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Comunalismo
Das Origens ao Século XX
12. Comunidades
Pioneiras na América
13. Amana, Shakers, St. Nazianz
14. Oneida
Algo raramente mencionado, mas muito importante no crescimento do comunalismo
religioso foi a degeneração e o declínio do monasticismo
católico romano e o conseqüente desaparecimento de muitos
serviços sociais. Por exemplo, o número de leitos de hospitais
em muitas cidades européias no começo do século XIII
só seria alcançado novamente apenas no século XX,
e aquilo que chamamos hoje de "assistência social" era
em sua totalidade uma função exercida pelas irmandades medievais.
Com a contra-reforma foi estabelecido um novo tipo de monasticismo, dominado
por militantes altamente disciplinados sob as ordens de clérigos
regulares, como os jesuítas, que de um certo modo estavam fora
da comunidade orgânica. Diferentemente dos monges e frades, eles
operavam nela em vez de estar dentro dela, e não
exerciam nenhum papel significante, muito menos determinante, tal função
era deixada a cargo dos irmãos seculares ou mulheres.
Este desenvolvimento foi mais ou menos consciente ou deliberado. O papado
e os teólogos papais tinham aprendido desde o século XIV
a desconfiar dos grandes movimentos populares monásticos seculares
e místicos comunais que vinham crescendo especialmente na Renolandia
e nos Países Baixos, todos muito facilmente voltados para a heresia.
Naqueles dias os béghardos e béguines, os irmãos
da vida comum, Meister Eckhart, Jan Ruysbroeck, Henry Suso, Nicholas
de Cusa, Thomas Kempis, e Angelus Silesius foram hostilizados pelos estritamente
ortodoxos; embora alguns tenham adquirido o título de santificado,
nenhum deles foi declarado santo, e todos eles tiveram pelo menos algumas
de suas "teses" condenadas.
Quase todos os pre-reformistas advogam o retorno à vida apostólica,
como os anabatistas e os pietistas, acreditavam no ideal da comunidade
devota comunismo contemplativo pelo menos para aqueles membros
da comunidade que sentiam um chamado especial, uma vocação
religiosa, o que representou na realidade um monasticismo novo e reformado.
Embora estes grupos vivessem nos interstícios das cidades, ou em
alguma propriedade rural isolada em curtos períodos sob a proteção
desafiante de algum homem ou mulher nobre, eles sempre estavam sujeitos
a uma furiosa perseguição tanto por parte de católicos
como de protestantes. Era sumamente difícil a estes grupos sustentarem
uma vida comunitária por qualquer período de tempo, até
mesmo naquelas áreas da Europa, como o baixo Reno, onde encontravam
mais simpatia popular.
Os primeiros colonizadores da América tiveram menos oportunidades,
até mesmo para o estabelecimento de comunidades, do que na Europa.
As colônias espanholas e portuguesas estavam sujeitas à sua
própria Inquisição local e até mesmo infelizes
índios eram, ocasionalmente, queimados vivos por heresias das quais
eles nunca tinham ouvido e nem poderiam conceber. A perseguição
não era tão violenta assim na Nova França. Devido
à ignorância dos colonos ordinários e ao cinismo corrupto
das classes altas, o dissidente raramente mostrava o ar de sua graça,
as deportações de dissidentes da França aparentemente
desapareceram. As colônias inglesas não eram melhores do
que as colônias espanholas. A Virgínia era estritamente anglicana.
Massachusetts era estritamente independente ou puritana
e não paravam de perseguir os quakers e os protestantes divergentes
até o século XVIII. As coisas eram bem diferentes do que
são agora nos estados do Meio Atlântico, New Jersey, Delaware,
Maryland, e Pennsylvania, estabelecidos no princípio por suecos
e holandeses mais liberais, que foram indicados como prospectores dos
quakers e de seitas similares. Quando a Pennsylvania foi entregue a William
Penn em 1682 e aberta à colonização com garantias
de absoluta liberdade religiosa, uma tensão de esperança
traspassou toda a Europa apostólica e pietista. Penn
viajou pelo continente recrutando uma grande quantidade de colonos, uma
quantidade bem maior do que aquela que havia quando os Estados Unidos
foi fundado. Os quakers predominavam. Eventualmente, a maioria de quakers
ingleses migrou, mas os menonitas e irmãos moravianos
também vieram, da mesma forma que uma grande variedade de seitas
anabatistas alemãs, a maioria das quais no Novo Mundo se uniram
como irmãos batistas alemães.
A primeira colônia comunista foi estabelecida pelos seguidores
de Jean de Labadie, independente das determinações de Penn
da Pennsylvania mas sob sua influência e exatamente no mesmo tempo.
Nascia a colônia Solar da Boêmia.
Labadie nasceu em 1610 em um burgo perto de Bordeaux, foi ordenado por
um padre jesuíta; mas seu pastoreado foi exercido na Suíça,
Países Baixos e Londres onde durante algum tempo sua influencia
nas igrejas separatistas foi bastante grande. Suas doutrinas incluíam
a comunidade de bens, casamento místico, milenarismo, celebração
do Sabbath, e uma fixação aparte de uma elite celibatária.
Descartes estava familiarizado com suas idéias. O mistério
no R. + C. constante na assinatura de Rene Descartes talvez esteja
associado ao fato de Labadie ter incorporado algumas das idéias
dos irmãos rosacruzes, presumindo há controvérsias
nesse caso que tal grupo tenha existido. Perseguidos pelas autoridades,
protestantes, católicas romanas, e anglicanas, a seita moveu sua
sede várias vezes para Herford, Bremen, Altona, Friesland ocidental,
onde sobreviveram em comunidades, espalhando-se pelas planícies
até o princípio do século XVIII. Primeiramente enviaram
uma colônia para o Suriname cujo governador era um patrono e possivelmente
um sócio. Ele foi assassinado em 1688 e a colônia foi removida
para o Solar da Boêmia em Chesapeake onde os primeiros colonos os
haviam precedido.
O Solar da Boêmia tinha sido patrocinado por Augustin Herrman,
um proprietário de terras simpatizante da Boêmia (cujo filho
era membro) mas que posteriormente repudiou a seita sem ser capaz de tomar
de volta sua propriedade. O líder da colônia de 1683 foi
Peter Sluyter, que parece ter sido um homem com um tipo de fé religiosa
que maltrataria o comunalismo religioso em toda sua história na
América. Sluyter morreu rico e dissoluto em 1722. Os colonos, mais
de cem pessoas, por um lado, viviam vidas de estrita pobreza, castidade
e obediência. Os homens e as mulheres eram separados para refeição
e adoração. O dia e boa parte da noite eram gastos em trabalho
duro, silencio ou cântico de orações, e meditação.
A dieta, vestimenta, todas as condições de vida, eram tão
ascéticas quanto poderiam agüentar e tudo que era arrecadado
era enviado a um fundo comum controlado por Sluyter. Antes de sua morte
a terra foi distribuída e a propriedade privada permitida, mas
todos os lucros foram para o fundo comum e a vida da comunidade permaneceu
da mesma maneira onerosa de sempre. Entre 1727 e 1730 a colônia
se dividiu e durante os próximos dez anos as igrejas da Europa
retornaram à igreja alemã reformada e não,
detalhe interessante, aos menonitas onde geraram um reavivamento
espiritual que se difundiu por toda parte.
Em suas viagens pela Renolândia e Planícies, Penn convidou
todos os quakers alemães, menonitas, anabatistas, e outros pietistas
para migrarem para sua nova terra. O primeiro grupo a ir foi um grande
contingente de membros alemães da sociedade de amigos conduzidos
por Francis Daniel Pastorius em 1683 para se estabelecer perto do que
é hoje a Germantown. Eles foram seguidos brevemente por uma imigração
menonita e schwenkfeldiana que incluía os discípulos
apocalípticos e milenários de Johann Jakob Zimmermann, que
morreu no dia em que seus seguidores viajaram. Sua liderança foi
assumida pelo seu primeiro tenente Johannus Kelpius, um homem extraordinariamente
culto, profundo conhecedor de filosofia, misticismo, e teologia, tanto
ortodoxa como oculta, e um reconhecido rosacruz. Kelpius provou seu poder
acalmando as ondas em uma violenta tempestade. Os colonos desembarcaram
na Terra da Boêmia e foram para o bairro Germantown em 24
de junho de 1694. De acordo com Zimmermann o apocalipse estava a uma distância
de apenas três meses.
Os colonos celebraram a noite de solstício do verão com
ritos que eram uma mistura estranha de ocultismo, paganismo, e cristianismo
pietista, e logo partiram para construir o Tabernáculo da Mulher
na Selva coroados pela cruz rósea, para a surpresa dos seus
vizinhos mais simples ou mais convencionais.
O número místico de quarenta colonos se acomodou em um
edifício de quarenta pés quadrados para assistir, rezar
e esperar a vinda do renascimento do mundo. Kelpius acomodou-se em uma
anacoreta em uma caverna próxima. A comunidade de homens e mulheres
era estritamente celibatária e a vida era pelo menos tão
ascética quanto entre os seguidores de Labadie. Eles diferiam principalmente
por seu alto grau de conhecimento e sofisticação. Na realidade,
era hábito das colônias comunistas religiosas do século
XIX recrutar pessoas cultas. Eles foram chamados de supersticiosos, mas
na verdade eles eram chamados de qualquer coisa. Há uma grande
diferença entre as superstições do analfabeto e o
ocultismo de pessoas altamente educadas.
A pequena colônia suportou até 1748 e antes daquele período
sua influência cultural na Pennsylvania foi desproporcional ao seu
tamanho. Eles produziram o primeiro livro de hinos a ser publicado na
América, e muitos outros exemplos de primeira impressão,
incluindo um estudo, com vocabulário, dos índios Lenni Lenape
que eles acreditavam ser uma das tribos perdidas de Israel
o primeiro livro desse tipo a ser feito na América inglesa. Eles
fundaram escolas e eram muito requisitados como artesãos qualificados
e construtores, e até mesmo como arquitetos. O tempo era gasto
em trabalho duro, oração coletiva e solitária, meditação,
e como nos outros grupos, no estudo de clássicos do misticismo
e do ocultismo desde Hermes Trismegistus a Meister Eckhart, Jakob Boehme,
e a Kabbala. Curiosamente era bem grande o interesse que tinham por astrologia
e alquimia, o que os introduziu em experimentações químicas
e físicas, e em observações telescópicas durante
todas as noites em busca dos sinais da Segunda Vinda. Em linha direta
com suas atividades científicas posteriores na Filadélfia,
ficaram famosas as experiências de Benjamin Franklin.
O ponto fraco da Mulher na Selva (o nome que davam para si mesmos
era the Contented of the God Loving Soul) foi o não
cumprimento de suas profecias, começando com as do próprio
Zimmermann que disse que o milênio viria no outono equinócio
de 1694. A data passou e a Segunda Vinda não veio. Eles também
acreditavam que nunca morreriam. Mas Zimmermann morreu antes que eles
partissem. O brilhante Kelpius morreu precocemente aos trinta e cinco
anos como o último líder, Conrad Matthaei, morreu em 1748.
Por volta de 1750 a comunidade tinha sido absorvida na sociedade geral
do quakerismo e do pietismo germânico, nas quais deixou marcas que
ficaram até nossos dias.
Em 1720 Conrad Beisel e três companheiros deixaram a Europa pretendendo
juntar-se à Mulher na Selva. Quando alcançaram a
colônia eles descobriram que Kelpius havia morrido. A maioria dos
membros tinha partido e aqueles que permaneceram estavam perdidos em contemplação
enquanto o tabernáculo estava em ruínas ao seu redor. A
caminho de Ephrata os quatro homens pararam em Conestoga onde Beisel foi
batizado pelos irmãos batistas germânicos e logo elevado
ao grau de assistente líder da colônia. Beisel era um batista
do sétimo dia. Depois de longa discussão os dunkardos
decidiram continuar celebrando o domingo, assim Beisel partiu com seus
seguidores para fundar, em 1735 no Rio Cacalico, a colônia de Ephrata,
uma das comunidades intencionais mais bem sucedidas e mais longas do mundo.
No princípio os ephratanos eram o mais ascético
dos grupos que fundaram a América. Os homens e as mulheres viviam
juntos como celibatários. Eles vestiam uma adaptação
do hábito franciscano, semelhante para homens e mulheres. O cabelo
das mulheres era cortado curto e o dos homens era aparado mas usavam barbas
tão cheias que eles a arrastavam vigorosamente cumprimentando uns
aos outros. A comida era extremamente escassa, principalmente de pão
seco ou mingau de aveia. Eles não usavam nada que contivesse ferro
e utilizavam o mínimo possível de metal; os edifícios
e a mobília eram cavilhados, carregados, e montados. Os talheres
eram de madeira e muitos dos utensílios da cozinha eram de cerâmica.
Como os beneditinos antes deles, eles se reuniam à meia-noite
para cantar motes, e novamente às cinco para um segundo serviço.
Celebravam as refeições em silêncio enquanto alguém
lia a Bíblia. A comunhão era procedida lavando os pés
uns dos outros. Cada um deles fazia semanalmente uma confissão
de seus pecados por escrito que era lido em coro por Beisel. Cada noite
clara eles se revezavam observando os céus com telescópio
procurando sinais da Segunda Vinda. No princípio eles não
usavam cavalos mas puxavam eles mesmos o arado e a carreta, levando suas
próprias cargas, andando a pé onde quer que fossem.
Apesar deste ascetismo vigoroso eles viveram vidas de uma considerável
criatividade, aprendizagem, e satisfação estética.
Beisel escreveu poesia e compôs hinos de uma beleza singular, da
mesma forma que alguns dos demais. O idioma musical dos hinos Ephratanos
(cantados até hoje) é inconfundível. Eles produziram
muitos livros em seus estudos peculiares, em sua maioria impressos por
Christopher Sauer, incluindo a Bíblia de Sauer, a primeira em alemão
na América.
Quase imediatamente a colônia começou a prosperar. Penn
lhes ofereceu uns cinco mil acres adicionais mas eles recusaram porque
tais riquezas distorceriam sua vida espiritual. Durante algum tempo depois
da chegada dos três irmãos Eckerlin a colônia adicionou
vários empreendimentos industriais, uma moenda e pequenas fábricas,
tornou-se tão próspera que os membros se revoltaram e expulsaram
os Eckerlins. Com o passar do tempo várias filiais dos ephratas
se espalharam ao redor das colônias britânicas. A comunidade
monástica encolheu e a maioria dos sócios se incorporou
em uma igreja regular, os batistas alemães do sétimo-dia
que existe até hoje. Um pequeno número de ephratanos
continuou praticando um comunismo limitado, e os membros especialmente
devotados passaram a cuidar de vários edifícios que se tornaram
monumentos históricos e a ensinar para outros a arte coral ephrata.
Nos recentes anos houve uma tentativa por parte de novos comunalistas
de reavivar a velha comunidade ephratana mas não tiveram
sucesso.
Ironicamente os harmonistas ou rapitas são lembrados principalmente
como os predecessores da colônia Nova Harmonia de Robert Owen. Os
owenitas duraram muito pouco em sua forma mais pura. A administração
da Nova Harmonia conseguiu cometer a maioria dos erros passíveis
de ocorrer em uma comunidade intencional e terminou na forma de uma série
de desastres financeiros. Os rappitas floresceram, tornaram-se extremamente
prósperos, e embora não tenham sido comunistas por muito
tempo, entre seus descendentes houveram aqueles que adotaram as práticas
comunistas das velhas comunidades.
George Rapp nasceu em Württemberg, filho de um cultivador de vinhedos,
provavelmente em 1757. Aos trinta anos ele se tornou um pastor separatista-pietista,
e gradualmente juntou em torno de si uma pequena seita que passou a ser
perseguida por luteranos e calvinistas. Em 1803 ele foi para Baltimore
a procura de refúgio para seu povo e comprou cinco mil acres de
selva no vale de Conoquenessing ao Norte de Pittsburgh. No ano seguinte
mais de mil e setecentos homens, mulheres e crianças ocuparam a
terra e organizaram a Sociedade Harmonia, primeiramente como uma cooperativa,
mas logo em seguida como uma comunidade comunista. Os homens faziam o
trabalho mais duro, eram fazendeiros experimentados com habilidades consideráveis
enquanto construtores e mecânicos. Em um tempo extraordinariamente
curto, pouco mais de dois anos, eles tinham produzido uma florescente
comunidade quase que auto-suficiente. Cada família morava em sua
própria casa; havia igreja, escola, fábrica de malte, um
grande celeiro, carpintaria, depósito de ferramentas, moinho, fábrica
de conservas, fábrica de lã, destilaria, vinícola,
e quinhentos e cinqüenta acres plantados de trigo, centeio, tabaco,
linho, vinhedos, papoulas para óleo. Pastando na terra bruta havia
gado, vacas leiteiras, porcos, cavalos, e as primeiras ovelhas merino
da América. A maior parte da produção do uísque
e do conhaque era vendida, mas eles bebiam vinho suave a cada refeição.
Dez anos depois, quando a colônia ficara rica e florescente, eles
decidiram sair dali porque a terra não era adequada à produção
de vinho de boa qualidade e além disso a comunicação
com o mundo exterior era feita pela água. Desde 1807 haviam adotado
o celibato como regra geral embora os maridos, esposas, e crianças
continuassem morando juntos em casas de família separadas com tão
pouca tensão que eles pasmaram qualquer pessoa que porventura escrevesse
para eles. Nos anos posteriores eles passaram freqüentemente a adotar
crianças.
Em 1814 eles compraram trinta mil acres no Vale de Wabash em Indiana
e venderam seu primeiro assentamento por cem mil dólares, uma vasta
soma de dinheiro por aqueles dias, mas provavelmente não pagava
sequer os melhoramentos da terra. Por volta de 1815 todos saíram
de Indiana em direção a uma aldeia bastante melhorada. Era
Harmonia, que depois ficaria famosa como a colônia de Robert Owen.
Mais uma vez eles floresceram. Mas nos próximos dez anos eles descobriram
que o local tinha malária e que os fazendeiros ao redor eram antagonistas.
Em 1824 eles venderam a cidade e vinte mil acres para Robert Owen por
cento e cinqüenta mil dólares, se deslocaram para perto de
Pittsburgh no Rio Ohio e estabeleceram um assentamento final, a aldeia
Economia, que durou até o começo do século
XX.
Em menos de vinte cinco anos eles construíram três cidades
bem equipadas e limparam muitos milhares de acres, um registro inigualável
não apenas para uma comunidade intencional mas para qualquer espécie
de assentamento. Os rappites devem seu sucesso ao tipo de pessoas que
eram, alemães qualificados, suábios em sua maioria,
fazendeiros, vinicultores, e mecânicos, que estavam satisfeitos
enquanto intelectuais, conforme podemos chamá-los hoje, da Mulher
da Selva, uma utopia de baixa intensidade. Foi necessário apenas
trabalho duro e qualificado para que eles estabelecessem e preservassem
uma comunidade que os satisfizesse.
O pai Rapp era um homem de grande poder carismático mas ele também
era talentoso com o senso comum. A crença na iminência do
apocalipse, na Segunda Vinda e no reino milenar pode parecer torcida,
até mesmo ignorante e vulgar, para a maioria das pessoas em nossos
dias. Mas não havia nada de muito excêntrico nestas convicções
na primeira metade do século XIX. Era perfeitamente possível
sustentá-las e ainda assim ser considerado intelectualmente respeitável.
É claro que estas foram certamente as convicções
das primeiras gerações de cristãos e provavelmente
do próprio Jesus. Além disso, conforme Albert Schweitzer
manifestou em nossos dias, a ética escatológica
é uma notavelmente efetiva regra de vida viver como
se o mundo fosse se acabar em vinte e quatro horas.
George Rapp proveu uma liderança espiritual e moral a "imagem
do pai" seu filho adotivo, Frederick Rapp, já era pelo
menos tão efetivo quanto o pai enquanto organizador, administrador
e homem de negócios antes mesmo que os rappites deixassem Wabash.
O Rapp mais jovem já tinha conquistado compradores para os produtos
da comunidade ao longo da drenagem do Mississipi e em locais tão
distantes quanto New Orleans. Depois que George e Frederick Rapp morreram
a colônia permaneceu igualmente estável em seus negócios
e em sua administração.
Na medida em que os números diminuíam os rappites fecharam
muitas de suas pequenas lojas e investiram largamente em vias férreas
e quando uma comunidade finalmente se dissolvia ela ainda era rica. Sua
eficiência é mostrada de uma maneira bem clara pelo sucesso
que eles fizeram com a seda e o vinho. Naqueles dias a sericultura e a
vinicultura levaram a falência muitas fazendas americanas. Por anos
os rappites encheram suas ladeiras mais íngremes de amoreiras,
seda fina, ao mesmo tempo em que rodaram, teceram e costuraram seus próprios
artigos de vestuários de seda. Quando eventualmente a sericultura
se tornou completamente improdutiva e demorada eles tiveram o bom senso
de abandoná-la.
Apenas uma vez eles tiveram o dissabor de ver seus planos perturbados.
Um manifesto velhaco, Bernard Müller, que atendia pelo nome de Count Leon,
escreveu da Alemanha que ele e seus seguidores se converteram e que queriam
se juntar à colônia. Ao chegar deu um golpe militar na tentativa
de assumir o controle das finanças. Isso fez com que os ascéticos
e não violentos rappites levassem mais de um ano para se livrar
dele e de seus seguidores, tendo que pagar mais de cem mil dólares
para que eles se retirassem. Um terço da colônia partiu com
Müller e estabeleceu um assentamento a dez milhas de distância,
mas em menos de um ano perderam todo seu dinheiro; ao que atacaram Economia
com armas, mas foram dirigidos para fora por um levante entre as comunidades
vizinhas. Bernard Müller e alguns de seus seguidores foram para o norte
de Louisiana onde morreu de cólera.
O episódio de Count Leon foi uma dádiva divina para Economia
porque serviu para purgar aqueles que não estavam sinceramente
cometidos ao modo rappite de vida. Dali em diante até o final do
século nenhuma outra disputa partidarista séria surgiria.
Os descendentes da comunidade passaram a comemorar esta data juntos. Muitos
deles ainda moram no bairro de Economia, e outros moram próximos
à colônia industrial Economia fundada em Beaver Falls.
A igreja em Economia ainda está de pé e a congregação
luterana evangélica possui vários descendentes dos rappites.
Mas entesoura principalmente a memória de Robert Owens, uma comunidade
mal sucedida em vez do eminentemente próspero Pai Rapp que construiu
a maioria dos edifícios sobreviventes.
O grupo de separatistas de Württemberg que se instalou na aldeia
de Zoar no nordeste de Ohio a trinta ou quarenta milhas ao sul de Canton
em 1817 esteve diretamente relacionado com a comunidade Rapp. Porém,
eles foram mais radicais em sua rejeição à sociedade
dominante. Eles não votavam. Durante a Guerra Civil eles permaneceram
pacifistas. Embora permitissem o matrimônio dentro do grupo e vivessem
em famílias, eles eram muito mais ascéticos em estilo de
vida. Eles também eram possivelmente bem menos educados, e Joseph
Bäumeler bem menos instruído do que George Rapp.
Quanto eles chegaram na América os separatistas definitivamente
não eram muito cometidos ao modo comunal de vida, mas adotaram
isto como o modo mais eficiente de lidar com a selva. No período
em que foram comunistas eles prosperaram estabelecendo uma fábrica
de lã, duas grandes fábricas de farinha, moinho, serraria,
fábrica de máquinas, fábrica de conservas, loja para
o uso comum, fábrica de vagões, ferraria, carpintaria, alfaiataria,
oficina de costura, fábrica de sapatos, fábrica de sidra,
cervejaria, teares para tecer linho, sete mil acres de terra da principal
fazenda de Ohio e um assentamento em Iowa. Eventualmente, suas indústrias
empregavam um número considerável de estranhos e algumas
das suas fazendas eram administradas por meeiros. Em 1874 havia trezentos
sócios que detinham uma considerável propriedade de mais
de um milhão de dólares. A cidade de Zoar era notoriamente
mais áspera, mais crua que qualquer outro assentamento prévio,
com habitações pobres, edifícios comunitários
e igreja. Bäumeler morreu em 1853 e a colônia lentamente entrou
em declínio. Em 1898 eles abandonaram completamente o comunismo
e quase imediatamente após isso falharam economicamente em todos
seus empreendimentos. Pouco restou de Zoar nos dias de hoje.
Embora o Doutor Keil tenha migrado da Prússia para
a América em 1835, Bethel e sua colônia filha Aurora foram
as primeiras comunidades intencionais a se juntar na América. Na
Alemanha Keil tinha sido um milenarista. Ele se auto-educou em literatura
mística, ocultismo, Boehme, Paracelsus, e Cagliostro. Em New York
e Pittsburgh ele floresceu como hipnotizador, curandeiro de fé,
e fornecedor de elixires misteriosos e poções cujas receitas
dizia ter encontrado em um velho livro escrito com sangue humano. Ele
se converteu ao metodismo, fez uma melodramática penitência
pelos seus anos de charlatanismo e hexendokter, queimando publicamente
sua sangrenta farmacopéia.
Mas Keil logo deixou o metodismo e fundou sua própria seita que
desdenhou chamá-la de qualquer nome, mas que se opunha a todas
as igrejas e denominações que haviam se apartado da vida
comunal, apostólica do "verdadeiro Cristo", o Sol Central.
Keil permaneceu um ator melodramático até o final de sua
vida, e a adoração congregacional de seu grupo era mais
histérica do que os mais extremados de seus predecessores. A vida
diária na comunidade era simples e sem maiores ocorrências,
mas Keil proporcionava para sua congregação muitos feriados
e festivais, célebres pela comida, bebida, e danças, onde
todos os colonos circunvizinhos eram bem-vindos.
A primeira colônia de Keil foi fundada em 1844, no município
de Shelby, no Missouri, então numa fronteira selvagem, e incluiu
os seguidores remanescentes de Count Leon. Em pouquíssimo tempo
eles montaram uma cidade bem equipada e estavam cultivando quatro milhas
quadradas de terra. Em 1855 Keil decidiu sair do Missouri, e a colônia
moveu-se para Willapa no local onde agora está o estado de Washington.
Incomodados com a floresta densa e a chuva constante, logo se mudaram
para Willamette Valley no Oregon, onde deliberadamente evitaram a planície
mais fértil para se instalar na floresta, uma vez que usavam bastante
madeira na construção de sua cidade. Da mesma forma que
a colônia, chamada Aurora, eles prosperaram e puderam resgatar as
fazendas na planície. Bethel e Aurora repetiriam a história
de outras comunidades, compartilhando todas as coisas em comum enquanto
existiram . Eles prosperaram, na realidade ficaram bastante ricos. Depois
que Keil morreu, logo dividiram suas propriedades e ativos e se desintegraram.
Exceto pelas suas muitas festas, e pela riqueza de satisfação
de vida, Aurora e Bethel representaram um retrocesso no aspecto de que
as comunidades simplesmente não foram educadas bem o bastante e
eram muito acomodados para produzir outro líder como Keil. O Professor
Christopher Wolff foi o líder do segundo contingente que viajou,
em 1863, de Bethel para Aurora. Ele parece ter sido um homem livresco
à la Cabet, Babeuf, Fourier, Proudhon, Wettling, e Marx. Como tal
ele só desnorteou os demais colonos e parece nunca ter exercido
um papel importante em Aurora. Porém, ele é notável
como a primeira pessoa a aparecer na história do comunalismo religioso
enquanto teórico do comunismo secular. É curioso especular
como deve ter sido sua vida, isolado entre camponeses semi-alfabetizados
na mais remota fronteira.
Se os líderes prévios do comunalismo religioso na América
inglesa fossem personalidades crescentemente carismáticas,
o fundador da Colina do Bispo, Eric Janson, seria a personalização
apocalíptica. Ele não acreditava na Segunda Vinda de Cristo.
Ele acreditava ser ele mesmo o Cristo vindo novamente. A seita começou
bem silenciosa na Suécia sob a liderança de Jonas Olson,
que fora um discípulo dos primeiros missionários metodistas
da Grã-Bretanha, como uma associação de pietistas
que se encontrava em suas casas para a pregação, devoção
e estudo da Bíblia, e que eventualmente vieram a chamar a si mesmos
de devocionalistas. Eles eram quase que limitados completamente
à província de Helsingland e eram principalmente camponeses,
mecânicos e artesãos autônomos. Eles permaneceram silenciosos
juntos durante dezessete anos como um movimento de pietistas dentro da
Igreja da Suécia.
Jonas Olson cedeu um alojamento durante um final de semana para um negociante
ambulante de farinha em 1843. Este era Eric Janson que tinha trinta e
quatro anos e que aos vinte e seis tinha experimentado uma série
de transes, iluminações, e mensagens, e que havia rompido
com a Igreja Luterana. Ele parece ter sido um homem de personalidade violenta
e intenso carisma. Observadores externos nos anos posteriores achavam
que ele agia como um louco. O efeito que provocou em Olson foi revolucionário.
Ele tornou-se o líder espiritual do grupo, embora Olson permanecesse
como gerente prático, ele se orientava continuamente na forma mais
extrema do wesleyanismo, uma religião mais pentecostal
do que é hoje. A Igreja estabelecida respondeu com uma perseguição
inexorável e os devocionalistas foram forçados a
se tornar uma seita separatista. Seus conventículos foram rompidos,
eles foram excomungados e eventualmente presos seguidas vezes. Em retaliação
eles queimaram os trabalhos teológicos e devotos do luteranismo
ortodoxo em uma grande fogueira, Janson estava preso e só foi liberto
devido à influência do rei. Depois de sua segunda fogueira
de livros ele foi novamente preso; depois de sua sexta prisão,
como fugitivo com um preço pela sua cabeça, ele foi libertado
violentamente pelos seus seguidores e contrabandeado pelas montanhas para
a Noruega, de onde foi para Copenhague e finalmente para New York. Em
julho de 1846 ele chegou a Victoria, município de Knox, Illinois,
onde já tinha enviado Olson para encontrar um local satisfatório
para a comunidade.
Antes deste tempo Janson acreditava na Segunda Vinda de Cristo, enviado
para resgatar a verdadeira Igreja que estava em cativeiro desde o Imperador
Constantino, e para construir a Nova Jerusalém no verde da América
e na terra prometida, de onde o reino milenar se espalharia por toda a
terra. A seita tinha se tornado nesse ínterim muito mais um movimento
de camponeses pobres e proletários, na melhor das hipóteses
apenas semi-alfabetizados. De uma forma bem notável Janson reteve
a lealdade da maioria dos membros originais não obstante tenham
sido educados para aceitar suas crescentes reivindicações
extravagantes.
Olson e Janson compraram uma área em Henry County, Illinois, aproximadamente
quarenta milhas ao sudoeste de Rock Island, dando a ela o nome de Colina
do Bispo e depois de Biskopskulla. Mil e cem jasonistas saíram
dos portos suecos em direção à América. Uma
barcaça se perdeu no mar, outra foi destruída fora de Newfoundland.
Os primeiros barcos de imigrantes chegaram em outubro de 1846, muitos
caminharam de New York até o Illinois e todos exceto as mulheres
mais fracas e as crianças andaram cem milhas de Chicago até
Victoria no começo do inverno. Eles continuaram deixando a Suécia,
acreditando que um Deus zangado estava a ponto de destruir o restante
daquilo que possuíam, até que quatrocentos se estabeleceram
no primeiro ano da Colina do Bispo.
A terra era ideal. Uma parte foi cultivada e o restante se estendia em
uma contínua pradaria e um pequeno bosque, mas os alojamentos eram
assustadores duas casas grandes, quatro barracas, uma casa de campo,
e doze abrigos. Os abrigos eram usados como dormitórios, terrivelmente
superpovoados e sem serviço adequado de saúde pública.
A mortalidade era assustadora. No primeiro anos eles tiveram muito pouca
comida. Cento e quatorze pessoas morreram de cólera em uma única
quinzena. Eles ainda persistiram apesar das condições do
pesadelo. Os colonos continuaram chegando e lentamente foram construídos
novos edifícios, mais terra foi comprada e cultivada.
Ao término do segundo ano havia oitocentos colonos, uma fábrica
própria e pequenas indústrias funcionando. Eventualmente
construíram um forno de tijolos e uma cerâmica. Eles ergueram
uma casa de tijolos de quatro águas, de cento e quarenta e cinco
por cem pés, e uma grande igreja. No primeiro verão eles
colheram com foices, no seguinte com colhedeiras, e no terceiro com ceifeiros.
Todos seus métodos melhoraram em um nível semelhante. Já
em 1847 eles partiram para o cultivo do linho e fabricaram mais de doze
mil jardas de linho e tapetes de esteira. Às vezes os teares operados
por mulheres com a ajuda de crianças rodavam dia e noite. Quando
fecharam o negócio de linho, com exceção do consumido
pela casa, devido à competição comercial, eles já
tinham vendido mais de cento e cinqüenta mil jardas de material.
Foram seguidamente atacados por cólera. Nenhuma outra colônia
daquele tempo parece ter sofrido tão gravemente, e isto é
uma boa indicação de uma falta crônica de um serviço
próprio de saúde pública e de limpeza geral. Nestes
primeiros anos Jonas Olson parece ter exercido um papel menos ativo enquanto
que Janson era o líder espiritual e econômico. Tudo terminava
debaixo de sua supervisão direta, ele representava a comunidade
nos mercados de Chicago e St. Louis. Ao mesmo tempo que se tornava mais
e mais extremado em seu comportamento profético e pentecostal.
Em 1848 a colônia foi visitada por um aventureiro, John Root, um
sueco, recentemente desligado do exército na Guerra Mexicana. Por
incrível que pareça Janson lhe deu as boas vindas e logo
assumiu uma posição de liderança, e casou-se com
uma das primas de Janson com um acordo escrito de que se ele deixasse
a colônia ela poderia permanecer se desejasse. Ele passava seu tempo
caçando e rondando pelas cidades vizinhas e foi tido como suspeito
do assassinato de um mascate judeu. Depois ele desapareceu durante vários
meses enquanto que sua esposa deu à luz uma criança. Quando
voltou, Root tentou levar embora a esposa contra sua vontade. E eventualmente
a sequestrou, mas foi pego por um destacamento montado pelos jansonistas.
Ele foi à corte e foi-lhe dada a posse de sua esposa, ele a levou
até sua irmã em Chicago que notificou à Colônia.
Novamente um grupo de destacamentos foi montado ao longo da estrada para
Chicago. Com Root e seus camaradas em perseguição, ela foi
percorreu cento e cinqüenta milhas até a Colina do Bispo,
sem qualquer parada exceto para trocar os cavalos. Root organizou uma
turba que sitiou a aldeia tentando queimar os edifícios por duas
vezes, mas foram expulsos por um grupo armado de colonos e fazendeiros
vizinhos. Janson foi levado a julgamento em Cambridge por tentativa de
seqüestro e por manter uma esposa separada de seu marido. Quando
se dirigia à corte Janson teve uma premonição de
que nunca retornaria. Um dia antes ele tinha pregado seu sermão
mais poderoso, e pela noite realizou a Santa Ceia. Durante recesso de
meio dia do tribunal Janson passava pela porta da corte quando Root apareceu
na entrada, chamou pelo seu nome e deu-lhe um tiro. Janson caiu morto.
Era 13 de maio de 1850. A colônia tinha menos de quatro anos de
existência. Normalmente quando tão poderoso líder
morre, a colônia comunista, seja religiosa ou secular, se desintegra
ou se transforma em propriedade individual. Ocorreu o contrário
no caso da Colina do Bispo.
Na hora do assassinato, Jonas Olson estava a caminho da Califórnia,
enviado por Janson para procurar ouro. Ele voltou imediatamente para a
Colina do Bispo, e com o consentimento da comunidade, ao lado do filho
e herdeiro de Janson, tornou-se seu guardião e de sua esposa, assumindo
a liderança. Sob nova escritura a comuna passou a ser administrada
por sete fiduciários sob a liderança de Olson. Durante algum
tempo a comunidade prosperou. A aldeia foi limpa, a terra foi preparada
com mais eficiência, muitas pequenas indústrias foram criadas,
e foram feitos contatos com os perfeccionistas de Oneida, os rappites
e os shakers. A viúva de Janson partiu tornando-se shaker. En 1854,
influenciado por eles, Olson decidiu que a comunidade se tornaria celibatária
mas que continuaria a viver em famílias, o que gerou resignação,
expulsão, frustração, e partidarismo entre aqueles
que permaneceram. Na medida em que o país era colonizado mais densamente
e cortado por vias férreas e canais, a sociedade ficou bem rica
e um dos fiduciários Olaf Johnson assumiu suas operações
financeiras. Em 1860 suas especulações levaram a colônia
à beira da falência. Em 1861 a propriedade foi dividida e
a comunista Colina do Bispo deixou de existir. Em 1879 os johnsonitas
e os anti-johnsonitas empobrecidos, começaram a se processar
uns aos outros e apenas trezentos habitantes permaneceram na aldeia decadente
até o fim do século. Uma coisa notável com relação
à comunidade da Colina do Bispo é que, embora fizessem tudo
errado no começo, sobreviveu e prosperou até se corromperem
em livre-empresa o que provou ser mais mortal para sua existência
do que a epidemia de cólera.
Com exceção dos huteritas, a mais próspera das comunidades
intencionais religiosas foi Amana, a Comunidade da Verdadeira Inspiração.
Suas raízes remontam a um grupo distinto do século XVII.
Mas suas fontes se encontram no monasticismo medieval da Renolândia
e dos Países Baixos, nos béghardos e béguines. A
sociedade Amana era composta de pentecostais no significado lato da palavra.
Eles acreditavam e ainda acreditam que a inspiração profética
e apostólica do Espírito de Deus continua possuindo os homens
e mulheres escolhidos, inspirando-os com sua palavra e agindo como mensageiros
do ensinamento divino no mundo.
Os primeiro grupo de inspiracionistas saiu do movimento pietista
luterano pelo fim do século XVII sob a liderança de uma
mulher nobre, Rosemunde Juliane de Asseberg, o primeiro Instrumento
de Inspiração (Werkseuge), seguida por Johann
Wilhelm Peterson, um professor de Lüneberg, cujos hinos e expressões
vocais proféticas são usadas até hoje. O movimento
diminuiu durante alguns anos até ser reavivado por Eberhard Ludwig
Grüber e Johann Friedrich Rock que se separaram da Igreja Luterana em
1714 estabelecendo, diante de violenta perseguição, conventículos
inspiracionistas ao longo da Renolândia, Suíça, e
Países Baixos. Após a morte deles não apareceu mais
nenhum novo werkseug durante mais de cinqüenta anos.
Em 1817 M. Kraussert de Strassburg foi inspirado mas não
pode resistir diante da perseguição e foi sucedido por Barbara
Heinemann, uma menina camponesa analfabeta, e por Christian Metz, um carpinteiro.
Barbara Heinemann expulsa por ter um olhar muito simpático
aos homens jovens, retornou, casou-se, e perdeu sua inspiração
por vinte e seis anos recuperou-a, e acompanhou Christian Metz
até a América. Depois de sua morte ela tornou-se o único
oráculo até 1883 quando morreu com a idade de quase noventa
anos. Desde então não houve nenhum instrumento inspirado
que fosse aceito, mas foram registradas expressões proféticas divinas
de Amana, começando por Rosemunde Juliane, cujos escritos na igreja passaram
a ser considerados como iguais à Bíblia para direção em toda contingência
imaginável.
Christian Metz legou às sociedades da Verdadeira Inspiração
uma forte e prática organização em congregações
governadas por anciões, e estabeleceu colônias cooperativas
que, embora não completamente comunistas, compartilhavam os lucros
de seus empreendimentos através de fundos de ajuda mútua
que qualquer um podia pedir emprestado sem juros. As colônias prosperaram,
mas eram continuamente molestadas porque recusavam enviar suas crianças
para as escolas públicas, servir ao exército, prestar juramentos,
ou qualquer forma de cooperação com o Estado mundano. Em
1842 eles formaram um comitê para a América que comprou
inicialmente cinco mil acres da reserva indígena do Seneca e depois
anexaram mais quatro mil. Nos próximos três anos oitocentas
pessoas já ocupavam a área, limparam a terra, construíram
quatro aldeias, cada uma com loja, igreja, escola, e empreendimentos comunitários.
Mais tarde fundaram mais duas aldeias no Canadá.
Eles chamaram todas estas aldeias de Ebenezer superior, média,
baixa, e assim sucessivamente e a si próprios de Sociedade
Ebenezer até aqui o Senhor nos ajudou
(I Samuel 7.12). Eles não tinham originalmente planejado nada mais
extremado do que uma economia cooperativa, mas encontraram no comunismo
absoluto o modo mais eficiente de lidar com a selva. Embora os índios
tivessem vendido a terra por dez dólares o acre, um preço
alto por aqueles dias, eles recusaram sair da área e causaram aos
colonos um considerável aborrecimento. A cidade de Buffalo também
estava crescendo tão rapidamente que seus arredores começaram
a se aproximar da colônia. (O local agora faz parte da cidade de
Buffalo.)
Assim, em 1854 eles decidiram mudar-se para o que seria então
a fronteira, onde eles poderiam viver tranqüilamente da maneira como
queriam. Depois de uma cuidadosa observação eles compraram
o que eventualmente se tornou vinte e seis mil acres de terra, a vinte
milhas da Cidade de Iowa em um dos locais mais bonitos e férteis
ao longo dos bancos do Rio Iowa. Eventualmente estabeleceram seis aldeias
que deram o nome de Amana (Glaub Treu, Acredite com Fé)
e registraram a si mesmos como Sociedade Amana. Todos os detalhes desta
imigração foram executados sob inspiração
direta de Christian Metz. Cada parágrafo do contrato era ditado
mediante uma forma de inspiração, da mesma forma
que Grüber ditara seus regulamentos, o registro de tal inspiração
cuidava de todos os detalhes do assentamento, governo, e economia. O que
emergia de tudo isso era uma comunidade que vivia sob o que eles consideravam
uma divina revelação da lei, algo parecido com uma combinação
do Torah, com os livros da lei do Velho Testamento, e com os Regulamentos
de São Benedito com todos seus comentários.
Amana teve uma liderança idealmente carismática
os instrumentos eram, quando possuídos, literalmente escritos
pelo Espírito de Deus e expressos com uma autoridade divina superior
ao hadith ou ao Talmud, que integram as tradições
sagradas tanto de muçulmanos como de judeus. Não havia nenhum
questionamento a essas expressões oraculares. Quando não
possuídos, os instrumentos retornavam ao seu papel humano
enquanto administradores práticos. Metz parece ter sido pelo menos
tão talentoso quanto o Pai Rapp. Amana era muito bem organizada,
e eventualmente o carisma era bem distribuído através da
comunidade, em parte, naturalmente, devido à freqüente consulta
dos membros à tradição escrita, que pôde sobreviver
à morte de Metz, à morte de Heinemann, e a todo um período
de ausência de inspiração.
O comunismo de produção e de consumo foi completo, embora
eventualmente fosse necessário contratar trabalho externo no pico
da estação. Desde seu início Amana desenvolveu uma
grande variedade de indústrias e de ofícios, de forma que
a colônia se tornou quase que auto-sustentada. Além disso,
produziu várias especialidades, no princípio principalmente
têxteis, para exportação, com um importante retorno
de capital excedente uma "balança comercial" bem
favorável. Com todas suas atividades industriais, Amana permaneceu
solidamente fundada na agricultura, exportando grandes excessos agrícolas.
A comunidade funcionava como uma pequena nação capitalista,
com uma plena circulação de capital, exportações
lucrativas, e um aumento, em vez de queda, da taxa de lucro.
As famílias moravam separadamente em suas próprias casas,
mas todos os bairros partilhavam suas refeições em refeitórios
comuns e em "casas de cozinha". As crianças eram educadas
em escolas comunitárias tanto em inglês como em alemão.
A escola durava todo o dia e todo o ano, embora o tempo fosse dividido
em períodos de estudo de assuntos seculares e assuntos religiosos,
em trabalhos de aprendizes em comércio, e brincadeiras organizadas.
As mulheres usavam gorros pretos, vestidos cinzas, e uma manta cobrindo
os ombros e os seios. Os homens usavam vestes de trabalho exceto na igreja.
De todas as colônias bem sucedidas, as aldeias de Amana parece
que foram as que menos se preocuparam com estética: as casas não
eram pintadas, as ruas sem pavimento, geralmente as aldeias tinham um
ar desordenado. As mulheres compensavam tudo isso cultivando jardins floridos.
Porém, os visitantes seculares comentavam que as flores eram entremeadas
com legumes. O compromisso era reforçado por confissões
públicas e por um exame privado de consciência. Os trabalhos
eram freqüentemente alternados e havia um número considerável
de tarefas coletivas envolvendo toda aldeia, como a colheita, por exemplo.
Toda expressão artística era proibida, exceto o cantar de
hinos. Amana não produziu nenhuma peça famosa, como os colonos
de Pai Rapp, os festivais semi-pagãos de William Keil, a música
mórmone, a arquitetura, ou "reuniões sociais";
muito menos rituais extáticos e emocionais como os shakers.
Amana foi uma utopia estólida de baixa pressão. Embora
os verdadeiros inspiracionistas tenham iniciado enquanto intelectuais
e pequenos aristocratas, no tempo em que chegaram a Iowa se tornaram uma
comunidade que se caracterizada pela simplicidade, por singelos camponeses
e trabalhadores alemães que encontraram satisfação
suficiente no cultivo, no trabalho, e na adoração. Persistindo
satisfeitos com uma vida tão-simples-quanto-possível,
eles enriqueceram. Em 1933, cem anos depois que vieram para a América,
e quase duzentos e cinqüenta anos depois dos pioneiros do movimento
na Alemanha, eles retornaram ao empreendimento privado, estabelecendo-se
como igreja e como corporação empresarial. Quarenta anos
depois Amana tornou-se um dos principais fabricantes de utilidades domésticas
nos Estados Unidos.
* * *
Os shakers, que chamavam a si mesmos de Sociedade Unida dos
Crentes na Segunda Vinda de Cristo (United Society of Believers in Christs
Second Appearing), ou Igreja Milenar, normalmente são considerados
como os mais prósperos de todas as seitas comunalistas religiosas
americanas. Eles podem ser facilmente descritos como um movimento monástico
secular, consangüíneo a grupos não ortodoxos semelhantes
conhecidos no princípio da Idade Média, mas com raízes
que remontam aos cultos heréticos do começo da era cristã,
não apenas em seu modo de vida como também em sua teologia,
ambos de cunho milenarista, um avatar divino, êxtases grupais
convulsivos, echolalia, e falar em línguas. Pelo menos no
princípio, sem nenhum conhecimento de antigas tradições
heterodoxas, eles conseguiram unir e reavivar a maioria delas, e além
disso introduziram o hitherto, uma fé não cristã,
na realidade não ocidental, a crença na possessão
de pessoas mortas. Eles anteciparam o moderno espiritismo em várias
décadas e seus fundadores eram uma espécie oriental de shamanes
primitivos. Seus êxtases compulsivos, que os caracterizava, e suas
danças e meneios rituais podem remontar ao século XIV, pelo
menos. Por incrível que pareça, e quase nunca destacado,
tais práticas foram bem comuns entre índios americanos e
escravos negros. Robert Manning em seu livro Handlyng Sinne narra
em O Conto dos Dançarinos de Kolbeck a história
de um episódio clássico associado a danças que surgiram
após o final da Idade Média e que se espalharam por toda
a Europa Ocidental. Nosso termo popular para coreografia, a dança
de São Vito, sobrevive desde aqueles tempos. Comentaristas modernos
tendem a atribuir estes fenômenos medievais ao ergotismo
o Fogo de Santo Antônio derivado da ingestão
de centeio mofado, mas seu caráter organizado indica uma base religiosa
herética como nos vários movimentos de flagelação.
Embora o ergotismo possa ter sido um fator agregado, as convulsões
extáticas foram comuns, mas desorganizadas, entre pequenos grupos
heréticos, antepassados dos quakers, no século XVI na Inglaterra
e nos Países Baixos, que também foram reputados de praticar
a comunidade de bens, além do celibato ou orgias sexuais. Estes
santos saltadores (holy jumpers) e roladores (rollers) foram
vistos entre os primeiros conventículos do reavivamento metodista,
especialmente em Gales. Práticas similares varreram toda a França
no século XVIII, tanto dentro como fora da Igreja Católica
Romana, com seu foco em Flandres e Britania onde as manias de danças
da Idade Média muitas vezes se originaram.
No princípio do século XVIII um grupo de quakers em Manchester,
conduzido por James e Jane Wardley, converteu-se às doutrinas dos
Profetas Franceses ou Camisardos de Dauphiné e Vivarals,
que mais ou menos sistematizaram um movimento. Os wardleys converteram
Ann Lee, uma garota de vinte e seis anos de idade, filha de um ferreiro
de Manchester, que logo tornou-se líder do grupo. Ela era freqüentemente
presa por saltar, gritar, dançar, despir-se, blasfemar, na prisão
teve a revelação de que o milênio tinha despontado,
e que havia chegado o tempo de juntar o remanescente salvo e retirá-lo
do mundo condenado, e que a Segunda Vinda já estava em curso. Por
volta de 1770 seus seguidores começaram a referir-se a ela como
Ana da Palavra o Cristo encarnado em uma mulher, a
metade feminina do eterno syzygy. (Na teologia shaker, todas as
entidades espirituais eram machos ou fêmeas unidos em um enlace
místico a velha doutrina agnóstica valentiniana).
Ann Lee estava casada contra sua vontade com Abraham Standerin, que os
shakers chamavam de Stanley, teve quatro filhos, todos morreram
na infância. Ela começou a ditar extensas revelações
até que finalmente "ordenou" conduzir um grupo seleto
de seguidores para a América oito ou dez pessoas, principalmente
parentes, mas inclusive um homem moderadamente rico, John Hocknell. Durante
dois anos eles se apoiaram através de trabalho comum dentro e nas
cercanias de New York.
Em 1776 Hocknell comprou uma grande área de terra pouco desenvolvida
em Niskayuna no distrito de Watervliet perto de Albany e os shakers
estabeleceram sua primeira colônia. Watervliet e a vizinha New Lebanon
viriam a se tornar o berço da sociedade até sua dissolução
no século XX. Durante a Guerra Revolucionária eles
foram sujeitos a perseguição moderada enquanto pacifistas
e recusadores de juramentos, mas foram logo deixados em paz pelas autoridades
e pela vizinhança. Considerando seu comportamento extraordinário,
é notável a pouca perseguição sofrida pelos
shakers. Ao contrário de muitas seitas pentecostais e milenaristas,
os shakers foram um povo pacífico, superando o quakerismo nesse
aspecto, reagindo com mansidão aos ataques de ira a que eram eventualmente
submetidos.
Durante a Guerra Revolucionária outras comunidades foram
estabelecidas em New York, Massachusetts, e Connecticut; e em 1784, quando
Mãe Ana morreu, sua pequena igreja estava florescendo e
ganhava membros a cada reavivamento. Durante três anos eles foram
conduzidos por James Whittaker. Após sua morte foi sucedido por
Joseph Meecham que era pelo menos tão ricamente dotado do dom da
revelação quanto sua Mãe Ana; e por Lucy Wright,
que compartilhou a liderança com ele. Depois que ele morreu ela
governou sozinha por vinte e cinco anos. Seus regulamentos, ou melhor,
suas revelações, deram ao shakerismo sua forma final
e sua regulação extraordinariamente detalhada de vida comunitária.
O marido de Mãe Ana parece ter sido um maroto degenerado em New
York City onde era dado a bebedeiras e fugas com outra mulher. Seus filhos
morreram na infância depois de partos dolorosos. A essência
da revelação de Mãe Ana era sua extrema aversão
à relação sexual, que ela substituía por uma
cosmogonia de espiritualidade onde machos e fêmeas se uniam, algo
que ela descrevia como uma relação bissexual, ou seja, envolvendo
polaridades masculinas e femininas. Desde os primeiros dias do movimento
seus seguidores foram chamados à prática celibatária,
tanto para os solteiros, como para os estritamente castos, e para aqueles
que entravam na seita já casados. Mãe Lee era a encarnação
feminina de um Cristo eterno do qual o Jesus histórico foi a incarnação
masculina, não a deidade encarnada ou a Segunda Pessoa da Trindade
mas uma emanação primária. Tanto o celibato como
esses pares semi-divinos são comuns em muitas religiões,
sejam elas cristãs ou pré-cristãs, persas, manichaeanas,
agnósticas, e tântricas, mas o celibato foi usualmente um
privilégio de um eleito, um puro. A Mãe Ana o tornou obrigatório
para todos os seguidores.
As necessidades de colonização nos limites da selva conduziram
à prática de empreendimentos cooperativos que tendiam ao
comunismo. Sob a liderança de Meecham e Wright foi introduzido
o mais rígido comunismo; e progressivas revelações
foram encarnadas em leis que regiam cada detalhe da vida, até mesmo
sobre qual pé deveria primeiro pisar ao sair da cama. Os homens
e as mulheres viviam dentro de um único grande edifício
semelhante a um dormitório, de característica arquitetônica
rígida, muitos desses edifícios existem até hoje,
mas eles eram estritamente separados por escadarias e portas diferentes.
Eles eram proibidos de falar uns com os outros exceto em casos de urgência
ou com a rara permissão dos anciões e pessoas mais idosas.
Cada edifício residencial constituía uma "família".
Havia igualdade completa de homens e mulheres na administração
e na adoração. Algumas aldeias shakers continham quatro
ou cinco das tais famílias, autônomas e bem separadas. Eventualmente
se espalharam aldeias shakers desde a costa do Atlântico até
Ohio, Kentucky e sul da Flórida. maiores que de qualquer outra
seita comunal, é difícil descobrir exatamente como toda
corporação foi governada a partir da mãe fundadora
em New Lebanon. Depois da metade do século XIX certas diferenças
começaram a se desenvolver. Por exemplo, as aldeias em Maine enfatizavam
a fé curativa. Outras recusavam a posse pelos espíritos
dos mortos, que originalmente ocorria nitidamente em quase todo serviço
noturno, e que começava a ser visto com um certo ceticismo.
Os primeiros líderes shakers possuíam um instinto notável
para ditar regras e dispositivos que intensificavam o compromisso da comunidade
e a difusão de instruções específicas. O neófito
fazia uma confissão detalhada de todo pecado e falta antes de ser
aceito pela sociedade, e a confissão periódica era ordenada
até mesmo para transgressões mais secundárias. Considerando
que a vida era ordenada assim cuidadosamente, muitos shakers anciãos
ao término do século disseram aos seus entrevistadores que
eles conseguiam viver muitos anos sem pecar.
Tanto homens como mulheres usavam uniformes os homens usavam um
chapéu largo e um longo casaco azul, com cabelo curto na frente
e longo atrás. As mulheres usavam volumosos vestidos de cores sombrias
com uma manta ao longo dos seios e das costas, um boné claro em
lugar fechado, e um chapéu de sol ao ar livre, em cima de um cabelo
curto. Em algumas famílias as visitas eram estritamente limitadas.
Era permitido pequenos grupos de homens e de mulheres sentarem em lados
opostos do quarto sob o controle de um ancião, onde entabulavam
breves conversas cuidadosamente controladas para evitar todo conteúdo
significante. Em algumas famílias tanto homens como mulheres eram
emparelhados, de forma que as mulheres funcionavam como uma espécie
de soror mystica, fornecendo entre si orientação
espiritual. Os homens e mulheres executavam tarefas diferenciadas, usualmente
em edifícios separados, comendo em mesas separadas e em silêncio.
A vida diária era levada com um mínimo de conversa, bem
semelhante às ordens monásticas mais rígidas. Como
os trappistas, os shakers freqüentemente se comunicavam
por quirologia simples.
Os edifícios shakers eram famosos por sua extrema limpeza e pela
total simplicidade de sua mobília, houve um tempo quando a mobília
ordinária era mais ornada. Não havia qualquer carpete e
apenas alguns pequenos tapetes, todas as manhãs as cadeiras e o
chão eram limpos e polidos, as camas eram retiradas, as janelas
abertas, cada pessoa fazia sua parte na limpeza. Apesar desta ênfase
no aspecto sanitário muitas aldeias não faziam nenhuma provisão
quanto à higiene corporal pelo banho, de forma que algumas foram
atingidas por pequenas epidemias de tifo devido, naturalmente, à
disseminação de piolhos.
Nenhum quadro ou instrumentos musicais eram permitidos até perto
do declínio da sociedade, nenhuma poesia, nenhuma novela, nenhum
romance, nem mesmo uma história mostrando a longa história
dos males do mundo as pequenas bibliotecas continham livros de
estrita praticabilidade, apenas obras religiosas bem típicas do
shakerismo, e o próprio material literário da sociedade
que já crescera bastante. Algumas famílias e muitos membros
de todas as famílias eram vegetarianos carne de porco, álcool,
até mesmo vinhos suaves, tabaco (era permitido aos desesperadamente
viciados mastigar um pouco), e usualmente chá e café, tudo
isso era proibido.
Os dias eram gastos em um rígido ascetismo. Depois da ceia e da
adoração da noite certamente ocorria a grande descarga ritualizada
e coletiva de libido em qualquer seita comunalista americana, uma descarga
que encontra paralelo apenas nos testemunhos dos julgamentos dos hereges
medievais, nas polêmicas anti-heréticas dos ortodoxos, e
nas (provavelmente imaginárias) religiões pagãs secretas,
que os ocultistas modernos atribuem o culto da feitiçaria.
Depois dos hinos e de breves sermões por um dos anciões,
homens e mulheres se alinham em lados opostos do quarto e começam
uma estranha dança arrastada, acompanhada com movimentos de braços
curvados (parkinsonismo), enquanto cantam hinos, muitas vezes em "línguas
estranhas", alguns deles tradicionais, outros espontâneos.
Em algumas famílias, eventualmente grupos de homens e de mulheres
se abraçam e se beijam mutuamente. Descrições destes
contatos por parte dos participantes sempre são acompanhadas por
uma intensa onda de amor. É interessante destacar que ninguém,
nem mesmo entre os shakers anteriores, fala desses abraços e presumíveis
orgasmos como algo próprio deles. O abraço entre os pares
foca o amor da comunidade, que dança em grupos alinhados, em anéis
emparelhados que giram entre si.
No final os espíritos possuíam uma, duas ou três
jovens mulheres e falavam através delas. Tais espíritos
normalmente eram grandes figuras históricas Napoleão,
Julio César, ou heróis da república, como George
Washington e Benjamin Franklin, ou mais especialmente índios famosos.
Freqüentemente uma tribo inteira de espíritos índios
visitaria uma reunião de shakers. Com o tempo os shakers passaram
a empreender missões regulares entre os mortos, enviando seus espíritos
conversos para pregar o evangelho shaker para toda sorte de pessoas especialmente
para os índios americanos, que se tivessem desfrutado um pouco
das vantagens do cristianismo em suas vidas, pelo menos quando morressem
seriam convertidos aos milhares e estabeleceriam suas próprias
comunidades shakers no mundo dos espíritos. Visitações
de espíritos desse tipo sempre pasmaram visitas de carne-e-sangue
porque o grupo shaker em sua totalidade parecia possuído por uma
alucinação coletiva, como um elaborado psicodrama, dançando
e conversando com seus convidados, dando-lhes comida e bebida imaginária,
e ouvindo uma música inaudível. Psicodrama é a única
palavra que temos para tal atividade porque é impossível
aceitá-las como genuínas alucinações; e os
líderes shaker freqüentemente admitiam aos estranhos que tudo era
realmente fictício. Tal entretenimento com tribos inteiras de índios
era apenas uma pequena parte do que faziam.
As comunidades shakers praticavam ritos anuais e bebiam um néctar
imaginário de fontes imaginárias, festejavam uma imaginária
ambrosia enquanto vestiam artigos de vestuário imaginários
de esplendor ofuscante. A semelhança de tudo isso com o vaudon
haitiano (vodu), com os cultos de juju que sobreviveram em algumas
plantações de escravos nos Estados Unidos, e com as religiões
originais da África Ocidental é certamente notável.
Ninguém nunca demonstrou qualquer contato embora um número
bem grande de negros se convertesse ao shakerismo. Por outro lado
também há semelhanças com as práticas do culto
do iroquois, vizinhos de muitas comunidades shakers. O Espiritualismo
Moderno surgiu na mesma vizinhança e há controvérsias
se o primeiro fenômeno "espiritualista" ocorreu entre
os shakers ou entre os auto-professados espiritualistas.
Estas performances ocorriam com maior ou menor intensidade todas as noites
na maioria das comunidades e culminavam em periódicos grandes festivais,
não é difícil ver a vantagem que isso proporcionava
aos shakers comparado com outros movimentos comunalistas. Vinte
horas eram gastas na mais rígida disciplina, até mesmo o
sono era governado através de regras; mas todas as noites cada
libido individual era despejado na comunidade. Era o momento em que o
inconsciente coletivo se manifestava. O amor se dissolvia em comunidade.
George Washington dançando com as irmãs, bebendo ambrosia
enquanto Squanto tocava violino isto tudo pode nos parecer ridículo,
mas eram os elementos disponíveis no mito orgiástico dos
shakers. Eles agiam como muitos gregos fizeram encenando Baco e
Orfeu.
Como os gregos que os precederam os shakers domesticaram o irracional
e o submeteram à comunidade racional. Longe da reunião,
a vida era vivida com uma ordem matemática. Embora renunciassem
toda arte e decoração, sua arquitetura e mobília
estritamente funcional estão entre as mais bonitas desse estilo.
Eles acharam isso necessário para conter o sucesso de muitos de
seus empreendimentos industriais. Eles foram o primeiro grupo da América
a praticar a agricultura intensiva. Eventualmente muitas comunidades shakers
usavam apenas sementes de alta qualidade separando um estoque para o mercado.
É bastante difícil pelas provas que restaram determinar
como a sociedade era governada assim tão eficazmente. Todos os
funcionários, administradores, representantes empresariais, e líderes
religiosos eram apontados desde o topo. Eles estavam sujeitos a um mínimo
de controle através de reuniões da comunidade, mais talvez
por "revelações", embora a revelação
nunca jogasse um papel consistente, determinante como ocorreu em Amana.
Diante de um sistema tão autocrático de governo, especialmente
em cima de comunidades pequenas que se espalhavam desde New Hampshire
até o Kentucky em um tempo em que o país era coberto por
selvas, se esperaria que resultasse em partidarismo e em cisma; pelo menos
no caso dos shakers isso não ocorreu. Tanto no aspecto secular
como no religioso a sociedade foi conduzida em uma vida extraordinariamente
calma.
Pelos meados do século XIX, sob a liderança de Frederick
W. Evans, que antes de sua conversão havia sido um reformador secular
e comunalista, a sociedade florescia, alcançando a cifra de mais
de seis mil sócios em vinte aldeias. O celibato que tinha sido
o fator mais importante em sua força, eventualmente provou sua
ineficácia. Suas doutrinas eram bárbaras demais para serem
eterealizadas por uma geração mais alfabetizada e sofisticada,
ou para trazer convertidos da classe de pessoas que se sentiam atraídas
pelo shakerismo; assim eles não puderam se expandir além
de certo limite. Convertidos casados traziam suas crianças para
a sociedade juntamente com eles e cada aldeia shaker era entre outras
coisas um livre orfanato que criava crianças não desejadas
sem nenhuma despesa para o Estado. As crianças eram criadas como
shakers mas a maioria delas iam embora assim que encontravam emprego em
outro local. Nos meados do século XX sociedades que por muitos
anos tinham consistido em menos de cem pessoas idosas, tiveram todas suas
intenções e propósitos extintos. A grande revivicação
do comunalismo começou depois da Segunda Grande Guerra focando
um novo interesse pelos shakers tanto que recentemente houveram tentativas
de reavivar a sociedade.
* * *
Da mesma forma que as ordens religiosas dos monges e das freiras viveram
sua plenitude na Idade Média, seria de se esperar que as pessoas
laicas associadas à vida comunal alcançassem a plenitude
de seu movimento na primeira metade do século XIX, quando apareceram
aldeias comunistas católicas romanas tanto na Europa como nos Estados
Unidos; mas há muito poucos exemplos, e é realmente difícil
encontrar algo a respeito delas. Principalmente devido ao caráter
extremamente reacionário da Igreja no século XIX. Qualquer
coisa que sugerisse a pregação da comunidade de bens era
logo condenada como heresia, principalmente porque representava uma séria
ameaça à riqueza e ao poder da Igreja que adotava uma teologia
ortodoxa. A difusão de um movimento pelo retorno à vida
apostólica poderia exercer um efeito devastador na Igreja do século
XIX. Na América a Igreja era ainda mais ortodoxa do que o papado.
Após a Escassez da Batata Irlandesa e as dificuldades no
sul da Alemanha, a igreja americana baseava-se em congregações
largamente analfabetas ou semi-alfabetizadas de recentes imigrantes. Considerando
que a maioria dos primeiros historiadores das sociedades comunistas na
América eram milenaristas protestantes ou socialistas seculares,
eles eram por princípio anticlericais, dessa forma freqüentemente
ignoravam a existência de um assentamento comunalista católico
no país.
Em 1854 Ambrosius Oschwald, um padre católico, conduziu um bando
de colonos das colinas de Baden e de Black Forest para o município
de Manitowoc, Wisconsin, cerca de cem milhas ao norte de Milwaukee. Eles
compraram cerca de três mil e oitocentos acres de selva densa a
três dólares e meio por acre, limparam a terra e construíram
dois conventos para homens e mulheres celibatárias e uma aldeia
de habitações familiares para pessoas casadas. Eles primeiro
a nomearam como Colônia São Nazianz, depois como São
Gregório de Nazianzus, um teólogo do século IV que
resgatou a Igreja Oriental do Arianismo para a estrita ortodoxia, e que
foi o fundador da escola denominada cappadociana de teologia e
filosofia, que é responsável pelo prolongamento da vida
apostólica e da doutrina mística e da divinização
do homem na ortodoxia oriental. São Gregório permaneceu
pouco tempo no arcebispado, retirando-se dos conflitos das políticas
eclesiásticas para sua extensa propriedade onde estabeleceu uma
comunidade que misturava monges, freiras, e pessoas seculares, dos quais
sabemos muito pouco. Os historiadores do comunalismo não dão
nenhuma evidência sobre quem era o santo padroeiro da colônia,
ou porque foi escolhido, mas é de grande significado que ele foi
o padre favorito da Igreja de muitos grandes místicos da Renolândia
e do sul da Alemanha. Ele foi o antepassado espiritual dos movimentos
pietistas da pré-reforma de onde surgiram, pelo menos indiretamente,
quase todas as seitas comunistas religiosas da América como
também, por exemplo, o movimento tolstoyano.
A Colônia de São Nazianz floresceu enquanto o Padre Oschwald
esteve vivo. A terra era frutífera e produziu excessos para o mercado.
Os sócios fabricaram quase todas suas próprias necessidades:
comida, roupa, ferramentas, mobília, sempre com um excesso exportável.
Os membros celibatários viveram sob uma regra semelhante à
Terceira Ordem Regular de São Francisco, os membros casados dedicavam-se
completamente à Terceira Ordem Secular. Todos tomavam parte na
liturgia diária da Igreja. A comunidade era essencialmente governada
por sacramentos. A confissão e a penitência eram suficientes
para assegurar a ordem e a sagrada comunhão para preservar o compromisso.
Não diferentes dos shakers eles se uniam para o culto, através
de rituais cuja fonte praticamente remonta antes do tempo da civilização,
saindo das camadas mais profundas da mente humana. Padre Oschwald e uma
eforata de doze membros cuidaram da administração
dos negócios materiais e do bem-estar moral da comunidade. Suas
decisões estavam sujeitas a revisões em reuniões
gerais onde todos participavam. A comunidade parece ter funcionado com
poucos atritos.
Por ocasião da morte do Padre Oschwald, descobriu-se que a propriedade,
que estava registrada em seu nome, não poderia ser transferida
para a colônia porque não era uma corporação.
Assim, os sócios a incorporaram como uma sociedade religiosa católica
romana onde cada sócio adquiriu uma parcela da propriedade, devido
aos serviços prestados, repassando-a à nova corporação.
Eles continuaram a próxima geração em uma base fiduciária,
usando vestes simples dos camponeses da Floresta Negra do século
XVIII, suas vidas eram governadas por sacramentos, liturgia, ritos de
passagem, ritos do ano, que pelo final do século começaram
a desaparecer. Como os shakers, eles tinham adotado crianças órfãs
mas poucas delas permaneciam com a comunidade depois que cresciam. A aldeia
de São Nazians ainda existe, mas de todas as colônias religiosas
prósperas nos Estados Unidos é sem dúvida a menos
conhecida.
Havia outro grupo aparentemente bem parecido perto de Milwaukee, chamado
Nojashing, conduzido pelos padres Anthony Keppler e Matthias Steiger,
que vieram da Baviera em 1847. Ambos morreram quatro anos depois, mas
a colônia permaneceu até o final do século. A partir
daí tornou-se tornou uma ordem de irmãs. É significativo
que estas duas aventuras encontraram refúgio em Wisconsin onde
a igreja católica romana tanto quanto a anglicana
eram mais radicais do que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos e
onde grupos cismáticos como a igreja nacional polonesa,
os velhos católicos, e outros, encontraram guarida. O bem
progressista bispo anglo-católico Griswold de Fond
du Lac muitas vezes falou de sua esperança de que um reavivamento
da ordem de São Gilobert de Sempringham teria lugar em sua diocese,
mas ela nunca ocorreu. Assim a colônia de São Nazianz permaneceu
como a única tentativa bem sucedida de transportar para a América
uma espécie de sociedade comunista que se tornou famosa nas comunidades
jesuíticas no Paraguai.
Milenarismo, chiliasmo, pentecostalismo somos inclinados a pensar
tais termos como aplicáveis a movimentos do submundo religioso
da teologia proletária, das pessoas semi-alfabetizadas de
fato, em muito semelhantes aos cristãos primitivos. John Humphrey
Noyes, nasceu em 1811 em Brattleboro, Vermont, foi o fundador da Comunidade
Oneida, e de uma seita conhecida como os perfeccionistas, diplomado
em Dartmouth, primeiro dedicou-se ao estudo da lei, depois da teologia
em Andover e posteriormente em Yale. Sob influência do movimento
reavivalista ele passou por uma experiência de conversão
espiritual, passando a crer que era possível aos homens não
apenas serem salvos mas se tornarem perfeitos ou aperfeiçoados
nesta vida. O intensivo estudo da Bíblia acompanhado com
muita meditação e oração convenceu-o de que
esse fim poderia ser alcançado mais facilmente através da
adoção literal da vida apostólica.
Em 1834 Noyes retornou a Putney, Vermont, onde seu pai era um banqueiro,
casado com a neta de um congressista, e lentamente juntou um grupo de
pessoas, no princípio principalmente seus familiares mais íntimos
que não apenas o seguiram em convicção como compartilharam
dessas mesmas experiências e convicções, passando
seu tempo em estudos bíblicos e oração. No curso
de dez anos o pequeno grupo de perfeccionistas desenvolveu seu próprio
corpo de doutrinas, ganhou alguns convertidos e correspondentes ao longo
da Nova Inglaterra e New York. Em 1846 eles passaram a viver juntando
todas as coisas em comum. Neste momento eles despertaram a ira dos cidadãos
de Putney sendo expulsos da cidade.
Em 1848 os perfeccionistas compraram quarenta acres e uma casa
velha perto de Oneida ao norte de New York, nos dois anos seguintes estabeleceram
filiais no Brooklyn e em Wallingford, Connecticut. Oneida era um lugar
pobre, os edifícios estavam caindo aos pedaços. No princípio
havia menos que cem pessoas que podiam trazer relativamente pouco dinheiro
na fundação da comunidade. Porém, eles logo passaram
a produzir na terra, adquiriram acres, tornando-se capazes de se alimentar
autonomamente, após isso adotaram um programa cuidadosamente planejado
de desenvolvimento industrial diversificado em pequena escala. Eles passaram
a vender o excedente da colheita para fora, gado, inclusive frutas, legumes,
geleias, marmelada, mobília produzida na fazenda, tecidos em lã
e seda, bolsas e caixas de fósforos, montaram uma fábrica
e uma loja de ferramentas. Mais tarde eles começaram a produzir,
no princípio à mão, utilidades que eles mesmos inventavam
e que se tornaram os mais lucrativos de seus empreendimentos industriais
naquele tempo..
Em 1874 a totalidade dos membros de Oneida e Wallingford (o Brooklyn
se separou de Oneida) chegava a duzentos e dezenove adultos, aproximadamente
vinte por cento mais mulheres do que homens, sessenta e quatro crianças,
e aproximadamente duzentos e setenta trabalhadores de fazenda contratados,
coletores de frutas, e trabalhadores nas lojas, inclusive trinta e cinco
mulheres e meninas que trabalhavam com seda em Wallingford; além
disso eles empregaram um número considerável de criados
domésticos. Em 1873 eles venderam mais de trezentos mil dólares
de mercadorias e de produtos que fabricavam. Em outras palavras, em vinte
anos os colonos de Oneida tornaram-se modestamente ricos, a mão-de-obra
contratada estava na proporção um empregado para cada colono
adulto, e viviam vidas em elevado grau de satisfação tanto
materialmente, culturalmente, como espiritualmente, mais do que qualquer
outra colônia religiosa. Oneida parece ter sido um lugar completamente
agradável para se viver. Esse sucesso notável provavelmente
ocorreu devido à alta qualidade dos colonos e especialmente ao
seu líder, um homem dotado de uma inteligência e força
de vontade verdadeiramente excepcional, produto da melhor educação
de seu tempo, tinha o hábito de não pedir para ninguém fazer qualquer
coisa que ele mesmo pudesse fazer e assim trabalhou como fazendeiro, ferreiro,
administrador, vaqueiro, e eventualmente todos os outros empreendimentos
da comunidade.
Do ponto de vista da cultura secular do século XX, completamente
céptico tanto em ciência como em religião, John Humphrey
Noyes pode ser considerado excêntrico. Naturalmente, qualquer um
que pertenceu a um grupo comunalista tinha, por definição,
algo de excêntrico. Mas é bom não esquecer que na
primeira metade do século XIX os fundamentos da educação,
do aprendizado, e da filosofia de vida era, para a maioria das pessoas,
quando implementados, baseados na Bíblia, especialmente na América.
Os pais fundadores podem ter sido intelectuais radicais, e entre eles
pode ter havido alguns racionalistas e deístas, mas a maioria dos
americanos educados, particularmente depois da reação contra
a Revolução Francesa, eram cristãos devotos. Noyes
foi um cristão devoto, mas ele também foi um cristão
radical e racionalista que, em seu primeiro grupo de estudo em Vermont,
fixou-se na tentativa de descobrir exatamente o significado da palavra
de Deus. Se o Novo Testamento for abordado dessa maneira, com uma
mente conscientemente isenta de preconceito, parece óbvio que a
cristandade apostólica era milenarista, chiliástica, pentecostal
e comunalista.
Oneida foi em muitos aspectos uma imagem espelhada das comunidades shaker,
com métodos de construir compromisso de grupo que poderiam parecer
diretamente contrários às práticas dos shakers. O
método mais famoso foi o matrimônio grupal de Oneida. Todo
mundo estava disponível para todo mundo, mas o emparelhamento real
dos pares estava sob a orientação da comunidade, no final
das contas parecia estar sob a orientação do próprio
Noyes, as uniões eram usual e relativamente de pouca duração.
Esse sexo grupal (casamento complexo) era acompanhado por
uma descoberta especial de Noyes, a continência masculina.
Esperava-se que o homem controlasse a si mesmo nas relações
sexuais até que a mulher tivesse um ou mais orgasmos, retirando,
aparentemente sem ejaculação. Isto soa como um costume doentio
mas que de fato, conforme foi demonstrado através de várias
práticas eróticas iogues, é perfeitamente
possível a um homem treinar-se a ponto de separar o orgasmo da
ejaculação. Tais funções são controladas
por dois conjuntos diferentes de nervos. Em alguns dos escritos de Noyes
sobre esse assunto ele parece falar de uma maneira bem oculta sobre sexo
oral. Um detalhe significante é que toda comunidade praticava o
controle da natalidade pela retirada que era praticada para o prazer sexual
das mulheres uma noção extraordinária para
o século XIX. Noyes continuamente enfatiza sua, conforme diziam,
descoberta surpreendente de que o ato sexual tem duas funções,
procriação e prazer o maior prazer da vida. Às
vezes, por trás de sua linguagem criptográfica ele parece
tropeçar em uma espécie de tantrismo, o misticismo
erótico do transe sexual.
Na medida em que a colônia amadurecia, Noyes, conforme vimos, um
bem sucedido criador de gado, introduziu a idéia da procriação
eugênica controlada o que ele chamaria de estirpecultura.
Apenas àqueles que fossem julgados melhor dotados de qualidades
físicas e mentais, para desenvolver geneticamente a produção
de uma raça superior através das gerações,
foi permitido a geração de crianças. Noyes e um comitê
especial, após uma longa observação na comunidade,
escolheu alguns, instruindo-os para que se acasalassem, independente das
uniões prévias que pudessem ter praticado. Hoje tais práticas
são extremamente repudiadas, talvez o futuro decida que um dos
piores males do nazismo foi desacreditar a eugenia. Houve momentos, depois
de ser popularizada por Noyes, em que a reforma eugênica se tornou
uma crença comum e uma esperança para quase todos os radicais
sociais.
Noyes também foi um místico do alimento, a maioria das
pessoas na comunidade eram vegetarianos. Eram servidas duas refeições
por dia. Ele tomavam café e chá, mas nada que continha álcool,
nem usavam qualquer tabaco. Eles acreditavam que a doença era um
tipo de pecado e a tratavam com uma combinação de auto-crítica
coletiva com cura pela fé idéias que se assemelham
às de Samuel Butler e de George Bernard Shaw, que influenciaram
Noyes profundamente. Parece que eles tiveram tanto sucesso quanto a medicina
ortodoxa daqueles dias. Em vez da confissão privada antes de ser
admitido pela comunidade e depois de cometer qualquer pecado sério,
conforme era praticado entre os shakers, Oneida fez uso de uma forma de
crítica grupal, uma ocasião especial na vida da comunidade.
Existe uma certa semelhança com a crítica grupal praticada
atualmente pelos synanons com a grande diferença de que
em Oneida ela desaguava em bondade, consideração, e respeito
ao indivíduo.
A mudança no temperamento público dos Estados Unidos é
bem ilustrada pela reação da sociedade dominante para com
Oneida. As objeções mais fortes não eram contra o
comunalismo ou contra a política radical mas aos estranhos costumes
da colônia casamento complexo, estirpecultura, igualdade
das mulheres, e, não menos, a maneira de vestir. Os homens se vestiam
com simplicidade mas convencionalmente. As mulheres usavam cabelo curto,
saia no joelho, longas calças compridas, e uma quantidade menor
de roupas íntimas do que era comum naqueles dias, como coletes,
espartilhos, anáguas, pantalonas, e bustiês. Vestes que para
nós parecem extremamente modestas, aos olhos da maioria dos visitantes
era excitante. Mas os oneidanos também estavam entre os
radicais políticos mais avançados de seu tempo. Há
uma carta a William Lloyd Garrison escrita por Noyes que ele chamava de
sua Declaração de Independência dos Estados Unidos
e sua responsabilidade pela escravidão coletiva.
Ao longo da vida diária da comunidade, em cada departamento, em
cada atividade, o membro encontrava uma supervisão embutida, controle,
e curtos-circuitos designados para prevenir, abortar, ou curar cada vestígio
de egoísmo e cobiça. Depois de desmamadas, as crianças
eram criadas em berçários por especialistas, tanto homens
como mulheres, e logo enviadas para o trabalho ou para trabalhar ao lado
das pessoas mais velhas, da mesma forma que nas sociedades primitivas.
Normalmente lhes permitiam algum tempo com seus pais durante o dia. Todos
os brinquedos eram compartilhados em comum e dali para a frente, todos
os artigos de uso mais pessoal, incluindo "roupas para usar fora",
eram retirados e retornavam a um guarda-roupa comum.
O governo era exercido por uma vasta engrenagem de comitês e interlocutores,
o que permitia uma gama considerável de iniciativas, sempre sujeitas
a reuniões com a participação de toda comunidade;
se uma divisão acontecesse, a decisão, como os quakers,
era adiada até que a unanimidade pudesse ser alcançada.
Oneida compartilhou com a Sociedade de Amigos duas idéias
que parecem bastante comuns mas que são real e completamente assustadoras,
e que é dificilmente compartilhada por qualquer outro grupo cristão,
ou nesse assunto, por qualquer grupo secular. A primeira idéia
é que é perfeitamente possível e não terrivelmente
difícil ser bom (o nome oficial que deram a isso era perfeccionismo).
A segunda idéia é que eles acreditavam que dificilmente
poderia haver alguma emergência social onde o consenso precisasse
ser sacrificado para que uma resolução pudesse ser tomada.
O acordo era mais importante do que a discordância.
As idéias teológicas específicas de Noyes não
foram tão incomuns em tempos de excentricidade religiosa. Ele acreditava
na autoridade da Bíblia, mas além dela, na autoridade última
do Espírito da Verdade que, como os quakers e sua Luz
Interior, poderia preencher cada homem. Ele acreditava que Deus era
dual, masculino e feminino. A Segunda Vinda de Cristo já ocorrera
no tempo da destruição do templo. Nós estamos vivendo
agora depois do apocalipse mas antes da iminente transformação
espiritual do mundo que conduziria ao reino dos céus. O matrimônio
complexo não era apenas uma técnica social para uma sociedade
comunalista era o método pelo qual a união espiritual
dos sexos que se quebrou pela queda de Adão e Eva seria restabelecida
e o gênero humano retornaria à sua divina condição
de syzygy refletindo a imagem de Deus. A morte seria superada e
o homem voltaria à eternidade.
Lendo Noyes hoje é fácil ver pelas informações,
pela linguagem bíblica, a ação de uma mente poderosa.
O único líder religioso comunalista que foi ao mesmo tempo
um radical intelectual, ele continuamente enfatizou Eneida como sendo
uma sucessão apostólica de Brook Farm, certamente a maioria
de suas atividade intelectuais externas se dissolveria no mês em
que Oneida foi fundada.
Na medida em que Noyes envelhecia, crescia uma nova geração
de colonos, e como era de se esperar, a cada dia que se passava surgiam
mais e mais objeções nos detalhes da vida dos colonos. Em
1879, acuado por ataques tanto internos quanto externos, Noyes escreveu
uma carta propondo o abandono do matrimônio complexo, e a reunião
geral aprovou a proposta com apenas um voto contra. Dali em diante, pouco
a pouco, prática a prática, a colônia rapidamente
se desintegrou, e o complexo de propriedades foi distribuído. Em
1881 Oneida tornou-se uma companhia acionária engajada principalmente
na fabricação de objetos de prata e assim continua até
hoje. Se os ex-colonos tivessem mantido suas ações, enriqueceriam,
mas o negócio tornou-se um empreendimento capitalista, bem distante
de uma democracia de trabalhadores.
Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão
de Kenneth Rexroth Trust.
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