B U R E A U    D O S    S E G R E D O S    P Ú B L I C O S

 

 

 

 

Comunalismo
Das Origens ao Século XX

 

12. Comunidades Pioneiras na América

13. Amana, Shakers, St. Nazianz

14. Oneida

 

12. Comunidades Pioneiras na América

Algo raramente mencionado, mas muito importante no crescimento do comunalismo religioso foi a degeneração e o declínio do monasticismo católico romano e o conseqüente desaparecimento de muitos serviços sociais. Por exemplo, o número de leitos de hospitais em muitas cidades européias no começo do século XIII só seria alcançado novamente apenas no século XX, e aquilo que chamamos hoje de "assistência social" era em sua totalidade uma função exercida pelas irmandades medievais. Com a contra-reforma foi estabelecido um novo tipo de monasticismo, dominado por militantes altamente disciplinados sob as ordens de clérigos regulares, como os jesuítas, que de um certo modo estavam fora da comunidade orgânica. Diferentemente dos monges e frades, eles operavam nela em vez de estar dentro dela, e não exerciam nenhum papel significante, muito menos determinante, tal função era deixada a cargo dos irmãos seculares ou mulheres.

Este desenvolvimento foi mais ou menos consciente ou deliberado. O papado e os teólogos papais tinham aprendido desde o século XIV a desconfiar dos grandes movimentos populares monásticos seculares e místicos comunais que vinham crescendo especialmente na Renolandia e nos Países Baixos, todos muito facilmente voltados para a heresia. Naqueles dias os béghardos e béguines, os irmãos da vida comum, Meister Eckhart, Jan Ruysbroeck, Henry Suso, Nicholas de Cusa, Thomas Kempis, e Angelus Silesius foram hostilizados pelos estritamente ortodoxos; embora alguns tenham adquirido o título de santificado, nenhum deles foi declarado santo, e todos eles tiveram pelo menos algumas de suas "teses" condenadas.

Quase todos os pre-reformistas advogam o retorno à vida apostólica, como os anabatistas e os pietistas, acreditavam no ideal da comunidade devota — comunismo contemplativo — pelo menos para aqueles membros da comunidade que sentiam um chamado especial, uma vocação religiosa, o que representou na realidade um monasticismo novo e reformado. Embora estes grupos vivessem nos interstícios das cidades, ou em alguma propriedade rural isolada em curtos períodos sob a proteção desafiante de algum homem ou mulher nobre, eles sempre estavam sujeitos a uma furiosa perseguição tanto por parte de católicos como de protestantes. Era sumamente difícil a estes grupos sustentarem uma vida comunitária por qualquer período de tempo, até mesmo naquelas áreas da Europa, como o baixo Reno, onde encontravam mais simpatia popular.

Os primeiros colonizadores da América tiveram menos oportunidades, até mesmo para o estabelecimento de comunidades, do que na Europa. As colônias espanholas e portuguesas estavam sujeitas à sua própria Inquisição local e até mesmo infelizes índios eram, ocasionalmente, queimados vivos por heresias das quais eles nunca tinham ouvido e nem poderiam conceber. A perseguição não era tão violenta assim na Nova França. Devido à ignorância dos colonos ordinários e ao cinismo corrupto das classes altas, o dissidente raramente mostrava o ar de sua graça, as deportações de dissidentes da França aparentemente desapareceram. As colônias inglesas não eram melhores do que as colônias espanholas. A Virgínia era estritamente anglicana. Massachusetts era estritamente independente ou puritana e não paravam de perseguir os quakers e os protestantes divergentes até o século XVIII. As coisas eram bem diferentes do que são agora nos estados do Meio Atlântico, New Jersey, Delaware, Maryland, e Pennsylvania, estabelecidos no princípio por suecos e holandeses mais liberais, que foram indicados como prospectores dos quakers e de seitas similares. Quando a Pennsylvania foi entregue a William Penn em 1682 e aberta à colonização com garantias de absoluta liberdade religiosa, uma tensão de esperança traspassou toda a Europa apostólica e pietista. Penn viajou pelo continente recrutando uma grande quantidade de colonos, uma quantidade bem maior do que aquela que havia quando os Estados Unidos foi fundado. Os quakers predominavam. Eventualmente, a maioria de quakers ingleses migrou, mas os menonitas e irmãos moravianos também vieram, da mesma forma que uma grande variedade de seitas anabatistas alemãs, a maioria das quais no Novo Mundo se uniram como irmãos batistas alemães.

A primeira colônia comunista foi estabelecida pelos seguidores de Jean de Labadie, independente das determinações de Penn da Pennsylvania mas sob sua influência e exatamente no mesmo tempo. Nascia a colônia Solar da Boêmia.

Labadie nasceu em 1610 em um burgo perto de Bordeaux, foi ordenado por um padre jesuíta; mas seu pastoreado foi exercido na Suíça, Países Baixos e Londres onde durante algum tempo sua influencia nas igrejas separatistas foi bastante grande. Suas doutrinas incluíam a comunidade de bens, casamento místico, milenarismo, celebração do Sabbath, e uma fixação aparte de uma elite celibatária. Descartes estava familiarizado com suas idéias. O mistério no R. + C. constante na assinatura de Rene Descartes talvez esteja associado ao fato de Labadie ter incorporado algumas das idéias dos irmãos rosacruzes, presumindo — há controvérsias nesse caso — que tal grupo tenha existido. Perseguidos pelas autoridades, protestantes, católicas romanas, e anglicanas, a seita moveu sua sede várias vezes para Herford, Bremen, Altona, Friesland ocidental, onde sobreviveram em comunidades, espalhando-se pelas planícies até o princípio do século XVIII. Primeiramente enviaram uma colônia para o Suriname cujo governador era um patrono e possivelmente um sócio. Ele foi assassinado em 1688 e a colônia foi removida para o Solar da Boêmia em Chesapeake onde os primeiros colonos os haviam precedido.

O Solar da Boêmia tinha sido patrocinado por Augustin Herrman, um proprietário de terras simpatizante da Boêmia (cujo filho era membro) mas que posteriormente repudiou a seita sem ser capaz de tomar de volta sua propriedade. O líder da colônia de 1683 foi Peter Sluyter, que parece ter sido um homem com um tipo de fé religiosa que maltrataria o comunalismo religioso em toda sua história na América. Sluyter morreu rico e dissoluto em 1722. Os colonos, mais de cem pessoas, por um lado, viviam vidas de estrita pobreza, castidade e obediência. Os homens e as mulheres eram separados para refeição e adoração. O dia e boa parte da noite eram gastos em trabalho duro, silencio ou cântico de orações, e meditação. A dieta, vestimenta, todas as condições de vida, eram tão ascéticas quanto poderiam agüentar e tudo que era arrecadado era enviado a um fundo comum controlado por Sluyter. Antes de sua morte a terra foi distribuída e a propriedade privada permitida, mas todos os lucros foram para o fundo comum e a vida da comunidade permaneceu da mesma maneira onerosa de sempre. Entre 1727 e 1730 a colônia se dividiu e durante os próximos dez anos as igrejas da Europa retornaram à igreja alemã reformada — e não, detalhe interessante, aos menonitas — onde geraram um reavivamento espiritual que se difundiu por toda parte.

Em suas viagens pela Renolândia e Planícies, Penn convidou todos os quakers alemães, menonitas, anabatistas, e outros pietistas para migrarem para sua nova terra. O primeiro grupo a ir foi um grande contingente de membros alemães da sociedade de amigos conduzidos por Francis Daniel Pastorius em 1683 para se estabelecer perto do que é hoje a Germantown. Eles foram seguidos brevemente por uma imigração menonita e schwenkfeldiana que incluía os discípulos apocalípticos e milenários de Johann Jakob Zimmermann, que morreu no dia em que seus seguidores viajaram. Sua liderança foi assumida pelo seu primeiro tenente Johannus Kelpius, um homem extraordinariamente culto, profundo conhecedor de filosofia, misticismo, e teologia, tanto ortodoxa como oculta, e um reconhecido rosacruz. Kelpius provou seu poder acalmando as ondas em uma violenta tempestade. Os colonos desembarcaram na Terra da Boêmia e foram para o bairro Germantown em 24 de junho de 1694. De acordo com Zimmermann o apocalipse estava a uma distância de apenas três meses.

Os colonos celebraram a noite de solstício do verão com ritos que eram uma mistura estranha de ocultismo, paganismo, e cristianismo pietista, e logo partiram para construir o Tabernáculo da Mulher na Selva coroados pela cruz rósea, para a surpresa dos seus vizinhos mais simples ou mais convencionais.

O número místico de quarenta colonos se acomodou em um edifício de quarenta pés quadrados para assistir, rezar e esperar a vinda do renascimento do mundo. Kelpius acomodou-se em uma anacoreta em uma caverna próxima. A comunidade de homens e mulheres era estritamente celibatária e a vida era pelo menos tão ascética quanto entre os seguidores de Labadie. Eles diferiam principalmente por seu alto grau de conhecimento e sofisticação. Na realidade, era hábito das colônias comunistas religiosas do século XIX recrutar pessoas cultas. Eles foram chamados de supersticiosos, mas na verdade eles eram chamados de qualquer coisa. Há uma grande diferença entre as superstições do analfabeto e o ocultismo de pessoas altamente educadas.

A pequena colônia suportou até 1748 e antes daquele período sua influência cultural na Pennsylvania foi desproporcional ao seu tamanho. Eles produziram o primeiro livro de hinos a ser publicado na América, e muitos outros exemplos de primeira impressão, incluindo um estudo, com vocabulário, dos índios Lenni Lenape — que eles acreditavam ser uma das tribos perdidas de Israel — o primeiro livro desse tipo a ser feito na América inglesa. Eles fundaram escolas e eram muito requisitados como artesãos qualificados e construtores, e até mesmo como arquitetos. O tempo era gasto em trabalho duro, oração coletiva e solitária, meditação, e como nos outros grupos, no estudo de clássicos do misticismo e do ocultismo desde Hermes Trismegistus a Meister Eckhart, Jakob Boehme, e a Kabbala. Curiosamente era bem grande o interesse que tinham por astrologia e alquimia, o que os introduziu em experimentações químicas e físicas, e em observações telescópicas durante todas as noites em busca dos sinais da Segunda Vinda. Em linha direta com suas atividades científicas posteriores na Filadélfia, ficaram famosas as experiências de Benjamin Franklin.

O ponto fraco da Mulher na Selva (o nome que davam para si mesmos era “the Contented of the God Loving Soul”) foi o não cumprimento de suas profecias, começando com as do próprio Zimmermann que disse que o milênio viria no outono equinócio de 1694. A data passou e a Segunda Vinda não veio. Eles também acreditavam que nunca morreriam. Mas Zimmermann morreu antes que eles partissem. O brilhante Kelpius morreu precocemente aos trinta e cinco anos como o último líder, Conrad Matthaei, morreu em 1748. Por volta de 1750 a comunidade tinha sido absorvida na sociedade geral do quakerismo e do pietismo germânico, nas quais deixou marcas que ficaram até nossos dias.

Em 1720 Conrad Beisel e três companheiros deixaram a Europa pretendendo juntar-se à Mulher na Selva. Quando alcançaram a colônia eles descobriram que Kelpius havia morrido. A maioria dos membros tinha partido e aqueles que permaneceram estavam perdidos em contemplação enquanto o tabernáculo estava em ruínas ao seu redor. A caminho de Ephrata os quatro homens pararam em Conestoga onde Beisel foi batizado pelos irmãos batistas germânicos e logo elevado ao grau de assistente líder da colônia. Beisel era um batista do sétimo dia. Depois de longa discussão os dunkardos decidiram continuar celebrando o domingo, assim Beisel partiu com seus seguidores para fundar, em 1735 no Rio Cacalico, a colônia de Ephrata, uma das comunidades intencionais mais bem sucedidas e mais longas do mundo.

No princípio os ephratanos eram o mais ascético dos grupos que fundaram a América. Os homens e as mulheres viviam juntos como celibatários. Eles vestiam uma adaptação do hábito franciscano, semelhante para homens e mulheres. O cabelo das mulheres era cortado curto e o dos homens era aparado mas usavam barbas tão cheias que eles a arrastavam vigorosamente cumprimentando uns aos outros. A comida era extremamente escassa, principalmente de pão seco ou mingau de aveia. Eles não usavam nada que contivesse ferro e utilizavam o mínimo possível de metal; os edifícios e a mobília eram cavilhados, carregados, e montados. Os talheres eram de madeira e muitos dos utensílios da cozinha eram de cerâmica. Como os beneditinos antes deles, eles se reuniam à meia-noite para cantar motes, e novamente às cinco para um segundo serviço. Celebravam as refeições em silêncio enquanto alguém lia a Bíblia. A comunhão era procedida lavando os pés uns dos outros. Cada um deles fazia semanalmente uma confissão de seus pecados por escrito que era lido em coro por Beisel. Cada noite clara eles se revezavam observando os céus com telescópio procurando sinais da Segunda Vinda. No princípio eles não usavam cavalos mas puxavam eles mesmos o arado e a carreta, levando suas próprias cargas, andando a pé onde quer que fossem.

Apesar deste ascetismo vigoroso eles viveram vidas de uma considerável criatividade, aprendizagem, e satisfação estética. Beisel escreveu poesia e compôs hinos de uma beleza singular, da mesma forma que alguns dos demais. O idioma musical dos hinos Ephratanos (cantados até hoje) é inconfundível. Eles produziram muitos livros em seus estudos peculiares, em sua maioria impressos por Christopher Sauer, incluindo a Bíblia de Sauer, a primeira em alemão na América.

Quase imediatamente a colônia começou a prosperar. Penn lhes ofereceu uns cinco mil acres adicionais mas eles recusaram porque tais riquezas distorceriam sua vida espiritual. Durante algum tempo depois da chegada dos três irmãos Eckerlin a colônia adicionou vários empreendimentos industriais, uma moenda e pequenas fábricas, tornou-se tão próspera que os membros se revoltaram e expulsaram os Eckerlins. Com o passar do tempo várias filiais dos ephratas se espalharam ao redor das colônias britânicas. A comunidade monástica encolheu e a maioria dos sócios se incorporou em uma igreja regular, os batistas alemães do sétimo-dia que existe até hoje. Um pequeno número de ephratanos continuou praticando um comunismo limitado, e os membros especialmente devotados passaram a cuidar de vários edifícios que se tornaram monumentos históricos e a ensinar para outros a arte coral ephrata. Nos recentes anos houve uma tentativa por parte de novos comunalistas de reavivar a velha comunidade ephratana mas não tiveram sucesso.

Ironicamente os harmonistas ou rapitas são lembrados principalmente como os predecessores da colônia Nova Harmonia de Robert Owen. Os owenitas duraram muito pouco em sua forma mais pura. A administração da Nova Harmonia conseguiu cometer a maioria dos erros passíveis de ocorrer em uma comunidade intencional e terminou na forma de uma série de desastres financeiros. Os rappitas floresceram, tornaram-se extremamente prósperos, e embora não tenham sido comunistas por muito tempo, entre seus descendentes houveram aqueles que adotaram as práticas comunistas das velhas comunidades.

George Rapp nasceu em Württemberg, filho de um cultivador de vinhedos, provavelmente em 1757. Aos trinta anos ele se tornou um pastor separatista-pietista, e gradualmente juntou em torno de si uma pequena seita que passou a ser perseguida por luteranos e calvinistas. Em 1803 ele foi para Baltimore a procura de refúgio para seu povo e comprou cinco mil acres de selva no vale de Conoquenessing ao Norte de Pittsburgh. No ano seguinte mais de mil e setecentos homens, mulheres e crianças ocuparam a terra e organizaram a Sociedade Harmonia, primeiramente como uma cooperativa, mas logo em seguida como uma comunidade comunista. Os homens faziam o trabalho mais duro, eram fazendeiros experimentados com habilidades consideráveis enquanto construtores e mecânicos. Em um tempo extraordinariamente curto, pouco mais de dois anos, eles tinham produzido uma florescente comunidade quase que auto-suficiente. Cada família morava em sua própria casa; havia igreja, escola, fábrica de malte, um grande celeiro, carpintaria, depósito de ferramentas, moinho, fábrica de conservas, fábrica de lã, destilaria, vinícola, e quinhentos e cinqüenta acres plantados de trigo, centeio, tabaco, linho, vinhedos, papoulas para óleo. Pastando na terra bruta havia gado, vacas leiteiras, porcos, cavalos, e as primeiras ovelhas merino da América. A maior parte da produção do uísque e do conhaque era vendida, mas eles bebiam vinho suave a cada refeição.

Dez anos depois, quando a colônia ficara rica e florescente, eles decidiram sair dali porque a terra não era adequada à produção de vinho de boa qualidade e além disso a comunicação com o mundo exterior era feita pela água. Desde 1807 haviam adotado o celibato como regra geral embora os maridos, esposas, e crianças continuassem morando juntos em casas de família separadas com tão pouca tensão que eles pasmaram qualquer pessoa que porventura escrevesse para eles. Nos anos posteriores eles passaram freqüentemente a adotar crianças.

Em 1814 eles compraram trinta mil acres no Vale de Wabash em Indiana e venderam seu primeiro assentamento por cem mil dólares, uma vasta soma de dinheiro por aqueles dias, mas provavelmente não pagava sequer os melhoramentos da terra. Por volta de 1815 todos saíram de Indiana em direção a uma aldeia bastante melhorada. Era Harmonia, que depois ficaria famosa como a colônia de Robert Owen. Mais uma vez eles floresceram. Mas nos próximos dez anos eles descobriram que o local tinha malária e que os fazendeiros ao redor eram antagonistas. Em 1824 eles venderam a cidade e vinte mil acres para Robert Owen por cento e cinqüenta mil dólares, se deslocaram para perto de Pittsburgh no Rio Ohio e estabeleceram um assentamento final, a aldeia Economia, que durou até o começo do século XX.

Em menos de vinte cinco anos eles construíram três cidades bem equipadas e limparam muitos milhares de acres, um registro inigualável não apenas para uma comunidade intencional mas para qualquer espécie de assentamento. Os rappites devem seu sucesso ao tipo de pessoas que eram, alemães qualificados, suábios em sua maioria, fazendeiros, vinicultores, e mecânicos, que estavam satisfeitos enquanto intelectuais, conforme podemos chamá-los hoje, da Mulher da Selva, uma utopia de baixa intensidade. Foi necessário apenas trabalho duro e qualificado para que eles estabelecessem e preservassem uma comunidade que os satisfizesse.

O pai Rapp era um homem de grande poder carismático mas ele também era talentoso com o senso comum. A crença na iminência do apocalipse, na Segunda Vinda e no reino milenar pode parecer torcida, até mesmo ignorante e vulgar, para a maioria das pessoas em nossos dias. Mas não havia nada de muito excêntrico nestas convicções na primeira metade do século XIX. Era perfeitamente possível sustentá-las e ainda assim ser considerado intelectualmente respeitável. É claro que estas foram certamente as convicções das primeiras gerações de cristãos e provavelmente do próprio Jesus. Além disso, conforme Albert Schweitzer manifestou em nossos dias, a “ética escatológica” é uma notavelmente efetiva regra de vida — “viver como se o mundo fosse se acabar em vinte e quatro horas”.

George Rapp proveu uma liderança espiritual e moral — a "imagem do pai" — seu filho adotivo, Frederick Rapp, já era pelo menos tão efetivo quanto o pai enquanto organizador, administrador e homem de negócios antes mesmo que os rappites deixassem Wabash. O Rapp mais jovem já tinha conquistado compradores para os produtos da comunidade ao longo da drenagem do Mississipi e em locais tão distantes quanto New Orleans. Depois que George e Frederick Rapp morreram a colônia permaneceu igualmente estável em seus negócios e em sua administração.

Na medida em que os números diminuíam os rappites fecharam muitas de suas pequenas lojas e investiram largamente em vias férreas e quando uma comunidade finalmente se dissolvia ela ainda era rica. Sua eficiência é mostrada de uma maneira bem clara pelo sucesso que eles fizeram com a seda e o vinho. Naqueles dias a sericultura e a vinicultura levaram a falência muitas fazendas americanas. Por anos os rappites encheram suas ladeiras mais íngremes de amoreiras, seda fina, ao mesmo tempo em que rodaram, teceram e costuraram seus próprios artigos de vestuários de seda. Quando eventualmente a sericultura se tornou completamente improdutiva e demorada eles tiveram o bom senso de abandoná-la.

Apenas uma vez eles tiveram o dissabor de ver seus planos perturbados. Um manifesto velhaco, Bernard Müller, que atendia pelo nome de Count Leon, escreveu da Alemanha que ele e seus seguidores se converteram e que queriam se juntar à colônia. Ao chegar deu um golpe militar na tentativa de assumir o controle das finanças. Isso fez com que os ascéticos e não violentos rappites levassem mais de um ano para se livrar dele e de seus seguidores, tendo que pagar mais de cem mil dólares para que eles se retirassem. Um terço da colônia partiu com Müller e estabeleceu um assentamento a dez milhas de distância, mas em menos de um ano perderam todo seu dinheiro; ao que atacaram Economia com armas, mas foram dirigidos para fora por um levante entre as comunidades vizinhas. Bernard Müller e alguns de seus seguidores foram para o norte de Louisiana onde morreu de cólera.

O episódio de Count Leon foi uma dádiva divina para Economia porque serviu para purgar aqueles que não estavam sinceramente cometidos ao modo rappite de vida. Dali em diante até o final do século nenhuma outra disputa partidarista séria surgiria. Os descendentes da comunidade passaram a comemorar esta data juntos. Muitos deles ainda moram no bairro de Economia, e outros moram próximos à colônia industrial Economia fundada em Beaver Falls. A igreja em Economia ainda está de pé e a congregação luterana evangélica possui vários descendentes dos rappites. Mas entesoura principalmente a memória de Robert Owens, uma comunidade mal sucedida em vez do eminentemente próspero Pai Rapp que construiu a maioria dos edifícios sobreviventes.

O grupo de separatistas de Württemberg que se instalou na aldeia de Zoar no nordeste de Ohio a trinta ou quarenta milhas ao sul de Canton em 1817 esteve diretamente relacionado com a comunidade Rapp. Porém, eles foram mais radicais em sua rejeição à sociedade dominante. Eles não votavam. Durante a Guerra Civil eles permaneceram pacifistas. Embora permitissem o matrimônio dentro do grupo e vivessem em famílias, eles eram muito mais ascéticos em estilo de vida. Eles também eram possivelmente bem menos educados, e Joseph Bäumeler bem menos instruído do que George Rapp.

Quanto eles chegaram na América os separatistas definitivamente não eram muito cometidos ao modo comunal de vida, mas adotaram isto como o modo mais eficiente de lidar com a selva. No período em que foram comunistas eles prosperaram estabelecendo uma fábrica de lã, duas grandes fábricas de farinha, moinho, serraria, fábrica de máquinas, fábrica de conservas, loja para o uso comum, fábrica de vagões, ferraria, carpintaria, alfaiataria, oficina de costura, fábrica de sapatos, fábrica de sidra, cervejaria, teares para tecer linho, sete mil acres de terra da principal fazenda de Ohio e um assentamento em Iowa. Eventualmente, suas indústrias empregavam um número considerável de estranhos e algumas das suas fazendas eram administradas por meeiros. Em 1874 havia trezentos sócios que detinham uma considerável propriedade de mais de um milhão de dólares. A cidade de Zoar era notoriamente mais áspera, mais crua que qualquer outro assentamento prévio, com habitações pobres, edifícios comunitários e igreja. Bäumeler morreu em 1853 e a colônia lentamente entrou em declínio. Em 1898 eles abandonaram completamente o comunismo e quase imediatamente após isso falharam economicamente em todos seus empreendimentos. Pouco restou de Zoar nos dias de hoje.

Embora o “Doutor” Keil tenha migrado da Prússia para a América em 1835, Bethel e sua colônia filha Aurora foram as primeiras comunidades intencionais a se juntar na América. Na Alemanha Keil tinha sido um milenarista. Ele se auto-educou em literatura mística, ocultismo, Boehme, Paracelsus, e Cagliostro. Em New York e Pittsburgh ele floresceu como hipnotizador, curandeiro de fé, e fornecedor de elixires misteriosos e poções cujas receitas dizia ter encontrado em um velho livro escrito com sangue humano. Ele se converteu ao metodismo, fez uma melodramática penitência pelos seus anos de charlatanismo e hexendokter, queimando publicamente sua sangrenta farmacopéia.

Mas Keil logo deixou o metodismo e fundou sua própria seita que desdenhou chamá-la de qualquer nome, mas que se opunha a todas as igrejas e denominações que haviam se apartado da vida comunal, apostólica do "verdadeiro Cristo", o Sol Central. Keil permaneceu um ator melodramático até o final de sua vida, e a adoração congregacional de seu grupo era mais histérica do que os mais extremados de seus predecessores. A vida diária na comunidade era simples e sem maiores ocorrências, mas Keil proporcionava para sua congregação muitos feriados e festivais, célebres pela comida, bebida, e danças, onde todos os colonos circunvizinhos eram bem-vindos.

A primeira colônia de Keil foi fundada em 1844, no município de Shelby, no Missouri, então numa fronteira selvagem, e incluiu os seguidores remanescentes de Count Leon. Em pouquíssimo tempo eles montaram uma cidade bem equipada e estavam cultivando quatro milhas quadradas de terra. Em 1855 Keil decidiu sair do Missouri, e a colônia moveu-se para Willapa no local onde agora está o estado de Washington. Incomodados com a floresta densa e a chuva constante, logo se mudaram para Willamette Valley no Oregon, onde deliberadamente evitaram a planície mais fértil para se instalar na floresta, uma vez que usavam bastante madeira na construção de sua cidade. Da mesma forma que a colônia, chamada Aurora, eles prosperaram e puderam resgatar as fazendas na planície. Bethel e Aurora repetiriam a história de outras comunidades, compartilhando todas as coisas em comum enquanto existiram . Eles prosperaram, na realidade ficaram bastante ricos. Depois que Keil morreu, logo dividiram suas propriedades e ativos e se desintegraram.

Exceto pelas suas muitas festas, e pela riqueza de satisfação de vida, Aurora e Bethel representaram um retrocesso no aspecto de que as comunidades simplesmente não foram educadas bem o bastante e eram muito acomodados para produzir outro líder como Keil. O “Professor” Christopher Wolff foi o líder do segundo contingente que viajou, em 1863, de Bethel para Aurora. Ele parece ter sido um homem livresco à la Cabet, Babeuf, Fourier, Proudhon, Wettling, e Marx. Como tal ele só desnorteou os demais colonos e parece nunca ter exercido um papel importante em Aurora. Porém, ele é notável como a primeira pessoa a aparecer na história do comunalismo religioso enquanto teórico do comunismo secular. É curioso especular como deve ter sido sua vida, isolado entre camponeses semi-alfabetizados na mais remota fronteira.

Se os líderes prévios do comunalismo religioso na América inglesa fossem personalidades crescentemente carismáticas, o fundador da Colina do Bispo, Eric Janson, seria a personalização apocalíptica. Ele não acreditava na Segunda Vinda de Cristo. Ele acreditava ser ele mesmo o Cristo vindo novamente. A seita começou bem silenciosa na Suécia sob a liderança de Jonas Olson, que fora um discípulo dos primeiros missionários metodistas da Grã-Bretanha, como uma associação de pietistas que se encontrava em suas casas para a pregação, devoção e estudo da Bíblia, e que eventualmente vieram a chamar a si mesmos de devocionalistas. Eles eram quase que limitados completamente à província de Helsingland e eram principalmente camponeses, mecânicos e artesãos autônomos. Eles permaneceram silenciosos juntos durante dezessete anos como um movimento de pietistas dentro da Igreja da Suécia.

Jonas Olson cedeu um alojamento durante um final de semana para um negociante ambulante de farinha em 1843. Este era Eric Janson que tinha trinta e quatro anos e que aos vinte e seis tinha experimentado uma série de transes, iluminações, e mensagens, e que havia rompido com a Igreja Luterana. Ele parece ter sido um homem de personalidade violenta e intenso carisma. Observadores externos nos anos posteriores achavam que ele agia como um louco. O efeito que provocou em Olson foi revolucionário. Ele tornou-se o líder espiritual do grupo, embora Olson permanecesse como gerente prático, ele se orientava continuamente na forma mais extrema do wesleyanismo, uma religião mais “pentecostal” do que é hoje. A Igreja estabelecida respondeu com uma perseguição inexorável e os devocionalistas foram forçados a se tornar uma seita separatista. Seus conventículos foram rompidos, eles foram excomungados e eventualmente presos seguidas vezes. Em retaliação eles queimaram os trabalhos teológicos e devotos do luteranismo ortodoxo em uma grande fogueira, Janson estava preso e só foi liberto devido à influência do rei. Depois de sua segunda fogueira de livros ele foi novamente preso; depois de sua sexta prisão, como fugitivo com um preço pela sua cabeça, ele foi libertado violentamente pelos seus seguidores e contrabandeado pelas montanhas para a Noruega, de onde foi para Copenhague e finalmente para New York. Em julho de 1846 ele chegou a Victoria, município de Knox, Illinois, onde já tinha enviado Olson para encontrar um local satisfatório para a comunidade.

Antes deste tempo Janson acreditava na Segunda Vinda de Cristo, enviado para resgatar a verdadeira Igreja que estava em cativeiro desde o Imperador Constantino, e para construir a Nova Jerusalém no verde da América e na terra prometida, de onde o reino milenar se espalharia por toda a terra. A seita tinha se tornado nesse ínterim muito mais um movimento de camponeses pobres e proletários, na melhor das hipóteses apenas semi-alfabetizados. De uma forma bem notável Janson reteve a lealdade da maioria dos membros originais não obstante tenham sido educados para aceitar suas crescentes reivindicações extravagantes.

Olson e Janson compraram uma área em Henry County, Illinois, aproximadamente quarenta milhas ao sudoeste de Rock Island, dando a ela o nome de Colina do Bispo e depois de Biskopskulla. Mil e cem jasonistas saíram dos portos suecos em direção à América. Uma barcaça se perdeu no mar, outra foi destruída fora de Newfoundland. Os primeiros barcos de imigrantes chegaram em outubro de 1846, muitos caminharam de New York até o Illinois e todos exceto as mulheres mais fracas e as crianças andaram cem milhas de Chicago até Victoria no começo do inverno. Eles continuaram deixando a Suécia, acreditando que um Deus zangado estava a ponto de destruir o restante daquilo que possuíam, até que quatrocentos se estabeleceram no primeiro ano da Colina do Bispo.

A terra era ideal. Uma parte foi cultivada e o restante se estendia em uma contínua pradaria e um pequeno bosque, mas os alojamentos eram assustadores — duas casas grandes, quatro barracas, uma casa de campo, e doze abrigos. Os abrigos eram usados como dormitórios, terrivelmente superpovoados e sem serviço adequado de saúde pública. A mortalidade era assustadora. No primeiro anos eles tiveram muito pouca comida. Cento e quatorze pessoas morreram de cólera em uma única quinzena. Eles ainda persistiram apesar das condições do pesadelo. Os colonos continuaram chegando e lentamente foram construídos novos edifícios, mais terra foi comprada e cultivada.

Ao término do segundo ano havia oitocentos colonos, uma fábrica própria e pequenas indústrias funcionando. Eventualmente construíram um forno de tijolos e uma cerâmica. Eles ergueram uma casa de tijolos de quatro águas, de cento e quarenta e cinco por cem pés, e uma grande igreja. No primeiro verão eles colheram com foices, no seguinte com colhedeiras, e no terceiro com ceifeiros. Todos seus métodos melhoraram em um nível semelhante. Já em 1847 eles partiram para o cultivo do linho e fabricaram mais de doze mil jardas de linho e tapetes de esteira. Às vezes os teares operados por mulheres com a ajuda de crianças rodavam dia e noite. Quando fecharam o negócio de linho, com exceção do consumido pela casa, devido à competição comercial, eles já tinham vendido mais de cento e cinqüenta mil jardas de material. Foram seguidamente atacados por cólera. Nenhuma outra colônia daquele tempo parece ter sofrido tão gravemente, e isto é uma boa indicação de uma falta crônica de um serviço próprio de saúde pública e de limpeza geral. Nestes primeiros anos Jonas Olson parece ter exercido um papel menos ativo enquanto que Janson era o líder espiritual e econômico. Tudo terminava debaixo de sua supervisão direta, ele representava a comunidade nos mercados de Chicago e St. Louis. Ao mesmo tempo que se tornava mais e mais extremado em seu comportamento profético e pentecostal.

Em 1848 a colônia foi visitada por um aventureiro, John Root, um sueco, recentemente desligado do exército na Guerra Mexicana. Por incrível que pareça Janson lhe deu as boas vindas e logo assumiu uma posição de liderança, e casou-se com uma das primas de Janson com um acordo escrito de que se ele deixasse a colônia ela poderia permanecer se desejasse. Ele passava seu tempo caçando e rondando pelas cidades vizinhas e foi tido como suspeito do assassinato de um mascate judeu. Depois ele desapareceu durante vários meses enquanto que sua esposa deu à luz uma criança. Quando voltou, Root tentou levar embora a esposa contra sua vontade. E eventualmente a sequestrou, mas foi pego por um destacamento montado pelos jansonistas. Ele foi à corte e foi-lhe dada a posse de sua esposa, ele a levou até sua irmã em Chicago que notificou à Colônia. Novamente um grupo de destacamentos foi montado ao longo da estrada para Chicago. Com Root e seus camaradas em perseguição, ela foi percorreu cento e cinqüenta milhas até a Colina do Bispo, sem qualquer parada exceto para trocar os cavalos. Root organizou uma turba que sitiou a aldeia tentando queimar os edifícios por duas vezes, mas foram expulsos por um grupo armado de colonos e fazendeiros vizinhos. Janson foi levado a julgamento em Cambridge por tentativa de seqüestro e por manter uma esposa separada de seu marido. Quando se dirigia à corte Janson teve uma premonição de que nunca retornaria. Um dia antes ele tinha pregado seu sermão mais poderoso, e pela noite realizou a Santa Ceia. Durante recesso de meio dia do tribunal Janson passava pela porta da corte quando Root apareceu na entrada, chamou pelo seu nome e deu-lhe um tiro. Janson caiu morto. Era 13 de maio de 1850. A colônia tinha menos de quatro anos de existência. Normalmente quando tão poderoso líder morre, a colônia comunista, seja religiosa ou secular, se desintegra ou se transforma em propriedade individual. Ocorreu o contrário no caso da Colina do Bispo.

Na hora do assassinato, Jonas Olson estava a caminho da Califórnia, enviado por Janson para procurar ouro. Ele voltou imediatamente para a Colina do Bispo, e com o consentimento da comunidade, ao lado do filho e herdeiro de Janson, tornou-se seu guardião e de sua esposa, assumindo a liderança. Sob nova escritura a comuna passou a ser administrada por sete fiduciários sob a liderança de Olson. Durante algum tempo a comunidade prosperou. A aldeia foi limpa, a terra foi preparada com mais eficiência, muitas pequenas indústrias foram criadas, e foram feitos contatos com os perfeccionistas de Oneida, os rappites e os shakers. A viúva de Janson partiu tornando-se shaker. En 1854, influenciado por eles, Olson decidiu que a comunidade se tornaria celibatária mas que continuaria a viver em famílias, o que gerou resignação, expulsão, frustração, e partidarismo entre aqueles que permaneceram. Na medida em que o país era colonizado mais densamente e cortado por vias férreas e canais, a sociedade ficou bem rica e um dos fiduciários — Olaf Johnson — assumiu suas operações financeiras. Em 1860 suas especulações levaram a colônia à beira da falência. Em 1861 a propriedade foi dividida e a comunista Colina do Bispo deixou de existir. Em 1879 os johnsonitas e os anti-johnsonitas empobrecidos, começaram a se processar uns aos outros e apenas trezentos habitantes permaneceram na aldeia decadente até o fim do século. Uma coisa notável com relação à comunidade da Colina do Bispo é que, embora fizessem tudo errado no começo, sobreviveu e prosperou até se corromperem em livre-empresa o que provou ser mais mortal para sua existência do que a epidemia de cólera.

 

13. Amana, Shakers, St. Nazianz

Com exceção dos huteritas, a mais próspera das comunidades intencionais religiosas foi Amana, a Comunidade da Verdadeira Inspiração. Suas raízes remontam a um grupo distinto do século XVII. Mas suas fontes se encontram no monasticismo medieval da Renolândia e dos Países Baixos, nos béghardos e béguines. A sociedade Amana era composta de pentecostais no significado lato da palavra. Eles acreditavam e ainda acreditam que a inspiração profética e apostólica do Espírito de Deus continua possuindo os homens e mulheres escolhidos, inspirando-os com sua palavra e agindo como mensageiros do ensinamento divino no mundo.

Os primeiro grupo de inspiracionistas saiu do movimento pietista luterano pelo fim do século XVII sob a liderança de uma mulher nobre, Rosemunde Juliane de Asseberg, o primeiro Instrumento de Inspiração (Werkseuge), seguida por Johann Wilhelm Peterson, um professor de Lüneberg, cujos hinos e expressões vocais proféticas são usadas até hoje. O movimento diminuiu durante alguns anos até ser reavivado por Eberhard Ludwig Grüber e Johann Friedrich Rock que se separaram da Igreja Luterana em 1714 estabelecendo, diante de violenta perseguição, conventículos inspiracionistas ao longo da Renolândia, Suíça, e Países Baixos. Após a morte deles não apareceu mais nenhum novo werkseug durante mais de cinqüenta anos.

Em 1817 M. Kraussert de Strassburg foi inspirado mas não pode resistir diante da perseguição e foi sucedido por Barbara Heinemann, uma menina camponesa analfabeta, e por Christian Metz, um carpinteiro. Barbara Heinemann expulsa por ter “um olhar muito simpático aos homens jovens”, retornou, casou-se, e perdeu sua inspiração por vinte e seis anos — recuperou-a, e acompanhou Christian Metz até a América. Depois de sua morte ela tornou-se o único oráculo até 1883 quando morreu com a idade de quase noventa anos. Desde então não houve nenhum instrumento inspirado que fosse aceito, mas foram registradas expressões proféticas divinas de Amana, começando por Rosemunde Juliane, cujos escritos na igreja passaram a ser considerados como iguais à Bíblia para direção em toda contingência imaginável.

Christian Metz legou às sociedades da Verdadeira Inspiração uma forte e prática organização em congregações governadas por anciões, e estabeleceu colônias cooperativas que, embora não completamente comunistas, compartilhavam os lucros de seus empreendimentos através de fundos de ajuda mútua que qualquer um podia pedir emprestado sem juros. As colônias prosperaram, mas eram continuamente molestadas porque recusavam enviar suas crianças para as escolas públicas, servir ao exército, prestar juramentos, ou qualquer forma de cooperação com o Estado mundano. Em 1842 eles formaram um comitê para a América que comprou inicialmente cinco mil acres da reserva indígena do Seneca e depois anexaram mais quatro mil. Nos próximos três anos oitocentas pessoas já ocupavam a área, limparam a terra, construíram quatro aldeias, cada uma com loja, igreja, escola, e empreendimentos comunitários. Mais tarde fundaram mais duas aldeias no Canadá.

Eles chamaram todas estas aldeias de Ebenezer — superior, média, baixa, e assim sucessivamente — e a si próprios de Sociedade Ebenezer — “até aqui o Senhor nos ajudou” (I Samuel 7.12). Eles não tinham originalmente planejado nada mais extremado do que uma economia cooperativa, mas encontraram no comunismo absoluto o modo mais eficiente de lidar com a selva. Embora os índios tivessem vendido a terra por dez dólares o acre, um preço alto por aqueles dias, eles recusaram sair da área e causaram aos colonos um considerável aborrecimento. A cidade de Buffalo também estava crescendo tão rapidamente que seus arredores começaram a se aproximar da colônia. (O local agora faz parte da cidade de Buffalo.)

Assim, em 1854 eles decidiram mudar-se para o que seria então a fronteira, onde eles poderiam viver tranqüilamente da maneira como queriam. Depois de uma cuidadosa observação eles compraram o que eventualmente se tornou vinte e seis mil acres de terra, a vinte milhas da Cidade de Iowa em um dos locais mais bonitos e férteis ao longo dos bancos do Rio Iowa. Eventualmente estabeleceram seis aldeias que deram o nome de Amana (Glaub Treu, Acredite com Fé) e registraram a si mesmos como Sociedade Amana. Todos os detalhes desta imigração foram executados sob inspiração direta de Christian Metz. Cada parágrafo do contrato era ditado mediante uma forma de inspiração, da mesma forma que Grüber ditara seus regulamentos, o registro de tal inspiração cuidava de todos os detalhes do assentamento, governo, e economia. O que emergia de tudo isso era uma comunidade que vivia sob o que eles consideravam uma divina revelação da lei, algo parecido com uma combinação do Torah, com os livros da lei do Velho Testamento, e com os Regulamentos de São Benedito com todos seus comentários.

Amana teve uma liderança idealmente carismática — os instrumentos eram, quando possuídos, literalmente escritos pelo Espírito de Deus e expressos com uma autoridade divina superior ao hadith ou ao Talmud, que integram as tradições sagradas tanto de muçulmanos como de judeus. Não havia nenhum questionamento a essas expressões oraculares. Quando não possuídos, os instrumentos retornavam ao seu papel humano enquanto administradores práticos. Metz parece ter sido pelo menos tão talentoso quanto o Pai Rapp. Amana era muito bem organizada, e eventualmente o carisma era bem distribuído através da comunidade, em parte, naturalmente, devido à freqüente consulta dos membros à tradição escrita, que pôde sobreviver à morte de Metz, à morte de Heinemann, e a todo um período de ausência de inspiração.

O comunismo de produção e de consumo foi completo, embora eventualmente fosse necessário contratar trabalho externo no pico da estação. Desde seu início Amana desenvolveu uma grande variedade de indústrias e de ofícios, de forma que a colônia se tornou quase que auto-sustentada. Além disso, produziu várias especialidades, no princípio principalmente têxteis, para exportação, com um importante retorno de capital excedente — uma "balança comercial" bem favorável. Com todas suas atividades industriais, Amana permaneceu solidamente fundada na agricultura, exportando grandes excessos agrícolas. A comunidade funcionava como uma pequena nação capitalista, com uma plena circulação de capital, exportações lucrativas, e um aumento, em vez de queda, da taxa de lucro.

As famílias moravam separadamente em suas próprias casas, mas todos os bairros partilhavam suas refeições em refeitórios comuns e em "casas de cozinha". As crianças eram educadas em escolas comunitárias tanto em inglês como em alemão. A escola durava todo o dia e todo o ano, embora o tempo fosse dividido em períodos de estudo de assuntos seculares e assuntos religiosos, em trabalhos de aprendizes em comércio, e brincadeiras organizadas. As mulheres usavam gorros pretos, vestidos cinzas, e uma manta cobrindo os ombros e os seios. Os homens usavam vestes de trabalho exceto na igreja.

De todas as colônias bem sucedidas, as aldeias de Amana parece que foram as que menos se preocuparam com estética: as casas não eram pintadas, as ruas sem pavimento, geralmente as aldeias tinham um ar desordenado. As mulheres compensavam tudo isso cultivando jardins floridos. Porém, os visitantes seculares comentavam que as flores eram entremeadas com legumes. O compromisso era reforçado por confissões públicas e por um exame privado de consciência. Os trabalhos eram freqüentemente alternados e havia um número considerável de tarefas coletivas envolvendo toda aldeia, como a colheita, por exemplo. Toda expressão artística era proibida, exceto o cantar de hinos. Amana não produziu nenhuma peça famosa, como os colonos de Pai Rapp, os festivais semi-pagãos de William Keil, a música mórmone, a arquitetura, ou "reuniões sociais"; muito menos rituais extáticos e emocionais como os shakers.

Amana foi uma utopia estólida de baixa pressão. Embora os verdadeiros inspiracionistas tenham iniciado enquanto intelectuais e pequenos aristocratas, no tempo em que chegaram a Iowa se tornaram uma comunidade que se caracterizada pela simplicidade, por singelos camponeses e trabalhadores alemães que encontraram satisfação suficiente no cultivo, no trabalho, e na adoração. Persistindo satisfeitos com uma vida tão-simples-quanto-possível, eles enriqueceram. Em 1933, cem anos depois que vieram para a América, e quase duzentos e cinqüenta anos depois dos pioneiros do movimento na Alemanha, eles retornaram ao empreendimento privado, estabelecendo-se como igreja e como corporação empresarial. Quarenta anos depois Amana tornou-se um dos principais fabricantes de utilidades domésticas nos Estados Unidos.

* * *

Os shakers, que chamavam a si mesmos de Sociedade Unida dos Crentes na Segunda Vinda de Cristo (United Society of Believers in Christ’s Second Appearing), ou Igreja Milenar, normalmente são considerados como os mais prósperos de todas as seitas comunalistas religiosas americanas. Eles podem ser facilmente descritos como um movimento monástico secular, consangüíneo a grupos não ortodoxos semelhantes conhecidos no princípio da Idade Média, mas com raízes que remontam aos cultos heréticos do começo da era cristã, não apenas em seu modo de vida como também em sua teologia, ambos de cunho milenarista, um avatar divino, êxtases grupais convulsivos, echolalia, e falar em línguas. Pelo menos no princípio, sem nenhum conhecimento de antigas tradições heterodoxas, eles conseguiram unir e reavivar a maioria delas, e além disso introduziram o hitherto, uma fé não cristã, na realidade não ocidental, a crença na possessão de pessoas mortas. Eles anteciparam o moderno espiritismo em várias décadas e seus fundadores eram uma espécie oriental de shamanes primitivos. Seus êxtases compulsivos, que os caracterizava, e suas danças e meneios rituais podem remontar ao século XIV, pelo menos. Por incrível que pareça, e quase nunca destacado, tais práticas foram bem comuns entre índios americanos e escravos negros. Robert Manning em seu livro Handlyng Sinne narra em “O Conto dos Dançarinos de Kolbeck” a história de um episódio clássico associado a danças que surgiram após o final da Idade Média e que se espalharam por toda a Europa Ocidental. Nosso termo popular para coreografia, a dança de São Vito, sobrevive desde aqueles tempos. Comentaristas modernos tendem a atribuir estes fenômenos medievais ao ergotismo — o Fogo de Santo Antônio — derivado da ingestão de centeio mofado, mas seu caráter organizado indica uma base religiosa herética como nos vários movimentos de flagelação. Embora o ergotismo possa ter sido um fator agregado, as convulsões extáticas foram comuns, mas desorganizadas, entre pequenos grupos heréticos, antepassados dos quakers, no século XVI na Inglaterra e nos Países Baixos, que também foram reputados de praticar a comunidade de bens, além do celibato ou orgias sexuais. Estes santos saltadores (holy jumpers) e roladores (rollers) foram vistos entre os primeiros conventículos do reavivamento metodista, especialmente em Gales. Práticas similares varreram toda a França no século XVIII, tanto dentro como fora da Igreja Católica Romana, com seu foco em Flandres e Britania onde as manias de danças da Idade Média muitas vezes se originaram.

No princípio do século XVIII um grupo de quakers em Manchester, conduzido por James e Jane Wardley, converteu-se às doutrinas dos Profetas Franceses ou Camisardos de Dauphiné e Vivarals, que mais ou menos sistematizaram um movimento. Os wardleys converteram Ann Lee, uma garota de vinte e seis anos de idade, filha de um ferreiro de Manchester, que logo tornou-se líder do grupo. Ela era freqüentemente presa por saltar, gritar, dançar, despir-se, blasfemar, na prisão teve a revelação de que o milênio tinha despontado, e que havia chegado o tempo de juntar o remanescente salvo e retirá-lo do mundo condenado, e que a Segunda Vinda já estava em curso. Por volta de 1770 seus seguidores começaram a referir-se a ela como “Ana da Palavra” o Cristo encarnado em uma mulher, a metade feminina do eterno syzygy. (Na teologia shaker, todas as entidades espirituais eram machos ou fêmeas unidos em um enlace místico — a velha doutrina agnóstica valentiniana).

Ann Lee estava casada contra sua vontade com Abraham Standerin, que os shakers chamavam de “Stanley,” teve quatro filhos, todos morreram na infância. Ela começou a ditar extensas revelações até que finalmente "ordenou" conduzir um grupo seleto de seguidores para a América — oito ou dez pessoas, principalmente parentes, mas inclusive um homem moderadamente rico, John Hocknell. Durante dois anos eles se apoiaram através de trabalho comum dentro e nas cercanias de New York.

Em 1776 Hocknell comprou uma grande área de terra pouco desenvolvida em Niskayuna no distrito de Watervliet perto de Albany e os shakers estabeleceram sua primeira colônia. Watervliet e a vizinha New Lebanon viriam a se tornar o berço da sociedade até sua dissolução no século XX. Durante a Guerra Revolucionária eles foram sujeitos a perseguição moderada enquanto pacifistas e recusadores de juramentos, mas foram logo deixados em paz pelas autoridades e pela vizinhança. Considerando seu comportamento extraordinário, é notável a pouca perseguição sofrida pelos shakers. Ao contrário de muitas seitas pentecostais e milenaristas, os shakers foram um povo pacífico, superando o quakerismo nesse aspecto, reagindo com mansidão aos ataques de ira a que eram eventualmente submetidos.

Durante a Guerra Revolucionária outras comunidades foram estabelecidas em New York, Massachusetts, e Connecticut; e em 1784, quando Mãe Ana morreu, sua pequena igreja estava florescendo e ganhava membros a cada reavivamento. Durante três anos eles foram conduzidos por James Whittaker. Após sua morte foi sucedido por Joseph Meecham que era pelo menos tão ricamente dotado do dom da revelação quanto sua Mãe Ana; e por Lucy Wright, que compartilhou a liderança com ele. Depois que ele morreu ela governou sozinha por vinte e cinco anos. Seus regulamentos, ou melhor, suas revelações, deram ao shakerismo sua forma final e sua regulação extraordinariamente detalhada de vida comunitária.

O marido de Mãe Ana parece ter sido um maroto degenerado em New York City onde era dado a bebedeiras e fugas com outra mulher. Seus filhos morreram na infância depois de partos dolorosos. A essência da revelação de Mãe Ana era sua extrema aversão à relação sexual, que ela substituía por uma cosmogonia de espiritualidade onde machos e fêmeas se uniam, algo que ela descrevia como uma relação bissexual, ou seja, envolvendo polaridades masculinas e femininas. Desde os primeiros dias do movimento seus seguidores foram chamados à prática celibatária, tanto para os solteiros, como para os estritamente castos, e para aqueles que entravam na seita já casados. Mãe Lee era a encarnação feminina de um Cristo eterno do qual o Jesus histórico foi a incarnação masculina, não a deidade encarnada ou a Segunda Pessoa da Trindade mas uma emanação primária. Tanto o celibato como esses pares semi-divinos são comuns em muitas religiões, sejam elas cristãs ou pré-cristãs, persas, manichaeanas, agnósticas, e tântricas, mas o celibato foi usualmente um privilégio de um eleito, um puro. A Mãe Ana o tornou obrigatório para todos os seguidores.

As necessidades de colonização nos limites da selva conduziram à prática de empreendimentos cooperativos que tendiam ao comunismo. Sob a liderança de Meecham e Wright foi introduzido o mais rígido comunismo; e progressivas revelações foram encarnadas em leis que regiam cada detalhe da vida, até mesmo sobre qual pé deveria primeiro pisar ao sair da cama. Os homens e as mulheres viviam dentro de um único grande edifício semelhante a um dormitório, de característica arquitetônica rígida, muitos desses edifícios existem até hoje, mas eles eram estritamente separados por escadarias e portas diferentes. Eles eram proibidos de falar uns com os outros exceto em casos de urgência ou com a rara permissão dos anciões e pessoas mais idosas. Cada edifício residencial constituía uma "família". Havia igualdade completa de homens e mulheres na administração e na adoração. Algumas aldeias shakers continham quatro ou cinco das tais famílias, autônomas e bem separadas. Eventualmente se espalharam aldeias shakers desde a costa do Atlântico até Ohio, Kentucky e sul da Flórida. maiores que de qualquer outra seita comunal, é difícil descobrir exatamente como toda corporação foi governada a partir da mãe fundadora em New Lebanon. Depois da metade do século XIX certas diferenças começaram a se desenvolver. Por exemplo, as aldeias em Maine enfatizavam a fé curativa. Outras recusavam a posse pelos espíritos dos mortos, que originalmente ocorria nitidamente em quase todo serviço noturno, e que começava a ser visto com um certo ceticismo.

Os primeiros líderes shakers possuíam um instinto notável para ditar regras e dispositivos que intensificavam o compromisso da comunidade e a difusão de instruções específicas. O neófito fazia uma confissão detalhada de todo pecado e falta antes de ser aceito pela sociedade, e a confissão periódica era ordenada até mesmo para transgressões mais secundárias. Considerando que a vida era ordenada assim cuidadosamente, muitos shakers anciãos ao término do século disseram aos seus entrevistadores que eles conseguiam viver muitos anos sem pecar.

Tanto homens como mulheres usavam uniformes — os homens usavam um chapéu largo e um longo casaco azul, com cabelo curto na frente e longo atrás. As mulheres usavam volumosos vestidos de cores sombrias com uma manta ao longo dos seios e das costas, um boné claro em lugar fechado, e um chapéu de sol ao ar livre, em cima de um cabelo curto. Em algumas famílias as visitas eram estritamente limitadas. Era permitido pequenos grupos de homens e de mulheres sentarem em lados opostos do quarto sob o controle de um ancião, onde entabulavam breves conversas cuidadosamente controladas para evitar todo conteúdo significante. Em algumas famílias tanto homens como mulheres eram emparelhados, de forma que as mulheres funcionavam como uma espécie de soror mystica, fornecendo entre si orientação espiritual. Os homens e mulheres executavam tarefas diferenciadas, usualmente em edifícios separados, comendo em mesas separadas e em silêncio. A vida diária era levada com um mínimo de conversa, bem semelhante às ordens monásticas mais rígidas. Como os trappistas, os shakers freqüentemente se comunicavam por quirologia simples.

Os edifícios shakers eram famosos por sua extrema limpeza e pela total simplicidade de sua mobília, houve um tempo quando a mobília ordinária era mais ornada. Não havia qualquer carpete e apenas alguns pequenos tapetes, todas as manhãs as cadeiras e o chão eram limpos e polidos, as camas eram retiradas, as janelas abertas, cada pessoa fazia sua parte na limpeza. Apesar desta ênfase no aspecto sanitário muitas aldeias não faziam nenhuma provisão quanto à higiene corporal pelo banho, de forma que algumas foram atingidas por pequenas epidemias de tifo devido, naturalmente, à disseminação de piolhos.

Nenhum quadro ou instrumentos musicais eram permitidos até perto do declínio da sociedade, nenhuma poesia, nenhuma novela, nenhum romance, nem mesmo uma história mostrando a longa história dos males do mundo — as pequenas bibliotecas continham livros de estrita praticabilidade, apenas obras religiosas bem típicas do shakerismo, e o próprio material literário da sociedade que já crescera bastante. Algumas famílias e muitos membros de todas as famílias eram vegetarianos — carne de porco, álcool, até mesmo vinhos suaves, tabaco (era permitido aos desesperadamente viciados mastigar um pouco), e usualmente chá e café, tudo isso era proibido.

Os dias eram gastos em um rígido ascetismo. Depois da ceia e da adoração da noite certamente ocorria a grande descarga ritualizada e coletiva de libido em qualquer seita comunalista americana, uma descarga que encontra paralelo apenas nos testemunhos dos julgamentos dos hereges medievais, nas polêmicas anti-heréticas dos ortodoxos, e nas (provavelmente imaginárias) religiões pagãs secretas, que os ocultistas modernos atribuem o culto da feitiçaria.

Depois dos hinos e de breves sermões por um dos anciões, homens e mulheres se alinham em lados opostos do quarto e começam uma estranha dança arrastada, acompanhada com movimentos de braços curvados (parkinsonismo), enquanto cantam hinos, muitas vezes em "línguas estranhas", alguns deles tradicionais, outros espontâneos. Em algumas famílias, eventualmente grupos de homens e de mulheres se abraçam e se beijam mutuamente. Descrições destes contatos por parte dos participantes sempre são acompanhadas por uma intensa onda de amor. É interessante destacar que ninguém, nem mesmo entre os shakers anteriores, fala desses abraços e presumíveis orgasmos como algo próprio deles. O abraço entre os pares foca o amor da comunidade, que dança em grupos alinhados, em anéis emparelhados que giram entre si.

No final os espíritos possuíam uma, duas ou três jovens mulheres e falavam através delas. Tais espíritos normalmente eram grandes figuras históricas — Napoleão, Julio César, ou heróis da república, como George Washington e Benjamin Franklin, ou mais especialmente índios famosos. Freqüentemente uma tribo inteira de espíritos índios visitaria uma reunião de shakers. Com o tempo os shakers passaram a empreender missões regulares entre os mortos, enviando seus espíritos conversos para pregar o evangelho shaker para toda sorte de pessoas especialmente para os índios americanos, que se tivessem desfrutado um pouco das vantagens do cristianismo em suas vidas, pelo menos quando morressem seriam convertidos aos milhares e estabeleceriam suas próprias comunidades shakers no mundo dos espíritos. Visitações de espíritos desse tipo sempre pasmaram visitas de carne-e-sangue porque o grupo shaker em sua totalidade parecia possuído por uma alucinação coletiva, como um elaborado psicodrama, dançando e conversando com seus convidados, dando-lhes comida e bebida imaginária, e ouvindo uma música inaudível. Psicodrama é a única palavra que temos para tal atividade porque é impossível aceitá-las como genuínas alucinações; e os líderes shaker freqüentemente admitiam aos estranhos que tudo era realmente fictício. Tal entretenimento com tribos inteiras de índios era apenas uma pequena parte do que faziam.

As comunidades shakers praticavam ritos anuais e bebiam um néctar imaginário de fontes imaginárias, festejavam uma imaginária ambrosia enquanto vestiam artigos de vestuário imaginários de esplendor ofuscante. A semelhança de tudo isso com o vaudon haitiano (vodu), com os cultos de juju que sobreviveram em algumas plantações de escravos nos Estados Unidos, e com as religiões originais da África Ocidental é certamente notável. Ninguém nunca demonstrou qualquer contato embora um número bem grande de negros se convertesse ao shakerismo. Por outro lado também há semelhanças com as práticas do culto do iroquois, vizinhos de muitas comunidades shakers. O Espiritualismo Moderno surgiu na mesma vizinhança e há controvérsias se o primeiro fenômeno "espiritualista" ocorreu entre os shakers ou entre os auto-professados espiritualistas.

Estas performances ocorriam com maior ou menor intensidade todas as noites na maioria das comunidades e culminavam em periódicos grandes festivais, não é difícil ver a vantagem que isso proporcionava aos shakers comparado com outros movimentos comunalistas. Vinte horas eram gastas na mais rígida disciplina, até mesmo o sono era governado através de regras; mas todas as noites cada libido individual era despejado na comunidade. Era o momento em que o inconsciente coletivo se manifestava. O amor se dissolvia em comunidade. George Washington dançando com as irmãs, bebendo ambrosia enquanto Squanto tocava violino — isto tudo pode nos parecer ridículo, mas eram os elementos disponíveis no mito orgiástico dos shakers. Eles agiam como muitos gregos fizeram encenando Baco e Orfeu.

Como os gregos que os precederam os shakers domesticaram o irracional e o submeteram à comunidade racional. Longe da reunião, a vida era vivida com uma ordem matemática. Embora renunciassem toda arte e decoração, sua arquitetura e mobília estritamente funcional estão entre as mais bonitas desse estilo. Eles acharam isso necessário para conter o sucesso de muitos de seus empreendimentos industriais. Eles foram o primeiro grupo da América a praticar a agricultura intensiva. Eventualmente muitas comunidades shakers usavam apenas sementes de alta qualidade separando um estoque para o mercado.

É bastante difícil pelas provas que restaram determinar como a sociedade era governada assim tão eficazmente. Todos os funcionários, administradores, representantes empresariais, e líderes religiosos eram apontados desde o topo. Eles estavam sujeitos a um mínimo de controle através de reuniões da comunidade, mais talvez por "revelações", embora a revelação nunca jogasse um papel consistente, determinante como ocorreu em Amana. Diante de um sistema tão autocrático de governo, especialmente em cima de comunidades pequenas que se espalhavam desde New Hampshire até o Kentucky em um tempo em que o país era coberto por selvas, se esperaria que resultasse em partidarismo e em cisma; pelo menos no caso dos shakers isso não ocorreu. Tanto no aspecto secular como no religioso a sociedade foi conduzida em uma vida extraordinariamente calma.

Pelos meados do século XIX, sob a liderança de Frederick W. Evans, que antes de sua conversão havia sido um reformador secular e comunalista, a sociedade florescia, alcançando a cifra de mais de seis mil sócios em vinte aldeias. O celibato que tinha sido o fator mais importante em sua força, eventualmente provou sua ineficácia. Suas doutrinas eram bárbaras demais para serem eterealizadas por uma geração mais alfabetizada e sofisticada, ou para trazer convertidos da classe de pessoas que se sentiam atraídas pelo shakerismo; assim eles não puderam se expandir além de certo limite. Convertidos casados traziam suas crianças para a sociedade juntamente com eles e cada aldeia shaker era entre outras coisas um livre orfanato que criava crianças não desejadas sem nenhuma despesa para o Estado. As crianças eram criadas como shakers mas a maioria delas iam embora assim que encontravam emprego em outro local. Nos meados do século XX sociedades que por muitos anos tinham consistido em menos de cem pessoas idosas, tiveram todas suas intenções e propósitos extintos. A grande revivicação do comunalismo começou depois da Segunda Grande Guerra focando um novo interesse pelos shakers tanto que recentemente houveram tentativas de reavivar a sociedade.

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Da mesma forma que as ordens religiosas dos monges e das freiras viveram sua plenitude na Idade Média, seria de se esperar que as pessoas laicas associadas à vida comunal alcançassem a plenitude de seu movimento na primeira metade do século XIX, quando apareceram aldeias comunistas católicas romanas tanto na Europa como nos Estados Unidos; mas há muito poucos exemplos, e é realmente difícil encontrar algo a respeito delas. Principalmente devido ao caráter extremamente reacionário da Igreja no século XIX. Qualquer coisa que sugerisse a pregação da comunidade de bens era logo condenada como heresia, principalmente porque representava uma séria ameaça à riqueza e ao poder da Igreja que adotava uma teologia ortodoxa. A difusão de um movimento pelo retorno à vida apostólica poderia exercer um efeito devastador na Igreja do século XIX. Na América a Igreja era ainda mais ortodoxa do que o papado. Após a Escassez da Batata Irlandesa e as dificuldades no sul da Alemanha, a igreja americana baseava-se em congregações largamente analfabetas ou semi-alfabetizadas de recentes imigrantes. Considerando que a maioria dos primeiros historiadores das sociedades comunistas na América eram milenaristas protestantes ou socialistas seculares, eles eram por princípio anticlericais, dessa forma freqüentemente ignoravam a existência de um assentamento comunalista católico no país.

Em 1854 Ambrosius Oschwald, um padre católico, conduziu um bando de colonos das colinas de Baden e de Black Forest para o município de Manitowoc, Wisconsin, cerca de cem milhas ao norte de Milwaukee. Eles compraram cerca de três mil e oitocentos acres de selva densa a três dólares e meio por acre, limparam a terra e construíram dois conventos para homens e mulheres celibatárias e uma aldeia de habitações familiares para pessoas casadas. Eles primeiro a nomearam como Colônia São Nazianz, depois como São Gregório de Nazianzus, um teólogo do século IV que resgatou a Igreja Oriental do Arianismo para a estrita ortodoxia, e que foi o fundador da escola denominada cappadociana de teologia e filosofia, que é responsável pelo prolongamento da vida apostólica e da doutrina mística e da divinização do homem na ortodoxia oriental. São Gregório permaneceu pouco tempo no arcebispado, retirando-se dos conflitos das políticas eclesiásticas para sua extensa propriedade onde estabeleceu uma comunidade que misturava monges, freiras, e pessoas seculares, dos quais sabemos muito pouco. Os historiadores do comunalismo não dão nenhuma evidência sobre quem era o santo padroeiro da colônia, ou porque foi escolhido, mas é de grande significado que ele foi o padre favorito da Igreja de muitos grandes místicos da Renolândia e do sul da Alemanha. Ele foi o antepassado espiritual dos movimentos pietistas da pré-reforma de onde surgiram, pelo menos indiretamente, quase todas as seitas comunistas religiosas da América — como também, por exemplo, o movimento tolstoyano.

A Colônia de São Nazianz floresceu enquanto o Padre Oschwald esteve vivo. A terra era frutífera e produziu excessos para o mercado. Os sócios fabricaram quase todas suas próprias necessidades: comida, roupa, ferramentas, mobília, sempre com um excesso exportável. Os membros celibatários viveram sob uma regra semelhante à Terceira Ordem Regular de São Francisco, os membros casados dedicavam-se completamente à Terceira Ordem Secular. Todos tomavam parte na liturgia diária da Igreja. A comunidade era essencialmente governada por sacramentos. A confissão e a penitência eram suficientes para assegurar a ordem e a sagrada comunhão para preservar o compromisso. Não diferentes dos shakers eles se uniam para o culto, através de rituais cuja fonte praticamente remonta antes do tempo da civilização, saindo das camadas mais profundas da mente humana. Padre Oschwald e uma eforata de doze membros cuidaram da administração dos negócios materiais e do bem-estar moral da comunidade. Suas decisões estavam sujeitas a revisões em reuniões gerais onde todos participavam. A comunidade parece ter funcionado com poucos atritos.

Por ocasião da morte do Padre Oschwald, descobriu-se que a propriedade, que estava registrada em seu nome, não poderia ser transferida para a colônia porque não era uma corporação. Assim, os sócios a incorporaram como uma sociedade religiosa católica romana onde cada sócio adquiriu uma parcela da propriedade, devido aos serviços prestados, repassando-a à nova corporação. Eles continuaram a próxima geração em uma base fiduciária, usando vestes simples dos camponeses da Floresta Negra do século XVIII, suas vidas eram governadas por sacramentos, liturgia, ritos de passagem, ritos do ano, que pelo final do século começaram a desaparecer. Como os shakers, eles tinham adotado crianças órfãs mas poucas delas permaneciam com a comunidade depois que cresciam. A aldeia de São Nazians ainda existe, mas de todas as colônias religiosas prósperas nos Estados Unidos é sem dúvida a menos conhecida.

Havia outro grupo aparentemente bem parecido perto de Milwaukee, chamado Nojashing, conduzido pelos padres Anthony Keppler e Matthias Steiger, que vieram da Baviera em 1847. Ambos morreram quatro anos depois, mas a colônia permaneceu até o final do século. A partir daí tornou-se tornou uma ordem de irmãs. É significativo que estas duas aventuras encontraram refúgio em Wisconsin onde a igreja católica romana — tanto quanto a anglicana — eram mais radicais do que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos e onde grupos cismáticos como a igreja nacional polonesa, os velhos católicos, e outros, encontraram guarida. O bem “progressista” bispo anglo-católico Griswold de Fond du Lac muitas vezes falou de sua esperança de que um reavivamento da ordem de São Gilobert de Sempringham teria lugar em sua diocese, mas ela nunca ocorreu. Assim a colônia de São Nazianz permaneceu como a única tentativa bem sucedida de transportar para a América uma espécie de sociedade comunista que se tornou famosa nas comunidades jesuíticas no Paraguai.

 

14. Oneida

Milenarismo, chiliasmo, pentecostalismo — somos inclinados a pensar tais termos como aplicáveis a movimentos do submundo religioso da teologia proletária, das pessoas semi-alfabetizadas — de fato, em muito semelhantes aos cristãos primitivos. John Humphrey Noyes, nasceu em 1811 em Brattleboro, Vermont, foi o fundador da Comunidade Oneida, e de uma seita conhecida como os perfeccionistas, diplomado em Dartmouth, primeiro dedicou-se ao estudo da lei, depois da teologia em Andover e posteriormente em Yale. Sob influência do movimento reavivalista ele passou por uma experiência de conversão espiritual, passando a crer que era possível aos homens não apenas serem salvos mas se tornarem perfeitos — ou aperfeiçoados — nesta vida. O intensivo estudo da Bíblia acompanhado com muita meditação e oração convenceu-o de que esse fim poderia ser alcançado mais facilmente através da adoção literal da vida apostólica.

Em 1834 Noyes retornou a Putney, Vermont, onde seu pai era um banqueiro, casado com a neta de um congressista, e lentamente juntou um grupo de pessoas, no princípio principalmente seus familiares mais íntimos que não apenas o seguiram em convicção como compartilharam dessas mesmas experiências e convicções, passando seu tempo em estudos bíblicos e oração. No curso de dez anos o pequeno grupo de perfeccionistas desenvolveu seu próprio corpo de doutrinas, ganhou alguns convertidos e correspondentes ao longo da Nova Inglaterra e New York. Em 1846 eles passaram a viver juntando todas as coisas em comum. Neste momento eles despertaram a ira dos cidadãos de Putney sendo expulsos da cidade.

Em 1848 os perfeccionistas compraram quarenta acres e uma casa velha perto de Oneida ao norte de New York, nos dois anos seguintes estabeleceram filiais no Brooklyn e em Wallingford, Connecticut. Oneida era um lugar pobre, os edifícios estavam caindo aos pedaços. No princípio havia menos que cem pessoas que podiam trazer relativamente pouco dinheiro na fundação da comunidade. Porém, eles logo passaram a produzir na terra, adquiriram acres, tornando-se capazes de se alimentar autonomamente, após isso adotaram um programa cuidadosamente planejado de desenvolvimento industrial diversificado em pequena escala. Eles passaram a vender o excedente da colheita para fora, gado, inclusive frutas, legumes, geleias, marmelada, mobília produzida na fazenda, tecidos em lã e seda, bolsas e caixas de fósforos, montaram uma fábrica e uma loja de ferramentas. Mais tarde eles começaram a produzir, no princípio à mão, utilidades que eles mesmos inventavam e que se tornaram os mais lucrativos de seus empreendimentos industriais naquele tempo..

Em 1874 a totalidade dos membros de Oneida e Wallingford (o Brooklyn se separou de Oneida) chegava a duzentos e dezenove adultos, aproximadamente vinte por cento mais mulheres do que homens, sessenta e quatro crianças, e aproximadamente duzentos e setenta trabalhadores de fazenda contratados, coletores de frutas, e trabalhadores nas lojas, inclusive trinta e cinco mulheres e meninas que trabalhavam com seda em Wallingford; além disso eles empregaram um número considerável de criados domésticos. Em 1873 eles venderam mais de trezentos mil dólares de mercadorias e de produtos que fabricavam. Em outras palavras, em vinte anos os colonos de Oneida tornaram-se modestamente ricos, a mão-de-obra contratada estava na proporção um empregado para cada colono adulto, e viviam vidas em elevado grau de satisfação tanto materialmente, culturalmente, como espiritualmente, mais do que qualquer outra colônia religiosa. Oneida parece ter sido um lugar completamente agradável para se viver. Esse sucesso notável provavelmente ocorreu devido à alta qualidade dos colonos e especialmente ao seu líder, um homem dotado de uma inteligência e força de vontade verdadeiramente excepcional, produto da melhor educação de seu tempo, tinha o hábito de não pedir para ninguém fazer qualquer coisa que ele mesmo pudesse fazer e assim trabalhou como fazendeiro, ferreiro, administrador, vaqueiro, e eventualmente todos os outros empreendimentos da comunidade.

Do ponto de vista da cultura secular do século XX, completamente céptico tanto em ciência como em religião, John Humphrey Noyes pode ser considerado excêntrico. Naturalmente, qualquer um que pertenceu a um grupo comunalista tinha, por definição, algo de excêntrico. Mas é bom não esquecer que na primeira metade do século XIX os fundamentos da educação, do aprendizado, e da filosofia de vida era, para a maioria das pessoas, quando implementados, baseados na Bíblia, especialmente na América. Os pais fundadores podem ter sido intelectuais radicais, e entre eles pode ter havido alguns racionalistas e deístas, mas a maioria dos americanos educados, particularmente depois da reação contra a Revolução Francesa, eram cristãos devotos. Noyes foi um cristão devoto, mas ele também foi um cristão radical e racionalista que, em seu primeiro grupo de estudo em Vermont, fixou-se na tentativa de descobrir exatamente o significado da palavra de Deus. Se o Novo Testamento for abordado dessa maneira, com uma mente conscientemente isenta de preconceito, parece óbvio que a cristandade apostólica era milenarista, chiliástica, pentecostal — e comunalista.

Oneida foi em muitos aspectos uma imagem espelhada das comunidades shaker, com métodos de construir compromisso de grupo que poderiam parecer diretamente contrários às práticas dos shakers. O método mais famoso foi o matrimônio grupal de Oneida. Todo mundo estava disponível para todo mundo, mas o emparelhamento real dos pares estava sob a orientação da comunidade, no final das contas parecia estar sob a orientação do próprio Noyes, as uniões eram usual e relativamente de pouca duração. Esse sexo grupal (“casamento complexo”) era acompanhado por uma descoberta especial de Noyes, a “continência masculina”. Esperava-se que o homem controlasse a si mesmo nas relações sexuais até que a mulher tivesse um ou mais orgasmos, retirando, aparentemente sem ejaculação. Isto soa como um costume doentio mas que de fato, conforme foi demonstrado através de várias práticas eróticas iogues, é perfeitamente possível a um homem treinar-se a ponto de separar o orgasmo da ejaculação. Tais funções são controladas por dois conjuntos diferentes de nervos. Em alguns dos escritos de Noyes sobre esse assunto ele parece falar de uma maneira bem oculta sobre sexo oral. Um detalhe significante é que toda comunidade praticava o controle da natalidade pela retirada que era praticada para o prazer sexual das mulheres — uma noção extraordinária para o século XIX. Noyes continuamente enfatiza sua, conforme diziam, “descoberta surpreendente” de que o ato sexual tem duas funções, procriação e prazer — o maior prazer da vida. Às vezes, por trás de sua linguagem criptográfica ele parece tropeçar em uma espécie de tantrismo, o misticismo erótico do transe sexual.

Na medida em que a colônia amadurecia, Noyes, conforme vimos, um bem sucedido criador de gado, introduziu a idéia da procriação eugênica controlada o que ele chamaria de estirpecultura. Apenas àqueles que fossem julgados melhor dotados de qualidades físicas e mentais, para desenvolver geneticamente a produção de uma raça superior através das gerações, foi permitido a geração de crianças. Noyes e um comitê especial, após uma longa observação na comunidade, escolheu alguns, instruindo-os para que se acasalassem, independente das uniões prévias que pudessem ter praticado. Hoje tais práticas são extremamente repudiadas, talvez o futuro decida que um dos piores males do nazismo foi desacreditar a eugenia. Houve momentos, depois de ser popularizada por Noyes, em que a reforma eugênica se tornou uma crença comum e uma esperança para quase todos os radicais sociais.

Noyes também foi um místico do alimento, a maioria das pessoas na comunidade eram vegetarianos. Eram servidas duas refeições por dia. Ele tomavam café e chá, mas nada que continha álcool, nem usavam qualquer tabaco. Eles acreditavam que a doença era um tipo de pecado e a tratavam com uma combinação de auto-crítica coletiva com cura pela fé — idéias que se assemelham às de Samuel Butler e de George Bernard Shaw, que influenciaram Noyes profundamente. Parece que eles tiveram tanto sucesso quanto a medicina ortodoxa daqueles dias. Em vez da confissão privada antes de ser admitido pela comunidade e depois de cometer qualquer pecado sério, conforme era praticado entre os shakers, Oneida fez uso de uma forma de crítica grupal, uma ocasião especial na vida da comunidade. Existe uma certa semelhança com a crítica grupal praticada atualmente pelos synanons com a grande diferença de que em Oneida ela desaguava em bondade, consideração, e respeito ao indivíduo.

A mudança no temperamento público dos Estados Unidos é bem ilustrada pela reação da sociedade dominante para com Oneida. As objeções mais fortes não eram contra o comunalismo ou contra a política radical mas aos estranhos costumes da colônia — casamento complexo, estirpecultura, igualdade das mulheres, e, não menos, a maneira de vestir. Os homens se vestiam com simplicidade mas convencionalmente. As mulheres usavam cabelo curto, saia no joelho, longas calças compridas, e uma quantidade menor de roupas íntimas do que era comum naqueles dias, como coletes, espartilhos, anáguas, pantalonas, e bustiês. Vestes que para nós parecem extremamente modestas, aos olhos da maioria dos visitantes era excitante. Mas os oneidanos também estavam entre os radicais políticos mais avançados de seu tempo. Há uma carta a William Lloyd Garrison escrita por Noyes que ele chamava de sua Declaração de Independência dos Estados Unidos e sua responsabilidade pela escravidão coletiva.

Ao longo da vida diária da comunidade, em cada departamento, em cada atividade, o membro encontrava uma supervisão embutida, controle, e curtos-circuitos designados para prevenir, abortar, ou curar cada vestígio de egoísmo e cobiça. Depois de desmamadas, as crianças eram criadas em berçários por especialistas, tanto homens como mulheres, e logo enviadas para o trabalho ou para trabalhar ao lado das pessoas mais velhas, da mesma forma que nas sociedades primitivas. Normalmente lhes permitiam algum tempo com seus pais durante o dia. Todos os brinquedos eram compartilhados em comum e dali para a frente, todos os artigos de uso mais pessoal, incluindo "roupas para usar fora", eram retirados e retornavam a um guarda-roupa comum.

O governo era exercido por uma vasta engrenagem de comitês e interlocutores, o que permitia uma gama considerável de iniciativas, sempre sujeitas a reuniões com a participação de toda comunidade; se uma divisão acontecesse, a decisão, como os quakers, era adiada até que a unanimidade pudesse ser alcançada. Oneida compartilhou com a Sociedade de Amigos duas idéias que parecem bastante comuns mas que são real e completamente assustadoras, e que é dificilmente compartilhada por qualquer outro grupo cristão, ou nesse assunto, por qualquer grupo secular. A primeira idéia é que é perfeitamente possível e não terrivelmente difícil ser bom (o nome oficial que deram a isso era perfeccionismo). A segunda idéia é que eles acreditavam que dificilmente poderia haver alguma emergência social onde o consenso precisasse ser sacrificado para que uma resolução pudesse ser tomada. O acordo era mais importante do que a discordância.

As idéias teológicas específicas de Noyes não foram tão incomuns em tempos de excentricidade religiosa. Ele acreditava na autoridade da Bíblia, mas além dela, na autoridade última do Espírito da Verdade que, como os quakers e sua Luz Interior, poderia preencher cada homem. Ele acreditava que Deus era dual, masculino e feminino. A Segunda Vinda de Cristo já ocorrera no tempo da destruição do templo. Nós estamos vivendo agora depois do apocalipse mas antes da iminente transformação espiritual do mundo que conduziria ao reino dos céus. O matrimônio complexo não era apenas uma técnica social para uma sociedade comunalista — era o método pelo qual a união espiritual dos sexos que se quebrou pela queda de Adão e Eva seria restabelecida e o gênero humano retornaria à sua divina condição de syzygy refletindo a imagem de Deus. A morte seria superada e o homem voltaria à eternidade.

Lendo Noyes hoje é fácil ver pelas informações, pela linguagem bíblica, a ação de uma mente poderosa. O único líder religioso comunalista que foi ao mesmo tempo um radical intelectual, ele continuamente enfatizou Eneida como sendo uma sucessão apostólica de Brook Farm, certamente a maioria de suas atividade intelectuais externas se dissolveria no mês em que Oneida foi fundada.

Na medida em que Noyes envelhecia, crescia uma nova geração de colonos, e como era de se esperar, a cada dia que se passava surgiam mais e mais objeções nos detalhes da vida dos colonos. Em 1879, acuado por ataques tanto internos quanto externos, Noyes escreveu uma carta propondo o abandono do matrimônio complexo, e a reunião geral aprovou a proposta com apenas um voto contra. Dali em diante, pouco a pouco, prática a prática, a colônia rapidamente se desintegrou, e o complexo de propriedades foi distribuído. Em 1881 Oneida tornou-se uma companhia acionária engajada principalmente na fabricação de objetos de prata e assim continua até hoje. Se os ex-colonos tivessem mantido suas ações, enriqueceriam, mas o negócio tornou-se um empreendimento capitalista, bem distante de uma democracia de trabalhadores.

 

Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão de Kenneth Rexroth Trust.

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Em tradução livre por Railton Sousa Guedes - Coletivo Periferia
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