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Comunalismo
Das Origens ao Século XX
19. Étienne
Cabet
20. Huteritas
Novamente
EPÍLOGO
Comunalismo Pos-Apocaliptico
Étienne Cabet nasceu em 1788,
um ano antes da queda da Bastilha. Durante os primeiros quarenta anos
de sua vida ele foi um típico jacobino radical da geração
pós-revolucionária, intocado pela desilusão do velho
homem cuja infância e mocidade foram vividos sob o Terror,
o Diretório, e o Império Napoleônico.
Em 1820 em Dijon, passando por cima da lei tornou-se diretor de uma organização
revolucionária conspiratória francesa, a Carbonari. Na Revolução
de 1830 ele era membro do Comitê de Insurreição. Louis
Philippe designou-o como Advogado Geral de Córsega, mas foi demitido
por seus ataques ao governo em seu livro Histoire de la révolution
de 1830, e em seu jornal Le Populaire. Ele retornou a Dijon
e foi eleito deputado, quando foi acusado de lèse-majesté sendo
condenado a dois anos de prisão e cinco anos de exílio.
Ele foi para Bruxelas, foi expulso, e emigrou para a Inglaterra onde se
tornou discípulo de Robert Owen.
Na anistia de 1839, Cabet volta
à França e no ano seguinte publica uma história da
Revolução Francesa, e Voyage en Icarie, uma semi-ficção
que descreve uma sociedade comunista, considerada por ele como uma versão
moderna da Utopia de Thomas More, aperfeiçoada
pelas teorias econômicas de Robert Owen. Não há nada
particularmente original ou excitante nos planos de Cabet em torno de
uma nova sociedade, mas da mesma forma que na Utopia de More,
Voyage en Icarie dispara uma crítica devastadora à
ordem social contemporânea que provavelmente representava,
para Cabet, a parte mais importante. Seu sucesso deve tê-lo pasmado.
Tornou-se um best-seller, lido ou pelo menos comentado por quase que todos
os radicais trabalhadores e intelectuais. Durante os próximos sete
anos com o Le Populaire e o novo jornal, LAlmanach
Icarienne, ele constituiu uma gama de leitores que, segundo ele,
chegava a meio milhão. No princípio, como Edward Bellamy,
autor de Looking Backward no final do século, não
lhe ocorreu que as pessoas desejariam pôr suas idéias utópicas
em prática, mas o grande sucesso de seu movimento finalmente o
persuadiu. Seus seguidores pediram que ele os conduzisse em direção
à comunidade do futuro, e ele já havia começado algumas
experiências de alguns Icários na França que
foram mal concebidos ou que abortaram.
Em 1847 Cabet emitiu um manifesto,
Rumo ao Icário. A França estava carregada,
estropiada por um governo despótico, e nunca permitiria o estabelecimento
de comunidades modernas, que logo iriam, pelo seu exemplo, revolucionar
a sociedade. Na América seria possível construir uma colônia
comunista de dez ou vinte mil pessoas na fronteira, e em alguns anos haveriam
milhões de adeptos. A resposta foi tremenda. Ele foi coberto de
presentes, penhores, e recrutas.
Cabet não havia escolhido
um local e nem mesmo desenhado um plano definido para uma base de acordo,
ele deve ter ficado um pouco amedrontado, e foi para Londres para consultar
Robert Owen. Naquela época Owen estava entusiasmado com o Texas,
que acabava se ser anexado à União e estava ansioso por
colonos. Pouco tempo depois, um corretor de terras em Londres persuadiu
Cabet de adquirir um milhão de acres em Red River, facilmente
acessível através de barco.
Em 3 de fevereiro de 1848,
um grupo de observação viajou para o Texas. Em New Orleans
eles descobriram que haviam comprado apenas cem mil acres, não
um milhão, de selva, a duzentos e cinqüenta milhas do rio,
loteados como um tabuleiro de dama, com os quadrados alternativos ainda
em posse do estado; e pelos termos do contrato, eles eram obrigados a
construir uma casa de troncos em cada uma das seções antes
de Julho. Além disso, Red River não era navegável
além de Shreveport, Louisiana, onde foi bloqueado por um imenso
e permanente dique.
Destemidos, sessenta e nove
franceses entusiasmados, sem qualquer experiência de vida na selva,
juntaram a maior parte de seus bens e partiram por terra em uma diligência
puxada por bois. Eles não sabiam nem mesmo manejar a diligência
e os bois. A diligência quebrou e acabaram presos em um pântano.
As pessoas começaram a pegar malária. A comida começou
a faltar, até que finalmente chegaram ao local da Icária,
onde encontraram os corretores da Peters Land Company, que lhes informou
que qualquer terra que não fosse ocupada por uma cabana habitada
em cada meia milha quadrada reverteria para a companhia que ficaria satisfeita
em revendê-la a um dólar por acre. Não havia qualquer
possibilidade de cumprir o contrato, mas os sessenta e nove pioneiros
escreveram uma carta desesperada para Cabet e se fixaram para trabalhar.
Embora muitos deles fossem mecânicos qualificados, quase nenhum
era fazendeiro e nem mesmo, curiosamente, construtor. Eles não
sabiam arar a terra, e as trinta e duas cabanas que conseguiram construir
não passavam de choupanas. Cada vez mais pessoas ficaram doentes,
provavelmente com malária. O médico do grupo dizia que era
febre amarela, mas todos seus diagnósticos apontavam para doenças
fatais, e em pouco tempo ficou provado que ele era um demente. A maioria
dos membros adoeceu a água não era potável,
mas poucos morreram. Pela primavera, chegaram mais dez colonos, um número
bem distante dos quinhentos que Cabet havia prometido.
Enquanto isso, voltando à
França, a Revolução de 1848 derrubara Louis Philippe,
e nos próximos meses líderes revolucionários como
o poeta Lamartine, Cabet, seu amigo Louis Blanc, e outros da esquerda
acabaram desacreditados, em parte pelos seus próprios erros, mas
muito mais pela oposição organizada da direita e dos bonapartistas.
Em 15 de dezembro, Cabet viajou para a América com quase quinhentos
novos colonos, ao chegar encontrou os remanescentes do estabelecimento
pioneiro completamente falidos em New Orleans. Cabet desejou retornar
ao Texas, mas os remanescentes do grupo pioneiro se rebelaram. Passaram
todo inverno envolvidos em um amargo conflito, e eventualmente quase duzentos,
a maioria membros do grupo que tinha vindo com Cabet, retornaram à
França, enquanto que os demais encontraram emprego temporário
em New Orleans enquanto Cabet comprava um novo local. Na primavera ele
comprou todas as propriedades disponíveis da cidade de Nauvoo no
Illinois em virtude dos Mormons terem recentemente migrado para Utah.
Através de um sinal e de uma grande hipoteca ele adquiriu uma variedade
de fábricas e lojas, uma destilaria, um grande conjunto habitacional,
numerosas casas de família, as ruínas de um templo de sacrifícios
rituais, e mil e quinhentos acres de terra. Duzentos e oitenta fiéis
icarianos subiram o rio com Cabet para seu novo lar. Perseguidos pelo
destino que os caçava, vinte deles morreram de cólera no
caminho.
Nauvoo parece ter sido ideal.
Como Owen em Nova Harmonia, Cabet assumiu uma aldeia completamente
equipada, ou bem equipada, uma pequena cidade que a Igreja Mormom tinha
administrado, com sucesso, até que se tornasse motivo de perseguição,
mas a prosperidade foi tal que despertou inveja de toda vizinhança.
Durante algum tempo, os icarianos pareciam também prosperar.
Cabet como membro experimentado testado, se não pelo fogo,
pelo menos pela lama, mosquitos, doença, e fome. A maioria das
pessoas era composta por artesãos experientes, e em pouco tempo
as fábricas e oficinas voltaram a operar. Por incrível que
pareça, havia muito poucos fazendeiros, boa parte dos mil e quinhentos
acres permaneceram incultos. Durante o ano, novas levas vindas da França
dobraram o tamanho da colônia. Mas o desequilíbrio entre
artesãos e fazendeiros aumentou.
Com toda a imensa propaganda
que Cabet espalhou pela França, aparentemente ele nunca fez qualquer
esforço para recrutar tipos específicos de trabalhadores
para satisfazer as necessidades da colônia. Com mil e quinhentos
acres de uma das melhores terras do Vale do Mississipi, a Icária
Nauvoo não conseguiu, como colônias desequilibradas semelhantes
haviam feito anteriormente, adquirir trabalhadores rurais. Em vez disso,
eles compravam a maior parte de seu alimento no mercado. O trabalho nas
oficinas continuava indiferente ao crescente déficit, que era coberto
por contribuições em dinheiro que a Senhora Cabet enviava
da França. Não parece ter ocorrido a Cabet que havia qualquer
coisa errada com isso. Suas cartas e relatórios daquele tempo são
uniformemente otimistas, na realidade, eufóricos.
Como sempre, os colonos inauguraram
uma escola progressiva, com instrução ministrada tanto em
francês como em inglês para suas crianças, com classes
de inglês para adultos. Eles imprimiram um jornal e vários
panfletos. Montaram uma orquestra, uma banda, uma companhia de teatro,
conferências para residentes e visitantes, e grupos de discussão
e estudo. Cabet, porém, não estava contente. Ele ainda esperava
fundar uma cidade utópica, não uma aldeia, na qual as habitações
seriam palácios, e o trabalho das pessoas um mero passatempo, e
onde todos vivessem sonhos agradáveis.
Em 1852 os colonos que se separaram
dele em New Orleans o processaram por desfalque e ele retornou para se
defender. Os tribunais franceses o absolveram e em seu retorno foi recebido
com um banquete de boas vindas em New York, uma viagem triunfante pelo
país, e outra celebração em Nauvoo. Nessa
época, a colônia teve um modesto sucesso. Até mesmo
o problema da agricultura estava a caminho de ser resolvido, o déficit
estava continuamente recuando. Para Cabet esse era apenas o começo.
Ele foi até Iowa e com uma hipoteca comprou três mil acres
de terra, o lugar da cidade de seus sonhos, o Jardim do Éden comunista.
O governo da colônia
tinha sido vagamente concebido no aspecto econômico. Na França
Cabet tinha sido aceito como ditador por dez anos, este arranjo foi renovado
em New Orleans e novamente em Nauvoo. Mas em 1850, convencido do
sucesso da colônia e de sua prontidão para um puro governo
comunista, Cabet instalou sua ditadura. Em 1850 adotou uma constituição
com uma junta de seis governadores, e uma variedade de comitês administrativos
para cuidar dos detalhes do funcionamento da vida comunitária.
Cabet foi eleito presidente ano após ano até 1855. Em dezembro
ele propôs que a constituição fosse reescrita provendo
a eleição de um presidente com poderes ditatoriais para
escolher os membros do conselho de administração e de todos
os comitês.
A constituição
previa uma revisão anual em março, assim a comunidade se
rebelou e, na eleição de fevereiro de 1856, J. B. Gerard
foi eleito presidente. Isso resultou em um conflito tão trave que
Gerard renunciou e Cabet foi reeleito sob a velha constituição
por mais um ano. Durante seis meses a maioria dos diretores o apoiou,
mas a maioria da assembléia geral de toda comunidade se opôs
a ele. A principal razão desta oposição parece ter
sido uma crescente excentricidade na pessoa de Cabet. Ele proibiu bebidas
alcoólicas na comunidade e insistiu que toda produção
da destilaria fosse vendida fora. Ele propôs proibir completamente
o uso de tabaco, passando em seguida a tentar impor suas próprias
noções de dieta e sua excêntrica mas puritana moralidade
sexual. A verdade é que Cabet estava se tornando um homem velho,
adepto de esquemas visionários sem nenhuma praticidade, rígido
em suas tentativas para sua aplicação, e de temperamento
desequilibrado um produto típico de toda uma vida exaurida
na orla do radicalismo. Na eleição do verão ele perdeu
sua maioria no conselho de administração e a colônia
desabou no caos.
Em nenhuma outra comunidade
comunista temos registros de conflitos tão violentos. No princípio
as facções pararam de falar umas com as outras, agrupando-se
separadamente no refeitório, e engajando-se em atividades sociais
separadas. O trabalho cessou nas fábricas e nos campos. As crianças
brigavam umas com as outras na escola, e logo os sócios estavam
literalmente lutando nas ruas. Neste momento o conselho de administração
anti-Cabet decidiu que aqueles que não trabalhassem não
deveriam comer, e cortou as rações dos grevistas em 13 de
agosto. Cabet e a minoria responderam com uma petição ao
governo do estado para que revogasse a escritura da comunidade. A maioria
reagiu a esta atitude votando por unanimidade pela expulsão de
Cabet e de seus seguidores, que boicotaram o encontro. Quatro semanas
depois, Cabet e cento e setenta fiéis seguidores, muitos dos quais
tinham estado desde o princípio com ele no Texas, chegaram em St.
Louis e, da mesma forma que haviam feito há muito tempo atrás
em New Orleans, passaram a trabalhar individualmente como mecânicos.
Uma semana depois, Cabet estava morto.
Em nenhum aspecto a morte de
Cabet representou o fim dos icarianos. A maioria em Nauvoo
reagiu com culpa e arrependimento. Com o passar do tempo, a memória
de seus erros, mau humor e do amargo sectarismo dos seus últimos
anos foi enfraquecendo. Cabet tornou-se uma espécie de herói
cultuado, o fundador de uma nova civilização, como Teseu
ou Rômulo nas páginas introdutórias de Plutarco, e
citações de seus pensamentos passaram a ser lidos nos encontros,
como Evangelhos e epístolas na Igreja.
O grupo de St. Louis se estabeleceu
em três grandes casas cooperativas e juntaram todos os seus recursos.
Os sócios enviaram suas crianças para escolas públicas,
mas organizaram classes para educação de adultos, especialmente
de inglês, onde eram ainda deficientes. Eles separaram parte de
uma grande livraria comunitária, e montaram uma grande sala de
estudo e de recreação. Aos finais de semana, durante a noite,
eles continuaram com seus entretenimentos musicais e teatrais, aos domingos
eles se encontravam para se instruir nos princípios de Jesus Cristo
e Étienne Cabet. Eles também criaram seu próprio jornal,
o Revue Icarienne. Fiéis a seus princípios, eles
se abstiveram do consumo de toda espécie de bebidas alcoólicas
e tabaco.
O movimento na França
reconheceu o grupo de St. Louis como a comunidade icariana oficial, recebendo
assim uma renda fixa de contribuições e periódicos
recrutamentos de novos membros vindos do estrangeiro. Os homens encontraram
emprego e bons salários e a comunidade funcionava como uma comuna
urbana bastante próspera, uma das primeiras dessa espécie.
Mas eles não estavam contentes.
Eles compraram uma fazenda,
a propriedade em Cheltenham, um local que agora se situa dentro dos limites
da cidade de St. Louis, e retornaram à terra. Muitos membros continuaram
em seus empregos em St. Louis, mas seus salários caíram
consideravelmente. O local estava empestado todo o Vale do Mississipi
parecia tomado pela malária naqueles dias; e as colônias
comunistas sempre pareceram predestinados a achar os locais mais infestados
de malária. Ainda não havia fazendeiros suficientes, de
forma que a terra não conseguia nem mesmo alimentar a comunidade.
Não havia nenhuma oficina ou fábricas, apenas algumas cabanas
de tronco e uma casa forte. Dentro de um ano, a mesma facção
que dividira Nauvoo se desenvolveu em Cheltenham. A maioria desejou
perpetuar a ditadura estabelecida por Cabet. A minoria insistiu na completa
democracia. Quarenta e dois dos democratas se retiraram, e a colônia
não pode se recuperar de sua secessão, de forma que substituíram
a maioria dos artesãos qualificados por mão-de-obra assalariada.
Em 1864 apenas oito homens, sete mulheres, e suas crianças compunham
a esquerda. O movimento francês desvaneceu-se e nenhum dinheiro
ou recrutas vieram mais da França. A hipoteca foi cancelada e tanto
Icária como Cheltenham deixaram de existir.
Depois da secessão da
minoria, a comunidade dos duzentos e cinquënta de Nauvoo declinou
rapidamente. Os lucros das fábricas, lojas, e destilaria acabaram,
provavelmente por falta de trabalhadores qualificados, a maioria daqueles
que foram para St. Louis. Os Mormons, que ainda detinham uma considerável
hipoteca ameaçaram com execução hipotecária.
A propriedade era simplesmente muito grande para que seus membros pudessem
operá-la. Eles decidiram migrar para o local em Iowa onde Cabet
tinha planejado construir a palaciana Cidade de Utopia. Eles se instalaram
em uma terra bruta, longe de tudo, embaraçados com uma hipoteca
de dez por cento. Em 1863 apenas trinta e cinco, doentes, enfraquecidos,
e esfalfados comunistas pertenciam à esquerda.
Eles foram salvos pela erupção
da Guerra Civil. Os colonos inundaram Iowa para salvá-la para a
União. A colônia encontrou um mercado pronto para seus produtos
a preços bons, eles venderam dois mil acres que não conseguiam
cultivar por dez mil dólares. Durante doze anos eles prosperaram,
de tal forma que compraram de volta alguma terra. Eles construíram
casas decentes, plantaram pomares e vinhedos, e começaram a adotar
uma agricultura mais intensiva. Considerando que eles tiveram que aprender
a praticar a arte da agricultura, provavelmente o trabalho deles era duro
demais para desperdiçar tempo em disputas. Pelo menos, considerando
sua história passada, suas relações pessoais eram
notavelmente uniformes.
Em 1876 havia setenta e cinco
membros. Eles tinham uma dúzia de habitações familiares
em três lados de um quarteirão, um grande edifício
central com uma cozinha comunitária e um refeitório, que
também era utilizado para assembléias e recreação,
uma padaria e uma lavanderia, uma leiteria, estábulos, celeiros
e um grande depósito de madeira, tudo em um belo local nas escarpas
do vale do Rio Nodaway; atrás dele haviam dois mil acres férteis,
setecentos cultivados com madeira, prados, e pastos. Possuíam seiscentas
ovelhas, cento e quarenta bovinos, a maioria vacas leiteiras, cultivavam
trigo, milho, batatas, sorgo, legumes, e pequenas frutas, além
de vinhedos e pomares. Todas as refeições eram tomadas em
comum, e muitos serviços como lavanderia eram executados para a
comunidade como um todo. Durante a noite depois do jantar havia danças,
música, e recreação organizada ou espontânea,
aos domingos havia um serviço que incluía uma conferência,
ao mesmo tempo em que cantavam suas próprias canções,
e faziam leituras sobre a obra de Étienne Cabet.
O desastre que se abateu sobre
o movimento radical francês pelo Terror que se seguiu à supressão
da Comuna de Paris em 1871 trouxe novos recrutas e algumas mudanças,
algumas óbvias, algumas sutis mas profundas, na ideologia da comunidade.
A própria França nunca se recuperou da Comuna, assim, não
é surpreendente que seus efeitos fossem sentidos tão longe
de Paris, no seio de uma pequena comunidade de radicais franceses no meio
das pradarias de Iowa.
Com o passar dos anos, ocorreram
mudanças na economia de produção da colônia.
Com exceção dos grãos e outras amplas colheitas,
o produto dos trabalhos individuais dentro das habitações
familiares prevaleciam no suprimento de alimento, verduras, legumes e
leite. Similarmente os pequenos artesãos funcionavam como operadores
quase que independentes e geralmente vendiam seus produtos ou trabalhavam
fora em jornadas de meio período. A situação não
era muito diferente das granjas coletivas russas antes das purgações
em massa de Stalin. Foi a geração mais velha de revolucionários
que abriu o caminho com Cabet insistindo neste limitado empreendimento
privado. Os jovens, especialmente os refugiados da Comuna de Paris, exigiram
um completo comunismo de produção. Muitos deles eram discípulos
de Proudhon, Bakunin, Weitling (a própria colônia de Weitling,
Communia, tinha se estabelecido ao nordeste de Iowa, no município
de Clayton aproximadamente quinze milhas de Gutenberg), ou Marx, e os
massacres e deportações que se seguiram à supressão
da Comuna empurraram todos para a esquerda. O comunismo tinha deixado
de ser uma filosofia de vida generalizada, um sentimento ou uma atitude,
tornando-se uma ideologia, ou até mesmo um número de sistemas
mutuamente antagônicos.
Os membros mais velhos tinham
aprendido que ideologia não era suficiente e insistiam em manter
os membros estritamente limitados. Os membros mais jovens mostraram que
a colônia era pobre e esfalfada, com uma séria carência
de pessoal, com apenas oitenta pessoas, e exigiram que tantos membros
fossem admitidos na medida que a colônia pudesse suportar.
Durante os anos 1870 o conflito
tornou-se irreconciliável, até que finalmente o grupo dos
mais jovens foi até os tribunais pedindo a revogação
da escritura, tecnicamente a colônia era registrada como uma cooperativa
agrícola mas engajada em indústria. O tribunal concedeu
o pedido, e os rebeldes incorporaram a colônia sob uma nova escritura
em 1879, enquanto que aos membros mais antigos foram concedidos mil acres,
várias casas e outros edifícios e nenhuma dívida.
Os débitos foram assumidos pelos rebeldes. O grupo antigo, que
ironicamente assumiu o nome de Novos Icarianos, foi modestamente
bem sucedido. Os insurgentes aumentaram seu rol de membros, abriram novas
indústrias, cultivaram mais terra com métodos agrícolas
melhorados, e mais que dobraram sua sociedade. Pela primeira vez na longa
vida das comunidades icarianas, foi permitido às mulheres votar
e ocupar cargos. A colônia foi oficialmente declarada não-religiosa.
A expansão econômica
provocou uma dívida impagável, e a expansão da sociedade
resultou logo no surgimento de novas facções, irreconciliáveis.
Antes do outono de 1881 a comunidade mais jovem estava se desintegrando
e incapaz de satisfazer seus credores. Foram feitos esforços para
se mudar para a Califórnia e negociar com a colônia Speranza
em Cloverdale, mas enquanto isso o próprio projeto de Cloverdale
entrou em colapso, e a propriedade acabou vendida para satisfazer os credores
alguns deles pertenciam aos Novos Icarianos.
O velho partido administrou
sua nova comunidade como fizera no passado. Eles plantaram pomares e vinhedos,
trabalharam duro, se alimentavam de maneira simples, e se vestiam pobremente
eles usavam seus sapatos até o fim, e se divertiam com música
e conferências de seus membros, possuíam uma biblioteca de
mais de mil livros, todos em francês. Em 1883 eles tinham trinta
e quatro sócios. Seus filhos partiram. Eles envelheceram. Um por
um foram se afastando. Ao final do século uma grande proporção
dos membros remanescentes já passava dos oitenta anos de forma
que já não eram mais capazes de operar a propriedade, venderam-na,
saldaram todos os débitos, e o dinheiro restante, bem considerável
por sinal, foi dividido pró rata de acordo com o tempo de serviço.
Cada sócio ou sócia adquiriu dinheiro suficiente para sustentar,
ele ou ela, modestamente até o final de sua vida.
A Nova Icária pelo menos
terminou numa mútua boa vontade e com solvência financeira.
A utopia de Cabet tinha durado, de uma forma ou de outra, de 1848 até
1901, uma das mais longas vidas de todas as aventuras comunistas seculares.
O mais notável de tudo foi ter durado tanto a despeito de suas
incríveis dificuldades, sofrimento, e doença, um sectarismo
quase que contínuo, trabalho duro, muito desse trabalho desperdiçado
por falta de experiência, financiamentos ingênuos e impraticáveis,
perda de dinheiro, e acumulação de dívidas. A vida
sempre foi pobre nas comunidades icarianas. A vida da Fazenda Brook
foi sibarita por comparação. Ao cabo, aquele punhado
de sobreviventes ainda era uma entusiástica associação
de comunistas, embora seja difícil dizer a qual associação
pertenciam. As teorias de Cabet, eram impraticáveis quando definidas.
Quando não eram definidas, eram vagas, sentimentais, como em sua
posição sobre relações sexuais, direitos das
mulheres, e o uso do tabaco, ou destrutivas e irrelevantes. Seu líder
carismático foi expulso cedo da vida da colônia e ninguém
assumiu seu lugar. Todavia Icária continuou, e a maioria de seus
sócios, muitos deles comunistas convictos, migraram para outras
comunidades depois que Icária foi vendida.
Deixamos os huteritas
em 1770, quando foram convidados a se instalar na Ucrânia e na região
do Volga por Catarina, a Grande. Em 1763 o governo russo emitiu um manifesto
oferecendo terra de graça aos colonos estrangeiros como
de fato aconteceu, uma das terras mais férteis do mundo
completa liberdade de religião, escolas próprias, instrução
em sua própria língua, isenção do serviço
militar, uma considerável isenção tributária,
desde que não convertessem os russos de fé ortodoxa. Vinte
e três mil alemães, principalmente pietistas ou anabatistas,
responderam ao chamado. Muitos vieram nos anos seguintes. Até que
o acordo foi quebrado durante a Segunda Guerra Mundial quando eles foram
exilados na Sibéria ou exterminados por Stalin. O "Volga Alemão"
representava uma parcela diminuta mas significante da população
russa européia.
Foi na Romênia e na Transilvânia
que os huteritas se encontraram, como pacifistas absolutos, a mercê
de tropas pilhando de ambos os lados. Eles apelaram ao chefe das forças
russas, Count Rumiantsev, que lhes ofereceu suas próprias terras
perto de Kiev, sob condições mais favoráveis que
as do manifesto de Catarina. Eles chegaram no outono de 1770, e antes
do inverno já haviam estabelecido as bases essenciais da colônia.
Trouxeram consigo seus artesãos; e em poucos anos sua aldeia, conhecida
como Vishenky, tornou-se modelo, com uma fábrica têxtil,
cerâmica, uma loja de ferramentas e distilaria. Durante o tempo
que permaneceram no Império Austríaco, sua cerâmica
tornou-se famosa, alguns exemplares ainda hoje podem ser encontrados nos
museus da Europa Central.
Em 1796 Rumiantsev morreu e
seus filhos tentaram cancelar o velho acordo assinado com a comunidade.
Os huteritas apelaram para o novo imperador, Paulo I, que apoiou o acordo
original, garantindo todos os privilégios concedidos aos menonitas
que migraram aos milhares vindos da Prússia para a Rússia.
Trinta e dois anos depois eles se deslocaram de Vishenky para Radichev,
numa distancia de oito milhas, para ocupar terras cedidas pelo governo.
Naquele tempo sua população era composta por pouco mais
de duzentos adultos.
Logo os huteritas ampliaram
seus empreendimentos industriais, passando a produzir linho fino e seda.
Provavelmente foram os primeiros a lançar a seda com sucesso na
Rússia. Naqueles anos, a vida da comunidade diferia muito pouco
daquela que podemos ver hoje nas comunidades huteritas dos Estados Unidos
e Canadá com a exceção de que havia mais indústrias.
A terra foi dividida com dois acres e meio por família, apenas
o suficiente para manter seus membros. Havia um completo comunismo de
consumo. Eles almoçavam e jantavam em um refeitório comunitário,
homens e mulheres em mesas separadas. As roupas que usavam eram distribuídas
em igualdade de condições. Apenas um mínimo de posses
pessoais era permitido. As crianças eram criadas em berçários.
O dia começava e terminava com serviços religiosos, e passavam
quase todo o dia de domingo dentro da capela.
Seu comunismo de produção,
praticado desde o princípio, curiosamente, fez com que eles se
tornassem os pioneiros do sistema fabril. Produtos como potes, panelas
eram fabricados por etapas numa série de operações
separadas, cada qual executada por indivíduos diferentes, ou seja,
uma linha de produção. Contudo, as pessoas se revezavam
nas tarefas, e até mesmo em sua ocupação, para evitar
a monotonia. Os relatórios dos funcionários russos visitantes
eram entusiásticos, tanto quanto podiam ser. Ao redor dos estabelecimentos
huteritas haviam aldeias de camponeses russos, ineficientes, desordenadas,
e imundas, virtualmente inalteradas desde os tempos neolíticos.
Por volta de 1840, a terra
não estava mais dando conta de suportar o aumento da população,
e em 1842 os huteritas foram forçados pelo governo a aceitar as
mesmas regras impostas aos menonitas na Criméia, a concessão
da terra enquanto fazendeiros individuais; e um esforço foi feito,
tanto pelo governo como pela administração das comunidades
menonitas, para quebrar seu modo comunista de vida. Alguns menonitas aceitaram,
mas depois de alguns anos, a maioria retornou aos velhos padrões
comunais, que se tornaram mais uma vez prósperos. Embora, muitos
de seus empreendimentos industriais de pequena escala tenham continuado,
esses anos foram caracterizados por uma ênfase maior na agricultura.
Em 1864 foi baixada uma lei
colocando todas as escolas de todo império sob a supervisão
do Estado, tornando o idioma russo exclusivo e compulsório como
meio de instrução. O governo também anunciou que
o serviço militar passaria a ser obrigatório dentro de dez
anos. Os huteritas, por unanimidade, e a maioria dos menonitas, decidira
emigrar. Membros de ambos os grupos foram para os Estados Unidos, Canadá,
e América do Sul em busca de terra adequada e governos que lhes
permitisse preservar seu modo de vida. Na última hora, o governo
russo, ansioso por reter aqueles valiosos cidadãos, concedeu a
maioria das condições originais de permanência, mas
apenas uma pequena parcela de huteritas, embora um número considerável
de menonitas, ficou para trás. Aqueles que persistiram na prática
comunista foram exterminados pelos bolcheviques durande a Guerra Civil
e durante a Segunda Guerra Mundial.
O primeiro grupo de huteritas,
cento e nove pessoas, chegou ao Nebraska em 1874, partindo em direção
ao Vale do Rio James no sudoeste de Dakota do Sul. Nos próximos
três anos essa mesma trilha foi percorrida pelos migrantes que chegaram
depois deles. Naquele tempo as terras disponíveis no Território
de Dakota eram escassas. As Guerras Índias ainda eram constantes.
A derrota de Custer em 1876 e a corrida do ouro em Black Hill ocorreram
ao mesmo tempo. Em 1872 havia apenas doze mil habitantes no local que
mais tarde receberia o nome de Dakota (Norte e Sul). Cada colônia
que se estabelecia passava seu primeiro inverno em cabanas nas estepes,
mas com a chegada da primavera começavam imediatamente a construir
casas de pedra e celeiros, e antes do segundo inverno chegar já
estavam morando em casas decentes. Essas colônias ficavam em locais
bem distantes. O mundo as ignorava e elas ignoravam o mundo. Finalmente
eles podiam voltar à ortodoxia rígida, à disciplina,
e ao compromisso da vida comunal; devido a esse isolamento, eles ficaram
necessariamente quase que completamente auto-suficientes. Eles teciam
e produziam sua própria roupa, faziam seus próprios sapatos,
criavam suas próprias ferragens e ferramentas, e criavam sua própria
maquinaria agrícola. Porém, tirando aqueles ofícios
absolutamente necessários, os huteritas se tornaram colônias
puramente agrícolas na América. Eles nunca voltariam aos
ofícios e empreendimentos industriais praticados durante seus primeiros
cem anos.
O líder da primeira
colônia, Michael Waldner, era ferreiro, ou Schmiedenleute,
o Povo do Ferreiro. O líder do Dariusleute (ou o Povo
de Darius) foi Darius Walther. O líder do último grupo que
chegou foi Jacob Wipf, um professor, ou Lehrerleute, o Povo do
Professor.
Por si próprias, as
colônias floresceram. Por volta de 1915 havia mais de mil e setecentos
membros nas dezessete colônias, quinze em Dakota do Sul e duas em
Montana. O crescimento era quase completamente natural. Eles praticamente
não fizeram nenhum convertido. Mas eles tinham, e ainda tem, uma
das taxas de natalidade mais altas do que qualquer grupo na América.
Por volta de 1917 eles ainda estavam isolados. Depois que Montana e Dakota
se transformaram em estados, as colônias foram rodeadas por grandes
fazendas, e cidades próximas.
Os Estados Unidos entraram
na guerra e as leis estabelecidas não fizeram qualquer concessão
aos objetores de consciência, nem mesmo para aquela parcela de membros
de igrejas pacifistas históricas, ou coisa que o valha, como foi
o caso dos huteritas. O governo tinha originalmente prometido aos colonos,
na ânsia de atraí-los, que sempre seriam isentos de servir
ao exército. Newton D. Baker, Secretário da Guerra, e autor
do projeto de lei, aconselhou todos os homens jovens membros das igrejas
pacifistas históricas a se alistarem no exército, irem para
os acampamentos militares, e pedirem ao oficial comandante uma função
de não combatente. Como é fácil imaginar, seguir
este conselho implicou em prisão, tortura, perseguição,
e violência.
Os huteritas foram categóricos
recusando-se a lutar, alegando que não tinham nada a ver com projetos
de leis, serviço militar, ou guerras. Além do mais poucos
deles falavam qualquer coisa que não fosse em alemão. Eles
foram presos, e na prisão foram submetidos a uma perseguição
inexorável. Dois rapazes huteritas morreram sob tortura de guardas
de prisão. Mais uma vez os huteritas foram forçados a migrar.
Os jovens não foram apenas presos como desertores, mas também
sofreram a violência da turba, o incêndio premeditado e o
roubo de seu gado pelos fazendeiros vizinhos tornou-se mais e mais crescente.
O estado de Dakota do Sul reafirmou sua incorporação, com
o anúncio objetivo de exterminar absolutamente os huteritas
de Dakota do Sul. Foram enviadas delegações ao governo
canadense em Ottawa, e aos governos provincianos de Alberta e Manitoba,
também foram feitos arranjos com a Canadian Pacific Railway. O
Estado concordou em respeitar seu pacifismo, sua recusa em votar, ou ser
funcionário público. Na realidade, o governo canadense estava
tentando atrair os huteritas desde 1898. No outono de 1918 na medida em
que os grupos chegavam iam se acomodando em seus novos territórios,
os Schmiedenleute em Manitoba, os Darius e Lehrer
em Alberta. Dez anos depois eles receberam de volta suas antigas terras
de Dakota do Sul, estabelecendo novas colônias em Washington, Montana,
Dakota do Norte, e Saskatchewan.
O governo canadense nunca provocara
deliberadamente o sentimento anti-alemão em seus próprios
cidadãos, como fizera a máquina de propaganda de Wilson,
dirigida pelo intelectual liberal George Creel. A guerra terminou logo
após a chegada dos colonos no Canadá, e durante vários
anos eles foram mais do que bem vindos, e mais uma vez prosperaram. Porém,
sua alta taxa de natalidade continuou, e novas colônias estavam
brotando continuamente em novas terras, que eles cultivavam com bem mais
eficácia do que seus vizinhos pagãos. Eles pararam de produzir
seus próprios tecidos, embora a maioria dos colonos ainda produzissem
seus próprios sapatos, e toda sua roupa de malha. O ferramenteiro
é largamente confinado às carroças e consertos de
maquinaria. O velho arado de mão, foice, ancinho, são coisas
do passado. Ao contrário do Amish mais rígido, os huteritas
sempre se esforçaram em adotar o que havia de mais recente em maquinaria
em suas fazendas. Na realidade, eles freqüentemente eram muito criticados
por supercapitalizar suas fazendas. Até hoje eles ainda vivem dentro
de padrões severos e rígidos, sem gastar nenhum dinheiro
em entretenimento ou utilidades domésticas, com exceção
de refrigeradores que eles normalmente adquirem da Colônia de Amana,
quanto a rádios, televisores, instrumentos musicais, e tudo o mais,
inclusive a roupa que deve ser simples, é completamente proibido.
Assim, suas fazendas são uniformemente bem sucedidas, eles não
gastam seu dinheiro em outra coisa que não seja na maquinaria da
fazenda.
Apenas nos anos recentes os
huteritas permitiram a alguns poucos sócios cuidadosamente selecionados
continuar sua educação além do mínimo legal,
embora haja um sentimento crescente agora de que eles deveriam produzir
seus próprios médicos e professores. No passado, um membro
raramente se afastava da comunidade, obtinha uma educação
de faculdade, retornava, se reintegrava, e servia a comunidade como um
profissional residente. Considerando que eles não acreditam em
cortes, eles ainda não pensam em produzir seus próprios
advogados. Eles sempre treinaram suas próprias parteiras e enfermeiras.
Embora os huteritas adotem
freqüentemente a política de comprar terras pouco atraentes
para seus vizinhos, eles acabam ganhando bastante dinheiro com isso, pois
logo transformam a terra ao ponto de torná-la o que há de
melhor na região. Suas roupas são estranhas, embora de forma
alguma tão estranha como as roupas do Amish mais rígido.
Eles falam entre si um dialeto alemão antigo, embora todos eles
falem o inglês. Como os quakers, eles nunca pechincham em
cima dos preços. Eles compram quase todos os bens externos no atacado,
e até mesmo a maquinaria mais pesada é freqüentemente
comprada simultaneamente para várias colônias. Eles não
dirigem automóveis por prazer -- as mulheres, incidentalmente,
são proibidas de dirigi-los. Eles são um "povo peculiar",
e todo contato com a sociedade pagã conspira contra a prática
das virtudes apostólicas. Consequentemente eles são odiados
e invejados. O preconceito canadense contra os huteritas vem aumentando
continuamente. Tal preconceito nunca atingiu o fantástico grau
de perseguição sofrida pelos doukhobors, pelo simples
fato dos huteritas sempre responderem oferecendo a outra face. Ao contrário
dos doukhobors, eles não acreditam em confrontos nem em
manifestações não-violentas. Eles não incendeiam
seus edifícios nem tiram suas roupas desfilando nus pelas cidades,
nem cercam as prisões onde seus homens estão presos, com
multidões cantando hinos e com mulheres nuas. O preconceito e a
pressão canadense tem funcionado sob o disfarce da legalidade.
Futricas abusivas e insinuações maliciosas são muito
comuns entre os fazendeiros competidores nos bares das cidades vizinhas.
O mais surpreendente é o preconceito que chega ao ponto de uma
forte recusa em ver qualquer coisa boa nos huteritas, um tipo de desprezo
que permeia silenciosamente no meio de profissionais educados, incluindo
professores nas universidades canadenses, e inclusive estudantes de sociologia
da religião.
Por outro lado, os pagãos
de Dakota parecem ter aprendido sua lição; embora os huteritas
possam ser invejados, eles são bastante admirados. O fato brutal
do assunto é que, conforme profetizado por seu fundador, um cristianismo
estritamente vivido inspira ódio e temor "no mundo".
O Estado Romano perseguiu os cristãos primitivos porque eles recusaram
queimar incenso a César. O populacho em geral os odiou porque eles
eram exclusivos, vestiam diferente, apoiavam uns aos outros economicamente,
eram honestos e corretos em seus procedimentos, não assistiam aos
combates de gladiadores no circo, exceto como participantes forçados.
Os huteritas sem dúvida
compõem a sociedade comunista mais antiga do mundo ou na
história, excetuando as tribos pre-alfabetizadas que mais ou menos
ainda vivem na condição de "comunismo primitivo".
Já faz quatrocentos e cinqüenta anos desde que Jacob Hutter
em 1533 uniu as comunidades anabatistas desde a Suíça, Boêmia,
Morávia, até o Tirol austríaco, persuadindo-os a
adotar uma vida completamente comunal. Na idade dourada das fundações
na Morávia, havia mais de vinte mil membros em mais de noventa
aldeias. Hoje no Canadá e nos Estados Unidos, há mais de
cento e cinqüenta colônias, contudo o número de sobrenomes
é incrivelmente pequeno. Todos os huteritas existentes descendem
das poucas famílias que sobreviveram séculos de migração,
perseguição, e deserção.
Foi muitas vezes destacado
que um dos principais fatores do fracasso da maioria das comunas do século
XIX, particularmente as seculares, foi a ausência de critérios
na aceitação de membros. As comunidades huteritas contemporâneas
são o produto final da mais rigorosa seleção imaginável.
Eles sobreviveram tanto ao martírio quanto à prosperidade,
tanto à migração quanto aos ambientes políticos
mais incongruentes, por onde passam o ambiente físico permanece
notavelmente uniforme, as terras negras ucranianas, a pradaria de grama
alta, a bacia do Danúbio. No princípio eles recrutavam os
membros deliberadamente de acordo com as habilidades necessárias,
desde artesãos até camponeses prósperos. Na Morávia,
e durante algum tempo na Rússia, eles se fixaram em grandes propriedades
senhoriais onde a auto-suficiência da economia de comunidades feudais
tinha sobrevivido, uma auto-suficiência que eles aperfeiçoaram.
Até nossos dias eles ainda tiram proveito das lições
aprendidas em séculos de modo senhorial de vida. Embora os cristãos
liberais modernos possam chamá-los de fundamentalistas, a confissão
de fé huterita é na realidade mais flexível, menos
rígida e, o que é muito importante, mais capaz de eterealização
do que o da maioria das seitas anabatistas do passado ou das seitas milenaristas
ou pentecostais das igrejas contemporâneas. Na realidade, o chiliasmo
e o milenarismo se extinguiram.
Os huteritas não olham
para si próprios como um remanescente colocado aparte para serem
salvos do mundo do mal na Segunda Vinda e no Julgamento Final. Eles simplesmente
se consideram cristãos, vivendo um tipo de vida que por si só
os destaca como seguidores das palavras de Jesus e da vida apostólica
conforme narrada nos Evangelhos e em Atos. Tanto os Evangelhos como Atos
e as palavras de Cristo, se lidos sem preconceito, são marcados
por uma escatologia dramática, pela expectativa da chegada iminente
do fogo e do reino, este ajuste é semelhante ao efetuado pelas
maiores e mais respeitáveis seitas cristãs. O grupo que
mais se assemelha [nesse aspecto] aos cristãos apostólicos
provavelmente são os Testemunhas de Jeová.
Mas diferentemente dos Testemunhas
de Jeová ou dos muçulmanos negros, os huteritas não
são uma sociedade trancada. Se a comunidade constrói um
muro suficientemente impenetrável em volta de si mesma, cedo ou
tarde ele virá abaixo. Os huteritas são quase tão
abertos aos pagãos quanto os quakers. Eles aceitam silenciosamente
suas crenças religiosas e o modo de vida que os diferencia do resto
do mundo, e são felizes vivendo assim. Eles não usam cosméticos,
nem vêem televisão, mas quando os pagãos fazem estas
coisas isso não desperta neles nenhuma fúria santa. Eles
não apenas aceitam se relacionar com o mundo, como também
não aceitam que o mundo se relacione com eles. Isto é muito
importante. Se eles tivessem sido combativos e envolvidos em grandes confrontos,
enquanto minúscula minoria dentro de um mundo freqüente e
amargamente antagônico, e na melhor das hipóteses indiferente,
eles teriam há muito tempo sido destruídos. A sociedade
huterita é verdadeiramente um reino de paz.
A maioria dos movimentos comunais
dependeu do carisma de um líder individual, de um Robert Owen,
ou de um John Humphrey Noyes, e teve sucesso na medida em que aquele líder
era também um administrador prático e um homem com muitos
conhecimentos, como Noyes foi, e como Owen não foi; ou, às
vezes, da habilidade da mulher ou do homem carismático para ensinar
um líder prático para compartilhar a administração
da colônia. Trata-se de uma velha política, a política
do pai-rei e do rei-guerreiro na transição da aldeia neolítica
para a cidade. A constituição das comunidades huteritas
foi cuidadosamente ajustada para permanecer acima do carisma de cada indivíduo
da comuna proporcionando a viabilidade e a coesão da comunidade,
bem como a eficiência de sua vida econômica. Talvez tenha
sido esse cuidadoso controle do carisma que ajudou a sociedade a permanecer.
Desde seu começo, a história huterita é marcada pela
ausência de personalidades espetaculares isso se aplica tanto
aos fundadores como a seus sucessores imediatos, Jacob Widemann, Hans
Hut, Jacob Hutter, Peter Riedemann, e Andreas Ehrenpreis a influência
que cada um exerceu no passado não foi superada pela influência
exercida pelos líderes contemporâneos. Seus escritos ainda
são lidos na igreja e seus hinos ainda são cantados.
Na realidade, a comunidade
huterita deve sua coesão a um carisma difuso do qual cada sócio
é portador. A comunidade, como o Israel místico, ou a Igreja
como a Noiva de Cristo, é a pessoa pentecostal. Os huteritas estão
bem atentos a este fato, mas tal consciência parece marcar os limites
da eterealização. Sabemos pouco da vida interior do devoto
huterita, mas nesse interior aparentemente nunca ocorreu uma hipostatização
mística da comunidade. Não há nenhuma visão
do Shekinah como entre os Hassidim. O dia-a-dia do trabalho
nos campos e na cozinha, nos berçários e depósitos,
e o trabalho congregacional parecem estar carregados com a consciência
de uma glória mística que é suficiente às
necessidades práticas das mentes huteritas. É possível
que haja uma vida contemplativa, especialmente entre as pessoas mais idosas,
uma coisa que os pagãos nunca saberão bem como funciona;
mas que podem ver do lado de fora, os huteritas se assemelham a uma sociedade
dos Irmãos Lawrences.
Ao contrário de muitas,
talvez da maioria das sociedades comunais, seculares ou religiosas, os
huteritas são governados mais por costumes do que por leis escritas,
e eles raramente consideram necessário fazer sérias mudanças
constitucionais. A cabeça de cada colônia é um Diener
am Wort, um Servo da Palavra. Quando um novo líder é
escolhido, são convidados os cabeças de outras colônias
para uma reunião e eles, juntamente com todos os membros masculinos
da colônia, votam em um elemento de uma lista de candidatos submetidos
pela comunidade. Após oração, entre aqueles que recebem
mais de cinco votos, um deles é escolhido por sorteio. Após
um período probatório de dois anos ou mais, ele é
então ordenado por imposição de mãos de dois
ou três outros líderes. Ele não come à mesa
com a comunidade, e em muitos pequenos detalhes vive uma vida mais individual
em sua própria casa.
A maioria dos líderes
é comparativamente jovem quando escolhido entre vinte e
cinco e quarenta anos e permanecem líderes durante toda
a vida ou até se tornarem incapacitados por doença ou por
velhice. Eles são os líderes espirituais da comunidade,
e oficialmente os administradores gerais, embora se torne cada vez mais
comum a eleição por maioria simples de um administrador
prático para assuntos econômicos, conhecido como Haushälter,
o Dono da Casa. Como mordomo da colônia ele vigia o trabalho, indica
tarefas, cuida das finanças e da contabilidade, e assume a responsabilidade
por vários trabalhos, até mesmo os mais servis. É
importante não conceber o Haushälter como chefe
da colônia. Ele está mais para coordenador. Abaixo
dele está um capataz da fazenda, e se a colônia tem outras
atividades importantes, é costume haver outros capatazes.
Há uma considerável
alternância de tarefas. Um homem pode ser sapateiro durante um ano,
apicultor no próximo, e fazendeiro no terceiro ano. Com o passar
do tempo, a maioria das pessoas se acomoda em uma ocupação
regular, mas freqüentemente troca, até mesmo no fim da vida.
Existe uma hierarquia similar entre as mulheres uma Haushälterin,
que supervisiona a cozinha, o quarto de costura, o jardim, e o jardim
da infância. Também há mulheres especializadas em
obstetrícia, e a maioria das mulheres são competentes e
práticas enfermeiras. Embora os documentos constitucionais doutrinais
huteritas insistam com bastante ênfase na submissão das mulheres
ao governo dos homens, os observadores são unânimes em seus
relatórios de que as mulheres huteritas parecem estar extraordinariamente
contentes, trabalhando juntas em um estado de alegria que tende à
euforia. Naturalmente, devido à natureza do "trabalho feminino",
se ele é efetuado cooperativamente por um grande número
de mulheres, ele se torna decididamente mais fácil do que as tarefas
de uma única dona de casa de fazenda.
As famílias huteritas
moram em casas ou apartamentos separados de suas crianças, que
são ampliados na medida em que a família cresce. No passado
as crianças às vezes eram levadas a berçários
cooperativos, mas esta prática foi derrubada exceto os bebês
e crianças muito jovens que são cuidadas cooperativamente
quando as mães estão trabalhando. As relações
familiares são até mais fortes do que aquelas da antiga
família patriarcal alemã. Questionários submetidos
a crianças que freqüentam escola pública longe da colônia
não revelam praticamente nenhum sinal de alienação,
choque de gerações, muito menos o "conflito edipal"
típico da moderna juventude. A despeito das iscas do mundo moderno,
com sua cultura de mercadoria, consumo conspícuo, e super estímulo
ao entretenimento, quase todos os jovens huteritas parecem querer ser
como seus pais e viver como seus ancestrais quinhentos anos antes deles.
Os que partem quando se tornam adolescentes, normalmente fazem isso para
se casar com cônjuge não huterita. Eles retornam à
colônia nos feriados e finais de semana, freqüentemente ficam
por perto, e muitas vezes o cônjuge se converte, é batizado,
e o par se integra, para a alegria de todos.
Existe bem menos deserção
no modo huterita de vida do que em seitas similares não comunistas
como amish, menonitas, mormons, ou comunistas como Amana. Uma razão
para isso, provavelmente, é que não há no credo huterita
nada semelhante ao esforço de eterealização que é
exigido de uma pessoa educada em escolas modernas. Bem poucos huteritas
passam por uma faculdade, e quando isso ocorre é por orientação
da direção da colônia no sentido de prover serviços
profissionais para mais adiante assegurar a auto-suficiência da
comunidade. Aqueles que fazem faculdade, quase sem exceção,
retornam à colônia.
Além disso, o movimento
dos huteritas do século XX imita o huterita original, o Brüderhof,
fundado por intelectuais alemães e ingleses, que embora composto
por pessoas largamente educadas em escolas de nível superior, nunca
entraram em conflito em suas comunidades huteritas recém-nascidas
em assuntos de fé e moral. As discordâncias giram basicamente
em torno de assuntos como alfândega e costumes de duas classes radicalmente
diferentes. Isso provavelmente se constituiu no ponto fraco dos shakers.
Com o passar do tempo, ficou muito difícil as pessoas aceitarem
as doutrinas shakers, especialmente no que dizia respeito ao celibato.
Assim os shakers quase nunca puderam segurar os órfãos que
eles recrutavam, e eventualmente foram incapazes de conquistar novos membros
adultos.
Concretamente, após
quase quinhentos anos de prática, a administração
da comunidade huterita é notável pela sua elasticidade.
A modesta hierarquia de sua administração sempre pode acudir
em uma emergência. Sua flexibilidade a torna imune a um terremoto,
e a administração geral do movimento inteiro é igualmente
flexível. Tanto a colônia como os conselhos gerais, da mesma
forma que os quakers, tentam evitar a ação sem a unanimidade;
e como o modo huterita de vida é o produto final de quase toda
prova concebível, esta unanimidade normalmente é facilmente
alcançada. Não governar homens, mas administrar coisas
conforme Marx disse.
Um detalhe interessante e possivelmente
significante é que as colônias huteritas, como muitas aldeias
de povos primitivos, praticam uma limitada exogamia. Os pares se escolhem
de colônias próximas mais frequentemente do que de dentro
de uma única colônia. Isto, naturalmente, cria uma teia de
relações familiares bem coesas, radiando fora das determinações
originais, e preserva uma gama hereditária mais extensa, uma "campo
de gene" mais amplo. O campo de gene bem pequeno faz com que os do
lado de fora sempre digam que os huteritas são todos parecidos.
Em 1965, havia apenas quinze sobrenomes nos Haushälters em um conjunto
de cento e cinqüenta e cinco colônias. Os huteritas podem se
parecer uns com os outros, mas eles certamente não chegaram ao
ponto daquilo que comumente se denomina inato. Coisas
como doenças hereditárias e deficiências orgânicas
são praticamente desconhecidas entre eles. Eles sofrem menos com
tais problemas do que a população em geral.
Seria possível prosseguir
descrevendo indefinidamente as comunas americanas do século XIX,
mas tal trabalho seria um pouco melhor do que um dicionário, há
uma linha muito tênue diferenciando fazendas realmente cooperativas
de agrupamentos ou colônias abortadas que duraram apenas alguns
meses. Desde o século XIX até nossos dias existiram cultos
religiosos comunais, o que há de mais bizarro nestas doutrinas
é que são despoticamente estabelecidas por um líder
detentor de revelações especiais. É um erro classificar
tais grupos como comunas. Na verdade trata-se de uma extorsão,
um jogo onde a confiança coletiva é em larga escala direcionada
para proveito dos líderes. A história deles é uma
assunto completamente diferente e merece outro livro.
Anteriormente fizemos uma rápida
menção ao movimento mais significante da história
primitiva do comunalismo, as missões jesuítas no Paraguai.
Há incrivelmente muito pouca literatura nesse assunto em língua
inglesa. O melhor livro ainda é A Vanished Arcadia de
R.B. Cunninghame Graham, publicado em 1924. Quando os jesuítas
entraram naquelas terras em 1607 o território ainda era "selvagem",
quase completamente intato da influência portuguesa ou espanhola.
Com o passar do tempo suas comunidades passaram a controlar uma boa parte
da bacia oriental do Rio Paraguai. Na realidade, suas aldeias eram tribos
reconstituídas e, na medida do possível, providas por uma
tecnologia européia; tais aldeias eram governadas, ou pelo menos
dirigidas, por um punhado de padres cujos instrumentos de governo parecem
ter sido quase que exclusivamente os sacramentos da penitência e
da comunhão. Os índios foram saqueados por escravos vindos
de São Paulo e os jesuítas perderam seu poder eclesiástico.
Eles sobreviveram até que foram expulsos da ordem em 1767, quando
a maioria das aldeias indígenas foram destruídas. Seus campos
foram tomados pela selva, os índios se espalharam, voltando ao
seu modo selvagem de vida, ou foram escravizados, seus imensos rebanhos
de gado vagaram selvagens pelos pampas.
Os jesuítas não
estabeleceram suas aldeias deliberadamente enquanto comunas. Eles simplesmente
adaptaram uma organização social indígena. As pequenas
sociedades eram altamente estruturadas. O estatus derivava tanto do cargo
no governo da comunidade como dos papéis avidamente disputados
nos vários cerimoniais religiosos. A vida em tais sociedades deve
ter sido semelhante a dos povos comunais do Sudoeste Americano
os zunis, por exemplo mas em um ambiente mais abundante
e permissivo com muito mais lazer, em grande parte exercido durante o
cerimonial católico, mas bem modificado por elementos aborígenes.
Ao contrário da convicção popular, a bem sucedida
atividade missionária no Paraguai foi acompanhada de perto pela
Igreja, tanto que foram feitas tentativas de fundar comunidades similares
ao longo da América Espanhola, notavelmente pelos jesuítas
no Arizona. Se a ordem não tivesse sido extinta no momento em que
entravam na Califórnia, a história dos índios da
Califórnia teria sido bem diferente. As missões franciscanas
estavam bem longe daquilo que se entende por comunas. Os índios
valiam menos que os escravos, morriam mais facilmente no contato com os
europeus. Depois que os americanos iniciaram a Corrida do Ouro, os índios
passaram a ser caçados da mesma forma que coelhos, ursos, coiotes,
e condores, até que desaparecessem completamente das regiões
férteis do Estado. No Paraguai algumas aldeias fundadas pelos jesuítas
sobrevivem até hoje. As relações econômicas
e sociais eram ditadas pelo livre empreendimento, mas a memória
das comunidades de trezentos anos atrás permanece viva. Em muitos
aspectos, do ponto de vista teórico ou prático, as "reduções"
jesuítas, conforme eram chamadas no Paraguai, representam uma das
melhores organizações da sociedade de todos os tempos. Os
índios foram certamente mais felizes do que seriam na República
de Platão, ou na Utopia de São Thomas More. A
vida era quase que um ritual ininterrupto, uma espécie de contemplação
grupal temperada com alegria. A coisa mais extraordinária é
que nada disso aconteceu em qualquer outro momento na história,
certamente não desde a aldeia neolítica.
O pólo oposto das "reduções"
jesuítas foi a colônia de Topolobampo, fundada em 1872 no
Golfo da Califórnia. Resultado de um esquema produzido por um corretor
profissional de terras, Albert K. Owen, que aparentemente acreditava que
o modo mais lucrativo de valorizar a terra era o estabelecimento de uma
colônia cooperativa e de uma companhia de estocagem. A planta inicial
era certamente comunalista, mas em um curto espaço de tempo os
colonos se dividiriam entre empreendedores privados e facções
comunalistas. Separadamente, eles desenvolveram um imenso trabalho desbravando
o país, cavando a mão um canal de irrigação
ao longo de oito milhas, cem pés de largura e quinze pés
de profundidade, e muitas milhas de diques. A colônia estava aberta
a qualquer um que comprasse ações, na verdade para qualquer
um que conseguisse chegar até lá. O plano de Owen de construir
um grande porto e centro comercial deu em nada. O governo mexicano voltou
atrás em suas promessas. Os colonos rapidamente declinaram de seiscentos
para duzentos sócios, a maioria de empresas privadas. Alguns descendentes
desses colonos sobrevivem na área até hoje, casados com
famílias mexicanas. Topolobampo pode ter sido o único exemplo
de comunismo enquanto forma de empreendimento de negócio capitalista.
Considerando a escala em que Topolobampo foi planejado, e o número
de pessoas envolvidas, tanto de colonos como de acionistas não
residentes na corporação -- conhecida como Credit Foncier
-- há uma extraordinária ausência de informações.
A Southwestern Utopia de Thomas A. Robertson, que passou sua
infância na colônia, foi publicado em 1947, e reeditado em
1963 por Ward Ritchie em Los Angeles. O livro é folclórico
e anedótico, infelizmente a família de Robertson participaram
como um grupo de empresários privados, de forma que há muito
pouco sobre a comuna. O livro não possui nem bibliografia nem índice.
Um dos colonos de Topolobampo
foi Burnette G. Haskell, que Robertson menciona em 1887, juntamente com
sua esposa e família que, pelas anotações de Robertson,
também morreu por lá. A verdade é que naqueles anos
Haskell estava editando a revista anarquista Truth em San Francisco,
ao mesmo tempo em que se ocupava com a fundação e condução
da Kaweah Kooperative Kommonwealth situada ao pé das montanhas,
que mais tarde viria se tornar o Sequoia National Park, na cidade
de Three Rivers. Haskell parece ter sido uma pessoa instável,
brilhante, e altamente emocional; aparentemente tanto ele como James Martin
eram defensores do trabalho e da prática socialista, envolvidos
desde o começo com o projeto. Haskell e um homem chamado Buchanan,
que dirigiu a grande Kansas Railroad Strike, reivindicava pertencer
a uma organização que julgava ser a legítima sucessora
da Primeira Internacional depois que ela se dividiu entre os seguidores
de Marx e Bakunin. Depois de um imenso e, realmente, incrível esforço,
os colonos construíram uma estrada de Three Rivers até
Giant Forest, onde batizaram a maior das sequóias com o
nome de Karl Marx Tree, agora conhecida como General Sherman
Tree. O governo federal, pelas pressões das vias férreas
e madeireiras, invalidou o título da terra enquanto colônia,
mas posteriormente voltou atrás. A área em sua totalidade
mais a região circunvizinha foi declarada parque nacional. Haskell
deve ter voltado para Topolobampo depois disso.
Outro famoso revolucionário
ligado ao comunalismo americano foi Wilhelm Weitling, o teórico
e líder operário que na década de 1840 exerceu muito
mais influência do que Marx e Engels, que copiaram muita coisa dele
em seus primeiros dias. Weitling desenvolveu um sistema rígido,
secular mas com uma pesada ênfase milenária e apocalíptica.
Seu comunismo envolvia uma real rejeição ao industrialismo
e um retorno a um sistema de habilidade manual cooperativa de produção.
O apocalipticismo do Manifesto Comunista de Marx e Engels reflete
a influência e a competência de Weitling. Depois do fracasso
dos movimentos revolucionários de 1848, Weitling migrou para a
América, produziu um jornal e fundou uma associação
de trabalhadores que provia assistência, ajuda financeira, e pensões
para seus membros, que Marx chamou de caixa do clube. Em 1851
ele se interessou por Communia, uma das muitas pequenas colônias
fundadas na maioria por emigrantes alemães oriundos dos Quarenta
e Oito, na qual investiu uma boa parte do dinheiro de sua Arbeiterbund.
As querelas e a preguiça fizeram o falência da colônia
e a ruína de Weitling. Este fracasso parece tê-lo afetado
bem mais do que o fracasso das revoluções de 1848. Ele se
tornou excêntrico e desenvolveu um sistema universal de cosmogonia
econômica, em seus últimos dias ele estava profundamente
envolvido com suas excentricidades. Weitling é muito pouco considerado
na história do pensamento revolucionário. Bastante independente
de Hegel, e antes de Marx, ele desenvolveu a teoria da auto-alienação
humana como o mal primário da produção capitalista,
e alguns anos antes de Marx ou Proudhon ele era um comunista declarado.
De certo modo, Marx e Engels se juntaram ao seu movimento comunista e
o assumiram. Seu único monumento é um grande edifício
onde se localizava Communia, que ainda funciona como centro social
e espaço de dança.
Há uma tentação
de ir descrevendo sem parar cada uma dessas colônias. Diferentemente
de colônias como Oneida e shakers, a maioria das colônias
religiosas foram extremamente bizarras, com seus fundadores e líderes
não passando de óbvios religiosos charlatães de olho
no dinheiro. Muitas pessoas parecem ter percebido que quanto mais ultrajante
era seu evangelho, mais e mais crentes conseguiam atrair. A disposição
para acreditar em coisas impossíveis porque elas são impossíveis
não esteve confinada a Tertuliano, é um erro que se difundiu
por toda raça humana. A maioria destes movimentos praticavam a
posse de todas as coisas em comum, mas sempre excetuavam os líderes
que conduziam suas vidas na vulgaridade, na luxúria e na ostentação.
Tais grupos, portanto, provavelmente nunca deveriam ser chamados de comunas.
A finalidade era sempre conquistar membros para que eles dessem tudo que
possuíam para dali em diante trabalhar duro sem pagamento.
Quais conclusões podemos
tirar dessa longa pesquisa da história do comunalismo? São
quase as mesmas conclusões que foram tiradas por líderes
inteligentes quando o comunalismo do século XIX atingiu seu ponto
mais alto com John Humphrey Noyes na Oneida e Frederick Evans nos
shakers e com raras exceções as colônias estavam
abertas às críticas de Marx e Engels.
Concentrando-se primeiramente
na crítica marxista, aquilo que eles chamam de socialismo utópico
sempre representou um retorno a uma forma anterior, mais primitiva de
produção e de relações sociais. Com poucas
exceções, as colônias comunalistas foram revivificações
das aldeias neolíticas com um maior ou menor grau de tecnologia
moderna. Isto ainda é verdade hoje. O comunalismo sem sido abarcado
pelo evangelho do "voltar à terra" e essas muitas experiências
falharam porque os membros das colônias teimaram em fundar sua economia
quase que exclusivamente na agricultura, embora não soubessem nada
sobre cultivo, e muito menos de quão duro era aquele trabalho.
Em alguns exemplos, chegaram ao ponto de se limitarem à mais primitiva
tecnologia agrícola, embora isso seja mais verdade nas comunidades
que proliferaram depois da Segunda Guerra Mundial.
As comunidades seculares quase
sempre falharam em um tempo bastante curto. É surpreendente como
a Nova Harmonia de Robert Owen pode ocupar tanto espaço
na história do comunalismo. Ela não apenas durou pouco como
também conseguiu fazer tudo da forma errada. A simples convicção
de que todos os homens deveriam viver juntos como irmãos não
é suficientemente bem definida a ponto de inspirar um forte compromisso.
E onde a comunidade está aberta a qualquer um que deseje vir e
se associar como membro, o desastre é certo. O compromisso é
um ponto vital, mas tais colônias atraem de forma redundante indivíduos
rejeitados pela sociedade dominante preguiçosos, excêntricos,
e aqueles que não conseguem se dar bem com ninguém nem em
casa nem no trabalho, mas que, no entanto, se julgam qualificados para
se dar bem em uma delicada, extensa e equilibrada família dentro
de uma comuna. Uma política de portas abertas também admite
sociopatas e criminosos que, na pior das hipóteses, tomam o poder
ou endividam a comunidade e, na melhor das hipóteses, fogem com
qualquer dinheiro e ativos móveis que podem por em suas mãos.
Quase toda comuna tenta ser
auto-sustentada e alcançar tanto o comunismo de consumo como o
de produção. Apenas os huteritas conseguiram ser agricultores
financeiramente bem sucedidos, e em seus primeiros dias eles eram também
e principalmente artesãos. Idealmente, uma comunidade deveria ter
terra suficiente para se alimentar, e além disso ter alguma especialização
fabril que possa se destacar localmente por causa de sua alta qualidade.
Oneida e Amana no século XIX, e Brüderhof no século XX são
bons exemplos.
As colônias de extensa
duração não sobreviveram apenas por sua coesão,
compromissos e sanções sobrenaturais, mas também
por serem administradas por indivíduos de um poderoso carisma.
Em alguns casos a liderança era dividida exatamente como no final
da era neolítica, entre o líder religioso e o líder
prático, o rei-pastor e o rei-guerreiro, o apóstolo e o
gerente empresarial.
Um certo grau de tensão
interpessoal parece consolidar a coesão de uma colônia. O
celibato dos shakers, com seus cerimoniais tendendo para a orgia sem relações
sexuais, e os matrimônios de grupo e técnicas especiais de
relações sexuais e eugenias de Oneida, na realidade são
duas formulações diferentes da mesma coisa, as duas faces
da moeda da tensão erótica generalizada.
Deve ser enfatizado novamente
que do ponto de vista teórico a vida comunal é muito vantajosa
para as mulheres. A maior parte do trabalho da dona de casa ou da mãe
pode ser dividido e distribuído. As crianças podem ser cuidadas
em um berçário por uma ou duas mulheres. Cozinhar, costurar,
lavar roupa, limpar a casa, e todas as tarefas consideradas "trabalho
de mulher", podem ser distribuídas de forma que cada mulher
tenha um considerável tempo de lazer. É por isso, naturalmente,
que a poligamia Mormom foi mais popular entre as mulheres do que entre
os homens. Milhares de mulheres caminharam de St. Louis até Salt
Lake para participar.
Contudo, da mesma maneira que
hoje em muitas comunidades hippies o único trabalho realizado parece
ser feito por mulheres, assim foi na história de muitas das comunas
seculares do século XIX. As mulheres se rebelaram, porque todo
trabalho era lançado sobre elas, enquanto os homens sentavam ao
redor, bebiam uísque, mascavam tabaco, discutiam comunismo, igualdade
dos sexos, e liberdade das mulheres.
O comunismo em si, não
parece ter sido um fator no fracasso da maioria das colônias. Muitas,
talvez a maioria delas fracassaram por razões econômicas.
Geralmente, eles compravam muita terra de sociedades de crédito
imobiliário e não conseguiam utiliza-la de uma forma efetiva.
Muitos adquiriram uma considerável quantia em dinheiro de membros
não residentes. Até mesmo a Kaweah Kooperative Kommonwealth
recebeu dinheiro de membros não residentes, tanto dos Estados Unidos
como da Europa. A colônia secular Icária, que durou muito
tempo, recebeu fundos bastante consideráveis da França até
seu cisma final. Eles erraram especialmente em empreender o cultivo de
uma quantidade muito extensa de terra, mas é difícil compreender
porque durante toda a existência do movimento icariano foi marcada
por um trabalho desesperadamente duro e uma pobreza involuntária.
Onde quer que haja forças
poderosas em torno do compromisso e da coesão, uma sociedade cuidadosamente
escolhida, e líderes inteligentes com larga experiência prática,
o comunismo prova ser, economicamente, extremamente bem sucedido. Nesse
aspecto o modelo é a colônia huterita. Seu principal problema
hoje é a inveja inspirada pelo seu sucesso uniforme e por sua prosperidade.
É difícil relacionar
os milhares de grupos que deram a si mesmos o nome de comunas e que se
esparramaram pelo mundo inteiro menos nos países comunistas
desde a Segunda Guerra Mundial. Muitos desses grupos nunca foram
comunas, mas pensões cooperativas em cidades universitárias
do tipo que sempre existiu. Estes grupos atraem mais atenção
dos jornalistas porque são mais acessíveis. O simples fato
de seus membros fumarem maconha e dormirem uns com os outros indiscriminadamente
não os torna fundamentalmente diferentes das fraternidades gregas.
Algumas comunas rurais portas abertas são na realidade uma
esquadrilha da fumaça. Trezentos alegres caroneiros
adolescentes ocupando trezentos acres onde seus membros mais permanentes
não se preocupam em cultivar o solo não se constitui numa
comuna. Aqui novamente, o jornalismo sensacionalista tem um prato cheio.
É verdade que muitos, talvez a maioria, dos grupos contemporâneos
chamem a si mesmos de comunas, onde o sexo e a droga toma o lugar do chialismo
e do carisma. Mesmo assim, um grande número conseguiu se organizar
enquanto uma genuína comuna de consumo, e algumas poucas,
de produção.
O moderno movimento comunalista
está ligado a uma versão secular do velho milenarismo. Ele
começa com o lançamento da bomba atômica. O fogo e
o julgamento deixaram de ser uma questão de fé e não
se tornaram fatos muito distantes. Um "remanescente salvo" começou
a se retirar dos centros densamente povoados, e em muitos casos do hemisfério
norte. Nos primeiros anos da Guerra Fria o apocalipse não parecia
estar muito distante e pelo menos por duas vezes, uma vez com Dien Bien
Phu e depois durante a crise dos mísseis cubanos, o apocalipse
parecia eminente. As pessoas já não falam muito sobre a
bomba. Passou para segundo plano. Contudo, várias pesquisas de
opinião mostraram que uma maioria de estudantes universitários
não esperam estar vivos no século XXI. Logo após
Nagasaki e Hiroshima, Alex Confort disse que se os americanos não
tivessem inventado a bomba atômica, o Estado capitalista moderno
a teria segregado como uma espécie de produto natural. Como se
não bastasse, a guerra moderna também produziu um imenso
número de pessoas totalmente alienadas, que acreditam que a civilização
ocidental chegou ao fim em agosto de 1914.
É esta a alienação
penetrante e absoluta que ocorre em matéria de religião
ou ideologia entre os comunardos contemporâneos; e o movimento
comunalista moderno é um ataque direto na auto-alienação
humana, descartando as manobras indiretas do socialismo ou do comunismo.
Afinal das contas, como alguém uma vez disse
em uma reunião do Partido Comunista Italiano, implantamos
o socialismo na sexta parte da terra durante cinqüenta anos e sobre
uma área adicional com o dobro de pessoas por vinte e cinco anos,
e a auto-alienação humana em vez de declinar, só
tem crescido. O que estamos fazendo?.
Marx pensava que o processo
industrial daria consciência de classe à classe trabalhadora,
que é o significado do marxismo. Isto não é particularmente
notável em Detroit ou Gary. Mas o desarranjo da civilização
ocidental proporcionou a um imenso número de pessoas, nem todas
jovens, uma resposta quase instintiva -- tanto à classe dominante,
enquanto inimiga, como aos seus semelhantes, enquanto camaradas -- que
grandemente se assemelha ao anarquismo comunista de Bakunin e Berkman,
dos quais poucos deles ouviram falar. É notável como isto
é persuasivo. Grupos altamente autoritários como os muçulmanos
negros, os Panteras Negras, os Testemunhas de Jeová, os Brüderhof,
e Jesus People podem desafiar o mundo lá fora e apresentar para
ele uma grande estrutura exterior, mas dentro de cada movimento uma ética
comunal se desenvolveu. Isto é verdade mesmo para organizações
neo-bolsheviques como os trotskistas ou maoistas, que já não
podem forçar as velhas e rígidas formas de organização
leninista, e constantemente adotam relações interpessoais
tão anarco-comunistas quanto Kropotkin pudesse ter desejado, e
cujas relações com a classe dominante se assemelha àqueles
grupos anarco-terroristas na França ao término do século
XIX. Grupos como estes nascem totalmente sem ideologia exceto aqueles
completamente alienados. A secessão moderna é uma torrente
contínua que se estende desde a Família Manson, a Simbiose
do Exército de Libertação até as comunas religiosas
anarco-pacifistas cujos membros gastam pelo menos duas horas por dia em
meditação.
Um dos fatores que contribuem
para a coesão é o culto. Diante do monasticismo medieval,
com seu contínuo círculo de Missa, Divino Ofício
cântico de salmos, hinos, coros e orações ao
longo do dia e da noite e os contínuos e variados ritos
durante o ano, envolvendo o monge ou a freira, ambos identificados com
a comunidade, era difícil até mesmo pensar em acabar com
tudo isso. Na América do século XIX os shakers tiveram indubitavelmente
o culto mais desenvolvido. Mas até mesmo as comunidades seculares
bem sucedidas desenvolveram uma vida cerimonial, embora sem dúvida
seus sócios não pensem nelas como tal.
Outro fator que muitas vezes
fez parte das cerimônias da comunidade foi a confissão, uma
poderosa força de ligação entre os shakers e que
sobrevive ainda hoje em muitos grupos comunais, o mais famoso nesse aspecto
é o Synanon, onde a crítica mais severa dos sócios
e a confissão mais miserável foi elevada a um princípio
administrativo na comunidade. Qualquer técnica que sistematicamente
ataque o menor sinal de egocentrismo obviamente aumenta a coesão
do grupo, exceto, naturalmente, pelo fato de que pode levar o indivíduo
ao ponto do rompimento, quando ele sai do grupo.
Apenas as comunidades religiosas,
não todas elas, puderam segurar suas crianças. Aparentemente
isso nunca foi problema para os huteritas, que agora pode arriscar enviando
jovens selecionados com segurança para as universidades. Uma das
funções mais importantes dos shakers era o seu cuidado com
os órfãos e crianças abandonadas em um tempo em que
os orfanatos eram poucos e ruins. As crianças foram criadas na
vida shaker, mas nenhuma delas permaneceu na comunidade. Por outro lado,
muitas comunidades seculares sobreviveram principalmente como "escolas
progressivas". Com todos seus desastres e loucuras, esta foi a principal
contribuição da Nova Harmonia de Owen; e da colônia
anarquista de Stelton, New Jersey, que logo tornou-se uma cooperativa
suburbana de "desenvolvimento", foi a escola que manteve a comunidade
viva até que foi subjugada pelo crescimento do subúrbio
(hoje em dia é quase que inteiramente um distrito Negro). Algumas
comunidades do século XX foram principalmente escolas, o melhor
exemplo é o Commonwealth College em Mena, Arkansas. Não
tenho certeza se posso chamar o Black Mountain College de comuna.
O Antioch College, porém, é a última descendente
de vários grupos comunais convergentes, alguns deles advindos de
Nova Harmonia.
Em todos dos muitos livros
escritos sobre o movimento comunalista na América no século
XIX, há pequena discordância sobre os fatores que trazem
sucesso. Eles são:
Uma religião, ou pelo
menos uma ideologia poderosa que todos os sócios do grupo aceitem,
que poderia incluir a crença de que a sociedade dominante falha
em prover valores suficientes para uma vida feliz, que a sociedade dominante
está doente, ou morrendo, ou, já morta, e que a comuna é
um remanescente salvo que escapou da fogueira.
Um líder com um poderoso
carisma e, até mesmo mais importante, a habilidade de persuadir
as pessoas ao que acredita, e também dotado de uma equanimidade
considerável. Noyes, por exemplo, parece ter sido um importante
apaziguador de todas as contendas que se desenvolveram em Oneida. Tal
personalidade pode ser extremamente autoritária e coerciva. Aproximadamente
cinqüenta por cento das pessoas atraídas pela vida comunal
parece ser caracterizada por um extremo masoquismo social, e que não
se importa muito quando encontra comunidades governadas por pequenos tiranos.
A outra metade é fortemente individualista e requer a liderança
de um apaziguador altamente qualificado, capaz de persuadi-los de que
as idéias vieram deles. Todo carisma do mundo não pode compensar
uma gama extensiva de talentos. Noyes, novamente, foi um homem verdadeiramente
universal, que aparentemente poderia fazer bem qualquer coisa; e a liderança
huterita que geralmente destrinchava a maioria das tarefas de sua vida
comunal. Se um líder tiver apenas carisma, ele tem que ter um gerente
empresarial, e esta liderança dual não é incomum.
Deve ter um método aceito
para indicar e alternar tarefas, com ambos os sexos compartilhando os
trabalhos enfadonhos do trabalho doméstico. A roupa suja foi tradicionalmente
o foco de descontentamento entre as mulheres. E, naturalmente, os membros
devem ser responsáveis -- as tarefas devem ser feitas. Muitas comunidades
contemporâneas, urbanas e rurais, são caracterizadas pela
desordem, sujeira, e trabalhos inacabados.
Cultivar é um trabalho
muito duro. É trabalho duro até mesmo para fazendeiros experientes.
Não foi apenas a concentração de capital que criou
a agroindústria americana. Por mais de uma geração
foi impossível sustentar filhos pequenos em uma pequena fazenda
de duzentos acres. Em toda parte do mundo os camponeses tropicais ou semitropicais
abandonaram suas pequenas fazendas e se mudaram para as favelas das cidades,
onde a maior parte deles padece fome e esqualidez. Cultivar hoje na América
em uma pequena marginal ou em uma fazenda geral estropiada é uma
tarefa quase impossível, é claro que uma área medida
em acres não pode agüentar um investimento de capital em maquinaria.
Uma caminhonete, um par de cabras leiteiras e algumas galinhas podem prover
uma quantidade considerável de comida para uma comuna de tamanho
médio, e proporcionar um tempo livre para desenvolver uma fábrica
especializada em artigos de muita procura. Esta é a única
solução para uma comuna de cidade grande, embora algumas
delas aluguem uma chácara nos arredores da cidade. Voltar
à terra e contato com a Mãe Terra fazem
parte da mística das comunas rurais mais contemporâneas,
cujos membros acham mais desejável trabalhar duro e ineficientemente
por um pequeno retorno do que estabelecer uma base econômica fabril
ou industrial.
Além disso, há
um certo irrealismo naquela velha mansão ou naquele apartamento
com doze quartos em Riverside Drive ocupada por advogados, professores,
psiquiatras, assistentes sociais que compartilham despesas, fazem concertos
de música, e chamam a si mesmos de comuna. Na medida em que uma
comunidade se torna potencial ou completamente auto-sustentada, mais se
aproxima de seu ideal de remanescente salvo, o núcleo de
uma sociedade que sobreviverá quando a sociedade dominante perecer.
Há algumas comunidades urbanas que funcionam com um comunismo de
produção e também de consumo. Eles parecem ser principalmente
religiosos e sob uma liderança extremamente autoritária.
Claro que, no apocalipse, as comunidades urbanas perecerão juntamente
com as cidades, que são o melhor argumento final pelo estabelecimento
de comunidades em partes remotas do país. O único problema
é que os belicistas do Estado tem a mesma idéia. As comunas
do Novo México estão bem no meio dos centros originais de
artefatos de guerra atômicos, e até mesmo as colônias
huteritas em Dakota do Norte estão dentro de uma gama de silos
para mísseis balísticos intercontinentais. Sunburst Farms
é próximo a Santa Barbara, uma das comunidades agrícolas
mais bem sucedidas, e está dentro da área dos testes de
explosão da Base Aérea de Vandenburg, e a área de
San Francisco Bay é pontilhada de instalações voltadas
para a guerra atômica e comunas, em uma espécie de compartilhamento.
Um completo a lei
é fazer o que quiser e total anarquismo individual simplesmente
não funciona. Uma boa parte das comunas contemporâneas operam
nessa base, mas elas parecem ter uma média de cem por cento de
rotação a cada ano. A comuna persiste, essencialmente, apenas
como um endereço. A maioria dos grupos desse tipo vem compartilhar
drogas e sexo, eles estão unidos, do jeito deles, pela inimizade
da sociedade dominante. Todos os métodos contemporâneos que
trazem coesão ao grupo existem em uma ou outra comunidade. Sexo
em grupo, grupos de encontro, grupos de confissão e crítica
muitas comunidades praticam tudo isso ao mesmo tempo, e cada grupo
tem seus antecedentes, não apenas no século XIX, mas também
na Reforma Radical.
Finalmente, uma comunidade
pode perdurar enquanto uma imensa "esquadrilha da fumaça"
com uma plena política de portas abertas, mas não pode perdurar
como uma comunidade. Seletividade é a primeira lei do comunalismo.
Até mesmo o ambiente mais anárquico, onde ninguém
acredita em leis, precisa acreditar pelo menos no anarquismo. As mais
bem sucedidas comunas de nossos dias não permitem nem mesmo visitas,
ou não lhes permitem ficar mais do que uma noite, e os membros
prospectivos estão sujeitos a um minucioso noviciado. Nos primeiros
dias do movimento pós Segunda Grande Guerra, quando todo carona
era recebido com boas-vindas e com os braços abertos, as comunas não
apenas ficaram cheias de vadios e sociopatas, como também enfrentaram
sérios problemas com cães abandonados e crianças
abandonadas, que eram deixados para trás por comunardos vagabundos.
A Ordem de São Benedito tem todo um capítulo dedicado à
ameaça de tais pessoas no começo do monasticismo Ocidental.
Cães abandonados e crianças abandonadas são problemas
sociais, mas há um problema estético e até mesmo
um problema ecológico. As cercanias da maioria das comunas hippies
rurais estão abarrotadas de carcaças de carros abandonados,
que fazem o papel de um grande parque de diversões, ocupado por
crianças nuas, constituindo ultimamente um expensivo problema.
Fim do livro Comunalismo
de Kenneth Rexroth.
Copyright 1974. Versão
inglesa reproduzida com permissão de Kenneth Rexroth Trust.
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