pessoas através de títulos seria permitida surgir, embora depois dos quarenta anos de idade os homens “estariam livres de todo trabalho e labuta a menos que não desejassem”. A pena de morte seria decretada para aqueles que tentassem ganhar dinheiro pela lei ou pela religião. Em cada comunidade haveria um "agente postal" diretamente ligado a todos os outros no país e a um agente postal central na principal cidade. Eles trocariam jornais, especialmente jornais relatando os progressos da ciência, invenções, e tecnologia. O domingo é dia de descanso. As pessoas se reúnem para ouvir a leitura das leis, as notícias do agente postal, o que nós chamaríamos de documentos no aprendizado da ciência. Os serviços religiosos não são mencionados. As pessoas aparentemente tem a liberdade de assisti-los se desejarem. O casamento e o divórcio são civis, pela vontade exclusiva das partes, e acontecerá através de simples declaração diante da comunidade com inspetores e testemunhas.

A utopia de Winstanley foi criticada como sendo excessivamente simples e ele foi qualificado de ingênuo; mais ingênua ainda foi idéia de que Cromwell poria tal política em vigor, ou até mesmo se desse ao luxo de ler seu panfleto. Discussões ideológicas a portas fechas com seus oponentes sectários foram, sempre que tinha tempo, um esporte para Cromwell, mas ele nunca deixou que isso o influenciasse. Não podemos nos esquecer que ele viveu em um tempo de esperança revolucionária. Naqueles dias, como no começo da Reforma no continente, parecia bem possível aos homens inteligentes que uma ordem social completamente nova pudesse ser estabelecida. Todo mundo tinha algo de milenário e acreditava que uma nova era histórica estava despontando. Eles não puderam prever a subida do industrialismo, do capitalismo, do Estado secular. Para nós, o futuro deles é passado e parece ter sido inevitável. Mas nada foi inevitável para eles. Talvez se Cromwell, ou mesmo Lutero, tivessem previsto os horrores da idade industrial no princípio do século XIX, ou o genocídio e guerras de extermínio do século XX, eles poderiam ter optado pela commonwealth de Winstanley ou a vida comunitária dos huteritas. Em cada grande crise da civilização européia ocidental, a Reforma, a Revolução Francesa, e as revoluções de 1848, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Bolchevique, a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial, parecia bastante possível mudar o mundo. É apenas depois do fato consumado que o processo histórico parece ser o único caminho pelo qual os eventos poderiam ter funcionado.

A utopia de Winstanley era uma política executável? Dentro de limites, sim. Se ele sabia disso ou não, sua política é notavelmente semelhante a dos taboritas, dos irmãos moravianos, dos huteritas, e dos assentamentos comunalistas na América do século XIX. Seus planos fizeram parte no conjunto das idéias dos comunistas ingleses posteriores e direta ou indiretamente influenciaram John Bellers, Robert Owen, Josiah Warren, William Morris, Belford Bax, Édouard Bernstein, David Petegorsky. Outros socialistas, comunistas, e anarquistas escreveram extensivamente sobre ele na primeira metade do século XX e depois da Segunda Guerra Mundial ele ficou extremamente popular. Grupos comunalistas revolucionários na Inglaterra, América, Alemanha, e França deram a si mesmos o nome de diggers.

Embora os quakers sejam sem dúvida os maiores e mais conhecidos, constituindo uma comunidade remanescente descendente dos anabatistas espiritualistas, e até mesmo das comunidades apostólicas secretas da Idade Média, eles não praticaram a comunidade de bens. A cada encontro do sétimo dia, conforme chamam seus conventículos, havia um fundo comum para o alívio dos sócios em necessidade. Como a maioria dos quakers tornou-se próspera — devido a sua estrita honestidade no comércio e nos ofícios, devido a sua recusa em pagar dízimos por volta de 1760, pelos seus avançados métodos agrícolas — estes fundos comuns reservados para pessoas pobres tornaram-se bem substanciais e muitos pobres se juntaram à Sociedade de Amigos para obter ajuda, aliás bem superior àquelas que os pobres contemporâneos recebem. No princípio isto causou problemas mas com o tempo a geração de membros que havia se juntado a eles por essas razões acabaram sendo absorvidos pela economia geral, pois os quakers pobres representavam menos de um terço dos pobres da população em geral, enquanto que os membros prósperos eram proporcionalmente três vezes maiores. Os fundos assistenciais quacre chegaram a ser utilizados de uma forma crescente na ajuda de pessoas pobres em projetos sistemáticos de auto-ajuda. Os quakers estabeleceram a principal, senão a única, cidade fabril no modelo de Robert Owen (New Lanark). Eles continuam investindo em movimentos comunais cooperativos até nossos dias.

Em sua juventude na Faculdade de Manchester entre os mais íntimos amigos de Owen estava o quacre John Dalton e um outro jovem chamado Winstanley, um bem possível descendente do grande digger.

Muito mais do que em Robert Owen, o quaker John Bellers, o teórico mais sistemático de uma colônia de trabalho cooperativo, deixou uma forte impressão em Marx. Owen sempre negou que tivesse sido influenciado por Bellers e reivindicou que nunca tinha ouvido falar dele até que Francis Place lhe mostrou a única cópia de seu esquecido panfleto de 1817. Owen imediatamente imprimiu mil cópias e distribuiu-os àqueles que julgava interessados, assim Bellers sobreviveu.

Bellers nasceu em 1654, quacre de nascença. Ele ficou amigo de Willian Penn e outros dos principais atores de seu tempo. Em 1695 durante a longa depressão econômica nos últimos anos do século, ele publicou Proposals for Raising a College of Industry of All Useful Trades and Husbandry. Ele deu o nome de faculdade em vez de casa de trabalho ou comunidade porque faculdade estava identificada com instituições servis do estado e a casa implicava num local onde as coisas eram compartilhadas em comum. Com um investimento de capital de quinze mil libras — um valor considerável, valia dez vezes mais do que vale hoje — Bellers visava uma colônia auto-sustentada de trezentos adultos com lojas, comissário, oficinas, fazenda, celeiros, leiteiras, cerâmica. A comunidade seria auto-suficiente até mesmo em combustível e ferro. Todos os membros, desde trabalhadores comuns até inspetores e gerentes, seriam pagos em espécie. A casa teria quatro asas — uma para pares casados, uma para homens solteiros e meninos jovens, uma para mulheres solteiras e meninas, e uma enfermaria. As refeições seriam em comum. Bellers, como Winstanley antes dele, colocou uma grande ênfase na educação das ciências humanas, nas artes, e nos ofícios e comércio combinados. Bellers achava que a vida criativa da comunidade e os métodos educacionais avançados atrairiam muitas pessoas que viriam como visitantes ou até mesmo como pensionistas permanentes; tinha a intenção inclusive de matricular suas crianças na escola, esperando que eles pagassem bem por esses privilégios. Ele desenvolveu nos mínimos detalhes a contabilidade projetada de sua comunidade e demonstrou que os investidores originais ganhariam um lucro considerável, sendo que o padrão de vida dos sócios seria bem mais alto do que aquele do proletariado contemporâneo. A primeira edição de seu panfleto foi dedicada à Sociedade de Amigos, a segunda ao Parlamento, mas ninguém ousou investir em tal colônia. Durante os anos seguintes Bellers emitiu uma série de folhetos, alguns deles dedicados a uma análise econômica cuidadosa de uma economia semi-socialista, outros propondo uma liga de nações, um conselho ecumênico de todas as religiões cristãs, um serviço de saúde nacional, uma reforma do Parlamento e um processo eleitoral, uma reforma total das prisões, e uma reforma das Poor Laws.

Embora Robert Owen tivesse desenvolvido seu próprio sistema antes ele leu o panfleto de Bellers e embora Fourier, Saint-Simon, e Cabet, certamente nunca tivessem ouvido falar dele, ele antecipou a maioria de suas mais praticáveis idéias e de uma forma mais viável. Embora todos seus escritos ficassem logo excessivamente raros, ele deveria ser considerado o fundador do moderno e socialmente responsável quakerismo do Service Committee Variety. Além disso as várias medidas que ele propôs em seu aspecto reformista foram quase que integralmente incorporadas pelo moderno estado de bem-estar. Embora Marx o tenha chamado de “um verdadeiro fenômeno na história da economia política”, incrivelmente nunca houve uma edição com uma coleção de seus trabalhos, não há, com toda essa inundação de pesquisa escolar e teses de Ph.D., nem mesmo qualquer livro escrito sobre ele. Ele nem mesmo é mencionado no catálogo do History of British Socialism. A maior parte das informações sobre ele pode ser encontrada no capítulo final de Cromwell and Communism de Édouard Bernstein.

 

11. Oriente Próximo e Rússia

No Oriente Próximo, onde apareceu pela primeira vez, a vida comunal da aldeia neolítica tem sido desvirtuada e inviabilizada pelas invasões do Estado e da economia externa até os dias presentes. Até a Segunda Guerra Mundial ou até a descoberta do petróleo nos arredores, a vida em uma aldeia isolada do Oriente Médio era em muitos aspectos semelhante a que teve durante oito mil anos. Assim, não é surpreendente o entra e sai de movimentos comunalistas no mesmo local do nascimento do Estado centralizado, nem o porque deles terem falhado, com uma larga economia baseada na irrigação, silos regionais, e planejamento racional da agricultura, tudo isso exigiu um aparato administrativo centralizado.

A religião persa oficial, o zoroastrianismo, poderia ser considerada um reflexo do Estado centralizado do Oriente Próximo, com seu sistema de palácio e monarca absoluto. O yasnas de Zend Avesta contêm muitas máximas dirigidas contra o comunismo, contra o desrespeito aos nobres, contra o pacifismo, e contra a comunidade pirata nômade, contudo, contem também algumas tendências comunalistas, funcionando secretamente, para emergir na religião de Mazdak nos anos posteriores da dinastia sassaniana.

Mazdak nasceu no final do século V e os seus discípulos esparramaram sua doutrina tão rapidamente sobre a Pérsia que eles logo converteram um grande número de pessoas importantes e eventualmente, o próprio Rei Kawaz.

Para Mazdak a fonte de todo mal era devido à ação malévola dos diabos, Inveja, Ira, Ganância, que tinham destruído a igualdade primitiva e a comunidade do homem. Os discípulos de Mazdak mantinham todas as coisas em comum incluindo, de acordo com seus inimigos, as mulheres. Como a maioria dos hereges eles foram acusados de serem viciados em orgias sexuais. Por outro lado eles também foram acusados de extremo ascetiscismo, vegetarianismo, e a recusa em matar sob qualquer circunstancia. O comunismo não era incidental para o mazdaismo, mas central. Os grandes pecados mortais eram relacionados a possessividade e violência, e as maiores virtudes eram aquelas da comunidade do amor.

Temos informações incompletas sobre o que aconteceu depois da conversão do rei, mas os efeitos sociais parecem ter sido drásticos e supostamente devem ter conduzido à sua deposição temporária pelo seu irmão Jamasp. Em sua restauração seu filho, Khusraw I (Chosroes I), enganou Mazdak cortejando todos seus discípulos, recebendo a submissão formal de Khusraw e a pública profissão da nova religião. Quando os mazdaitas entraram nos jardins reais para participar de um grande banquete, cada grupo foi agarrado e enterrado de cabeça para baixo com os pés para fora. Khusraw conduziu Mazdak pelo jardim e disse, “veja a colheita que sua má doutrina produziu”, e enterrou-o, de cabeça para baixo, entre seus seguidores.

O massacre, que aconteceu em A.D. 528, não exterminou a seita. Na ascensão de Khusraw três anos depois começou uma nova perseguição e os mazdaitas foram caçados ao longo da Pérsia. Porém, um remanescente parece ter continuado agindo secretamente, passando suas doutrinas e práticas às seitas estrangeiras que surgiram dos ismaelitas e assasins, [Nota do Tradutor: Esse nome vem da palavra "Hashshashin" (usuários de haxixe)] cismáticos do corpo principal do Islã. Por seus esforços em defender o zoroastrianismo foi dado a Khusraw o título de Nushirwan-Anushak-Ruban — “espírito imortal” — e ainda é venerado pelos persas como um herói religioso.

Infelizmente não sabemos praticamente nada dos detalhes desse fato, que no final das contas foi o episódio histórico principal. Algumas das fontes do zoroastianismo, islamismo e cristianismo, vieram através de testemunhas oculares, substituídas abusivamente por economistas e sociólogos. Sabemos menos ainda sobre o comunismo atribuido ao círculo interno dos primitivos manichaeanos, cujos oponentes se chamavam zandiques, que correspondem com os cathari entre os últimos albigenses europeus descendentes dos manichaeanos. O comunismo entre os zandiques aparentemente foi praticado por uma minoria que escolheu seguir conselhos de perfeição semelhante aos monges cristãos. Muito mais que o mazdaismo, que floresceu dentro dos limites do império sassaniano, o manichaeanismo, e depois o agnosticismo, influenciou profundamente o desenvolvimento da heresia islâmica. Desde então, mais especialmente em seus primeiros dias, o islã participou especialmente no caráter de uma imenso bando de nômades conduzidos por caravanas mercantes, invadindo sociedades estabelecidas dentro de seu perímetro de expansão — a guerra do estepe contra a areia — sempre havia um elemento de comunalismo pirata em sua ética social e em menor grau em sua prática. Embora Maomé fosse um comerciante e falasse para as comunidades mercantis de Meca e Medina, a distinção entre invasores beduinos e comerciantes mercadores é bem nebulosa. O posterior evoluíu do anterior e permaneceu dependente dele. A diferença essencial estava entre pilhagem e lucro. O bando nômade compartilhava a pilhagem, o comerciante guardava seu lucro para si. Assim essas comunidades islâmicas de hereges que praticaram o comunismo normalmente eram os piratas do deserto e da estepe, como os assasins, uma sociedade secreta de extorcionistas.

A fonte da maior heresia islâmica não está no corpo principal do mohammedanismo, o sunnism, a religião da maioria dos árabes e dos habitantes das terras conquistadas e mantidas, mas no chia, a religião da Pérsia. Os chiítas rejeitam a noção de um califa eleito e de um clero que sempre funciona como um tipo de rabinato com um corpo legislativo sujeito à discussão — como no Talmud — a favor de um califa hereditário descendente do profeta Ali, o genro de Maomé, que por uma linha de divindade ordenava sete ou doze sucessores, dependendo da seita, imams que adquiriam o caráter de emanações diretas da deidade. Na Pérsia essa linhagem também descende do último dos reis sassanianos pela filha Yazdigird, Harar, a gazela, esposa do martir Husayn, e mãe de Ali Asghar. Assim, combinado a uma linha hereditária, ocorre uma mística encarnação divina no Rei Persa, (o helenístico Basileus ó Soter) e em Ahura Mazda. O iman final é oculto, para ressurgir apenas no fim do mundo na forma de um Salvador ou Mahdi, normalmente inacessível, mas representado diante das pessoas através de missionários, ou daís, que o revelam clandestinamente. Às vezes mahdi e imam são identificados ou, como na dinastia Fatimid do Egito, funcionam como verdadeiros governantes. Entre os ismaelitas o último desaparecido é Sete que reaparecerá, como na Segunda Vinda de Cristo, no fim do mundo. Na maioria das seitas ismaelitas ele é a emanação final da série de sete, não confundir com os sete imams que são todos espiritualmente idênticos, mas de um caráter metafísico, gnóstico, similar aos aions dos valentinianos gnósticos ou aos sephiroth da kabala judia. Nós estamos lidando aqui com emanacionismo, soteriologia, e um apocalipticismo que remonta ao amanhecer da religião no Oriente Próximo — por exemplo, a egípcia “teologia de Memphite”, encontra analogia na mahayana budista. A semelhança com a forma prevalecente do zoroastrianismo, uma religião que se pronunciou amplamente nos assasins antes da conquista muçulmana, como uma de suas expressões mais hereges. O chiísmo tem sido qualificado como a revolta da Pérsia contra o sunismo árabe, embora o chiísmo tenha florescido por um tempo no Egito, e até mesmo em lugares distantes como Espanha e Indonésia. É a atual religião na Pérsia, e dos ismaelitas na Índia cujo mahdi é Aga Khan.

Tanto em estrutura como em doutrina a maioria das formas avançadas de chiísmo se assemelha aos boxes chineses, um governo hierárquico inacessível, uma religião oculta, uma série inclusiva de mistérios cujo segredo final é que não há mistério algum. A atração de tal religião e sociedade secreta é grande, especialmente quando associada com o poder mundano atual.

Contemporaneamente, ao estabelecimento da dinastia fatimida em Trípoli no final do século IX e à conquista do Egito em 972 A.D. uma seita estreitamente relacionada com os carmathianos desenvolveu-se na parte mais baixa do vale mesopotâmico e ao longo da costa noroeste do Golfo Persa.. O califado do sunita ortodoxo Abbasid em Bagdá ficou preocupado com uma grande revolta de escravos negros, a insurreição de Zanj. Os carmathianos tentaram uma aliança com os líderes de Zanj. Isso provou ser impossível, mas eles puderam estabelecer uma oposição paralela, depois da supressão da revolta de Zanj os carmathianos não apenas controlaram secretamente a costa norte do Golfo Persa, como também organizaram a subversão no Iêmem, na Síria, e na própria Bagdá. Em 900 A.D. as tropas do califado foram derrotadas em Basra e dalí em diante os carmathianos passaram a controlar Bahrayn, eventualmente Basra, e muitas outras cidades entre a Mesopotâmia e a Arábia, cortando as rotas de peregrinagem para Meca, e normalmente as conexões marítimas de Bagdá. Aqui eles estabeleceram o que provavelmente foi a única sociedade comunista a controlar um grande território, mantendo esse controle por mais de uma geração, antes do século XX.

Os carmathianos também atacavam as caravanas de peregrinos para Meca, muitas vezes matando milhares de pessoas, atacaram cidades tão longínquas quanto Damascus, onde eles parecem ter estabelecido um considerável corpo de seguidores secretos. Finalmente eles atacaram a própria Meca e levaram a Pedra Preta sagrada, o objeto mais santo do Islã, junto com uma imensa pilhagem (928 A.D.). Dentro do próprio bahrayn havia um completo e absoluto comunismo. Os cidadãos não pagavam nenhum tributo ou imposto; seu bem-estar estava garantido desde o nascimento até a morte, na doença ou na saúde. Todo trabalho duro, servil, ou desagradável era executado por escravos negros que parecem ter sido os remanescentes derrotados da revolta de Zanj que fugiram para seus semi-aliados e voluntariamente preferiram a escravidão com os carmathianos do que o extermínio com os sunitas. Os ortodoxos acusaram os carmathianos de comunidade de mulheres (as mulheres eram de todos) e de todas as formas de orgias. Na verdade eles eram estritamente monógamos, uma casta militar um pouco parecida com os guardiães de Platão ou os Cavaleiros Teutônicos, conduzindo uma vida severamente rígida, pura e regulada. O uso de vinho e todos os vícios secundários eram estritamente proibidos. As mulheres não usavam véus, circulavam livremente em público e exerciam uma influência considerável. Os carmathianos não eram obrigados a cumprir as ordenanças específicas do Islã, nem mesmo encontros de sexta-feira, orações diárias, ou comer alimentos sagrados. As práticas esotéricas do mohammedanismo foram substituídas pelo culto à Luz, um misticismo contemplativo relacionado ao sufismo, bem parecido com o do maior teólogo sufí, Ibn el Arabi. Como os sufis os carmathianos se vestiam exclusivamente de branco e colocavam grande ênfase na moral e na pureza física. Nós ainda estamos no mundo dos essênios, do therapeutae, e da luz pela emanação da luz dos philo judaeus. Se algumas acusações de seus perseguidores ou algumas tradições secretas de ocultismo dos cavaleiros templares forem verdadeiras, esta é a fonte.

Em 1084 A.D. Bahrayn foi subvertida, mas surgiu um outro domínio ismaelita, uma nova irmandade de mistério e aventura, os assasins, que se estendeu ao longo do Norte da Síria e no Mar Cáspio. Baseado em uma série de comunidades-fortalezas no remoto deserto ou em áreas montanhosas das quais Alamut foi a mais famosa e a que mais tempo durou, os assasins estiveram ativos durante todo o período das Cruzadas como uma irmandade secreta de extorcionistas — e assasins — que espalhou o terror por todo o Oriente Próximo. Eles pilhavam, influenciavam politicamente, e impunham respeito tanto em cristãos como em muçulmanos. O comunismo autoritário dos carmathianos abriu caminho para um puro autoritarismo. Seus adeptos eram provavelmente controlados por uma espécie de hipnose de massa induzida pelo excessivo uso do haxixe, daí seu nome, hashishim. Suas fortalezas foram destruídas e eles foram exterminados quase que completamente pelos mongóis sob o comando de Hulagu, que aparentemente nutria um ódio especial contra eles. Depois de capturarem o grande mestre de Alamut, o enviaram para Hulagu, mas escapou, eles sobreviveram como seguidores de Aga Khan.

Os carmathianos e os assasins são os primeiros claros exemplos de uma sociedade comunal de mútuo-benefício vivendo da pilhagem de outras comunidades. Tal organismo pode ser apenas intersticial e funciona nos pontos divisórios entre as classes de um Estado altamente organizado, nas brechas entre dois Estados antagônicos, ou na periferia das sociedades altamente organizadas. Este é o comunismo da gangue urbana ou bando pirata de ladrões em tempos de desorganização social — como o bando imortalizado pela novela chinesa, The Water Margin (All Men Are Brothers), e naturalmente, nos contos de Robin Hood. Os carmathianos floresceram do antagonismo entre fundamentalistas árabes e civilizações persas. Os assasins, a mais famosa das muitas comunidades similares que praticava um esoterismo religioso, sobreviveram saqueando seus vizinhos ao longo das fronteiras ao Norte da Pérsia, no Cáucaso, ao longo do Mar Cáspio, e por todo Oxus, o atual Afeganistão.

Antes das Cruzadas, a civilização islâmica era incomparavelmente mais adiantada e rica do que a Europa Ocidental. As Cruzadas em si eram uma espécie de brigada religiosa, da mesma maneira que o islã tinha sido, quando os beduínos e mercadores da Arábia pilharam o império bizantino. Assim não é extraordinário que o tipo de organização inventada pelos carmathianos e assasins acabou sendo adotada pelos cruzados. Os cavaleiros templares e outras ordens militares eram no princípio sociedades similares, autoritárias, comunistas, de bandidos religiosos, só distinguidos pelos seus votos de celibato.

Se aceitarmos qualquer uma das acusações feitas contra os templários quando foram suprimidos por Filipe, o Belo, em 1307, veremos que eles não apenas copiaram a estrutura organizacional dos assasins como também sua classificação esotérica, que conduzia a um deísmo céptico, acompanhado por ritos e práticas que os ortodoxos consideraram blasfemas e obscenas. Os templários foram acusados de cuspir na cruz em sua iniciação, de pederastia institucionalizada, e de orgias noturnas, mas eles foram suprimidos porque haviam se tornado a organização mais rica da Europa e um estado dentro do estado, independente de reis e do papado, como também uma imensa corporação de "banqueiros internacionais".

Nas costas do Báltico e no interior, os cavaleiros teutônicos tinham uma organização semelhante à dos militares ordenados cruzados exceto quando se fixavam em um território específico. Da mesma forma que os templários sucederam aos assasins e carmathianos, os cavaleiros teutônicos foram os sucessores das comunidades pagãs varangianas que povoavam as vias fluviais desde o Báltico até o Mar Negro, comunidades fortificadas de mercadores-guerreiros escandinavos consideradas parte das populações mais bárbaras entre os Finns, Letts, e eslavos. Aparentemente eles praticaram uma economia de bando de ladrões, compartilhando a riqueza, mas com a maior parte do roubo indo para seus chefes. Eles não eram celibatários como os cavaleiros teutônicos. Suas mulheres eram escravas concubinas tomadas de povos circunvizinhos, e em alguns casos aparentemente eram imoladas quando seu chefe ou senhor morria. Uma das principais mercadorias de comércio dos impérios bizantino e persa era o tráfico de escravos loiros. As colônias varangianas da grande Rússia nunca conseguiram se unir para formar um único estado escandinavo, embora estabelecessem as fundações da monarquia kievan, e até mesmo os Romanovs reivindicavam ser descendentes deles. Porém, durante algum tempo, no período viking, os jomsvikings da cidade-fortaleza de Jomsburg, em algum lugar na costa do sudoeste do Báltico (o local nunca foi identificado com certeza) funcionou como um estado comparável à Noruega, Suécia, e Dinamarca.

A conquista dos mongóis destruiu o poder escandinavo na Rússia e arrasou a região do Báltico. Da mesma forma que os mongóis subjugaram o interior e destruíram os domínios eslavos e varangianos no princípio do século XIII, os cavaleiros teutônicos mudaram suas atividades da Terra Santa para a Prússia pagã sujeitando a população finlandesa e eslava numa guerra de genocídio, e eventualmente chegaram a controlar toda costa ao sul do Báltico.

Este tipo predatório, parasítico, de associação em mútuo benefício, gradualmente abandonou suas características comunistas e religiosas para, no começo da era capitalista, emergir nas grandes companhias de comércio orientais, nas companhias holandesas e nas companhias inglesas da índia oriental e corporações semelhantes, tomando a forma de algo parecido com uma mistura de brigadas militares com mercadores.

Em tais sociedades as relações contratuais jurídicas ou implícitas que prevalecem entre os sócios e que são escassamente sentidas, são trocadas por uma calorosa fraternidade de homens unidos pelo constante perigo e pela esperança de riqueza sem trabalho duro. Obediência, lealdade até a morte, completa devoção pela causa, ajuda sacrificatória para irmãos em angústia, coisas como estas florescem muito mais em sociedades de bandidos do que entre cidadãos refinados de uma comunidade estável. Como um corpo que cresce em antagonismo aos valores das sociedades às quais não pertence, sejam mais civilizadas ou mais bárbaras. Essa relação ganhou força apresentando uma face misteriosa a todos os estranhos, desenvolvendo onerosos ritos de iniciação e de graduação progressiva. Nos círculos mais altos que deliberadamente treinam e manipulam os graus mais inferiores, normalmente prevalece um completo ceticismo e quando alguém é admitido ao governo, ao alto conselho, o último segredo a ser revelado é que não há segredo algum. Outra característica de tal sociedade foi a impiedosa purgação de todos os sócios desde a base até o topo que não conseguiam se adaptar a mudanças rápidas no governo ou na política. Tais comunidades dependeram de obediência absoluta e da mais perfeita forma de autoridade que se estreita continuamente até que desaparece no topo de um pináculo, o princípio metafórico da própria autoridade. Tais sociedades, como os templares, os jesuítas, os bolcheviques, sempre encheram as grandes sociedades circunvizinhas de terror, sendo tema de lendas horrorizantes, e de cruéis perseguições.

Historiadores científicos dedicados a uma ponderação não-emocional das evidências, e normalmente comprometidos pelo evangelho social do neoliberalismo, quase sempre negaram as acusações de conduta ultrajante e obscena lançadas contra sociedades secretas, grupos heréticos, e movimentos ocultos, como produtos das mentes doentias de seus acusadores. Isso se deve em parte a um compromisso anterior com a doutrina da bondade inerente do homem. Foram dedicadas muitas páginas para provar que os carthaginianos não sacrificavam bebês a Moloch, que nunca houve pederastia no Monte Athos, ou que as bruxas não passavam de mulheres loucas ou velhas. Se desejar, alguém pode rejeitar uma evidência, mas certamente há um monte de outras evidências apontando para o lado oposto. As bruxas da Europa e da Nova Inglaterra podem ter confessado debaixo de tortura coisas que nunca fizeram, mas no mundo inteiro, na Ásia, África, e na América primitiva as bruxas e chamans faziam precisamente as mesmas coisas.

* * *

A relação social que prevaleceu na comunidade da aldeia neolítica nas férteis regiões agrícolas desde os estepes da grande Eurásia até as planícies do Danúbio através da Ucrânica e da Sibéria — que o ecólogo americano chamaria de clímax da pradaria de grama extensa — suportou por milênios, de certo modo até o século XX. O ambiente era tal que permitia um excedente agrícola sumamente estável, baseado em pequenos grãos e na domestificação sedentária de animais domésticos para a obtenção de carne e leite. Tais comunidades estavam continuamente sujeitas à invasão de pastores nômades que vagavam ao longo do grande mar de estepe que se estendia diante deles. A maioria dos estados centralizados penetravam nessas comunidades de pastores através de nômades, que por muitas gerações iam e vinham, infiltrando-se cada vez mais dentro dessas comunidades.

Até a imposição da servidão na era moderna, o modo de vida adotado em uma típica aldeia ucraniana ou na Grande Rússia remonta de um tempo tão longínquo que é necessário seguir seus rastros arqueológicos, tal modo de vida provou ser singularmente resistente tanto ao estilo eslavo de feudalismo como a sua servidão posterior. A comunidade camponesa eslava sobreviveu à abolição da servidão e as únicas tentativas parcialmente bem sucedidas de estado e as novas classes altas até mesmo para "libertar os servos" e estabelecer um trabalho assalariado e uma agricultura de semeadura — que permitiria a acumulação primitiva necessária ao desenvolvimento capitalista. Até mesmo a longa luta dos bolcheviques para industrializar a agricultura, as pequenas comunidades, e substituir cidades agrícolas por vastas fazendas e coletivos estatais nunca foi completamente bem sucedida. A agricultura coletivizada da moderna Rússia, embora altamente racionalizada e comunalista (talvez na teoria), fica bem aquém na produtividade per capita por acre da Europa Ocidental, bem menor que a americana em termos de agricultura em larga escala, e há muito provou ser menos produtiva que nos velhos tempos das fazendas mistas de duzentos acres do meio oeste americano. Isto é verdade não apenas nas terras eslavas, como também especialmente na Ucrânia, considerada uma das terras mais férteis do mundo.

Milhares de anos atrás, quando o primeiro homem entrou nessa região, ele desenvolveu um modo de vida e uma espécie de comunidade, quase perfeitamente ajustada àquele meio ambiente especial. Qualquer tentativa de alterá-lo trouxe apenas desordem, ineficiência e desmoralização. Durante cinqüenta anos todo congresso do Partido Comunista ou Soviético se deparou com uma crise agrícola permanente, porém os fatos sempre foram disfarçados pela oratória.

A literatura russa e a teoria revolucionária, com exceção do marxismo, é pontilhada pelo misticismo da comunidade camponesa russa. Típicamente, os socialistas revolucionários, em sua maioria partidários da Revolução Russa, esperavam reorganizar a sociedade russa tendo como modelo a sociedade camponesa, a mir, ou até mesmo a unidade administrativa da classe alta, a zemstvo — em outras palavras eles pretendiam realizar uma espécie de camponesação de toda estrutura industrial e cívica. Na realidade, os primitivos sovietes eram compostos por trabalhadores, cidadãos comuns, soldados, marinheiros, em sua maioria vindos, durante uma ou duas gerações, de aldeias camponesas. Estes sovietes cresceram espontaneamente na revolução de 1905.

Não há dúvida de que a comunidade camponesa foi altamente influenciada pelo movimento populista revolucionário Narodnaya Volya“a vontade do povo” do século dezenove — dos revolucionários socialistas. Milhares de homens e mulheres jovens bem educados "iam até o povo" acreditando que se o camponês fosse educado ele reproduziria espontaneamente um comunismo eslavo especial que resgataria a sociedade industrial — eventualmente em todo o mundo. Os fatos brutais da vida camponesa são bem retratados nas narrativas de Chekhov, e é provável que os revolucionários sociais esquerdistas encontraram dificuldades em introduzir em aldeias neolíticas a ética da modernidade fabril e bancária pela qual os bolcheviques pretendiam industrializar a agricultura. Some-se a isso o fato de que formas comunais com origem na mais remota antigüidade, reaparecem naturalmente, se bem que brevemente, na Revolução de 1905, e na Revolução de 1917 até que os sovietes e as fazendas comunais fossem suprimidas pelos bolcheviques dois anos após o ataque implementado pelo poder.

Nos tempos modernos, naturalmente, as aldeias e comunidades não eram comunistas. Estavam bem distantes de compartilhar as coisas em comum. A pobreza e o grau de exploração tornava o camponês desesperadamente avarento. Porém, a dissensão russa é caracterizada por uma tendência global voltada para o comunismo. O anabatismo russo aparece na história ao mesmo tempo que no Ocidente — durante o século XVI — mas, como no Ocidente, há indicações de que adotou uma existência oculta e clandestina que remonta aos primeiros séculos do cristianismo na Rússia. As duas principais seitas batistas, a doukhobors e a molokani, brotaram continuamente fora dos grupos comunalistas que usualmente eram radicalmente suprimidos, porém inofensivas e insignificantes. Este processo teve seqüência nas comunidades imigrantes no Canada, América do Sul, e Estados Unidos, mas nenhum dos movimentos cismáticos durou muito tempo. Há um certo número de seitas extremadas que se assemelham um pouco com os gnósticos e manichaeans, e que podem ser relacionadas com o movimento paulican-bogomile-cathari-albigensian que se espalhou na Idade Média desde a Asia Menor até o sul da França. Outros grupos como os shlisti e os skoptsi, que embora praticassem cultos orgiásticos e extáticos, eram celibatários ao ponto de se castrar, semelhantes aos mandeanos dos pântanos da Mesopotamia, ou a alguns dos cultos mais extremados que se desenvolveram fora do Islã xiíta, como ocorreu no cristianismo. A base camponesa e a selvagem perseguição sofrida criou freqüentemente a prática de um comunismo forçado entre eles, mas nunca estabeleceram comunidades permanentes onde todas as coisas eram possuídas em comum.

Depois que os huteritas e menonitas se instalaram na Rússia eles exerceram uma certa influência na sociedade camponesa ao seu redor. Lá ainda existem anabatistas que falam o russo e os que são essencialmente menonitas, mas não há notícia de comunidades puramente russas que seguem o modo de vida estrito do comunalismo huterita.

Nos primeiros anos que se seguiram após os bolcheviques tomarem o poder, estes esperavam usar o comunalismo inerente à dissensão russa no desenvolvimento de um programa de fazendas comunais, distintas das fazendas coletivas. Durante algum tempo tais fazendas, lideradas por dissidentes e seculares, floresceram a despeito da intromissão burocrática. Com a ordem de Stalin para a coletivização da agricultura, o Plano Quinquenal, e a supressão de toda dissidência política, como a "trotskysta", tanto as fazendas comunais como as fazendas dissidentes foram suprimidas, e oficialmente liquidadas. É provável que durante as grandes purgações foram exterminados cinqüenta por cento de todos os dissidentes russos, especialmente aqueles cujo modo de vida pudesse ser interpretado como heresia política.

Entre todos aqueles que idealizaram a comunidade camponesa eslava e o comunalismo inerente aos dissidentes russos, sem dúvida o mais influente, enquanto pessoa única não como partidário populista, foi Leo Tolstoi. Sob sua inspiração muitas pequenas comunidades de intelectuais se dedicaram ao comunismo, pacifismo, vegetarianismo, e à disseminação de uma religião mística e secularizada que se espalhou pela Rússia e por todo mundo principalmente nos finais do século XIX e no princípio do século XX. Freqüentemente, como os anabatistas poloneses, os proprietários de terras transformavam suas propriedades em comunidades, convidavam seus amigos boêmios da cidade, e "seus" camponeses para compartilhar na edificação do núcleo de uma sociedade nova no útero da velha. Como era de se esperar, poucas delas duraram mais que um par de anos e as histórias tragicômicas a respeito delas chegaram até nossos dias. Embora se saiba que houve muitas comunidades desse tipo, algumas delas exitosas, não há nenhum registro delas em nenhum idioma do Oeste Europeu, a menos que o checo seja classificado como tal. Os iugoslavos e os checos durante o breve período de sua história de liberdade intelectual mostraram um grande interesse por todos os aspectos da história, religiosa e secular, camponesa e industrial, dos grupos e movimentos comunistas.

Uma característica especial do desenvolvimento russo no final do século XIX e começo do século XX foi o estabelecimento de industriais ricos, que também eram grandes proprietários de terras, que subsidiavam em algo grau várias comunidades de artistas. Estes, naturalmente, embora fortalecidos em suas comunidades, estavam longe de ser agrupamentos econômicos comunistas. Entre eles estavam alguns dos principais artistas da Rússia pre-revolucionária, os quais exerceram uma profunda influência na arte russa e indiretamente nos primeiros conceitos dos ballets russes. Na medida que seus membros emigravam, sua influência se estendeu também até o Ocidente. No famoso bauhau, quase todos seus líderes eram comunistas livres e muitos deles estiveram na Rússia nos primeiros e excitantes dias pré-revolucionários, e passaram sua breve existência na República de Weimar, numa tentativa de realizar suas esperanças destroçadas enquanto construtivistas, confuturistas e outros modernistas na forma de uma comunidade de artistas que dedicaria seu trabalho e ensino revolucionando a mente da sociedade capitalista. Aliás, Hitler destruiu o bauhaus e dispersou os artistas, a maioria deles se tornaram completos capitalistas atuando em projetos de desenho industrial e de arquitetura nos Estados Unidos.

 

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Em tradução livre por Railton Sousa Guedes - Coletivo Periferia
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