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Comunalismo
Das Origens ao Século XX
10. Winstanley, Os
Diggers
11. Oriente Próximo
e Rússia
Surpreendentemente o século XVII com suas guerras religiosas quase
contínuas não foi um tempo bom para a reforma radical.
Conforme o dístico cujis regio, ejus religio a
religião tinha se tornado em larga escala uma questão política.
As guerras entre nações e entre alianças de nações
dividiram a Europa em blocos de católicos, luteranos, e calvinistas.
Pequenos grupos de eleitos foram esmagados pelo peso dos monstros em combate.
Na guerra dos trinta anos também ocorreu coisa semelhante,
a luta para destruir o santo império romano enquanto poder
dominante na Europa, também esmagou ou distorceu profundamente
a cultura das várias partes do império. A Alemanha emergiu
fragmentada e desgastada e não se recuperou por gerações.
A reforma radical teve um desenvolvimento natural na cultura da
segunda metade da era medieval na Europa e a guerra dos trinta anos
destruiu suas raízes. Nos Países Baixos, Suíça,
e entre os huteritas em seus remotos refúgios, tinha começado
um processo de fossilização.
A guerra civil inglesa e a commonwealth foram essencialmente
um produto de luta de classes, e a proliferação de seitas
nos dias posteriores da guerra civil aconteceu quase completamente
no contexto proletário da baixa classe média. A despeito
de seu nome, os levellers [nivelados] estavam longe de ser democratas
desenfreados. Eles propuseram estender a participação no
poder apenas a homens de substancia substancia pequena, de classe
média como eles mesmos. Os homens da quinta monarquia
eram chiliastas tão extremados que não tinham nenhum programa
social.
Os ranters foram apenas incidentalmente milenaristas. Basicamente
eles eram uma revivicação da fraternidade do espírito
livre, que acreditavam que uma vez divinizada e absorvida por Deus
a alma era incapaz do mal. Como os adamitas que foram expulsos
de Tabor viviam exaltados em um êxtase amoral. Se praticavam a comunidade
de bens, nudismo, falar em línguas, e orgias sexuais, tudo fazia
parte de uma frenética, apressada, e desejada vida vivida em um
estado de excitação insaciável. Algums ranters eram
simplesmente espiritualistas ao extremo, descendentes de Meister Eckhart
e dos místicos da Renolândia; com a restauração
de Charles II eles foram absorvidos pelos quakers. Eles realmente
se localizam completamente fora do desenvolvimento do puritanismo inglês.
A agitação dos levellers durou apenas três
anos. Eles foram principalmente um partido político que desejava
ver as promessas do Rump Parliament cumpridas. Tanto seu líder,
John Lilburne, no princípio sócio de Cromwell, como os demais
levellers estavam cobertos de razão quando acusaram o Parliament
de te-los traído. Embora a redação final do Agreement
of the Free People of England [Acordo das Pessoas Livres da Inglaterra],
manifesto político do Parliament, propusesse uma democracia
mais ampla que perduraria na Inglaterra até o fim do século
XIX, eles não acreditavam em liberdade universal, tanto que excluíram
criados, pobres, trabalhadores rurais, católicos romanos, episcopais,
realistas, "hereges", e naturalmente, mulheres. Os levellers
eram essencialmente esquerdistas republicanos calvinistas. Ao final de
1649 eles foram completamente suprimidos.
Em 1653 os parlamentos nomeados ou barebones,
escolhidos pelos líderes da igrejas independentes, se instalaram
brevemente; mas suas tentativas para inaugurar o regulamento dos santos
foram tão radicais e desorganizados que Cromwell dissolveu-os tornando-se
ditador Protector. Isto conduziu os milenaristas mais
extremados a uma revolta, para os quais Cromwell tornou-se o pequeno
chifre, a besta do apocalipse. Eles propuseram o estabelecimento
de um despotismo cruel do eleito em preparação do reino
final do milênio. O movimento da quinta monarquia, pela ausência
tanto de ideologia como de um programa social, adotou uma retórica
inflamada que consistiu exclusivamente na reiteração e no
rearranjo do idioma apocalíptico dos Livros de Daniel e Apocalipse.
Foi uma histérica e ruidosa explosão de raiva de homens
que sabiam que haviam sido traídos. Ao contrário dos levellers,
eles adotaram a revolta armada. Em abril de 1657 um punhado de homens
se precipitou sobre Londres como eles pretendiam e foram rapidamente suprimidos.
Em janeiro de 1661 ocorreu outra tentativa ainda mais frenética
e desesperada, e aqueles que não foram mortos nas ruas foram executados,
foi quando a seita se acabou.
Movimentos como a velha família do amor, os seekers,
e os quakers cresceram nos interstícios da reforma inglesa,
no princípio tão clandestinamente que desde Henry VIII até
a emergência dos quakers sabemos surpreendentemente muito pouco
sobre eles. Vários grupos foram acusados de praticar o comunismo
de bens; mas embora o movimento fosse difundido, pelo menos na imaginação
de seus perseguidores, cada grupo parece ter sido um minúsculo
conventículo, com os membros se encontrando nas casas uns
dos outros e compartilhando seus recursos. Teologicamente o velho anabatismo
morrera na Inglaterra sendo substituído pelo espiritualismo.
A moderna seita batista que surgiu naqueles dias teve um desenvolvimento
independente que não deveu praticamente nada ao anabatismo continental,
era em muitos aspectos uma forma especial de calvinismo. Nos escritos
e pregações de George Fox e dos primeiros quakers não
havia nenhuma reunião social especial ou preocupações
econômicas, apenas depois da restauração com
a consolidação do moderno quakerismo nos dias de William
Penn foi que os quakers se tornaram anti-políticos.
Um pequeno grupo de desempregados e camponeses sem terra se reuniram
na colina de São George perto de Walton-on-Thames em Surrey em
1 de abril de 1649, ocuparam a terra e começaram a plantar legumes
sob a liderança de William Everard e Gerrard Winstanley. No princípio,
aquela atitude despertou curiosidade e uma certa dose de condolência,
mas com o tempo os senhores locais donos da terra mandaram um bando de
jagunços capturar os diggers [roceiros] na igreja de Walton
que logo foram libertados pela justiça local. Foram novamente capturados
pelos jagunços e levados para a cidade de Kingston e mais uma vez
foram libertados. Em 16 de abril uma denúncia dirigida ao conselho
de estado resultou em dois grupos de cavalaria enviados para investigar.
O capitão, Gladman, reportou que o incidente era trivial e enviou
Everard e Winstanley para Londres para se explicarem eles mesmos para
Thomas Fairfax. Eles explicaram que desde a conquista normanda a Inglaterra
esteve debaixo de uma tirania, mas que essa tirania seria abolida, pois
Deus aliviaria o pobre e restabeleceria sua liberdade para desfrutar os
frutos da terra. Os dois homens explicaram que não pretendiam interferir
com a propriedade privada, mas apenas plantar e colher nos muitos solos
improdutivos da Inglaterra, e viver juntos com todas as coisas em comum.
Eles tinham certeza que esse exemplo seria seguido pelo pobres e desapropriados
de toda Inglaterra, e com o passar do tempo todos os homens deixariam
suas posses e se uniriam em comunidade.
No mês seguinte Lord Fairfax interrompeu seus afazeres em Londres
para ver pessoalmente o que estava acontecendo e decidiu que se tratava
de um problema que teria que ser resolvido pelas autoridades locais. Em
junho outro grupo de jagunços, incluindo alguns soldados, atacaram
os diggers e pisotearam suas colheitas. Winstanley reclamou com Fairfax
e os soldados aparentemente receberam ordens de deixar os diggers em paz.
Em junho os diggers anunciaram que pretendiam cortar e vender madeira
coletivamente, neste momento os proprietários os processaram por
danos e invasão. O tribunal avaliou os danos em dez libras mais
os custos do processo, e apreendeu as vacas colocadas por Winstanley nas
pastagens coletivas, liberando-as em seguida por não pertencerem
a ele.
Essa sentença desfavorável e a destruição
de suas colheitas provavelmente fez com que os diggers se deslocassem
no outono para Cobham Manor, onde construíram quatro casas, e pelo
inverno começaram a colheita de grãos. Nesse tempo havia
mais de cinqüenta diggers. Pela recusa em se dispersar, Fairfax finalmente
enviou tropas que, juntamente com jagunços, destruíram duas
casas e novamente pisotearam os campos. Os diggers persistiram e antes
da primavera eles tinham onze acres cultivados e seis ou sete casas construídas.
Movimentos semelhantes se espalharam por toda região de Northamptonshire
e Kent. O proprietário, o clérigo, John Platt, lançou
seu gado em cima das plantações e mandou seus jagunços
destruir as casas e expulsar os diggers com suas mulheres e crianças.
No dia 1 de abril de 1650, Winstanley e quatorze de seus companheiros
(Everard, que aparentemente era demente, desaparece cedo na história)
foram acusados de desordeiros, formação de quadrilha, e
invasão de terras. Não há nenhum registro da apresentação
da acusação, mas este foi o fim da pequena sociedade comunista
de Cobham.
É tudo isso que se sabe sobre o movimento digger, o episódio
trivial dos maravilhosos noventa dias das novas folhas quando elas brotam
pela primeira vez. Fatos na maioria das vezes ignorado em seu tempo, e
facilmente esquecido pela história -- não fosse pelos escritos
de Gerrard Winstanley esse seria o caso do movimento digger. Durante
todo o curso dessa experiência ele emitiu uma série de folhetos.
Na medida em que suas idéias rapidamente se expandiram, estes folhetos
vieram a se constituir na primeira exposição sistemática
do comunismo libertário na Inglaterra.
Todas as tendências da reforma radical parecem fluir junto
a Winstanley, misturadas e secularizadas, tornando-se ideologia em vez
de teologia. Espiritualismo, unitarianismo radical, comunismo apostólico,
racionalismo evangélico. Uma pessoa pode facilmente acreditar que
conhece toda literatura da reforma radical. Mas a verdade é que
nós ainda não sabemos nada a respeito de sua base intelectual,
de suas leituras ou de suas influências. Ele nunca cita uma autoridade
secular, apenas a Bíblia, e em todos seus escritos, não
sabemos nada sobre sua educação, e bem pouco sobre sua vida.
Ele diz continuamente que suas idéias não se originam de
nenhum homem nem de nenhum livro, mas apenas da Luz Interna e de sua receptividade
em experiências visionárias. Talvez isso seja verdade.
Gerrard Winstanley nasceu em uma aldeia de Wigan em 1609, em uma família
de pequenos nobres e comerciantes que tinham sido durante muito tempo
proeminentes na Inglaterra. O pai de Edward era registrado como mercerizador
e seu filho entrou no comércio de tecidos. Em algum lugar ele deve
ter recebido uma educação muito boa para um garoto provinciano
de classe média. Edward nunca faz uso de uma citação
clássica, como todo mundo fazia naquela época, essa abstenção
proposital indica que ele era não apenas educado mas também
muito sofisticado, além disso o estilo prosaico de seus panfletos
posteriores é típico de um homem altamente letrado. Aos
vinte anos foi para Londres, para receber instruções de
Sarah Gater, viúva de Willian Gater da companhia Merchant Taylor,
e aos vinte oito anos se tornou um homem livre e montou seu próprio
negócio. Três anos depois se casou com Susan King. Na depressão
que teve início em 1643 ele faliu, e em 1660 ainda estava sendo
processado pelos seus credores. Depois de sua falência, deixou Londres
para ficar com amigos nos bairros de Cobham e Walton-on-Thames em Surrey
onde, a julgar por suas dificuldades com o gado, ele propôs juntar
o gado da comunidade em um pasto comum.
Pouco tempo antes de sua primeira publicação Winstanley
juntou-se aos batistas, e aparentemente passou a ser seu pregador, mas
antes de 1648 ele passou a acreditar que o batismo era apenas uma formalidade
sem importância e parou de freqüentar os conventículos
batistas. Foi aí que encontrou alguns pequenos grupos de seekers
que se encontravam uns nas casas dos outros esperando pela Luz Interna,
e comunicando-se apenas ex tempore. Nessa época ele passou
por um período de tentação, culpa, medo da morte
e danação, de diabos e fantasmas, e um sentido de perda
e abandono, um tempo de crise espiritual universal nas vidas dos grandes
místicos. Finalmente, ele foi tomado por uma consciência
permanente de Deus dentro de si, uma garantia de salvação
universal, e uma paz que vem pela experiência direta de iluminação
mística. Suas primeiras duas publicações são
realmente dedicadas a assimilar esta experiência. Elas se movem
de um chiliasmo altamente espiritualizado, de uma doutrina bem arrazoada
de salvação universal, para uma filosofia (em vez de teologia)
altamente espiritualizada da história.
Até mesmo os primeiros panfletos tem uma perspicácia original.
Seu chiliasmo não conduz a uma forma de salvação
de um punhado de eleitos mas à divinização do homem.
Em seus ensinos sobre pecado e salvação, o pecado original
de Adão não é luxúria mas cobiça
egoísmo e desejo de poder nesse ponto Winstanley revela-se
incomparavelmente mais astuto que os puritanos. No final das contas, o
Deus que opera na história, em todos os aspectos, e conscientemente
na alma do homem, não é outra coisa senão a "Razão".
Seria um erro concluir disto, como alguns modernos escritores tem feito,
que Winstanley foi o precursor do racionalismo do século XVIII.
Sua razão é o inefável Deus de Plotinus e de Meister
Eckhart apreendido na experiência mística, entretanto não
separado do homem como Onipotente Criador, mas como a última realização
de todas as coisas. Assim, para ele a narrativa do Velho Testamento e
a vida e paixão de Cristo deixam de ser documentos históricos
sobre coisas que aconteceram no passado para tornarem-se arquétipos
simbólicos do drama cósmico da luta entre o bem e o mal
que toma lugar na alma do homem.
Quando o panfleto digger começa com a aventura na colina de São
George, o apelo básico de Winstanley não é a prática
dos apóstolos nem uma ética escatológica preparatória
para o apocalipse. Seu comunismo inicia com uma receptividade,
uma visão atual, e o apelo é sempre à sua transcendente
e iminente Razão uma lei natural espiritualizada, não
diferente do Tao de Chuang Tsu.
Igualmente eu ouvi estas palavras: Trabalhe em conjunto. Coma
em conjunto. Declare essas coisas pelo mundo afora. Igualmente
eu ouvi estas palavras: Entre o lavrador e qualquer pessoa ou
pessoas que se erguem acima de si mesmas como senhores ou governantes
sobre outros e que não vêem a si como iguais aos demais
na criação, a Mão do Senhor está com o lavrador.
Eu o Senhor disse isso e faço isso. Declare essas coisas pelo
mundo afora. [The New Law of Righteousness, 1648]
Esta visão não veio como um comando do alto, mas como uma
voz brotando dentro da experiência da própria natureza, nas
palavras de Winstanley, a doutrina da deidade antropomorfa, superior ao
que era contra e independente da natureza,
é a doutrina de um espírito doentio e fraco que perdeu
sua compreensão do conhecimento da Criação e do
temperamento do seu próprio Coração e Natureza
e assim se perde em fantasias. [The Law of Freedom in a Platform
or True Magistracy Restored, 1652]
Conhecer os segredos da natureza é conhecer as obras de Deus;
e conhecer as obras de Deus na criação é conhecer
o próprio Deus, pois Deus mora em cada obra ou corpo visível.
E se você conhece verdadeiramente as coisas espirituais, você
o conhece como o Espírito ou o Poder da Sabedoria e da Vida,
que causa o movimento ou o crescimento, que habita em seu interior e
governa tanto os muitos corpos estelares e planetas nos céus
lá em cima como os muitos corpos na terra aqui em baixo como
a grama, as plantas, os peixes, os animais, os pássaros e os
homens. [Ibid.]
Crer em céu ou inferno externos é um "conceito estranho",
uma fraude pela qual os homens são submetidos ao poder de seus
opressores,
. . . uma fantasia que seus falsos mestres colocaram em
suas cabeças para se aproveitarem de vocês, enquanto pegam
suas carteiras e traem a Cristo com as mãos da carne, e separam
Jacob para ser servo do Senhor Esaú. [The New Law of Righteousness]
A verdadeira e genuína religião é esta, restituir
à Terra tudo aquilo que tem sido retirado dela, que as pessoas
comuns se apropriem do poder [usurpado] por antigas conquistas e que
o oprimido se liberte. [A New Yeers Gift for the Parliament and
the Armie, 1650]
A terra com todos seus frutos como milho, gado, e os depósitos
de alimento, devem estar a disposição de toda a humanidade,
amigos e inimigos, sem exceção. [A Declaration from
the Poor Oppressed People of England, 1649]
E foi esta propriedade particular do meu e do teu que trouxe toda
a miséria às pessoas. Seu primeiro aborrecimento: as pessoas
começaram a roubar umas às outras. Seu segundo aborrecimento:
fizeram leis para proteger aqueles que praticam o roubo. Isso tenta
as pessoas a praticarem más ações e então
as matam por fazer isso. [The New Law of Righteousness]
Agora, este mesmo poder no homem que causa divisões e guerra
é chamado por alguns homens de estado natural que cada homem
traz ao mundo com ele. . . . Mas esta lei das trevas não
é o Estado Natural. [Fire in the Bush, 1650]
. . . o poder da Vida (chamada Lei da Natureza dentro
das criaturas) que move o homem e a besta em suas ações;
ou que faz a grama, as árvores, o milho e todas as plantas crescer
em suas várias estações; e tudo que qualquer corpo
faz, ele faz movido por esta Lei interior. E esta Lei Natural se move
tanto racional como irracionalmente. [The Law of Freedom in a Platform
or True Magistracy Restored]
No começo dos tempos o grande criador Razão fez da
terra um tesouro comum . . . nem uma palavra foi dita no princípio
de que uma parcela do gênero humano deveria governar sobre outra.
[The True Levellers Standard Advanced, 1649]
. . . o poder de cercar a terra e de ser dono de
uma propriedade foi trazido à criação por nossos
antepassados pela espada. Primeiro assassinaram seus semelhantes e depois
saquearam ou roubaram suas terras. [A Declaration from the Poor
Oppressed People of England]
Por meio de sua sutil imaginação e inteligência
voltada para a cobiça eles pegaram seus irmãos mais jovens
ou humildes para trabalhar para eles por pequenos salários e
pelo trabalho deles acumularam grandes riquezas. [The True Levellers
Standard Advanced]
Por alto pagamento, muitos meeiros e outros saqueadores que trabalhavam
para eles acumularam muito dinheiro e com ele compraram a terra. [Ibid.]
Nenhum homem pode ser rico, mas ele acaba enriquecendo, não
pelo seu próprio trabalho, mas às custas do trabalho de
outros homens. Se um homem não conta com a ajuda de seu próximo,
ele nunca se apossará de centenas e milhares de propriedades
por ano. Se outros homens o ajudaram a trabalhar, então essa
riqueza pertence a esses homens como pertence a ele, porque é
fruto tanto do trabalho de outros homens como do seu. Mas todo homem
rico é folgado, alimenta-se e veste-se às custas do trabalho
de outros homens e não do seu próprio; que é sua
vergonha e não sua nobreza. por isso é mais abençoado
dar do que receber. Mas o homem rico recebe tudo que tem das mãos
dos trabalhadores, e o que ele dá é produto do trabalho
de outros homens, não do seu próprio. [The Law of
Freedom in a Platform or True Magistracy Restored]
. . . uma vez proprietários, então
eles se elevam ao grau de juizes, legisladores e governadores dos estados
conforme a experiência mostra. [The True Levellers Standard
Advanced]
. . . o poder de assassinar e roubar legalmente pelo
poder da espada, tanto no passado como nos dias atuais, tem fortalecido
o governo e sustentado aqueles que governam; as prisões, as condenações
à morte, e o poder da espada, servem para obrigar as pessoas
a se submeterem a um governo que se estabeleceu pela violência
e pela espada e que não pode se sustentar a si mesmo senão
pelo mesmo poder assassino. [A Declaration from the Poor Oppressed
People of England]
. . . os jogos de poder reais fixam uma Lei e regras de
governo a serem cumpridas; aqui a Justiça é fingida mas
a força da lei é imposta pela violência da espada
para preservar sua filha Propriedade. . . . Assim eles dizem
que a lei existe para manter a ordem mas a lei é a força,
a vida e a medula do poder real que ainda se apoia na violência,
cercando a terra para alguns e impedindo o acesso a outros; dando terra
a alguns e negando terra a outros, o que contraria a Lei da Justiça
na qual o acesso à terra é livre para todos. . . .
Na verdade a maioria das leis foram feitas para que o pobre seja escravizado
pelo rico pela imposição da violência e das leis
dos grandes Dragões Vermelhos. [A New Yeers Gift for the
Parliament and the Armie]
Winstanley emprestou dos levellers a idéia de que a Inglaterra
anglo-saxã compartilhara a terra de forma eqüitativa; que
a conquista normanda propiciara a criação de grandes propriedades,
que a antiga população foi desapropriada ou lançada
na servidão; que esta divisão desigual da riqueza básica
da terra tinha sido perpetuada desde então pelo poder da espada;
que aquela lei e religião estabelecida eram apenas dispositivos
para justificar o uso da espada; e finalmente, que a subversão
do rei, o herdeiro do poder normando, resultara em nenhuma mudança
importante. As velhas leis permaneceram intatas. Uma nova Igreja, primeiro
as presbiterianas e depois as independentes, foram estabelecidas, e a
grandeza e riqueza da nova commonwealth foi construída pelos
cavaleiros de William, o Conquistador, enquanto que o povo comum afundava
na mais profunda pobreza. A interpretação de Winstanley
da história inglesa foi considerada ingênua, mas há
muito a ser dito a esse respeito. A Inglaterra anglo-saxã foi de
fato um país de fronteira. Durante todo o período da Idade
das Trevas foi marcada por um catastrófico despovoamento iniciado
no século V, havia muita terra livre por toda Europa, principalmente
nas ilhas britânicas.
Referindo-se aos advogados ele diz eles amam o dinheiro tão
afetuosamente como o cão de um homem pobre ama seu desjejum numa
manhã fria, e ainda são tidos como trabalhadores limpos,
eles viram uma causa conforme o tamanho do bolso do freguês.
Oh parlamentar da Inglaterra, que despeja suas leis sobre nós,
elas são tão triviais, você finge amar a todos,
e não é fiel a ninguém. Na verdade, aquele que
espera pela lei, conforme diz o provérbio, morrerá mendigo.
As velhas leis, como velhas prostitutas, apanha as carteiras dos homens
e as esvaziam . . . queimem todos seus códigos de leis
. . . , e montem seu governo sobre suas próprias bases. Não
coloquem vinho novo em odres velhos; se seu governo precisa ser novo
então deixem as leis serem novas, senão você afundará
mais ainda na lama onde você está atolado, você seria
mais rápido em um pântano irlandês. [A New Yeers
Gift for the Parliament and the Armie]
Referindo-se à igreja:
Pelo que temos visto, se se trata de adquirir dízimos ou
dinheiro, de uma forma ou de outra, o clero dobra-se ao poder dos
governantes, . . . do papado, do protestantismo; por um
rei, contra um rei; pela monarquia, por qualquer governo; eles clamam
por melhores salários, eles estarão do lado do mais
forte para garantir seu sustento terrestre. . . . Há
uma confraria entre o clero e o grande Dragão vermelho. As
ovelhas de Cristo nunca estarão bem enquanto o lobo ou o Dragão
vermelho pagar salários aos seus pastores. [Ibid.]
Para Winstanley, a propriedade privada, especialmente a propriedade da
terra como fonte de toda riqueza, é a causa de todas as guerras,
matanças, roubo, e leis escravistas que mantém as pessoas
em estado de miséria. A propriedade privada divide o homem
do homem, nação de nação, e conduz a um estado
de contínuas guerras que realimentam o poder do estado.
Winstanley foi o primeiro a descobrir o axioma que Randolph
Bourne tornou famoso guerra é saúde do Estado.
Ele também teve a idéia curiosa e original de que a invenção
científica é encorajada pela estrutura do poder apenas em
tempos de guerra. A escravidão real é a causa da propagação
da ignorância na terra pelo medo e a indisposição
em remunerar os mestres impedindo muitas invenções raras
e os segredos da criação, trancafiados pelo tradicional
bla-bla-bla das Faculdades e Universidades. A guerra, diz Winstanley,
faz os ricos mais ricos, os pobres mais pobres, e fortalece os laços
do poder.
Winstanley foi um completo e devoto pacifista durante a
experiência com os diggers, por isso abusaram de violência
contra eles, destruíram suas choupanas, feriram e mataram seu gado,
tudo isso por não apresentarem nenhuma resistência. Eles
acreditavam que seu exemplo, se apenas lhes fosse permitido cultivar a
terra coletivamente em terras improdutivas, seria tão penetrante
que logo seria imitado por todos os pobres da Inglaterra; e que uma vez
estabelecida uma comunidade de amor, ela se espalharia por toda sociedade
inglesa, seu sucesso conduziria até mesmo os ricos e poderosos
a se unir a eles e, eventualmente, toda Europa se tornaria comunista persuadida
apenas pelo exemplo.
Socialistas, modernos comunistas, anarquistas, todos reivindicam Winstanley
como um precursor. Na realidade suas idéias mostram muita semelhança
com as dos esquerdistas que apoiavam o imposto único de Henry George.
Para ele a fonte de toda riqueza estava na terra e seu desenvolvimento
na aplicação do trabalho usando os recursos da terra. Se
estes recursos fossem de posse coletiva, se fosse permitido a todos os
homens desenvolvê-los livremente, se os homens trabalhassem em comum,
então a riqueza resultante, até mesmo as oficinas e fábricas,
se tornariam naturalmente comunalizadas. Marxistas contemporâneos
modernos chamaram isso de economia ingênua, mas tal idéia
foi defendida no começo do século XX por um economista que
poderia ser qualquer coisa menos ingênuo, Henry George, que atraiu
incontáveis milhares de seguidores inteligentes e é, no
final das contas, a tese fundamental do próprio Marx. Mas, para
Winstanley, a economia não era a coisa mais importante. O que ele
buscava era uma condição espiritual na qual o gênero
humano estaria em harmonia com o funcionamento da Razão na natureza
o retorno do homem, que caíra pela cobiça, à
harmonia universal. O comunismo de Winstanley não era uma doutrina
econômica, mas ajuda mútua acompanhada por sua filosofia
orgânica como uma conseqüência lógica.
Após a supressão de sua pequena comuna dos diggers Winstanley
aquietou-se por um tempo. Então em 1652 ele publicou, com um prefácio
dirigido a Cromwell, seu plano para uma nova commonwealth
The Law of Freedom in a Platform or True Magistracy Restored.
Os panfletos digger não apresentam nenhum plano de política
administrativa ou governamental. Winstanley parece ter assumido que o
exemplo de funcionamento de pequenos grupos anarco-comunistas em ocupações
de terra, em fraternidade, se expandiria por toda parte, converteria a
Inglaterra e eventualmente o mundo. Os problemas de autodefesa e conflitos
internos seriam resolvidos pelo total pacifismo reinante onde o poder
simplesmente se dissolveria. A violenta repressão sofrida pelos
diggers tanto pelos jagunços como pela força das autoridades
fizeram com que Winstanley considerasse novamente a questão do
poder.
The Law of Freedom, depois de uma introdução geral,
está em grande parte relacionada a planos administrativos, e a
introdução é um apelo a Cromwell para que use seu
poder para introduzir uma nova commonwealth. Se você, diz
Winstanley, não abolir o velho poder pela violência
dos reis e nobres, mas apenas redirecioná-lo a outros homens, você
se perderá ou legará à posteridade as bases de uma
grande escravidão nunca vista antes, uma fria previsão
das tenebrosas fábricas satânicas do primitivo capitalismo
britânico.
No preâmbulo ele esboça as principais queixas populares,
a falta de tolerância religiosa, a sobrevivência do velho
sacerdócio, o fardo dos dízimos a décima parte
de toda renda para uma igreja estabelecida, a administração
arbitrária da justiça, as velhas leis ainda em vigor, as
velhas dívidas e obrigações feudais ainda em vigor
sendo usadas para oprimir as pessoas, enquanto as classes altas ignorarem
suas obrigações feudais, incorporando ou abusando das terras
de uso comum. Estas são as mesmas queixas bem familiares nas guerras
hussitas e na Revolta dos Camponeses na Alemanha.
Winstanley mostra que a verdadeira liberdade não estava no livre-câmbio,
liberdade de religião, ou comunidade de mulheres (as mulheres são
de todos), mas na liberdade no uso da terra, o tesouro natural da sociedade,
e que o primeiro dever da nova comunidade deveria ser abrir o acesso à
terra a todas as pessoas e assumir as propriedades anteriores do rei,
da igreja e da nobreza. Para fazer isso corretamente, e usar os frutos
da terra para o bem de todos, a sociedade necessitava de um verdadeiro
governo, oficiais administrativos que se dedicariam à liberdade
e ao bem-estar público.
A raiz original da magistratura estava na família, o primeiro
magistrado é o pai, enquanto membro responsável final de
um grupo em que todos são mutuamente responsáveis. Os funcionários
públicos da sociedade deveriam ser escolhidos através do
sufrágio universal pelas pessoas acima de vinte anos, no princípio
os representantes da velha ordem precisavam ser presos, seria um notório
mal deixá-los soltos e impedi-los de ser escolhidos. Os candidatos
deveriam ter acima de quarenta anos de idade, após um ano sua responsabilidade
poderá ser alternada ao longo da comunidade. Os primeiros a ser
escolhidos seriam os inspetores e os oficiais de paz, formando um conselho
local em cada comunidade. Eles preservariam a ordem pública, suprimindo
o crime, querelas e disputas no âmbito da propriedade doméstica
e outros bens móveis que permaneceriam em posse privada. Outros
planejariam a distribuição do trabalho e iniciariam os jovens
no aprendizado. Outros supervisionariam a produção nas fábricas
e nas fazendas. Winstanley visualiza a fábrica como sendo em grande
parte uma continuação das casas das pessoas com alguns seminários
públicos. O aprendizado regularmente acontece dentro da família;
apenas os meninos que não desejam seguir a profissão de
seus pais são escolhidos para os seminários públicos.
Outros organizam a distribuição de bens e comida que vão
para armazéns e lojas, tanto atacadistas como de varejo, nas quais
os artesãos e consumidores são livres para escolher o que
desejarem.
Em cada comunidade há um "soldado", que poderíamos
chamar de policial, cujo dever é obrigar o cumprimento das decisões
do pacificador, um mestre para o qual é dada a tarefa de cuidar
daqueles que são condenados por crimes contra a comunidade e encaminhá-los
para uma trabalho coletivo. Também há um executor que administra
punições corporais ou capitais para o recalcitrante sem
esperanças. O sistema de penalidades de Winstanley pode parecer
excessivamente severo para nós, especialmente em uma sociedade
utópica, mas no contexto daqueles dias, onde as pessoas eram enforcadas
por roubos insignificantes, ele era relativamente moderado. No município
ou condado, os pacificadores das cidades, inspetores, soldados, presidiam
acima do juiz, formando uma câmara e uma corte de primeira instancia.
Acima de tudo está o parlamento, que Winstanley parece ter concebido
principalmente como um tribunal de apelação final, Winstanley
se opõe fortemente às indulgências da legislação
promíscua. As leis dever ser poucas e simples tanto quanto possível.
O que Winstanley tinha em mente era uma política como a dos israelitas
do Livro dos Juizes na realidade a justiça na aldeia neolítica
era administrada de forma expontânea por anciões sentados
embaixo de uma árvore. Curiosamente ele não diz nada sobre
júris ou qualquer outra forma de democratização da
justiça. A sociedade se defende por uma milícia e Winstanley
demonstra perceber os males que se escondem por trás dos exércitos,
militarismo e da guerra.
A educação na nova commonwealth é gratuita,
geral, compulsória, e contínua pela vida. Todos aprenderão
sobre comércio ou ofícios e trabalharão meio período.
Nenhuma casta de intelectuais ou acadêmicos fixada aparte das pessoas
através de títulos seria permitida surgir, embora depois
dos quarenta anos de idade os homens estariam livres de todo trabalho
e labuta a menos que não desejassem. A pena de morte seria
decretada para aqueles que tentassem ganhar dinheiro pela lei ou pela
religião. Em cada comunidade haveria um "agente postal"
diretamente ligado a todos os outros no país e a um agente postal
central na principal cidade. Eles trocariam jornais, especialmente jornais
relatando os progressos da ciência, invenções, e tecnologia.
O domingo é dia de descanso. As pessoas se reúnem para ouvir
a leitura das leis, as notícias do agente postal, o que nós
chamaríamos de documentos no aprendizado da ciência. Os serviços
religiosos não são mencionados. As pessoas aparentemente
tem a liberdade de assisti-los se desejarem. O casamento e o divórcio
são civis, pela vontade exclusiva das partes, e acontecerá
através de simples declaração diante da comunidade
com inspetores e testemunhas.
A utopia de Winstanley foi criticada como sendo excessivamente simples
e ele foi qualificado de ingênuo; mais ingênua ainda foi idéia
de que Cromwell poria tal política em vigor, ou até mesmo
se desse ao luxo de ler seu panfleto. Discussões ideológicas
a portas fechas com seus oponentes sectários foram, sempre que
tinha tempo, um esporte para Cromwell, mas ele nunca deixou que isso o
influenciasse. Não podemos nos esquecer que ele viveu em um tempo
de esperança revolucionária. Naqueles dias, como no começo
da Reforma no continente, parecia bem possível aos homens inteligentes
que uma ordem social completamente nova pudesse ser estabelecida. Todo
mundo tinha algo de milenário e acreditava que uma nova era histórica
estava despontando. Eles não puderam prever a subida do industrialismo,
do capitalismo, do Estado secular. Para nós, o futuro deles é
passado e parece ter sido inevitável. Mas nada foi inevitável
para eles. Talvez se Cromwell, ou mesmo Lutero, tivessem previsto os horrores
da idade industrial no princípio do século XIX, ou o genocídio
e guerras de extermínio do século XX, eles poderiam ter
optado pela commonwealth de Winstanley ou a vida comunitária
dos huteritas. Em cada grande crise da civilização européia
ocidental, a Reforma, a Revolução Francesa, e as revoluções
de 1848, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Bolchevique,
a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial, parecia bastante possível
mudar o mundo. É apenas depois do fato consumado que o processo
histórico parece ser o único caminho pelo qual os eventos
poderiam ter funcionado.
A utopia de Winstanley era uma política executável? Dentro
de limites, sim. Se ele sabia disso ou não, sua política
é notavelmente semelhante a dos taboritas, dos irmãos moravianos,
dos huteritas, e dos assentamentos comunalistas na América do século
XIX. Seus planos fizeram parte no conjunto das idéias dos comunistas
ingleses posteriores e direta ou indiretamente influenciaram John Bellers,
Robert Owen, Josiah Warren, William Morris, Belford Bax, Édouard Bernstein,
David Petegorsky. Outros socialistas, comunistas, e anarquistas escreveram
extensivamente sobre ele na primeira metade do século XX e depois
da Segunda Guerra Mundial ele ficou extremamente popular. Grupos comunalistas
revolucionários na Inglaterra, América, Alemanha, e França
deram a si mesmos o nome de diggers.
Embora os quakers sejam sem dúvida os maiores e mais conhecidos,
constituindo uma comunidade remanescente descendente dos anabatistas espiritualistas,
e até mesmo das comunidades apostólicas secretas da Idade
Média, eles não praticaram a comunidade de bens. A cada
encontro do sétimo dia, conforme chamam seus conventículos,
havia um fundo comum para o alívio dos sócios em necessidade.
Como a maioria dos quakers tornou-se próspera devido a sua
estrita honestidade no comércio e nos ofícios, devido a
sua recusa em pagar dízimos por volta de 1760, pelos seus avançados
métodos agrícolas estes fundos comuns reservados
para pessoas pobres tornaram-se bem substanciais e muitos pobres se juntaram
à Sociedade de Amigos para obter ajuda, aliás bem superior
àquelas que os pobres contemporâneos recebem. No princípio
isto causou problemas mas com o tempo a geração de membros
que havia se juntado a eles por essas razões acabaram sendo absorvidos
pela economia geral, pois os quakers pobres representavam menos de um
terço dos pobres da população em geral, enquanto
que os membros prósperos eram proporcionalmente três vezes
maiores. Os fundos assistenciais quacre chegaram a ser utilizados de uma
forma crescente na ajuda de pessoas pobres em projetos sistemáticos
de auto-ajuda. Os quakers estabeleceram a principal, senão a única,
cidade fabril no modelo de Robert Owen (New Lanark). Eles continuam investindo
em movimentos comunais cooperativos até nossos dias.
Em sua juventude na Faculdade de Manchester entre os mais íntimos
amigos de Owen estava o quacre John Dalton e um outro jovem chamado Winstanley,
um bem possível descendente do grande digger.
Muito mais do que em Robert Owen, o quaker John Bellers, o teórico
mais sistemático de uma colônia de trabalho cooperativo,
deixou uma forte impressão em Marx. Owen sempre negou que tivesse
sido influenciado por Bellers e reivindicou que nunca tinha ouvido falar
dele até que Francis Place lhe mostrou a única cópia
de seu esquecido panfleto de 1817. Owen imediatamente imprimiu mil cópias
e distribuiu-os àqueles que julgava interessados, assim Bellers
sobreviveu.
Bellers nasceu em 1654, quacre de nascença. Ele ficou amigo de
Willian Penn e outros dos principais atores de seu tempo. Em 1695 durante
a longa depressão econômica nos últimos anos do século,
ele publicou Proposals for Raising a College of Industry of All Useful
Trades and Husbandry. Ele deu o nome de faculdade em vez de
casa de trabalho ou comunidade porque faculdade estava identificada
com instituições servis do estado e a casa implicava
num local onde as coisas eram compartilhadas em comum. Com um investimento
de capital de quinze mil libras um valor considerável, valia
dez vezes mais do que vale hoje Bellers visava uma colônia
auto-sustentada de trezentos adultos com lojas, comissário, oficinas,
fazenda, celeiros, leiteiras, cerâmica. A comunidade seria auto-suficiente
até mesmo em combustível e ferro. Todos os membros, desde
trabalhadores comuns até inspetores e gerentes, seriam pagos em
espécie. A casa teria quatro asas uma para pares casados,
uma para homens solteiros e meninos jovens, uma para mulheres solteiras
e meninas, e uma enfermaria. As refeições seriam em comum.
Bellers, como Winstanley antes dele, colocou uma grande ênfase na
educação das ciências humanas, nas artes, e nos ofícios
e comércio combinados. Bellers achava que a vida criativa da comunidade
e os métodos educacionais avançados atrairiam muitas pessoas
que viriam como visitantes ou até mesmo como pensionistas permanentes;
tinha a intenção inclusive de matricular suas crianças
na escola, esperando que eles pagassem bem por esses privilégios.
Ele desenvolveu nos mínimos detalhes a contabilidade projetada
de sua comunidade e demonstrou que os investidores originais ganhariam
um lucro considerável, sendo que o padrão de vida dos sócios
seria bem mais alto do que aquele do proletariado contemporâneo.
A primeira edição de seu panfleto foi dedicada à
Sociedade de Amigos, a segunda ao Parlamento, mas ninguém ousou
investir em tal colônia. Durante os anos seguintes Bellers emitiu
uma série de folhetos, alguns deles dedicados a uma análise
econômica cuidadosa de uma economia semi-socialista, outros propondo
uma liga de nações, um conselho ecumênico de todas
as religiões cristãs, um serviço de saúde
nacional, uma reforma do Parlamento e um processo eleitoral, uma reforma
total das prisões, e uma reforma das Poor Laws.
Embora Robert Owen tivesse desenvolvido seu próprio sistema antes
ele leu o panfleto de Bellers e embora Fourier, Saint-Simon, e Cabet,
certamente nunca tivessem ouvido falar dele, ele antecipou a maioria de
suas mais praticáveis idéias e de uma forma mais viável.
Embora todos seus escritos ficassem logo excessivamente raros, ele deveria
ser considerado o fundador do moderno e socialmente responsável
quakerismo do Service Committee Variety. Além disso as várias
medidas que ele propôs em seu aspecto reformista foram quase que
integralmente incorporadas pelo moderno estado de bem-estar. Embora
Marx o tenha chamado de um verdadeiro fenômeno na história
da economia política, incrivelmente nunca houve uma edição
com uma coleção de seus trabalhos, não há,
com toda essa inundação de pesquisa escolar e teses de Ph.D.,
nem mesmo qualquer livro escrito sobre ele. Ele nem mesmo é mencionado
no catálogo do History of British Socialism. A maior parte
das informações sobre ele pode ser encontrada no capítulo
final de Cromwell and Communism de Édouard Bernstein.
No Oriente Próximo, onde apareceu pela primeira vez, a vida comunal
da aldeia neolítica tem sido desvirtuada e inviabilizada pelas
invasões do Estado e da economia externa até os dias presentes.
Até a Segunda Guerra Mundial ou até a descoberta do petróleo
nos arredores, a vida em uma aldeia isolada do Oriente Médio era
em muitos aspectos semelhante a que teve durante oito mil anos. Assim,
não é surpreendente o entra e sai de movimentos comunalistas
no mesmo local do nascimento do Estado centralizado, nem o porque deles
terem falhado, com uma larga economia baseada na irrigação,
silos regionais, e planejamento racional da agricultura, tudo isso exigiu
um aparato administrativo centralizado.
A religião persa oficial, o zoroastrianismo, poderia ser considerada
um reflexo do Estado centralizado do Oriente Próximo, com seu sistema
de palácio e monarca absoluto. O yasnas de Zend Avesta
contêm muitas máximas dirigidas contra o comunismo, contra
o desrespeito aos nobres, contra o pacifismo, e contra a comunidade pirata
nômade, contudo, contem também algumas tendências comunalistas,
funcionando secretamente, para emergir na religião de Mazdak nos
anos posteriores da dinastia sassaniana.
Mazdak nasceu no final do século V e os seus discípulos
esparramaram sua doutrina tão rapidamente sobre a Pérsia
que eles logo converteram um grande número de pessoas importantes
e eventualmente, o próprio Rei Kawaz.
Para Mazdak a fonte de todo mal era devido à ação
malévola dos diabos, Inveja, Ira, Ganância, que tinham destruído
a igualdade primitiva e a comunidade do homem. Os discípulos de
Mazdak mantinham todas as coisas em comum incluindo, de acordo com seus
inimigos, as mulheres. Como a maioria dos hereges eles foram acusados
de serem viciados em orgias sexuais. Por outro lado eles também
foram acusados de extremo ascetiscismo, vegetarianismo, e a recusa em
matar sob qualquer circunstancia. O comunismo não era incidental
para o mazdaismo, mas central. Os grandes pecados mortais eram relacionados
a possessividade e violência, e as maiores virtudes eram aquelas
da comunidade do amor.
Temos informações incompletas sobre o que aconteceu depois
da conversão do rei, mas os efeitos sociais parecem ter sido drásticos
e supostamente devem ter conduzido à sua deposição
temporária pelo seu irmão Jamasp. Em sua restauração
seu filho, Khusraw I (Chosroes I), enganou Mazdak cortejando todos seus
discípulos, recebendo a submissão formal de Khusraw e a
pública profissão da nova religião. Quando os mazdaitas
entraram nos jardins reais para participar de um grande banquete, cada
grupo foi agarrado e enterrado de cabeça para baixo com os pés
para fora. Khusraw conduziu Mazdak pelo jardim e disse, veja a colheita
que sua má doutrina produziu, e enterrou-o, de cabeça
para baixo, entre seus seguidores.
O massacre, que aconteceu em A.D. 528, não exterminou a seita.
Na ascensão de Khusraw três anos depois começou uma
nova perseguição e os mazdaitas foram caçados ao
longo da Pérsia. Porém, um remanescente parece ter continuado
agindo secretamente, passando suas doutrinas e práticas às
seitas estrangeiras que surgiram dos ismaelitas e assasins, [Nota do Tradutor: Esse nome vem da palavra "Hashshashin" (usuários de haxixe)]
cismáticos do corpo principal do Islã. Por seus esforços
em defender o zoroastrianismo foi dado a Khusraw o título de Nushirwan-Anushak-Ruban
espírito imortal e ainda é venerado
pelos persas como um herói religioso.
Infelizmente não sabemos praticamente nada dos detalhes desse
fato, que no final das contas foi o episódio histórico principal.
Algumas das fontes do zoroastianismo, islamismo e cristianismo, vieram
através de testemunhas oculares, substituídas abusivamente
por economistas e sociólogos. Sabemos menos ainda sobre o comunismo
atribuido ao círculo interno dos primitivos manichaeanos,
cujos oponentes se chamavam zandiques, que correspondem com os
cathari entre os últimos albigenses europeus descendentes dos manichaeanos.
O comunismo entre os zandiques aparentemente foi praticado por uma minoria
que escolheu seguir conselhos de perfeição semelhante aos
monges cristãos. Muito mais que o mazdaismo, que floresceu dentro
dos limites do império sassaniano, o manichaeanismo, e depois o
agnosticismo, influenciou profundamente o desenvolvimento da heresia islâmica.
Desde então, mais especialmente em seus primeiros dias, o islã
participou especialmente no caráter de uma imenso bando de nômades
conduzidos por caravanas mercantes, invadindo sociedades estabelecidas
dentro de seu perímetro de expansão a guerra do estepe
contra a areia sempre havia um elemento de comunalismo pirata em
sua ética social e em menor grau em sua prática. Embora
Maomé fosse um comerciante e falasse para as comunidades mercantis
de Meca e Medina, a distinção entre invasores beduinos e
comerciantes mercadores é bem nebulosa. O posterior evoluíu
do anterior e permaneceu dependente dele. A diferença essencial
estava entre pilhagem e lucro. O bando nômade compartilhava a pilhagem,
o comerciante guardava seu lucro para si. Assim essas comunidades islâmicas
de hereges que praticaram o comunismo normalmente eram os piratas do deserto
e da estepe, como os assasins, uma sociedade secreta de extorcionistas.
A fonte da maior heresia islâmica não está no corpo
principal do mohammedanismo, o sunnism, a religião
da maioria dos árabes e dos habitantes das terras conquistadas
e mantidas, mas no chia, a religião da Pérsia. Os
chiítas rejeitam a noção de um califa eleito
e de um clero que sempre funciona como um tipo de rabinato com um corpo
legislativo sujeito à discussão como no Talmud
a favor de um califa hereditário descendente do profeta Ali, o
genro de Maomé, que por uma linha de divindade ordenava sete
ou doze sucessores, dependendo da seita, imams que adquiriam
o caráter de emanações diretas da deidade. Na Pérsia
essa linhagem também descende do último dos reis sassanianos
pela filha Yazdigird, Harar, a gazela, esposa do martir Husayn,
e mãe de Ali Asghar. Assim, combinado a uma linha hereditária,
ocorre uma mística encarnação divina no Rei Persa,
(o helenístico Basileus ó Soter) e em Ahura Mazda.
O iman final é oculto, para ressurgir apenas no fim do mundo
na forma de um Salvador ou Mahdi, normalmente inacessível,
mas representado diante das pessoas através de missionários,
ou daís, que o revelam clandestinamente. Às vezes
mahdi e imam são identificados ou, como na dinastia
Fatimid do Egito, funcionam como verdadeiros governantes. Entre
os ismaelitas o último desaparecido é Sete
que reaparecerá, como na Segunda Vinda de Cristo, no fim do mundo.
Na maioria das seitas ismaelitas ele é a emanação
final da série de sete, não confundir com os sete
imams que são todos espiritualmente idênticos, mas de
um caráter metafísico, gnóstico, similar aos aions
dos valentinianos gnósticos ou aos sephiroth da kabala
judia. Nós estamos lidando aqui com emanacionismo, soteriologia,
e um apocalipticismo que remonta ao amanhecer da religião
no Oriente Próximo por exemplo, a egípcia teologia
de Memphite, encontra analogia na mahayana budista. A semelhança
com a forma prevalecente do zoroastrianismo, uma religião que se
pronunciou amplamente nos assasins antes da conquista muçulmana,
como uma de suas expressões mais hereges. O chiísmo
tem sido qualificado como a revolta da Pérsia contra o sunismo
árabe, embora o chiísmo tenha florescido por um tempo
no Egito, e até mesmo em lugares distantes como Espanha e Indonésia.
É a atual religião na Pérsia, e dos ismaelitas
na Índia cujo mahdi é Aga Khan.
Tanto em estrutura como em doutrina a maioria das formas avançadas
de chiísmo se assemelha aos boxes chineses, um governo hierárquico
inacessível, uma religião oculta, uma série inclusiva
de mistérios cujo segredo final é que não há
mistério algum. A atração de tal religião
e sociedade secreta é grande, especialmente quando associada com
o poder mundano atual.
Contemporaneamente, ao estabelecimento da dinastia fatimida em
Trípoli no final do século IX e à conquista do Egito
em 972 A.D. uma seita estreitamente relacionada com os carmathianos
desenvolveu-se na parte mais baixa do vale mesopotâmico e ao longo
da costa noroeste do Golfo Persa.. O califado do sunita ortodoxo
Abbasid em Bagdá ficou preocupado com uma grande revolta de escravos
negros, a insurreição de Zanj. Os carmathianos tentaram
uma aliança com os líderes de Zanj. Isso provou ser impossível,
mas eles puderam estabelecer uma oposição paralela, depois
da supressão da revolta de Zanj os carmathianos não apenas
controlaram secretamente a costa norte do Golfo Persa, como também
organizaram a subversão no Iêmem, na Síria, e na própria
Bagdá. Em 900 A.D. as tropas do califado foram derrotadas em Basra
e dalí em diante os carmathianos passaram a controlar Bahrayn,
eventualmente Basra, e muitas outras cidades entre a Mesopotâmia
e a Arábia, cortando as rotas de peregrinagem para Meca, e normalmente
as conexões marítimas de Bagdá. Aqui eles estabeleceram
o que provavelmente foi a única sociedade comunista a controlar
um grande território, mantendo esse controle por mais de uma geração,
antes do século XX.
Os carmathianos também atacavam as caravanas de peregrinos para
Meca, muitas vezes matando milhares de pessoas, atacaram cidades tão
longínquas quanto Damascus, onde eles parecem ter estabelecido
um considerável corpo de seguidores secretos. Finalmente eles atacaram
a própria Meca e levaram a Pedra Preta sagrada, o objeto mais santo
do Islã, junto com uma imensa pilhagem (928 A.D.). Dentro do próprio
bahrayn havia um completo e absoluto comunismo. Os cidadãos não
pagavam nenhum tributo ou imposto; seu bem-estar estava garantido desde
o nascimento até a morte, na doença ou na saúde.
Todo trabalho duro, servil, ou desagradável era executado por escravos
negros que parecem ter sido os remanescentes derrotados da revolta de
Zanj que fugiram para seus semi-aliados e voluntariamente preferiram a
escravidão com os carmathianos do que o extermínio
com os sunitas. Os ortodoxos acusaram os carmathianos de comunidade
de mulheres (as mulheres eram de todos) e de todas as formas de orgias.
Na verdade eles eram estritamente monógamos, uma casta militar
um pouco parecida com os guardiães de Platão ou os Cavaleiros
Teutônicos, conduzindo uma vida severamente rígida, pura
e regulada. O uso de vinho e todos os vícios secundários
eram estritamente proibidos. As mulheres não usavam véus,
circulavam livremente em público e exerciam uma influência
considerável. Os carmathianos não eram obrigados
a cumprir as ordenanças específicas do Islã, nem
mesmo encontros de sexta-feira, orações diárias,
ou comer alimentos sagrados. As práticas esotéricas do mohammedanismo
foram substituídas pelo culto à Luz, um misticismo contemplativo
relacionado ao sufismo, bem parecido com o do maior teólogo sufí,
Ibn el Arabi. Como os sufis os carmathianos se vestiam exclusivamente
de branco e colocavam grande ênfase na moral e na pureza física.
Nós ainda estamos no mundo dos essênios, do therapeutae,
e da luz pela emanação da luz dos philo judaeus.
Se algumas acusações de seus perseguidores ou algumas tradições
secretas de ocultismo dos cavaleiros templares forem verdadeiras,
esta é a fonte.
Em 1084 A.D. Bahrayn foi subvertida, mas surgiu um outro domínio
ismaelita, uma nova irmandade de mistério e aventura, os assasins,
que se estendeu ao longo do Norte da Síria e no Mar Cáspio.
Baseado em uma série de comunidades-fortalezas no remoto deserto
ou em áreas montanhosas das quais Alamut foi a mais famosa e a
que mais tempo durou, os assasins estiveram ativos durante todo o período
das Cruzadas como uma irmandade secreta de extorcionistas
e assasins que espalhou o terror por todo o Oriente Próximo.
Eles pilhavam, influenciavam politicamente, e impunham respeito tanto
em cristãos como em muçulmanos. O comunismo autoritário
dos carmathianos abriu caminho para um puro autoritarismo. Seus adeptos
eram provavelmente controlados por uma espécie de hipnose de massa
induzida pelo excessivo uso do haxixe, daí seu nome, hashishim.
Suas fortalezas foram destruídas e eles foram exterminados quase
que completamente pelos mongóis sob o comando de Hulagu, que aparentemente
nutria um ódio especial contra eles. Depois de capturarem o grande
mestre de Alamut, o enviaram para Hulagu, mas escapou, eles sobreviveram
como seguidores de Aga Khan.
Os carmathianos e os assasins são os primeiros claros exemplos
de uma sociedade comunal de mútuo-benefício vivendo da pilhagem
de outras comunidades. Tal organismo pode ser apenas intersticial e funciona
nos pontos divisórios entre as classes de um Estado altamente organizado,
nas brechas entre dois Estados antagônicos, ou na periferia das
sociedades altamente organizadas. Este é o comunismo da gangue
urbana ou bando pirata de ladrões em tempos de desorganização
social como o bando imortalizado pela novela chinesa, The Water
Margin (All Men Are Brothers), e naturalmente, nos contos
de Robin Hood. Os carmathianos floresceram do antagonismo entre fundamentalistas
árabes e civilizações persas. Os assasins,
a mais famosa das muitas comunidades similares que praticava um esoterismo
religioso, sobreviveram saqueando seus vizinhos ao longo das fronteiras
ao Norte da Pérsia, no Cáucaso, ao longo do Mar Cáspio,
e por todo Oxus, o atual Afeganistão.
Antes das Cruzadas, a civilização islâmica era incomparavelmente
mais adiantada e rica do que a Europa Ocidental. As Cruzadas em si eram
uma espécie de brigada religiosa, da mesma maneira que o islã
tinha sido, quando os beduínos e mercadores da Arábia pilharam
o império bizantino. Assim não é extraordinário
que o tipo de organização inventada pelos carmathianos
e assasins acabou sendo adotada pelos cruzados. Os cavaleiros
templares e outras ordens militares eram no princípio sociedades
similares, autoritárias, comunistas, de bandidos religiosos, só
distinguidos pelos seus votos de celibato.
Se aceitarmos qualquer uma das acusações feitas contra
os templários quando foram suprimidos por Filipe, o Belo,
em 1307, veremos que eles não apenas copiaram a estrutura organizacional
dos assasins como também sua classificação
esotérica, que conduzia a um deísmo céptico, acompanhado
por ritos e práticas que os ortodoxos consideraram blasfemas e
obscenas. Os templários foram acusados de cuspir na cruz
em sua iniciação, de pederastia institucionalizada, e de
orgias noturnas, mas eles foram suprimidos porque haviam se tornado a
organização mais rica da Europa e um estado dentro do estado,
independente de reis e do papado, como também uma imensa corporação
de "banqueiros internacionais".
Nas costas do Báltico e no interior, os cavaleiros teutônicos
tinham uma organização semelhante à dos militares
ordenados cruzados exceto quando se fixavam em um território
específico. Da mesma forma que os templários sucederam aos
assasins e carmathianos, os cavaleiros teutônicos foram os sucessores
das comunidades pagãs varangianas que povoavam as vias fluviais
desde o Báltico até o Mar Negro, comunidades fortificadas
de mercadores-guerreiros escandinavos consideradas parte das populações
mais bárbaras entre os Finns, Letts, e eslavos. Aparentemente eles
praticaram uma economia de bando de ladrões, compartilhando a riqueza,
mas com a maior parte do roubo indo para seus chefes. Eles não
eram celibatários como os cavaleiros teutônicos. Suas
mulheres eram escravas concubinas tomadas de povos circunvizinhos, e em
alguns casos aparentemente eram imoladas quando seu chefe ou senhor morria.
Uma das principais mercadorias de comércio dos impérios
bizantino e persa era o tráfico de escravos loiros. As colônias
varangianas da grande Rússia nunca conseguiram se unir para
formar um único estado escandinavo, embora estabelecessem as fundações
da monarquia kievan, e até mesmo os Romanovs reivindicavam
ser descendentes deles. Porém, durante algum tempo, no período
viking, os jomsvikings da cidade-fortaleza de Jomsburg,
em algum lugar na costa do sudoeste do Báltico (o local nunca foi
identificado com certeza) funcionou como um estado comparável à
Noruega, Suécia, e Dinamarca.
A conquista dos mongóis destruiu o poder escandinavo na Rússia
e arrasou a região do Báltico. Da mesma forma que os mongóis
subjugaram o interior e destruíram os domínios eslavos e
varangianos no princípio do século XIII, os cavaleiros teutônicos
mudaram suas atividades da Terra Santa para a Prússia pagã
sujeitando a população finlandesa e eslava numa guerra de
genocídio, e eventualmente chegaram a controlar toda costa ao sul
do Báltico.
Este tipo predatório, parasítico, de associação
em mútuo benefício, gradualmente abandonou suas características
comunistas e religiosas para, no começo da era capitalista, emergir
nas grandes companhias de comércio orientais, nas companhias holandesas
e nas companhias inglesas da índia oriental e corporações
semelhantes, tomando a forma de algo parecido com uma mistura de brigadas
militares com mercadores.
Em tais sociedades as relações contratuais jurídicas
ou implícitas que prevalecem entre os sócios e que são
escassamente sentidas, são trocadas por uma calorosa fraternidade
de homens unidos pelo constante perigo e pela esperança de riqueza
sem trabalho duro. Obediência, lealdade até a morte, completa
devoção pela causa, ajuda sacrificatória para irmãos
em angústia, coisas como estas florescem muito mais em sociedades
de bandidos do que entre cidadãos refinados de uma comunidade estável.
Como um corpo que cresce em antagonismo aos valores das sociedades às
quais não pertence, sejam mais civilizadas ou mais bárbaras.
Essa relação ganhou força apresentando uma face misteriosa
a todos os estranhos, desenvolvendo onerosos ritos de iniciação
e de graduação progressiva. Nos círculos mais altos
que deliberadamente treinam e manipulam os graus mais inferiores, normalmente
prevalece um completo ceticismo e quando alguém é admitido
ao governo, ao alto conselho, o último segredo a ser revelado é
que não há segredo algum. Outra característica de
tal sociedade foi a impiedosa purgação de todos os sócios
desde a base até o topo que não conseguiam se adaptar a
mudanças rápidas no governo ou na política. Tais
comunidades dependeram de obediência absoluta e da mais perfeita
forma de autoridade que se estreita continuamente até que desaparece
no topo de um pináculo, o princípio metafórico da
própria autoridade. Tais sociedades, como os templares,
os jesuítas, os bolcheviques, sempre encheram as
grandes sociedades circunvizinhas de terror, sendo tema de lendas horrorizantes,
e de cruéis perseguições.
Historiadores científicos dedicados a uma ponderação
não-emocional das evidências, e normalmente comprometidos
pelo evangelho social do neoliberalismo, quase sempre negaram as acusações
de conduta ultrajante e obscena lançadas contra sociedades secretas,
grupos heréticos, e movimentos ocultos, como produtos das mentes
doentias de seus acusadores. Isso se deve em parte a um compromisso anterior
com a doutrina da bondade inerente do homem. Foram dedicadas muitas páginas
para provar que os carthaginianos não sacrificavam bebês
a Moloch, que nunca houve pederastia no Monte Athos, ou que as bruxas
não passavam de mulheres loucas ou velhas. Se desejar, alguém
pode rejeitar uma evidência, mas certamente há um monte de
outras evidências apontando para o lado oposto. As bruxas da Europa
e da Nova Inglaterra podem ter confessado debaixo de tortura coisas que
nunca fizeram, mas no mundo inteiro, na Ásia, África, e
na América primitiva as bruxas e chamans faziam precisamente as
mesmas coisas.
* * *
A relação social que prevaleceu na comunidade da aldeia
neolítica nas férteis regiões agrícolas desde
os estepes da grande Eurásia até as planícies do
Danúbio através da Ucrânica e da Sibéria
que o ecólogo americano chamaria de clímax da pradaria de
grama extensa suportou por milênios, de certo modo até
o século XX. O ambiente era tal que permitia um excedente agrícola
sumamente estável, baseado em pequenos grãos e na domestificação
sedentária de animais domésticos para a obtenção
de carne e leite. Tais comunidades estavam continuamente sujeitas à
invasão de pastores nômades que vagavam ao longo do grande
mar de estepe que se estendia diante deles. A maioria dos estados centralizados
penetravam nessas comunidades de pastores através de nômades,
que por muitas gerações iam e vinham, infiltrando-se cada
vez mais dentro dessas comunidades.
Até a imposição da servidão na era moderna,
o modo de vida adotado em uma típica aldeia ucraniana ou na Grande
Rússia remonta de um tempo tão longínquo que é
necessário seguir seus rastros arqueológicos, tal modo de
vida provou ser singularmente resistente tanto ao estilo eslavo de feudalismo
como a sua servidão posterior. A comunidade camponesa eslava sobreviveu
à abolição da servidão e as únicas
tentativas parcialmente bem sucedidas de estado e as novas classes altas
até mesmo para "libertar os servos" e estabelecer um
trabalho assalariado e uma agricultura de semeadura que permitiria
a acumulação primitiva necessária ao desenvolvimento
capitalista. Até mesmo a longa luta dos bolcheviques para industrializar
a agricultura, as pequenas comunidades, e substituir cidades agrícolas
por vastas fazendas e coletivos estatais nunca foi completamente bem sucedida.
A agricultura coletivizada da moderna Rússia, embora altamente
racionalizada e comunalista (talvez na teoria), fica bem aquém
na produtividade per capita por acre da Europa Ocidental, bem menor que
a americana em termos de agricultura em larga escala, e há muito
provou ser menos produtiva que nos velhos tempos das fazendas mistas de
duzentos acres do meio oeste americano. Isto é verdade não
apenas nas terras eslavas, como também especialmente na Ucrânia,
considerada uma das terras mais férteis do mundo.
Milhares de anos atrás, quando o primeiro homem entrou nessa região,
ele desenvolveu um modo de vida e uma espécie de comunidade, quase
perfeitamente ajustada àquele meio ambiente especial. Qualquer
tentativa de alterá-lo trouxe apenas desordem, ineficiência
e desmoralização. Durante cinqüenta anos todo congresso
do Partido Comunista ou Soviético se deparou com uma crise agrícola
permanente, porém os fatos sempre foram disfarçados pela
oratória.
A literatura russa e a teoria revolucionária, com exceção
do marxismo, é pontilhada pelo misticismo da comunidade camponesa
russa. Típicamente, os socialistas revolucionários, em sua
maioria partidários da Revolução Russa, esperavam
reorganizar a sociedade russa tendo como modelo a sociedade camponesa,
a mir, ou até mesmo a unidade administrativa da classe alta,
a zemstvo em outras palavras eles pretendiam realizar uma
espécie de camponesação de toda estrutura industrial
e cívica. Na realidade, os primitivos sovietes eram compostos por
trabalhadores, cidadãos comuns, soldados, marinheiros, em sua maioria
vindos, durante uma ou duas gerações, de aldeias camponesas. Estes sovietes
cresceram espontaneamente na revolução de 1905.
Não há dúvida de que a comunidade camponesa foi
altamente influenciada pelo movimento populista revolucionário
Narodnaya Volya a vontade do povo do
século dezenove dos revolucionários socialistas.
Milhares de homens e mulheres jovens bem educados "iam até
o povo" acreditando que se o camponês fosse educado ele reproduziria
espontaneamente um comunismo eslavo especial que resgataria a sociedade
industrial eventualmente em todo o mundo. Os fatos brutais da vida
camponesa são bem retratados nas narrativas de Chekhov, e é
provável que os revolucionários sociais esquerdistas encontraram
dificuldades em introduzir em aldeias neolíticas a ética
da modernidade fabril e bancária pela qual os bolcheviques pretendiam
industrializar a agricultura. Some-se a isso o fato de que formas comunais
com origem na mais remota antigüidade, reaparecem naturalmente, se
bem que brevemente, na Revolução de 1905, e na Revolução
de 1917 até que os sovietes e as fazendas comunais fossem suprimidas
pelos bolcheviques dois anos após o ataque implementado pelo poder.
Nos tempos modernos, naturalmente, as aldeias e comunidades não
eram comunistas. Estavam bem distantes de compartilhar as coisas em comum.
A pobreza e o grau de exploração tornava o camponês
desesperadamente avarento. Porém, a dissensão russa é
caracterizada por uma tendência global voltada para o comunismo.
O anabatismo russo aparece na história ao mesmo tempo que no Ocidente
durante o século XVI mas, como no Ocidente, há
indicações de que adotou uma existência oculta e clandestina
que remonta aos primeiros séculos do cristianismo na Rússia.
As duas principais seitas batistas, a doukhobors e a molokani,
brotaram continuamente fora dos grupos comunalistas que usualmente eram
radicalmente suprimidos, porém inofensivas e insignificantes. Este
processo teve seqüência nas comunidades imigrantes no Canada,
América do Sul, e Estados Unidos, mas nenhum dos movimentos cismáticos
durou muito tempo. Há um certo número de seitas extremadas
que se assemelham um pouco com os gnósticos e manichaeans,
e que podem ser relacionadas com o movimento paulican-bogomile-cathari-albigensian
que se espalhou na Idade Média desde a Asia Menor até o
sul da França. Outros grupos como os shlisti e os skoptsi,
que embora praticassem cultos orgiásticos e extáticos, eram
celibatários ao ponto de se castrar, semelhantes aos mandeanos
dos pântanos da Mesopotamia, ou a alguns dos cultos mais extremados
que se desenvolveram fora do Islã xiíta, como ocorreu no
cristianismo. A base camponesa e a selvagem perseguição
sofrida criou freqüentemente a prática de um comunismo forçado
entre eles, mas nunca estabeleceram comunidades permanentes onde todas
as coisas eram possuídas em comum.
Depois que os huteritas e menonitas se instalaram na Rússia
eles exerceram uma certa influência na sociedade camponesa ao seu
redor. Lá ainda existem anabatistas que falam o russo e
os que são essencialmente menonitas, mas não há
notícia de comunidades puramente russas que seguem o modo de vida
estrito do comunalismo huterita.
Nos primeiros anos que se seguiram após os bolcheviques tomarem
o poder, estes esperavam usar o comunalismo inerente à dissensão
russa no desenvolvimento de um programa de fazendas comunais, distintas
das fazendas coletivas. Durante algum tempo tais fazendas, lideradas por
dissidentes e seculares, floresceram a despeito da intromissão
burocrática. Com a ordem de Stalin para a coletivização
da agricultura, o Plano Quinquenal, e a supressão de toda dissidência
política, como a "trotskysta", tanto as fazendas comunais
como as fazendas dissidentes foram suprimidas, e oficialmente liquidadas.
É provável que durante as grandes purgações
foram exterminados cinqüenta por cento de todos os dissidentes russos,
especialmente aqueles cujo modo de vida pudesse ser interpretado como
heresia política.
Entre todos aqueles que idealizaram a comunidade camponesa eslava e o
comunalismo inerente aos dissidentes russos, sem dúvida o mais
influente, enquanto pessoa única não como partidário
populista, foi Leo Tolstoi. Sob sua inspiração muitas pequenas
comunidades de intelectuais se dedicaram ao comunismo, pacifismo, vegetarianismo,
e à disseminação de uma religião mística
e secularizada que se espalhou pela Rússia e por todo mundo principalmente
nos finais do século XIX e no princípio do século
XX. Freqüentemente, como os anabatistas poloneses, os proprietários
de terras transformavam suas propriedades em comunidades, convidavam seus
amigos boêmios da cidade, e "seus" camponeses para compartilhar
na edificação do núcleo de uma sociedade nova no
útero da velha. Como era de se esperar, poucas delas duraram mais
que um par de anos e as histórias tragicômicas a respeito
delas chegaram até nossos dias. Embora se saiba que houve muitas
comunidades desse tipo, algumas delas exitosas, não há nenhum
registro delas em nenhum idioma do Oeste Europeu, a menos que o checo
seja classificado como tal. Os iugoslavos e os checos durante o breve
período de sua história de liberdade intelectual mostraram
um grande interesse por todos os aspectos da história, religiosa
e secular, camponesa e industrial, dos grupos e movimentos comunistas.
Uma característica especial do desenvolvimento russo no final
do século XIX e começo do século XX foi o estabelecimento
de industriais ricos, que também eram grandes proprietários
de terras, que subsidiavam em algo grau várias comunidades de artistas.
Estes, naturalmente, embora fortalecidos em suas comunidades, estavam
longe de ser agrupamentos econômicos comunistas. Entre eles estavam
alguns dos principais artistas da Rússia pre-revolucionária,
os quais exerceram uma profunda influência na arte russa e indiretamente
nos primeiros conceitos dos ballets russes. Na medida que seus
membros emigravam, sua influência se estendeu também até
o Ocidente. No famoso bauhau, quase todos seus líderes eram
comunistas livres e muitos deles estiveram na Rússia nos primeiros
e excitantes dias pré-revolucionários, e passaram sua breve
existência na República de Weimar, numa tentativa de realizar
suas esperanças destroçadas enquanto construtivistas, confuturistas
e outros modernistas na forma de uma comunidade de artistas que dedicaria
seu trabalho e ensino revolucionando a mente da sociedade capitalista.
Aliás, Hitler destruiu o bauhaus e dispersou os artistas,
a maioria deles se tornaram completos capitalistas atuando em projetos
de desenho industrial e de arquitetura nos Estados Unidos.
Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão
de Kenneth Rexroth Trust.
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