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Comunalismo
Das Origens ao Século XX
15. Robert Owen
16. Josiah Warren
17. Brook Farm
18. Fourierismo
Antes do século XIX, o comunalismo estava praticamente limitado
a corporações religiosas milenárias. A primeira tentativa
significante para formar uma comunidade puramente secular foi Nova
Harmonia de Robert Owen. Owen nasceu em 1771, filho se um pequeno
seleiro. Aos nove anos deixou a escola, e antes dos dezenove tinha se
tornado gerente de uma fábrica de algodão em Manchester
que empregava quinhentas pessoas. Essa fábrica tornou-se a melhor
na Inglaterra, não apenas pela qualidade de seu produto, a primeira
linha de algodão longa na Inglaterra, mas também pela eficiência
de sua produção e o bem-estar dos trabalhadores.
Foi um período de tremenda expansão e de grandes lucros
na indústria têxtil na Grã-Bretanha. Dentro de alguns
anos o negócio de Owen, desenvolvido em um plano estritamente racionalista,
tornara-se tão lucrativo que ele pôde persuadir seus sócios
a comprar a maior fábrica de algodão na Inglaterra, a Nova
Lanark nos bancos de Clyde na Escócia. A mão-de-obra total
era ao redor de mil e quinhentos empregados, dos quais quase dois-terços
eram mulheres, quinhentos eram crianças, pobres, e órfãos
das favelas e orfanatos de Edimburgo e Glasgow, muitos deles com apenas
cinco ou seis anos de idade.
Owen imediatamente melhorou as condições dos trabalhadores,
elevou a idade mínima para dez, e progressivamente reduziu as horas
de trabalho de treze ou quatorze, para dez horas e meia de trabalho por
dia. Ele abriu uma loja geral que vendia bens e comida da melhor qualidade
a baixo custo. Gradualmente ele começou a inibir a venda e o consumo
de licor. Owen estabeleceu uma escola para crianças que se tornou
não apenas a mais progressiva da Inglaterra, como também
o berço de várias idéias que não seriam aceitas
em nenhum outro lugar durante quase um século.
Nova Lanark não foi em nenhum sentido uma aventura utópica.
Seu patriarcalismo iluminado operava dentro dos mais rígidos princípios
empresariais, e resultou num lucro notável até mesmo nos
anos de depressão. Era uma aldeia industrial de um tipo que ficaria
comum depois de um século, especialmente nas indústrias
quakers. Um bom exemplo na América é a cidade de Hershey,
Pennsylvania, fundada por famílias menonitas processadoras de chocolate.
Contemporâneo de Owen, Jebediah Strutt em Derbyshire operava uma
moenda de uma forma bastante semelhante na cidade.
Owen via Nova Lanark como algo mais do que uma simples fábrica
modelo. Owen era deísta, ecologista, e um moderado necessitariano.
Ele acreditava que os seres humanos eram moralmente o produto de seu ambiente,
especialmente de suas primeiras instruções, e que não
poderia ser responsabilizado pelo seu comportamento defeituoso em sua
vida posterior. A escola de Nova Lanark era mais importante para Owen
do que qualquer outra coisa. Através de seus métodos educacionais
ele esperava produzir um tipo completamente diferente de trabalhador.
As limitadas medidas de organização comunitária
que Owen foi capaz de introduzir produziram uma mudança surpreendentemente
rápida no caráter de seus trabalhadores. Quando ele assumiu
Nova Lanark ela estava repleta de pobreza, doença, prostituição,
promiscuidade, e alcoolismo. A disciplina rígida resultou em casas
limpas, livres de verminoses, empreendimentos cooperativos, conferências
e danças pela noite, previdência social, e eventual proibição
de bebida; claro que as escolas desenvolveram uma transformação
surpreendente em um tempo comparativamente curto. Logo um grande número
de visitantes, alguns vindos do continente americano, estavam visitando
o trabalho. Considerando que Owen demonstrava que seus métodos
eram eminentemente lucrativos, Nova Lanark começou a por em prática
uma definitiva reforma na fábrica, para depois transcrevê-las
para as Atas da Fábrica. "Uma população inativa,
suja, dissoluta, e bêbeda", narra Owen, "foi transformada
pela aplicação de meios próprios em gente ordeira,
limpa, e regular".
Do ponto de vista das teorias comunitárias de Owen, Nova Lanark
teve falhas, ou pelo menos limitações. Estava longe da auto-suficiência.
Havia vários mecânicos ligados à fábrica, e
alguns pequenos artesãos, como sapateiros e alfaiates na cidade,
mas a comunidade não proporcionava a si mesma mais bens e serviços.
Além disso, faltava uma base agrícola, embora houvesse partilhas
de jardins para quaisquer trabalhadores que quisessem. Também havia
comunidades com refeitórios e lavanderias, mas as mulheres pareciam
se ressentir com isso. A maioria dos empregados eram mulheres e crianças,
de forma que muitos dos homens tinham que encontrar trabalho fora da comunidade.
Havia apenas cerca de vinte gerentes, balconistas, e professores. Todo
o resto eram proletários no sentido lato da palavra, analfabetos
ou semi-analfabetos, com nada para vender exceto sua força de trabalho.
As escolas eram uma questão diferente. Aqui Owen tinha carta branca
para fazer tudo que pretendia, apenas limitado pelas dificuldades dos
primeiros anos do século XIX para encontrar professores capazes
ou dispostos a levar a cabo suas idéias. Owen acreditava que as
crianças não deveriam ser aborrecidas com livros, mas ensinadas
por uma sinalização sensata e pela conversa familiar. O
interesse natural da infância formava a base de seu método
educacional. As crianças aprendiam jogando, dançando, brincando,
cantando, e participando de "exercícios militares" (que
nós chamaríamos de calistenias). Owen era um adepto
apaixonado da dança, e os visitantes ficavam fascinados em ver
as crianças dançando em seus saiotes escoceses, seus vizinhos
escoceses presbiterianos ficavam enfurecidos por ele permitir os pequenos
meninos dançar "sem calças compridas" como pequenas
meninas. As danças noturnas para adultos era uma parte muito importante
da disciplina social e da terapia de Owen, uma prática que aparentemente
foi entusiasticamente bem recebida pelos trabalhadores, não há
qualquer dúvida de que as conferências eram racionalistas,
utilitárias, e radicais.
Embora Nova Lanark ganhasse dinheiro, freqüentemente outras empresas
similares o perdiam, por duas vezes Owen achou necessário reorganizar
os negócios e mudar seus sócios. Eles contestavam as bases
morais (ou mais propriamente imorais) de seus métodos, especialmente
seu deísmo, naqueles dias tendiam para o gnosticismo, e seu desdém
pela religião organizada atitudes que ele teimou em inculcar
nos seus trabalhadores e nas crianças nas escolas. Tais princípios
foram a causa de grandes problemas em sua carreira, embora de forma interessante,
as objeções cresceram em vez de declinarem. A Era das
Luzes desapareceu na Inglaterra sendo substituída por aquilo
que mais tarde seria chamado de Era Vitoriana. Na reorganização
final, ele foi capaz de afiançar apoio de vários radicais
ingleses, inclusive Jeremy Bentham.
Na medida em que crescia a fama de Nova Lanark, Robert Owen tornou-se
uma pessoa muito importante e em 1817 ele foi convidado a expor um relatório
na Câmara dos Comuns curiosos por ouvir suas sugestões para
reforma e para a cura do pauperismo. Naquele tempo Owen tinha
levado muito em conta esses problemas e evoluiu para um sistema definido.
Ele compartilhou das idéias de Ricardo e antecipou Marx na construção
elementar de uma teoria envolvendo trabalho e valor. Ele rejeitou a teoria
de Malthus da pressão crescente da população e, por
conseguinte, do seu empobrecimento, o que ocorria era o contrário,
ou seja, a produção capitalista resultava em subconsumo,
daí o empobrecimento da população. Ele aceitou o
aumento fixo no uso da maquinaria mas propôs limitar a difusão
da industrialização, mantendo-a secundária na base
agrícola das pequenas comunidades. Ele também propôs
assentamentos de cerca de mil e duzentas pessoas em granjas coletivas
de cerca de um acre por pessoa. Todos morariam em um edifício grande
na forma de uma praça com um refeitório público.
Cada família teria seu próprio quarto e cuidaria de crianças
até a idade de três anos, depois desse tempo eles estariam
aos cuidados da comunidade, embora seus pais pudessem ter acesso a eles.
Todo trabalho deveria ser cooperativo e a produção comunalmente
compartilhada. Deveria haver pequenas lojas com a melhor maquinaria disponível
e artesãos suficientes para fazer cada comunidade largamente auto-suficiente,
embora certas comunidades pudessem também se especializar na produção
de artigos voltados para o comércio.
Acoplada a esta análise e plano racional havia uma tensão
definida de milenarismo. Owen já estava começando a acreditar
que a sociedade da forma como estava constituída estava condenada
ao desastre e que os métodos capitalistas os quais Marx chamava
de período da acumulação primitiva eram
profundamente maléficos. Ele compartilhou do julgamento de Willian
Blake das tenebrosas fábricas satânicas e chegou a imaginá-lo
como um messias chamando para conduzir o homem a um Novo Mundo Moral.
É extraordinário como suas idéias foram bem recebidas.
Os principais capitalistas, políticos, nobreza, e até mesmo
o Duque de Leading, o pai da Rainha Victoria, se tornaram partidários
entusiásticos. Infelizmente, a convicção de Owen
de que os homens eram amoldados quase que completamente através
do ambiente e que poderiam ser mudados alterando o ambiente em que viviam
estava estreitamente ligado ao seu deísmo racionalista e à
sua hostilidade a todas as formas de religião institucional. Assim,
em uma grande reunião em Londres ele foi expulso e lançado
em uma diatribe anti-religiosa, foi quando perdeu uma grande parte de
seu apoio. É notável considerando a tempestade de
vozes que se elevariam na próxima geração, na plenitude
da reação vitoriana como tantas pessoas, mesmo figuras
importantes do establishment, continuaram apoiando-o, e como muito
desse suporte se estendia além das classes e da linha política.
Seus seguidores não eram de forma alguma um bando de radicais.
Na realidade, Owen, com seu profundo senso de responsabilidade da riqueza,
poder, nascimento, e educação, e sua rejeição
ao "livre empreendimento", pode realmente ser considerado um
dos fundadores do toryismo radical.
Embora Owen encontrasse bastante apoio verbal e um simpático interesse,
ele não encontrou a ação decisiva do Estado ou os
assentamentos que ele ingenuamente parece ter esperado. Foram formados
clubes owenites. Ele ganhou discípulos articulados que promulgaram
suas idéias, e com o passar do tempo o movimento cresceu de tal
forma que duraria três quartos de século. Eventualmente várias
comunidades que encarnavam os princípios das suas determinações
comunais projetadas, da Nova Lanark, ou ambos, foram estabelecidas. A
maioria delas falhou dentro de um ano, mas por mais de uma geração
as comunidades owenites continuaram sendo formadas na Grã-Bretanha.
As que mais duraram foram as de Queenwood e as Blues Spring na Inglaterra,
Orbiston na Escócia, e Ralahine na Irlanda. Essencial à
vida de todas estas comunidades foram suas escolas onde o jovem maleável
seria formado cidadão de um Novo Mundo Moral.
As comunidade owenites conduzem diretamente às aldeias
cooperativas rurais da geração posterior, mas sua maior
influência provavelmente foi na educação. A combinação
especial das idéias de Owen com as idéias do reformador
educacional suiço Pestalozzi estabeleceu o modelo progressista
da educação britânica. Como vimos, um aspecto divertido
era o entusiasmo de Owen pela dança. Aqui Owen parece ter descoberto
instintivamente uma das forças mais importantes para o compromisso
e para a comunidade a orgia. Dançar era quase tão
importante para ele como era para os shakers, pelos quais teve no princípio
certo interesse, e dos quais ele aprendeu mais do que pode ter admitido.
Owen se deu conta da crescente resistência e da crosta férrea
dos costumes na Grã Bretanha. Havia liberdade na América,
e terra ilimitada no Novo Mundo. Seria possível construir o Novo
Mundo Moral, e em uma sociedade aberta, flexível, seria bastante
possível converter, através do exemplo bem sucedido, o país
inteiro em um tempo relativamente curto. Owen decidiu fundar sua principal
colônia dentro ou próxima à fronteira americana. Ele
começou a se retirar da direção da Nova Lanark em
1828 depois de um longo período de atrito com seus sócios,
livre de todas estas conecções, em 1825 foi comprar um local
na América.
Em março ele começou a negociação para comprar
Harmonia por cento e vinte cinco mil dólares toda
a colônia, aldeia, lojas, e terra dos rappites; e
em maio eles se mudaram para sua nova colônia na Pennsylvania, que
se tornou até mesmo mais próspera do que Harmonia tinha
sido. Caracteristicamente, Owen não tomou o cuidado de investigar
suficientemente se os rumores em torno uma endemia de malária em
Harmonia eram verdadeiros.
Owen e seus primeiros colonos tomaram posse em abril trinta mil
acres de terra, uma aldeia completa com cento e sessenta casas, igrejas,
dormitórios, fábricas de farinha, fábrica têxtil,
destilarias, cervejarias, um cortume, lojas de vários ofícios,
mais de dois mil acres cultiváveis com dezoito acres de vinhedos
e pomares, como também pastos e bosques.
Desde o princípio aquele homem que tinha sido tão sagaz,
eficiente, cuidadoso na Nova Lanark parece ter sido acometido por uma
falta verdadeiramente excepcional de bom senso. Ele começou visitando
o oeste dos Estados Unidos, se dirigiu ao Congresso, conheceu o Presidente,
e exibiu um grande modelo de sua futura colônia, que em grande parte
se assemelhava àquela que planejou posteriormente, mas que nunca
construiu, os falanstérios fourieristas. Ele foi ouvido com a mais
séria atenção porque, naturalmente, nos primeiros
anos do último século havia uma esperança generalizada
de que seria possível fazer uma reviravolta radical no desenvolvimento
da sociedade longe do capitalismo industrial que obviamente estava destruindo
tanto os homens como os valores, e propositadamente guiar a sociedade
a uma nova ordem moral de vida cooperativa e coletiva. O capitalismo,
enquanto um sistema social, ainda tinha que desenvolver uma ideologia
e uma propaganda de si próprio, e pelo menos um "consenso".
Muitas das idéias de Owen e de sua terminologia especial derivam,
na realidade, da maçonaria radical.
Em abril de 1825 Owen fez um comovido discurso para Nova Harmonia inaugurando
a Era da Nova Ordem, e afirmou que em pouco tempo o exemplo de
Nova Harmonia converteria o mundo civilizado. Em maio foi adotada uma
constituição inaugurando a Sociedade Preliminar de Nova
Harmonia, com Owen responsável pela comunidade durante três
anos probatórios durante os quais todas as propriedades permaneceriam
sob sua posse. Enquanto isso, ele fez um anuncio nos jornais convidando
todos os homens de boa vontade a vir tomar parte na fundação
da nova civilização! Eles vieram em poucos meses
mais de novecentos deles. Alguns deles convictos owenites. Alguns
eram mecânicos qualificados, muito poucos eram fazendeiros experientes,
a maioria das pessoas sérias eram intelectuais que nós chamaríamos
de trabalhadores do colarinho branco. Não havia gente suficientemente
preparada para operar os muitos empreendimentos deixados pelos rappites
e nenhum esforço sério foi feito para recrutar tais trabalhadores
posteriormente. Embora chegassem colonos às centenas, na realidade,
Owen incrivelmente dedicou-se a fazer mais e mais discursos.
Durante o ano seguinte, foram fundadas mais de dez colônias owenites.
Em New York, Pennsylvania, Ohio, Nashoba, Tennessee, tiveram sua importância
histórica, mas dentro de um ano a maioria já tinha fracassado.
Os líderes mormons podem ter aprendido com os erros de Owen. Eles
sistematicamente recrutam ordenando seus missionários para falar
e converter exatamente aqueles comerciantes e profissionais que necessitam
para manter o auto-sustento da comunidade, com uma base de fazendeiros
e de trabalhadores agrícolas. Eles enviavam seus missionários
para converter os artífices que mais precisavam. Owen fez totalmente
o oposto no que diz respeito a essa política. Ele dava boas vindas
a qualquer um que chegasse. Nova Harmonia era o que hoje seria chamado
de uma "comuna de portas abertas". Logo haveria um grande aumento
na quantidade de maconheiros, vadios, malandros, marotos. Em suas
viagens ele escrevia para seu filho em New Jersey sobre um imenso edifício
comunal, no qual não havia nem trabalhadores nem material de construção,
dando instruções para outros esquemas igualmente visionários
e nada práticos. Seu filho respondeu com um desesperado pedido
por mecânicos e fazendeiros experimentados.
Em janeiro de 1826 Owen foi obrigado a retornar com sua famosa Barca
do Conhecimento, um grupo inteiro de intelectuais, alguns deles
de importância bem considerável que teria sido um crédito
para qualquer universidade européia, entretanto eles não
eram as pessoas necessárias para construir a utopia na fronteira
americana. O mais importante deles foi William McClure, o presidente da
Academia de Ciências Naturais da Filadélfia, o Pai
da Geologia Americana e defensor americano mais ativo do sistema
pestalozziano de educação. Havia outros cientistas
Thomas Say, Gerard Troost, o famoso explorador Lesueur, o educador DArusmont,
Madame Fretageot, e Frances Wright, uma das principais feministas e radicais
de seu tempo. Também havia Josiah Warren, que tinha organizado
uma orquestra e viria se tornar um dos fundadores do mutualismo anarquista,
e que já tinha antecipado muitas teorias que posteriormente se
identificaram com Proudhon.
McClure, DArusmont, e Madame Fretageot imediatamente organizaram
uma escola. Dentro de pouco tempo alguns dos colonos se dividiram para
formar um estabelecimento chamado McCluria, interessado quase que exclusivamente
com educação, ignorando problemas econômicos, agricultura,
e indústria. Em 25 de janeiro eles adotaram uma nova constituição.
Owen retirou-se enquanto ditador. A colônia foi reorganizada
na base de um completo comunismo, com assembléia geral de todos
os sócios, e com a autoridade encarnada em um comitê executivo
de seis pessoas. O trabalho estava longe de ser recompensado por seu valor
à comunidade, mas todos os bens estavam igualmente a disposição
de todos os membros. Owen montou um tipo de caixa pública de dinheiro,
não contrariamente ao que foi feito em Münster, da qual qualquer
sócio poderia tirar à vontade, mas isto foi logo abandonado
pois pessoas sem escrúpulos a esvaziavam diariamente. Dentro de
duas semanas Nova Harmonia obviamente estava desabando, e a assembléia
por voto de maioria implorou para que Owen retomasse a autoridade. Os
piores marotos e preguiçosos se retiraram sob pressão e
um esforço foi feito para a produção nos campos e
lojas. Dentro de um mês outro grupo se retirou. Eles eram principalmente
fazendeiros que vieram com Owen da Grã Bretanha, que contestaram
sua proibição à bebida alcoólica. Eles nomearam
sua colônia de FeibaPeveli, de acordo com um sistema inventado por
um inglês excêntrico, Whitwell, no qual uma cifra representava
a latitude e a longitude de qualquer lugar determinado. New York era OtkeNotive,
e Londres era LafaVovutu.
A fragmentação do estabelecimento continuou com uma nova
constituição em abril, e outras três durante o verão.
Cada cisma foi concordado em algum lugar na propriedade. Sempre que o
ritmo diário das crises alcançava seu cume, a solução
de Owen era fazer um discurso e adotar uma nova constituição.
Em quatro de julho de 1826 ele persuadiu a comunidade a adotar uma Declaração
de Independência Mental que denunciava a religião,
o matrimônio, e a propriedade privada todas estas coisas
conduziram a cismas adicionais e mais sérios. Ao final do ano a
euforia de Owen estava começando a minguar, e no começo
de 1827 grande parte da cidade estava pontilhada de casas e lotes a venda,
e de pequenas empresas e estabelecimentos privados inclusive casas de
gim. Em março oitenta pessoas partiram para começar uma
comunidade perto de Cincinnati. A vida comunal tinha vindo abaixo. As
cozinhas comunitárias, refeitórios, centros de recreação,
auditório, armazéns, e silos foram todos abandonados. A
escola, contudo, continuou e de uma ou de outra forma sobreviveria, era
lá que os colonos remanescentes tomavam suas refeições
e levavam a vida comunitária da maneira como podiam. Deixando seu
filho Robert Dale no cargo, Owen saiu para um tour de palestras, com o
maior otimismo, sobre o desenvolvimento de mais comunidades owenites.
Mas quando ele chegou a New York tomou um navio para a Inglaterra e nunca
mais retornou. A primeira comunidade comunista secular estava morta e
Owen tinha perdido um quarto de milhão de dólares, embora
a maioria das propriedades permanecesse administrada pelos seus filhos.
Foram formadas algumas outras colônias, em locais tão distantes
quanto Wisconsin, então uma selva, mas antes de 1830 todas tinham
deixado de existir. Owen iria se tornar um líder do radicalismo
britânico, um pai fundador do moderno sindicalismo e do movimento
cooperativo, e uma forte influência no desenvolvimento de aldeias
cooperativas britânicas garden cities.
Em sua velhice ele tornou-se espiritualista.
Diante desta crua narrativa da breve vida de Nova Harmonia enquanto colônia
comunista é difícil compreender sua influência e importância
histórica. Owen fez praticamente tudo errado. Ele comprou um assentamento
já montado, de forma que os colonos não tiveram em nenhum
sentido de construir algo para eles próprios. Ele pegava qualquer
um que chegasse, e a maioria desses homens que chegavam tinham pouco ou
nenhum compromisso com suas idéias ou com os propósitos
da colônia. Não havia nenhum vínculo que ligasse seus
membros para que pudessem permanecer juntos. Cada pessoa era uma sua própria
lei, e cada um discordava de cada um nos princípios mais fundamentais
e nas práticas mais ordinárias. Nenhuma tentativa foi feita
para manter os marotos do lado de fora, os excêntricos, e nem mesmo,
a julgar pelos registros, pessoas com sérias doenças mentais.
Não apenas a maioria dos colonos não compartilhava das idéias
de Owen, a maioria dos membros mais valiosos, os trabalhadores e fazendeiros,
antagonizavam suas idéias sobre religião e casamento, idéias
compartilhadas apenas por uma minoria de intelectuais. Os empregados de
Nova Lanark, na Escócia, não eram mais do que isso, empregados,
e a disciplina última era o controle de seu trabalho além
do mais, eles poderiam ser despedidos.
A ditadura de Owen de Nova Harmonia era destituída de poder pelo
seu próprio desejo. Questões de disciplina eram lançadas
em encontros gerais, cujas decisões eram inexeqüíveis.
Muitos dividiram a colônia ou simplesmente a deixaram, mas poucos
foram expulsos. Houveram conferências, concertos, danças,
mas não havia nada que mantivesse os colonos juntos e que os ligasse
a um compromisso como as reuniões confessionais dos grupos religiosos.
Owen introduziu uma espécie de vestimenta que seria o uniforme
da comunidade, mas apenas uma minoria o usou, não havia nenhuma
outra técnica que levasse o grupo a uma auto-identificação.
No momento em que os rappites venderam Harmonia para Owen, os rappites
haviam se tornado uma economia fechada quase auto-sustentada e com um
excedente para o mercado externo que os estava enriquecendo. Owen não
tinha nenhum trabalhador com as habilidades necessárias para operar
as fábricas rappites, e nenhum método seguro que assegurasse
que as pessoas fizessem mesmo o trabalho que se esperava delas.
Contudo, Nova Harmonia não foi um total fracasso. Ela certamente
proveu um exemplo, embora raramente percebido, do que não fazer
na organização de uma comunidade comunalista secular. Mas
também apresentou à América métodos educacionais
que influenciariam profundamente toda educação pública,
pelo menos no Norte, o que contribuiu para que o sistema escolar da Indiana
se tornasse por três gerações o mais progressivo dos
Estados Unidos. Robert Dale Owen entrou na legislação de
Indiana e foi responsável por dar às mulheres casadas o
controle de suas próprias posses e pela instituição
do livre divórcio e alteração das leis de herança
que então prejudicavam as mulheres. Os irmãos de Owen também
tornaram Nova Harmonia um dos primeiros focos de atividade científica.
Em 1839 David Dale Owen foi designado geólogo norte-americano e
Nova Harmonia foi apontada como sede de pesquisa geológica dos
Estados Unidos, tornando-se um fundador do Instituto Smithsoniano. A partir
da Biblioteca e do Instituto Workingmen instituições similares
se espalharam pelo país afora até hoje ainda existe
um deles em São Francisco a partir dessas instituições
se disseminaram as bibliotecas públicas gratuitas.
Apenas duas das muitas colônias afiliadas de Nova Harmonia tiveram
importância histórica: Nashoba, fundada por Frances Wright,
e a sucessão de experimentos conduzidos por Josiah Warren. John
Humphrey Noyes, o líder da colônia Oneida, referindo-se a
Frances Wright, disse: Ela realmente foi a pioneira das mulheres
progressistas. Ela foi não apenas a principal mulher no começo
do comunismo secular, ela foi essencialmente a fundadora do movimento
anti-escravista secular e dos direitos das mulheres. Até mesmo
hoje ela seria considerada uma feminista radical. Seu interesse pelos
rappites de Harmonia precedeu ao de Owen. Ela visitou vários assentamentos
shakers e outros agrupamentos comunalistas, entrevistando seus líderes,
e estudando seus problemas. Ela também viajou pelos estados sulistas
discutindo seus grandes planos com agricultores e políticos. Ela
foi certamente uma mulher extraordinária. Ela esperava estabelecer
uma colônia comunista conduzida por pessoas brancas e por negros
livres, mas formada principalmente por escravos comprados por ela ou doados
por traficantes de escravos, o pagamento da compra dos escravos seria
coberto com metade daquilo que produziriam assim, eventualmente
os escravos estariam comprando sua própria liberdade. Ela acompanhou
Owen em Nova Harmonia, participou da formação da comunidade
e partiu em 1826, antes da desintegração. Ela comprou dois
mil acres, principalmente nos bosques pantanosos do Rio Lobo, a treze
milhas de Memphis, Tennessee, e estabeleceu-se com muitas famílias
de negros, incluindo quinze trabalhadores ativos que ela também
comprou. Também houve um certo número de brancos, entre
eles DArusmont de Nova Harmonia, a família de George Flower,
sua irmã mais nova Camilla Wright, e um comunista vagante, James
Richardson.
No princípio havia apenas duas cabanas, uma para os escravos e
outra para os brancos, Frances e Flower eram os únicos brancos,
mas no curso do inverno desceram outros trazendo uma shaker, Richesson
Whitby. Frances deu de cara com um tempo muito ruim em Memphis, mas quanto
tempo melhorou a terra pode ser limpa. Logo que as plantações
começaram a crescer, ficou evidente que o local estava infestado
pela malária. Frances, exaurida pelo trabalho braçal, pegou
a doença e quase morreu. Ela foi até Nova Harmonia por um
tempo para "respirar um ar melhor". Nova Harmonia, naturalmente,
também estava infestada com malária. Nessa época
ela começou um atribulado relacionamento de amor com Robert Dale
Owen. Enquanto isso ela escrevia e dissertava sobre amor livre, um novo
entusiasmo. Não demorou muito foi descoberta pelos jornais que
estabeleceram ligações de sua defesa do amor livre com a
colônia interracial de Nashoba, e ela se tornou a princesa de
Belzebu. Antes que Frances visitasse seu amigo Lafayette na França,
ela e Robert Dale Owen desceram até Nashoba onde ele esperava viver
uma vida de puro lazer. Owen ficou horrorizado com a pobreza
e a desordem de Nashoba e decidiu ir à Europa com ela. Ele resolveu
os problemas de Nashoba, da mesma forma que resolvia os de Nova Harmonia,
preparando uma nova constituição. Lafayette, Camilla Wright,
e Owen, as pessoas brancas de Nashoba, e William McClure se tornaram os
fiduciários e Frances deu-lhes o título de propriedade,
tudo que ela possuíia e a propriedade dos escravos. Quanto aos
demais, foram convidados a "investir" na aventura doando dinheiro,
propriedade, ou trabalho. Teoricamente os escravos tinham os mesmos direitos
como todo mundo, mas na realidade eles não passavam de escravos.
Noyes comparou-os aos helotes da velha Esparta, com a diferença
de que eles eram submetidos a contínuas dissertações
sobre comunismo, igualdade racial, e amor livre.
Owen e Frances partiram de New Orleans. George Flower partiu, aborrecido,
e Whitby tomou seu lugar. Antes de embarcar, Frances deu conferências
nas quais defendia o amor livre e a miscigenação, segundo
ela, uma mistura das raças se adequaria melhor ao clima do sul.
A imprensa delirou, o público gritava, mas alguns a levaram a sério
e a escutavam. O fato dela não ter sido agredida ou linchada é
uma indicação da compreensão do público americano
nos anos 1820, bem diferente da geração seguinte. Em New
Orleans recrutaram também vários membros negros, entre eles
Mamselle Lolotte, com várias crianças, inclusive uma
filha crescida, Josephine. Mamselle Lolotte assumiu a escola, de
forma que todas as crianças eram tomadas de seus pais e colocadas
sob seus cuidados. Isso provocou um amargo ressentimento nos escravos,
que se tornaram crescentemente antagônicos aos negros livres e aos
de pele mais clara. Whitby e Camilla Wright se casaram e Richardson e
Josephine começaram a viver juntos, e Richardson deu uma conferência
sobre amor livre e miscigenação..
Os extratos do diário da colônia, cheios de coisas como
estas, foram enviados por Richardson para um jornal abolicionista, O
Gênio da Emancipação Universal (The Genius of Universal
Emancipation). Os jornais americanos, britânicos, e
continentais pegaram a história e Nashoba tornou-se um escândalo
internacional. Camilla respondeu atacando publicamente o matrimônio
e declarando que a conduta de Richardson teve a aprovação
de todos em Nashoba. Até mesmo Frances declarou que Camilla e Richardson
haviam agido como tolos. Ela retornou da Inglaterra sem convencer ninguém,
mas veio acompanhada de sua amiga, a senhora Trollope, que planejava visitar
os Estados Unidos em busca de oportunidades empresariais para seu marido,
preferivelmente no oeste, possivelmente no Cincinnati. A senhora Trollope
chegou a Nashoba no Natal e ficou horrorizada com o que viu, cabanas impropriamente
construídas, inatividade, desordem, sujeira, e doença. Além
disso, Camilla estava seriamente acometida por malária. Quando
a senhora Trollope partiu, trouxe Whitby e Camilla consigo até
Nova Harmonia, Richardson separou-se de Josephine e juntou-se a eles.
Frances preparou uma nova constituição, contratou um inspetor
branco, e igualmente partiu para Nova Harmonia. Nessa época ela
e DArusmont se apaixonaram, Frances dissertou em Cincinnati para
algumas comunidades. Ela se tornara uma sensacional conferencista, suas
idéias se tornavam mais radicais na medida em que Nova Harmonia
e Nashoba se desintegravam. Ela e Robert Jennings fizeram um tour
de conferências pelo país; as atividades de Nova Harmonia
passaram a ser divulgadas em The Gazette, com Jennings, DArusmont,
Frances, e Robert Dale Owen produzindo e imprimindo os textos. Eventualmente
transferiram o jornal para New York, renomeando-o como The Free Inquirer.
Nashoba estava desesperadamente desmoralizada. Frances e DArusmont
levaram os escravos para o Haiti e os libertaram. Uma vez livres, inclusive
Mamselle Lolotte, nunca mais se ouviu falar deles. Frances partiu
para outras aventuras. Ela se tornou poderosa no Partido dos Trabalhadores
(Workingmans Party). Camilla morreu logo após perder
seu bebê. Frances e DArusmont foram à França
onde se casaram e tiveram uma filha, Frances Sylvia. Retornaram à
América e Frances, contra a vontade de DArusmont, retomou
suas conferências tornando-se líder no movimento pelos direitos
das mulheres. Eles se desentenderam, DArusmont retornou à
França, e eventualmente se divorciaram. Em 1852 ela escorregou
no gelo em Cincinnati, quebrou o quadril e morreu, provavelmente de pneumonia.
Em apenas cinqüenta e seis anos ela viveu uma das vidas mais significativas
de qualquer mulher na história.
De todas as pessoas notáveis que se associaram à Nova Harmonia,
a mais notável foi sem dúvida Josiah Warren. Se ele tivesse
sido um general, político, ou um capitalista, ele teria sido um
dos americanos mais famosos. Ele era um homem genuinamente universal
músico talentoso com habilidades em vários instrumentos,
oficial qualificado em vários ofícios, importante inventor,
economista, filósofo, e fundador do anarquismo individualista americano
pelo menos enquanto movimento, uma vez que Thoreau era individualista
demais para ser o fundador de um movimento.
Warren nasceu em Boston em 1798 da famosa família Pilgrim. Pouco
se sabe do começo de sua vida, mas em sua adolescência ele
já estava ganhando dinheiro como músico profissional. Aos
vinte casou-se e migrou para Cincinnati, a capital da fronteira, onde
trabalhou com uma orquestra, como maestro e professor de música.
Como gasolina e sebo eram escassos, ele inventou um abajur que queimava
banha que produzia uma iluminação melhor; logo ele montou
uma fábrica de lâmpadas tornando-se um homem moderadamente
bem de vida. Em 1825 ele vendeu a fábrica e acompanhou Owen entre
os primeiros colonos de Nova Harmonia onde se tornou o líder da
banda e professor de música na escola as duas únicas
instituições que deram certo em Nova Harmonia. Ele também
exerceu a função de diagnosticador e conselheiro técnico
geral. Além disso ele foi uma das poucas pessoas na colônia
com algum conhecimento ou prática em mecânica. Sua filosofia
sempre tinha sido a de que o melhor modo para entender um processo era
aprender a fazê-lo. Em Nova Harmonia ele iniciou seu interesse pela
impressão. Em 1827, com a desintegração de Nova Harmony,
ele retornou para Cincinnati. De todos os colonos, ele era o único,
pelo menos em uma posição principal, que parece ter aprendido
qualquer coisa. A maioria deles, como Frances Wright, foram sentenciados
a repetir os mesmos enganos e loucuras em repetidos desastres. Quase todos
os críticos de Nova Harmonia disseram que o que faltava era uma
forte liderança, disciplina, e compromisso um governo forte.
Warren tinha chegou a uma conclusão diametralmente oposta. Nova
Harmonia sofria de um desordenado exercício de liberdade e da instabilidade
da autoridade de Owen. No princípio do like cures like,
ele estava convencido de que a base de todas as futuras reformas precisava
ser a mais completa liberdade individual. O homem busca a liberdade
como o ímã busca o polo ou a água o nível,
escreveu, e a sociedade não pode ter nenhuma paz enquanto
todos seus membros não forem realmente livres. Mas tal
condição não era realizável sob aquela organização
e idéia existente na sociedade. Novas visões teriam que
substituir as visões do passado. Para a futura nova sociedade eram
necessários novos princípios. O primeiro dos quais era uma
individualidade individual. A soberania de todo indivíduo
tinha que ser o tempo todo mantida inviolável. Todo mundo necessariamente
era livre para dispor de sua pessoa, de seu tempo, de suas posses, e de
sua reputação da forma como lhe agradasse mas sempre
às suas próprias custas.
Warren tinha desenvolvido um sistema econômico bem compreensivo
baseado na teoria do valor do trabalho, no princípio adotou uma
interpretação mais rígida, algo como a teoria de
Marx, ou até mesmo como a teoria de Engels da força de trabalho
como algo distinto do trabalho em si onde todo tempo de trabalho
era considerado equivalente. Depois, aprendendo a partir daquilo que era
em certo sentido um experimento científico controlado, ele passou
a acreditar em uma limitada escala de valores baseada na habilidade. Warren
tinha uma mente de cientista e de inventor. Ele pôs imediatamente
em prática as idéias que tinha desenvolvido a partir das
experiências de Nova Harmonia.
No dia 18 de maio de 1827, uma data histórica, ele abriu uma pequena
loja geral na esquina da rua Cinco com a rua Elm em Cincinnati. Ele a
chamou de Equity Store (Loja da Equivalência). Assim que
as pessoas descobriram sua loja ela se tornou o negócio de varejo
mais popular da cidade, ficou famosa por causa de seu método de
computar o preço como uma "loja do tempo". O preço
era baseado no princípio da troca equânime de trabalho, medido
pelo tempo gasto em sua fabricação e trocado por outras
espécies de trabalho. Todos os bens estavam marcados com seu custo
mais elevado, usualmente em quatro por cento. Este foi, incidentalmente,
o primeiro negócio na forma de self-service. O cliente escolhia
o que queria, ia até o balconista, que computava o tempo gasto
em sua fabricação, e o cliente pagava por ele, por exemplo,
dessa forma, "devo a Josiah Warren trinta minutos de trabalho na
carpintaria, John Smith", ou, "devo a Josiah Warren dez minutos
de trabalho de costura, Mary Brown".
Os clientes pediam as coisas que eles precisavam, e que eram postadas
a cada manhã. Os artífices e fazendeiros traziam seus bens
conforme a lista de necessidades e os trocavam por outros bens ou por
notas de trabalho, de acordo com a lista de custo e tempo de trabalho
para todos os artigos relacionados. Além desses simples arranjos
não havia praticamente nenhuma outra regra ou regulamento. A loja
funcionou automaticamente como um mercado cooperativo para compradores
e vendedores e como uma bolsa de mão-de-obra e uma agência
de emprego. A primeira semana movimentou apenas o valor de cinco dólares
em negócios, mas em pouco tempo a loja estava prosperando. A coisa
notável é que os artesãos e profissionais altamente
qualificados estavam dispostos a trocar seu trabalho nesta simples base
de tempo, embora posteriormente Warren modificasse um pouco este seu arranjo.
A loja veio também a funcionar como um sindicato de crédito
sem juros, e empréstimos em trabalho, em mercadorias e eventualmente
em dinheiro, se absolutamente necessário, era feito sem juros e
nenhum outro encargo senão o custo da mão-de-obra aplicada.
Warren pode eventualmente embarcar na aventura de uma cooperativa de propriedade
real, baseada em fundos de trabalho, dinheiro, e custo em tempo. Todas
estas coisas ocorreram quando Pierre Joseph Proudhon, geralmente considerado
como o fundador da anarquia individual, do crédito mútuo,
e da bolsa de mão-de-obra cooperativa, ainda era um menino na
escola. Warren não apenas antecipou Proudhon, como também
foi um pensador e um escritor bem mais perspicaz, e um homem que testava
todas suas teorias pela prática. Marx tinha razão sobre
Proudhon. Ele foi um pensador confuso e um escritor confuso, bem distante
de ser um homem prático.
Depois de três anos da bem sucedida operação da Loja
do Tempo, Warren decidiu que ele tinha provado seu ponto de vista, a experiência
científica tinha confirmado a hipótese, e em 1830 ele encerrou
o negócio e foi para New York trabalhar com Robert Dale Owen e
Frances Wright no The Free Inquirer. Em aproximadamente seis
meses ele retornou a Ohio. Nos próximos anos ele tentou fundar
comunidades que nunca foram iniciadas devido a fatores além de
seu controle. Ele abriu outra loja do tempo em New Harmony,
e paralelamente, produziu lucrativas invenções em impressoras,
culminando com a primeira impressora rotativa. Em 1847 ele assumiu a liderança
de um falanstério fourierista em Ohio, a aproximadamente
trinta milhas de Cincinnati, que ele renomeou de Utopia. Operou durante
aproximadamente quatro anos até que os colonos a venderam com lucro
e migraram para Minnesota, e nunca mais se ouviu falar deles.
Em 1850 Warren transferiu-se para a cidade de New York e uniu forças
com Steven Pearl Andrews, que tornou-se o propagandista chefe dos princípios
de Warren. Estes incluíram a soberania do indivíduo, custo
limite de preço, comércio eqüitativo, e eventualmente
o banco mútuo: em outras palavras, a teoria bem-desenvolvida do
anarquismo individual ou mutualismo que sobreviveria como um pequeno movimento
até o século XX, e que funcionou bem melhor como uma teoria
geral de livre associação do que o sistema semelhante de
Proudhon.
No mesmo ano Warren, Andrews, e outros começaram a comunidade
dos Tempos Modernos, agora chamada de Brentwood, em Long Island,
aproximadamente quarenta milhas de New York. Devido aos princípios
de Warren, é fácil confundir Tempos Modernos com
um desenvolvimento de real-propriedade cooperativa. Cada família
possuía sua própria casa e não havia qualquer forma
regular de governo. Onde Nova Harmonia tinha falhado, devido a sua política
de portas abertas e a longa luta entre a autoridade de Owen contra o partidarismo
de excêntricos e o parasitismo de vadios. Tempos Modernos
de Warren resolveu estes problemas ignorando-os, sem exercer nenhuma autoridade.
Os excêntricos e vadios vinham, mas em pouco tempo iam embora. O
comunismo de consumo foi assegurado por uma "loja do tempo",
mas a colônia nunca pôde alcançar o comunismo de produção
exceto na agricultura. Nunca havia capital suficiente para começar
um negócio industrial próspero. Uma fábrica de papelão
foi experimentada e teve bastante êxito por alguns anos mas foi
descartada no pânico financeiro de 1857. A colônia realmente
nunca morreu, mas lentamente perdeu seu brilho para tornar-se uma aldeia
modelo no subúrbio de New York. Em sua velhice Warren mudou-se
para Boston e lá morreu em 1874 com 76 anos. Na próxima
geração o movimento que ele fundou foi pequeno mas de significante
valor para o radicalismo americano. A voz principal do anarquismo individual
e do mutualismo foi Benjamin R. Tucker, autor de In Place of a Book,
by a Man too Busy to Write One, [Em Lugar de um Livro, por um Homem muito
Ocupado para Escrever Um], a melhor exposição do anarquismo
individual, cujo magazine Liberty durou até o século
XX; os princípio de organização comunitária
de Warren foram adotados em uma forma modificada por várias aldeias
comunalistas tanto na Grã-Bretanha como na América. Associações
bancárias mútuas sobrevivem até os dias de hoje.
Durante os anos 1840, o movimento comunal alcançou um desenvolvimento
que não atingiria novamente até depois da Segunda Guerra
Mundial. Aventuras que davam a si mesmas o nome de comunal foram iniciadas
a uma taxa de pelo menos cinco a dez a cada ano. A maioria delas tiveram
uma vida extremamente curta, e muitas, por exemplo, Amos Bronson Alcott,
realmente não eram comunas coisa alguma, mas uma espécie
de comunidade empobrecida ocupada por um punhado de excêntricos.
Foi uma década de fermento revolucionário ao longo do mundo
Ocidental, um tempo descrito por Marx e Engels como mais um terrível
capítulo da primitiva acumulação de capital. Quando
as fábricas satânicas chegaram com sua força total,
os seres humanos civilizados recuaram em todos os lugares com ira e horror
diante das conseqüências da primitiva industrialização,
a resposta dada pelos economistas e filósofos foi de que a liberdade
individual desenfreada garantiria que a miséria de cada um resultaria
no bem de todos. Em 1848 a revolução varreu a Europa. Mas
as classes governantes se amedrontaram; e permitiram que os movimentos
de reforma conquistassem alguns de seus objetivos lentamente, um a um.
Nos Estados Unidos, pareceu durante algum tempo que o sonho americano
de uma sociedade cooperativa livre poderia prevalecer. Essa esperança
foi encarnada claramente no trabalho de Walt Whitman. Entre os transcendentalistas
da Nova Inglaterra e nas franjas do movimento abolicionista as demandas
para mudanças que se espalhavam na sociedade pelas roupas, relações
sexuais, governo, economia, educação, e a total reversão
de valores foram universal e trivialmente aceitas pela primeira intelligentsia
radical da América. (Os pais fundadores eram cavalheiros intelectuais
radicais).
A partir do pânico de 1837, uma série de crises econômicas
desencadearam um ciclo de crescimentos e colapsos que duraram
até a Guerra Civil. A instabilidade econômica e a luta crescente
em cima da escravidão intensificou o senso da crise e alienação,
não apenas entre os intelectuais, mas espalhou-se por toda a população.
O Segundo Império de Louis Napoleon, com seus gestos primitivos
por um Estado corporativo, abortou o movimento revolucionário na
França. Na América a Guerra Civil encerrou o tempo de esperança
revolucionária, mas também freqüentemente se esquece
em nossos dias que os intelectuais, os radicais, e os abolicionistas não
apenas entraram na Guerra Civil pensando que se tratava de revolução,
como saíram dela pensando que tinham ganho. Whitman não
foi a única pessoa que teve que aprender lenta e dolorosamente
que o sonho americano não ia se realizar em sua vida e nem possivelmente
na vida de ninguém. A América não lutou duas ou três
grandes guerras, cada uma delas das mais sangrentas da história,
para salvaguardar o mundo democrático. É importante compreender
que a radicalização de grandes seções da população
educada e do proletariado qualificado foi pelo menos intensa e disseminada
proporcionalmente de forma similar ao movimento dos anos 1960. A maioria
das idéias tão populares no período posterior parte
da ideologia aceita no período anterior.
Brook Farm deve sua importância histórica ao fato de que
não foi uma experiência de excêntricos obscuros, ou
de que a maioria das pessoas chamaria de fanáticos religiosos.
Brook Farm foi uma tentativa cuidadosamente desenvolvida para escapar
do controle da sociedade dominante, por membros representativos da elite
intelectual.
No verão de 1841, o Reverendo George Ripley, que era então
editor do The Dial, e membro do Clube Transcendental,
e um recente apóstata da Igreja Unitária (ele achou seu
dogmatismo vestigial muito estreito), propôs no círculo dos
Transcendentalistas de Boston a fundação de uma sociedade
comunal. O projeto seria financiado pela venda de ações
a cem dólares cada unidade. Cada acionista se tornaria membro.
Ripley visitara os shakers e outras comunidades religiosas e tinha entrevistado
particularmente os membros de Nova Harmonia e outras comunas seculares.
Ele esperava evitar os enganos que tinham conduzido ao fracasso e incorporar
em uma base secular aqueles métodos que tinham produzido sucesso.
Os colonos combinariam em cada membro tanto o trabalho mental como o trabalho
físico. Inicialmente todo mundo trabalharia na fazenda, na loja
de ofícios e na pequena fábrica, onde se esperava que se
desenvolvessem, compartilhando tudo no trabalho doméstico da cozinha,
limpeza, e cuidado das crianças. Uma das ostentações
mais orgulhosas de Ripley era a de que eles tinham abolido a servidão
doméstica. . . fazemos tudo livremente por amor aos deveres
que são normalmente descarregados nas empregadas domésticas,
uma declaração cuja ingenuidade indicava a composição
de classe de seus membros. Todo trabalho (físico ou mental) seria
pago a uma taxa de um dólar por dia tanto para homens como para
mulheres. Moradia, combustível, roupa, e comida, tudo era produzido
na fazenda ou comprado cooperativamente para racionalizar os custos.
Como na maioria das comunas seculares, havia uma forte ênfase na
reforma radical da educação, com perfeita liberdade
de relacionamento entre os estudantes e o corpo pedagógico.
Não havia nenhum momento de estudos rígidos e o tempo das
crianças era dividido entre escola, trabalho nos campos ou em casa.
No curso dos eventos, a colônia atraiu fazendeiros experientes,
carpinteiros, sapateiros, impressores, como também vários
professores. Inicialmente os diretores agrícolas foram Charles
A. Dana e Nathaniel Hawthorne, nenhum dos quais sabia nada sobre cultivo
e para os quais o trabalho físico era tão exaustivo que
tornava o esforço intelectual impossível.
No princípio havia apenas vinte membros. A maioria deles principalmente
transcendentalistas, exceto John S. Dwight, Minot Pratt, George
Partridge; Bradford e Warren Burton que estavam entre os acionistas originais,
eram cépticos; Ralph Waldo Emerson permaneceu antagônico
até o fim, ele se referia à Brook Farm como um
perpétuo piquenique, uma miniatura de Revolução Francesa,
uma Idade da Razão em uma panela de empanada, uma declaração
completamente injusta. A maioria das pessoas se conhecia mutuamente antes
de vir para a fazenda, e embora o evangelho do transcendentalismo
uma combinação de secessão radical de unitarianismo
e universalismo misturados com evolucionismo, monismo, pragmatismo,
humanismo, e um interesse no recém descoberto misticismo da Índia
pudesse nos parecer amorfo demais para inspirar um compromisso
de fé, não parecia assim para eles.
Para o fazendeiro puritano da vizinhança, Brook Farm era uma iniquidade
secreta, uma Babilônia plantada em seu meio. Para os colonos que
vieram das bases congregacionalistas, os membros de sua própria
categoria pareciam totalmente irreligiosos. Eles jogavam croque ou iam
a piqueniques no sabbath, e as sócias femininas mais soltas
igualmente tricotavam e cozinhavam. O próprio Ripley era um homem
intensamente religioso com bastante sabedoria conquistada pela sua experiência
pastoral. Ele era imperturbavelmente bem humorado diante de contenções
e frustrações entre seus seguidores. Seu modo tranqüilo
parecia emanar um poderoso e forte carisma suficiente para unir a colônia
e mantê-la em um curso seguro.
No princípio havia apenas vinte sócios e nunca mais do
que oitenta, mas aqueles que ficavam trabalharam juntos com entusiasmo
e um mínimo surpreendente de pugnacidade. Brook Farm poderia dizer
que não era comunista, mas um empreendimento cooperativo, contudo
os aspectos cooperativos eram largamente administrativos, e a pequenez,
coesão, e entusiasmo fizeram dela, na realidade, uma comuna. Economicamente
Brook Farm nunca se tornou auto-sustentada mesmo na agricultura
muito menos lucrativa; mas a diferença estava na escola,
que alojou estudantes de fora, e que tornou-se não apenas bem sucedida
e lucrativa como também produziu uma quantidade considerável
de pessoas famosas, como George William Curtis, Father Isaac Hecker, o
fundador dos Paulist Fathers e um dos primeiros Católicos
Modernistas, General Francis C. Barlow, e um grande número
de adultos sensatos, que consideraram os dias escolares passados em Brook
Farm como os dias mais felizes de suas vidas.
Embora Brook Farm estivesse no limite entre uma colônia religiosa
e uma colônia secular, e embora seus sofisticados sócios
estivessem longe de ser supersticiosos, "primitivos", ou dogmáticos
em suas convicções, a filosofia administrativa era certamente
milenária. Em suas primeiras conversações com Channing,
Ripley falou de seu fracasso como ministro porque sua congregação
vivia uma vida nos domingos e outra, manifestamente em desafio aos princípios
cristãos, nos dias da semana. Ele queria, como dizia um velho hino,
uma sociedade de perpétuos Sabbaths. Com os planos para
a colônia amadurecidos, Ripley, Elizabeth P. Peabody, e Margaret
Fuller começaram a falar no The Dial sobre Brook Farm
em termos tipicamente milenares como uma comunidade apostólica
modelada na vida de Jesus e de seus discípulos. Mais adiante, sairia
das cidades condenadas e estabeleceria uma comunidade de amor para fixar
um exemplo para o mundo em resumo, um remanescente salvo.
Hawthorne achou o trabalho muito duro e foi embora. Ele tinha ido para
lá na esperança de encontrar um local sossegado para poder
escrever. Outros se ofenderam com aquilo que consideravam irreligião
ou paganismo. Os colonos que realmente ficaram parecem ter encontrado
um perpétuo sabbath. Eles trabalharam duramente durante
o dia e o resto do tempo era gasto em brincadeiras e auto-instrução.
Pela noite havia entretenimento musical, discussões, e danças,
ou pessoas caminhando nove milhas de Brook Farm até Boston para
participar de concertos e conferências. Em parte talvez por causa
da permanente doçura do temperamento, tão distante da maioria
dos maiores líderes carismáticos, que emanava de George
Ripley, Brook Farmer estava mergulhada em um contínuo bom tempo.
A colônia tinha uma base familiar e a maior parte das relações
pessoais já tinha sido estabelecida anteriormente. Parece que houve
uma certa dose de amor livre, como depois viria a ser chamado, mas não
tanto quanto seus críticos hostis imaginaram. Os problemas sexuais
aparentemente nunca tiveram um papel de muito destaque. Os membros também
modificaram os hábitos dos vegetarianos. Verdadeiros bostonianos,
eles se recusaram deixar de colocar um pedaço de carne de porco
para cozinhar junto com o feijão, e matavam e comiam os coelhos
que invadiam suas colheitas. Os homens usavam um pequeno boné,
uma espécie de blusa, e calças compridas, e as mulheres
saias curtas e pantalonas.
Comparado com Nova Harmonia de Owen, Brook Farm parece ter se livrado
dos excêntricos e dos chatos mais ultrajantes. O Blithedale
Romance de Hawthorne dá uma falsa impressão. É
óbvio que ele ficou enfurecido diante do feminismo das principais
sócias, especialmente Margaret Fuller, sua peculiar "Zenobia".
Igualdade sexual provavelmente perturbava mais os intelectuais masculinos,
visitantes, noviços, ou postulantes, do que cozinhar no sabbath
perturbava as mulheres.
Até mesmo na escola, a colônia sempre operou com uma leve
perda, resolvida por contribuições e pela compra de partes
adicionais pelos seus sócios e seus amigos. Houve um excesso comerciável
de produtos da fazenda, mas não era o bastante, e as "fábricas"
projetadas realmente nunca saiam do chão.
Em 1844 Ripley converteu-se ao fourierismo; e depois de prolongada
discussão, a colônia se transformou em um falanstério
fourierista com o rígido e burocratizado departamentalismo
planejado por Fourier para uma colônia de duas mil pessoas, mas
totalmente inadequado para os Brook Farmers de setenta. A sociedade se
abriu para qualquer um que se considerasse fourierista. A sociedade
original lentamente recusou o importúnio dos chatos e vadios que,
felizmente, raramente ficavam muito tempo. Mas durante dois anos a maior
parte do excedente do trabalho e do tempo foi dedicado à construção
do edifício central de um falanstério planejado com dormitórios
e apartamentos, auditórios, salas de aula, local de reunião,
espaço de recreação comunitária e refeitórios.
Em 2 de março de 1846, foi completado, e a colônia juntamente
com todos seus amigos se reuniram em uma celebração. Naquela
noite o edifício foi completamente destruído por um incêndio.
Brook Farm nunca se recuperou. O desastre parece ter destruído
tanto a moral dos colonos como os arruinaram financeiramente. Brook Farm
lutou por algum tempo, mas "o empreendimento enfraqueceu, chamejou,
diminuiu, e expirou", a terra e os edifícios foram vendidos
em leilão no dia 13 de abril de 1849, contemporaneamente com a
consolidação do poder de Louis Napoleon na França
e a agonia das últimas brasas da Revolução de 1848
na Europa.
Emerson transpirava desdém e Hawthorne amargura, mas registros
indicam que quase todos os Brook Farmers que participaram da colônia
tinham uma visão diferente. Eles formaram uma associação
para ex-membros e compraram um acampamento ao pé do Monte Hurricane
em Adirondacks, que deram o nome de Summer Brook Farm, e a cada ano eles
se encontravam para viver novamente a vida de Brook Farm. Sessenta anos
depois os velhos sócios sobreviventes ainda freqüentavam o
acampamento.
François Marie Charles Fourier nasceu em 1772 e morreu em 1837. Sua família
perdera sua modesta riqueza na Revolução Francesa e a vida
de François consequentemente foi condicionada por um senso de injustiça
e de má distribuição da riqueza. Atrás jazia
o feudalismo que em seus melhores dias tinham sido funcionais, enquanto
ordenando a sociedade, mas que se desgastaria na desmoralização
e na desorganização no começo da era industrial,
o período da primitiva acumulação de capital, segundo
Marx.
Fourier, mais do que qualquer outro socialista utópico, tentou
resolver todos os problemas da sociedade pela construção
de um elaborado e detalhado sistema no qual toda pessoa, atividade e coisa
teria seu lugar, e toda contingência seria antecipada. Ele acreditava
que o desenvolvimento completamente livre do homem e a indulgência
desenfreada de todos os desejos e apetites necessariamente produziria
um homem bom e uma boa sociedade, e que o vício e o mal eram resultados
de restrições à liberdade para uma completa auto-satisfação
a forma mais extrema de otimismo social. O homem era naturalmente
bom porque ele trazia dentro de si uma harmonia moral fundamental, o reflexo
da harmonia no universo. Seu homem natural era consideravelmente
mais natural do que o homem concebido por Jean Jacques Rousseau, mas ele
propôs libertá-lo por meio da mais rígida organização
de sociedade. Naturalmente, a suposição era que uma vez
montada uma comunidade modelo desta sociedade, que apenas Fourier sabia
como construir, ela proveria uma atratividade tão imensa que seria
adotada universalmente dentro de um tempo bem curto.
A sociedade seria dividida em falanges, ou como normalmente elas foram
chamadas na América, falanstérios ou falanxes,
com edifício comum, conjuntos residenciais de mil e seiscentos
a mil e oitocentos indivíduos, aproximadamente três milhas
quadradas de terra agrícola, divididos em campos, pomares, e jardins
Fourier era mesmo apaixonado por frutas e flores. A população
seria dividida em grupos de pelo menos sete pessoas, com dois grupos em
cada ala, dois representando os fluxos ascendentes e descendentes de gosto
e habilidade, e três no centro para o equilíbrio. Pelo menos
cinco grupos formariam séries, novamente com centro e alas. Haveria
séries para toda ocupação concebível, e os
sócios poderiam se movimentar livremente de um lado para outro.
Cada pessoa poderia trabalhar não mais que uma hora ou duas entre
quaisquer séries, de forma que tudo acharia cumprimento completo.
O trabalho desagradável como remoção de lixo seria
executado por batalhões júnior de crianças que seriam
encorajadas a achar tarefas como limpar privadas uma grande diversão.
Cada família teria um apartamento separado no falanstério
que também teria um centro e duas alas, e haveria teatros, salas
de concertos, bibliotecas, refeitórios comunitários, câmaras
de deliberação, escolas, berçários, armazéns,
e seminários, e na praça central seriam reunidos grupos
a cada manhã e marchariam ao seu trabalho tocando música
e tremulando bandeiras. As falanges seriam financiadas em parte pela venda
de ações, mas nem todo sócio precisa ser um acionista,
nem todo acionista um sócio. O trabalho seria pago e o trabalhador
teria encargos com aluguel e outras despesas. Ao término do ano
seriam divididos os lucros da falange, cinco décimos para o trabalho,
quatro décimos para o capital e três décimos para
habilidades. Sete oitavos dos sócios seriam fazendeiros e mecânicos,
e os profissionais restantes, artistas, cientistas, e capitalistas. Não
haveria nenhum descontente ou discriminado, uma vez que todos os papéis
seriam rotatórios e intercambiaveis. Haveria uma chancelaria
do tribunal do amor, e corporações do amor, e
um sistema extraordinário de poligamia organizada. Não apenas
sexo, mas comida e todos os prazeres sensuais, tudo seria organizado para
dar o máximo prazer.
Fourier não apenas se limitou a reorganizar a sociedade. Sua utopia
achou seu lugar em uma fantástica cosmologia. As estrelas e planetas
são animais como nós mesmos, pensava. Eles nascem, acasalam,
envelhecem, e morrem como nós. A vida comum de um planeta é
oitenta mil anos, metade gasto ascendendo vibrações e metade
descendo; há trinta e dois períodos da terra dos quais estamos
agora no quinto. Quando alcançarmos o oitavo, a Grande Harmonia
será consumada, e os homens cultivarão rabos, com olhos
na ponta. Os corpos mortos serão transformados em perfume interestelar.
Surgirão seis novas luas. O mar se transformará em limonada,
todos os animais ferozes e insetos nocivos serão transformados
em doces e gentis anti-leões, anti-ratos, e anti-bichos. Então
as falanges, alcançando o número exato de 2.985.984, se
esparramará por sobre toda a terra tornando-se uma grande comunidade
de amor, governada por um omniarca, três augustos,
doze cesarinas, quarenta e oito imperatrizes, cento e quarenta
e quatro califas e quinhentos e setenta e seis sultões.
Nos anos posteriores Fourier publicou anúncios nos jornais, dizendo
que estaria diariamente em casa a uma determinada hora do dia para se
encontrar com os interessados, qualquer capitalista que quisesse investir
no futuro acharia uma falange, e possivelmente se tornaria um sultão
ou um califa. Ninguém veio, mas com o tempo começou a se
formar um pequeno grupo conduzido por Victor Considerant, que em 1832
lançou um movimento fourierista com o jornal, Le Phalanster,
que circulou sob vários nomes até que foi suprimido por
Louis Napoleon em 1850. Uma comunidade foi estabelecida em 1832 perto
de Paris, mas falhou quase que imediatamente. Depois não houve
nenhuma tentativa de qualquer importância na França. Fourier
era patentemente louco, mas Considerant não era. Os fourieristas
tiveram o cuidado de não enfatizar os mares de limonada e os homens
com olho no rabo. Em vez disso eles contrastaram a combinação
de planejamento detalhado, vidas de alegria, maravilhas, e prazer sensual,
prometido pelas falanges de Fourier, com as utopias frígidas, trabalhadoras,
puritanas, de seus competidores.
Associado com Considerand estava o jornalista americano Arthur Brisbane
que voltava aos Estados Unidos dando início a uma ativa propaganda
por conferências e artigos. Em 1848 ele publicou The Social
Destiny of Man, uma exposição simples e lógica
das idéias praticáveis concebidas por Fourier, purgando
qualquer coisa que pudesse indicar a loucura de Fourier. O livro chamou
a atenção de Horace Greeley, editor de The New Yorker;
e em 1842, quando Greeley tornou-se o editor de The New York Tribune,
ele deu a Brisbane uma coluna regular no jornal e, além disso,
uma considerável publicidade para o que Brisbane tinha batizado
de associacionismo em notícias e editoriais. Greeley assumiu
uma plataforma de conferências e finalmente empenhou suas posses
à associação. Brisbane lançou uma revista,
The Phalanx, que fora absorvida pelo The Harbinger quando
Brook Farm se converteu ao fourierismo.
A conversão dos Brook Farmers e de seus sócios ao fourierismo
deu ao movimento um prestígio e uma respeitabilidade intelectual
que nunca tiveram na França, onde qualquer versão expurgada
de suas doutrinas seria comparada com o trabalho original de seu mestre.
George Ripley, Charles A. Dana, John S. Dwight, William Henry Channing,
T.W. Higginson, James Russell Lowell, John Greenleaf Whittier, Margaret
Fuller, William Cullen Bryant, na realidade, quase todos os intelectuais
da Nova Inglaterra e transcendentalistas exceto Emerson e Thoreau,
escreveram para The Harbinger. Outros documentos fourieristas
floresceram nos próximos anos.
O movimento também juntou muitos abolicionistas e, pelo menos
durante algum tempo, quase todos os socialistas primitivos. Sua indústria
cooperativa era uma resposta à escravidão do bem móvel
e a humilhação crescente do proletariado pelo sistema industrial.
O advento do fourierismo na América aconteceu coincidindo com um
longo período de depressão econômica e com tensões
sociais crescentes que culminariam na Guerra Civil. O fourierismo tornou-se
uma moda que os líderes acharam difícil controlar. Em vários
locais entre pelo menos quarenta e cinqüenta falanstérios
foram iniciados nos anos seguintes. Destes apenas seis sobreviveram por
mais de um ano, e apenas três por mais de dois anos.
Freqüentemente multidões de cem ou mais colonos marchavam
com bandeiras tremulando ao som de música nas florestas, ou ocupavam
fazendas abandonadas pelas quais pagavam altos preços. O primeiro
dia começava com um piquenique, e terminava em dança, bebida,
e o cumprimento dos parcours de Fourier, o consentimento
de todos os prazeres sensuais em felicidade perfeita. Em poucos dias,
quando as provisões começavam a acabar, a habilidade para
o necessário reabastecimento era pequena, e a disposição
mais pequena ainda. Logo a competição pelo pouco ainda disponível
parecia pior do que no mundo que tinham deixado, e eles começavam
a disputar entre si e a acusar uns aos outros de roubo. Algumas colônias
duraram apenas algumas semanas, deixando seus principais membros seriamente
endividados. A tendência por comprar tanta terra e tão pesadamente
hipotecada quanto possível foi quase que universal, e os compradores
raramente conseguiam distinguir sinais de malária e areia estéril
de terras agrícolas. O compromisso para a Nova Harmonia de Owen
tinha sido bastante fraco. Mas nas abortivas falanges era praticamente
inexistente. Qualquer um que se excitasse lendo a imprensa fourierista
era admitido.
Quase todas as colônias começaram com uma completa política
de portas abertas. Não houve nem sequer a tentativa de garantir
o equilíbrio das ocupações, com as ferramentas, e
fazendeiros necessários a qualquer comunidade funcional, mas as
falanges, como Nova Harmonia, atraíram uma classe específica,
uma casta de déclassés que passaram a existir junto com o próprio
capitalismo os boêmios. Foram chamados de boêmios as
pessoas que desfrutavam os luxos do rico sem dar a mínima para
as necessidades do pobre. O colapso das velhas funções da
sociedade tinha produzido um grande número de super-educados, sub-educados,
técnicos, profissionais, todos desempregados que não conseguiram
encontrar vaga na sociedade que imaginaram poder participar, o que os
tornara crescentemente alienados. Eles não puderam partilhar de
qualquer satisfação na sociedade dominante, e esperavam
encontrar um objetivo na vida e um papel significante em uma sociedade
alternativa. Mas as demandas de tal comunidade eram até maiores
que essas da sociedade dominante, assim eles foram, com poucas exceções,
condenados a uma decepção e a uma desmoralização
ainda maior.
A mais bem sucedida colônia fourierista foi a North American Phalanx,
fundada em 1843 perto de Red Bank, New Jersey. Os fundadores foram um
grupo de fourieristas de Albany, New York, que discutiram a possibilidade
de organizar a comunidade durante algum tempo, tornando-se bem familiarizados
com o assunto. Depois de uma considerável análise, eles
selecionaram um local de cerca de setecentos acres com pasto e bosque,
mas na maior parte cultivada, e com duas casas de fazenda. Em agosto de
1843 eles convocaram uma convenção, adotaram uma constituição,
e levantaram um capital inicial de oito mil dólares. Embora a constituição
fosse em grande parte um manifesto ideológico, também havia
uma quantia considerável de organização prática.
Durante o final do ano, as primeiras famílias ocuparam as casas
da fazenda e começaram a construir um grande edifício dormitório
para o corpo principal que viria na primavera; em adição
eles continuaram fazendo tudo o que era necessário, arando e semeando.
Durante o ano de 1844 cerca de noventa pessoas estavam no assentamento,
plantando e eventualmente fazendo colheitas, construindo oficinas e fábricas,
e desenvolvendo os detalhes da organização prática.
A sociedade foi limitada àquilo que o projeto podia suportar, os
candidatos eram cuidadosamente escolhidos e passavam por um período
probatório de um ano, precedido por um período de trinta
a sessenta dias de visita. North American era algo mais do que
uma comuna de portas abertas.
Com o tempo, o tipo original de organização e o complicado
sistema de pagamento de salários e distribuição de
lucros resultou mais em uma economia comunal do que no puro fourierismo.
Demorou algum tempo para desenvolver os detalhes da organização.
Um membro disse que as reuniões dos primeiros cinco anos "eram
em grande parte em cima da legislação". Ao contrário
de qualquer outra falange, eles dispunham de tempo. Os membros estavam
mais unidos. Eles tinham dinheiro. Eles não estavam ameaçados
de falência. No princípio, a propriedade valia vinte e oito
mil dólares, com aproximadamente dez mil dólares em dívida
descoberta. Em novembro de 1852 a propriedade estava estimada em oitenta
mil dólares, com uma dívida descoberta de cerca de dezoito
mil dólares e aproximadamente cento e sete mil dólares creditados
no nome de cada pessoa, homem, mulher, criança, ou cento e doze
sócios. Para chegar até esse ponto eles tinham trabalhado
duro. Nunca houve tempo para os constantes piqueniques, concertos, e conferências
característicos de Brook Farm. A vida em North American
permaneceu espartana até o fim. Em parte isso ocorreu devido à
influência do shakerismo em alguns de seus líderes.
Em setembro de 1854 um incêndio destruiu a fábrica de farinha
e eventualmente destruiu os armazéns e oficinas. Havia apenas dois
mil dólares em seguro e os sócios calcularam a perda total
em mais de vinte mil dólares. Foi chamada uma reunião dos
acionistas para levantar novos fundos. Em vez de votarem para dissolver
a colônia. A maioria dos acionistas nesta época havia se
tornado membros ausentes. Algumas pessoas apareceram apenas no ano seguinte,
quando a propriedade já tinha sido vendida.
Se não fosse pelo fogo, a North American poderia continuar
existindo indefinidamente. O atrito dos anos tinha deixado uma comunidade
de pessoas que estavam contentes com uma utopia de baixo nível
e de trabalho duro, levando a vida, e quase nenhuma satisfação
intelectual ou estética. Sócios não eram admitidos
a menos que estivessem preparados para fazer trabalho ordinário
ou agrícola. Pessoas com habilidades profissionais desanimaram.
A colônia conseguiu uma impressora de boa qualidade e pretendeu
estabelecer um jornal ali mesmo, mas nunca conseguiram atrair mecânicos
altamente qualificados, sempre que precisavam tinham que contrata-los.
A despeito disso, a maioria dos colonos, mais especialmente as crianças,
se lembram dos anos do North American com prazer. Muitos dos sócios
migraram para a colônia Victor Considerant no Texas, que na realidade
nunca começou, e outros se espalharam por uma variedade de comunidades,
todas elas de vida curta.
A falange de Wisconsin foi quase tão próspera quanto a
North American. Os membros originais, a maioria residente no Município
de Racine, Wisconsin, eram homens excepcionalmente estáveis e práticos
sob a forte liderança de Warren Chase, que parecem ter sido
como muitos outros fourieristas, incluindo muitos em Brook Farm
um swedenborgiano, e depois um espiritualista. A comunidade
começou sem dívidas, em dez lotes de terra perto de Green
Bay. Os primeiros vinte pioneiros passaram o verão plantando vinte
acres de colheitas para a primavera e cem acres de trigo de inverno, ergueram
três edifícios com residências para oitenta pessoas,
montaram uma serraria, celeiros, e outras edificações. Dentro
de um ano eles tinham juntado três edifícios em um falanstério
de duzentos pés de comprimento, construiram um prédio escolar
de alvenaria, fábrica de mate, represa, uma oficina grande, lavanderia,
galinheiro, e um depósito de ferramentas, eles avaliaram sua propriedade
no valor de quase vinte e oito mil dólares. No ano seguinte tiveram
oitocentos acres em colheitas, mas admitiram apenas um novo sócio.
A falange Wisconsin teve um sucesso atrás do outro, muito provavelmente
devido à solidariedade e ao compromisso dos sócios e a exclusão
dos excêntricos, chatos, e vadios para cada novo membro havia
uma centena de candidatos. Tudo era feito sistematicamente. A colônia
como um todo foi incorporada e o falanstério foi incorporado como
uma cidade. Embora parecessem imunes a brigas e partidarismos, em dezembro
de 1849, na plenitude de seu sucesso, os sócios votaram pela dissolução,
a propriedade foi vendida, principalmente para os sócios, e dividida
em pequenas aldeias, sendo distribuídos os lucros da venda, que
foram consideráveis. John Humphrey Noyes resumindo a breve história
da falange de Wisconsin disse: Em geral, o veredicto do juiz neste
caso deve ter sido Morta, não devido a algum desastre
comum nas associações, como pobreza, dissensão, falta
de sabedoria, moralidade, ou religião, mas por deliberado suicídio,
por razões não completamente descobertas. O
comunalismo e as idéias de Fourier parecem ter sido apenas uma
técnica, perfeitamente executável, por qualquer grupo de
homens práticos que juntamente com suas famílias desbravem
quatro milhas quadradas de terra agrícola de boa qualidade numa
fronteira, trabalhem essa terra, e a vendam com lucro.
Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão
de Kenneth Rexroth Trust.
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