A.3 Quantos tipos de anarquismos existem?
Introdução
A.3.1 Quais
são as diferenças entre individualistas e anarquistas sociais?
A.3.2 Existem
quantos tipos de anarquismo social?
A.33. Existem
quantos tipos de anarquismo verde?
A.3.4 O anarquismo
é pacifista?
A.3.5 Que é
Anarco-Feminismo?
A.3.6 Que é
Anarquismo Cultural?
A.3.7 Existem
anarquistas religiosos?
A.3.8 Que é
"anarquismo sem adjetivos"?
"De acordo com os fundadores do Socialismo, os anarquistas almejam a abolição de todos os monopólios econômicos, e a propriedade coletiva da terra e de todos os meios de produção, para que estejam a disposição de todos sem distinção; a liberdade pessoal e social é concebível apenas em uma base de igualdade econômica para todos.Dentro do movimento socialista os anarquistas adotam o ponto de vista de que a guerra contra o capitalismo precisa ser ao mesmo tempo uma guerra contra todas as instituições que representam alguma forma de poder político, pois a história da exploração econômica sempre andou lado a lado com a opressão política e social. A exploração do homem pelo homem e a dominação do homem sobre o homem são inseparáveis, uma não existe sem a outra." [Anarcho-Syndicalism, pp. 17-18]
Estes são os pontos em que os anarquistas concordam. As diferenças mais visíveis
estão entre os anarquistas "individualistas"e"sociais",
embora a idealização das concepções econômicas de cada um não sejam mutuamente
exclusivas. Dos dois, os anarquistas sociais (comunistas-anarquistas, anarco-sindicalistas
e outros) sempre se constituiram na vasta maioria, sendo que o anarquismo individual
ficou mais restrito aos Estados Unidos.
Nesta seção mostramos as diferenças que permeiam o movimento anarquista. Para deixar claro, tanto o anarquismo social como o anarquismo individual ambos se opõem ao estado e ao capitalismo, a discordancia se situa na natureza da futura sociedade livre (e em como ela será alcançada)
Resumidamente, os
anarquistas sociais preferem soluções comunais para os problemas sociais e visões
comunais de uma sociedade ideal (isto é, uma sociedade que protege e encoraja
a liberdade dos indivíduos). Anarquistas individualistas, como o nome sugere,
preferem soluções individuais e tem uma visão mais individualista dessa sociedade.
Contudo, precisamos não esquecer que tais diferenças de ambas as escolas não
ocultam o que elas tem em comum, principalmente o desejo de maximizar a liberdade
individual e acabar com a exploração, o dominio estatal e o capitalistado.
Além dessa discordância,
os anarquistas também discordam em assuntos como sindicalismo, pacifismo, "estilo
de vida", direitos animais e outras idéias, mas estes pontos, embora importantes,
são apenas diferentes aspectos do anarquismo. Neste contexto de idéias
chaves, o movimento anarquista (como a própria vida) está em constante estado
de mudança, discussão e pensamento -- o que é de se esperar em um movimento
cujo valor mais alto é a liberdade.
Colocando nossas
cartas na mesa, os escritores deste FAQ consideram-se a si mesmos como da parte
"social" do anarquismo. Isto não significa que nós desprezamos as muitas importantes
idéias associadas com anarquismo individualista, apenas achamos que o anarquismo
social é mais apropriado para a sociedade moderna, e que ele cria uma forte
base para a liberdade individual, e que mais reflete o tipo de sociedade que
nós gostaríamos de viver.
A primeira linha
de pensamento refere-se ao significado da ação no aqui e no agora (e quanto
à maneira em que a anarquia será aplicada).
Individualistas geralmente preferem educação e a criação de instituições alternativas,
como fundos de ajuda mútua, sindicatos, comunas, etc. Geralmente defendem greves
e outras formas não violentas de protesto social (como boicotes, não pagamento
de impostos e coisas assim).
Tais atividades,
argumentam, ajudarão a presente sociedade gradualmente a se afastar de qualquer
sistema de governo em direção a um auto-governo anarquista.
Inicialmente evolucionistas, não revolucionários, os anarquistas sociais passaram
a adotar táticas de ação direta pra criar situações revolucionárias. Eles consideravam
a revolução conflitante com os princípios anarquistas por envolver a expropriação
da propriedade capitalista e, portanto, meios autoritários.
Depois dariam de
volta à sociedade toda a riqueza subtraída dessa sociedade pela propriedade
dos meios de produção em um novo e alternativo sistema econômico, baseado em
fundos de apoio mútuo [mutual banks] e cooperativas. Dessa forma, seria efetuada
uma "liquidação social" com o anarquismo sendo implantado pela reforma e não
pela expropriação.
A maioria dos anarquistas sociais reconhecem a necessidade da educação e de criar alternativas (como sindicatos libertários), mas qualquer desacordo nesse campo por si só é suficiente. Eles não acreditam que o capitalismo possa ser reformado peça por peça até chegar no anarquismo, embora eles não ignorem a importancia das reformas para a luta social incremente as tendências sociais sobre o capitalismo.
Isso não significa que o pensamento revolucionário esteja em contradição com os princípios anarquistas, da mesma forma que não é autoritarismo destruir a autoridade (seja ela estatal ou capitalista). A expropriação da classe capitalista e a destruição do estado pela revolução social é um ato libertário, não autoritarias, ato tão natural quanto se opor àqueles que governam e exploram a vasta maioria.
Com efeito, os anarquistas
sociais são em geral evolucionistas e revolucionários, tentando fortalecer
as tendências libertárias dentro do capitalismo ao mesmo tempo em que tentam
aboli-lo pela revolução social. Embora alguns anarquistas sociais sejam exclusivamente
evolucionistas, este fato não se constitui por si só na diferença mais importante
entre anarquistas e individualistas.
A segunda maior diferença
relaciona-se à forma como a economia anarquista é proposta. Individualistas
preferem um sistema de distribuição [com base no mercado] voltado para o sistema
anarquista [com base na necessidade] social.
Ambos concordam que o atual sistema de direitos de propriedade capitalista precisa
ser abolido e o direito de uso precisa substituir os direitos de propriedade
(isto é, a abolição do aluguel, do juro e dos lucros, da "usura", o termo
preferido pelos anarquistas individualistas para esta maldita trindade).
Com efeito, ambas as escolas se baseiam na obra clássica de Proudhon Que é Propriedade? e argumentam que a posse substitui a propriedade em uma sociedade livre (veja seção B.3 para uma discussão de pontos de vista anarquistas sobre a propriedade).
Diante da bandeira dos direitos de uso, as duas escolas do anarquismo propõem sistemas diferentes. O anarquismo social em geral defende a autogestão comunal (ou social) e uso. Isto envolveria autogestão social dos meios de produção e distribuição, com possessões pessoais significando coisas de uso, mas não aquilo que foi usado para criá-las ("seu relógio é seu relógio, mas a fábrica de relógios pertence ao povo." [Alexander Berkman, The ABC of Anarchism, p. 68])
"O uso efetivo," argumenta Berkman, "será considerado o único documento -- não apenas para a autogestão mas também para a posse. A organização de carvão mineral, por exemplo, estará a cargo dos mineiros de carvão, não como proprietários mas como agentes operacionais . . . A posse coletiva, administrada cooperativamente no interesse da comunidade, tomará o lugar da gestão privada conduzida pelo lucro." [Op. Cit., p. 69]
Este sistema seria baseado em trabalhadores autogestionados em seu trabalho e (para a maioria dos anarquistas sociais) a libre distribuição do fruto do trabalho (isto é, um sistema econômico sem dinheiro). Alguns anarquistas sociais, como os mutualistas, são contra esse sistema de comunismo libertário (ou livre), mas, em geral, a grande maioria dos anarquistas sociais almejam o fim do dinheiro e, consequentemente, da compra e da venda.
Em contraste, os anarquistas individualistas acham que esse sistema de direitos de usufruto incluem o produto de seu trabalho. Defendendo uma gestão social, anarquistas individualistas propõem um sistema baseado no mercado em que trabalhadores possam dispor de seus próprios meios de produção e trocar o produto de seu trabalho livremente com outros trabalhadores. Eles argumentam que isto não se trata de capitalismo, mas do verdadeiro mercado livre.
Com o tempo, os capitalistas através do estado distorceram o mercado pra criar e proteger seu poder econômico e social (disciplina do mercado para as classes trabalhadoras, em outras palavras, ajuda estatal para as classes dominantes). Este estado criou monopólios (de dinheiro, terras, tarifas e patentes) e a proteção dos direitos de propriedade capitalista pelo estado que constituem o suporte das desigualdades econômicas e da explortação.
Com a abolição do governo, uma real livre competição resultaria e significaria o fim do capitalismo e da exploração capitalista (veja o ensaio de Benjamim tucker State Socialism and Anarchism como um excelente sumário deste argumento).
Os anarquistas individualistas argumentam que os meios de produção (terras trabalhadas) são o produto do trabalho individual e apenas eles estão habilitados a vender os meios de produção que eles usam, se desejarem. Contudo, eles rejeitam o direito de propriedade capitalista e defendem um sistema de "ocupação pelo uso". Se os meios de produção, como a terra, não estão sendo usados, passarão a ser de propriedade comunal a disposição dos interessados para uso. Eles imaginam este sistema, chamado de mutualismo, como o consequencia do controle dos trabalhadores na produção e o fim da exploração capitalista e da usura.
Esta segunda diferença é a mais importante. Os individualistas temem ser forçados a participar de uma comunidade e com isso perder sua liberdade (incluindo a liberdade de trocar livremente seus produtos uns com os outros).
Max Stirner colocou sua posição com clareza quando argumentou que "O comunismo, pela abolição de toda propriedade pessoal, me tornará ainda mais dependente dos outros, tanto no geral como no coletivo. . .", uma condição que vai tolher a liberdade de meus movimentos, um poder invisível sobre mim. O comunismo revolta pela pressão que exerce contra a propriedade individual, mas muito mais horrível é este poder colocado nas mãos da coletividade." [The Ego and Its Own, p. 257]
Proudhon também argumentou contra o comunismo, afirmando que a comunidade torna-se o proprietário sob o comunismo e que tanto o capitalismo como o comunismo são baseados na propriedade e portanto na autoridade (veja a seção "Características do comunismo e da propriedade" em Que é Propriedade?)Tanto os anarquistas individualistas argumentam que a gestão social coloca a liberdade individual em perigo como uma forma de comunismo que submete o indivíduo à sociedade ou à comuna.
Eles temem que, através de uma forma de moralidade individual, a socialização neutralize o controle dos trabalhadores, passando essa "sociedade" a lhes dar órdens sobre o que produzir e o que fazer com o produto de seu trabalho. De qualquer forma, isso reforça o argumento de que o comunismo ou a gestão social em geral seria muito parecido com o capitalismo, atraves da exploração e da autoridade dos gestores repassados àquela "sociedade".
Desnecessário dizer que os anarquistas sociais não concordam com isso. Eles argumentam que os comentários de Stirner e Proudhon estão totalmente corretos -- mas apenas no que diz respeito ao comunismo autoritário.
Conforme Kropotkin argumenta, "antes e em 1848, a teoria [do comunismo] foi colocada em cheque por Proudhon no que diz respeito a seus efeitos sobre a liberdade. A velha idéia de Comunismo como sendo um amontoado de comunidades monásticas sob o governo de velhos ou de homens da ciência. O último vestígio de liberdade e da energia individual seria destruido, se a humanidade se tornasse esse tipo de comunismo." [Faça você mesmo, p. 98] Kropotkin sempre defendeu o anarco-comunismo tal qual despontou a partir de 1870, é importante destacar que Proudhon e Stirner não podem ser considerados frontalmente contra coisas às quais eles não tinham familiaridade.
Mesmo que se submetesse o individuo à comunidade, os anarquistas sociais argumentam que a autogestão comunal proveria as eventuais necessidades de proteção à liberdade individual em todos os aspectos da vida pela abolição do poder da propriedade privada, em todas suas formas e manifestações. Além do mais, mesmo que fosse abolida toda a "propriedade", o anarco-comunismo reconheceria a importancia da posse e do espaço individual. Tanto que Kropotkin arguia contra formas de comunismo que
"Administrar uma comunidade sob o modelo de vida familiar... todos na mesma casa e ... forçar seus membros a encontrar-se continuamente com os mesmos 'irmãos e amigos'... é um erro fundamental pois impõe a todos a 'grande família' e não consegue garantir uma maior liberdade, nem um lar para cada indivíduo."[Small Comunal Experiments and Why They Fail, pp. 8-9] O alvo do anarco-comunismo é, citando o próprio Kropotkin, um lugar onde "os frutos da produção estão a disposição de todos, tendo cada um a liberdade para consumi-los e disponibilizá-los em sua própria casa." [The Place of Anarchism in the Evolution of Socialist Thougtht, p. 7] -- Esse espaço para a expressão individual, tanto no consumo como na produção, tem sido amplamente apoiado por trabalhadores autogestionados.
Para o anarquista social, a oposição do anarquista individualista ao comunismo é válida apenas no que diz respeito ao Estado ou ao Comunismo autoritário e ignora a natureza fundamental do anarco-comunismo. Anarco-comunistas não sufocam a individualidade com a comunidade mas pelo contrário usam a comunidade para defender a individualidade. Em vez de a "sociedade" controlar o individuo, o anarco-individualista a protege, o anarquismo socia caracteriza-se pela importancia que dá à individualidade e à expressão individual:
Acrescente-se a isto que os anarquistas sociais sempre reconheceram a necessidade da coletivização voluntária. Se as pessoas desejam trabalhar para si mesmas, isto não é visto como um problema (veja Kropotkin em A Conquista do Pão, p. 61 e Faça Você Mesmo, pp. 104-5 e Malatesta em Vida e Idéias, p. 99 e p. 103). Para os anarquistas sociais uma associação existe apenas o benefício dos indivíduos que a compõem; estes são os meios pelos quais as pessoas cooperam visando satisfazer as necessidades comuns. Portanto, todos os anarquistas enfatizam a importancia da livre associação como a base de uma sociedade anarquista. Nisto todos concondam com Bakunin:
"O anarco-comunismo preserva a mais valorosa de todas as conquistas -- a liberdade individual -- e mais do que isso, a amplia e dá a ela uma base sólida -- liberdade econômica -- sem a qual a liberdade política é uma ilusão; ela não pede ao indivíduo para que rejeite deus, a tirania universal, o deus rei, o deus parlamento, para dar a si mesmo um deus mais terrível que seus predecessores -- o deus Comunidade, ou abdicar de sua própria independência, de seu futuro, de seus desejos. Pelo contrário, 'nenuma sociedade é livre enquanto houver um indivíduo que não o seja!. . . '" [Op. Cit., pp. 14-15]
"Em uma comunidade livre, o coletivismo pode apenas surgir em função da pressão das circunstancias, não da imposição de cima mas pela livre movimentação expontânea de baixo." [Bakunin e Anarquismo, p. 200]
Se individualistas
desejam trabalhar para si mesmos e trocar seus bens uns com os outros, os anarquistas
sociais não fazem nenhuma objeção. Uma vez que essas duas formas de anarquismo
não são mutuamente exclusivas. Os anarquistas sociais apoiam o direito dos indivíduos
não comungarem na comuna enquanto Anarquistas Individualistas e reconhecem
o direito desses indivíduos se organizarem entre si em suas associações comunísticas.
Contudo, se, em nome da liberdade, um indivíduo exigir direitos de propriedade
baseado na exploração do trabalho dos outros, os anarquistas sociais deverão
rápidamente se opor a esta tentativa de recriação do estatismo em nome da "liberdade".
Anarquistas não respeitam a "liberdade" de ser um governante! Nas palavras de
Luigi Galleani:
"No less sophistical is the tendency of those who, under the comfortable cloak of anarchist individualism, would welcome the idea of domination . . . But the heralds of domination presume to practice individualism in the name of their ego, over the obedient, resigned, or inert ego of others." [The End of Anarchism?, p. 40]Para os anarquistas sociais, a ideia de que os meios de produção possam ser vendidos implica no risco de que a propriedade privada possa ser reintroduzida em uma sociedade anarquista. Em um livre mercado, alguns vingam outros falham. Se os competidores "fracassados" virarem desempregados eles poderiam vender seu trabalho para os "bem sucedidos" para poderem sobreviver. Isto criaria uma relação social de autoritarismo e de dominação via "livre contrato". A obrigatoriedade do cumprimento de tais contratos (ou coisa parecida), em todos seus aspectos, "abriria... o caminho para a reconstrução das bases daquilo que chamamos de Estado"[Peter Kropotkin, Kropotkin's Revolutionary Pamphlets, p. 297]
Benjamim Tucker, o anarquista mais influenciado pelas idéias do liberalismo e do livre mercado, tambem enfrentou os problemas associados com todas as escolas do individualismo abstrato -- particularmente, a aceitação das relações sociais autoritarias como uma expressão de "liberdade". Há uma certa semelhança disto com as relações entre a propriedade e o estado. Tucker argumentava que o estado se caracterizava por dois aspectos: a agressão e "a imposição da autoridade sobre uma determinada área e tudo que diz respeito a ela, é geralmente exercida com um duplo propósito: a mais completa opressão aos opositores e extensão de seus domínios". [Instead of a Book, p. 22]
Contudo, os produtores e os fazendeiros também tinham autoridade sobre uma determinada área (a propriedade em questão) e de tudo que estava sobre ela (trabalhadores e feitores), com a diferença que o controle formal das ações dos trabalhadores era regulada por leis estatais. Em outras palavras, a produção individual autogestionária em tais relações sociais é como se fosse um mini-estado, uma vez que origina-se de uma mesma base (o monopólio do poder sobre uma determinada área e sobre aqueles que a utilizam)
Os anarquistas sociais argumentam que a aceitação do isolamento dos Anarquistas Individualistas e de suas concepções individualistas de liberdade individual podem desaguar num obstáculo à liberdade individual pela criação de relações sociais que são essencialmente autoritárias e estatistas por natureza. "Os individualistas, argumenta Malatesta, dão uma grande importancia a um conceito abstrato de liberdade e erram quando não levam isso em consideração, esquecendo que o fato da real e concreta liberdade advem da cooperação solidária e voluntária." [The Anarchist Revolution, p. 16] Esse procedimento coloca o trabalhador num nível e o administrador em outro, o cidadão num nível e o estado em outro, um sob o domínio e sujeição do outro. Da mesma forma o capataz e o fazendeiro.
Esse tipo de relacionamento social não é em nada positivo e reproduz outros aspectos do estado. Conforme disse Albert Meltzer, isto pode parecer inóquo mas tem sérias implicações, porque "a escola de Benjamim Tucker -- em função de seu individualismo -- aceita a necessidade da polícia para reprimir greves tanto quanto para garantir a "liberdade" dos empregados. Coisas como essas são aceitas pelos Individualistas confessos... a necessidade da força policial, de governo, só que a primeira definição de anarquismo é sem governo." [Anarchism: Arguments For and Against, p. 8] Isto explica em parte porque os anarquistas sociais defendem a gestão social como a melhor maneira de protejer a liberdade individual.
Aceitando a gestão individual este problema pode apenas ser "adiado" pela aceitação, como fez Proudhon (o suporte das idéias econômicas de Tucker), da necessidade de cooperativas para abrir espaços de trabalho que requer mais de um trabalhador. Isto naturalmente complementa seu apoio pela "ocupação e uso" da terra, que efetivamente aboliria os senhores da terra. Apenas quando as pessoas que usam um suporte próprio isto pode fazer com que a gestão individual não resulte em autoridade hierarquica (i.e. estatismo/capitalismo). Esta solução, conforme indicado na seção G
é uma das coisas que os Anarquistas Individualistas aprovam. Por exemplo, encontramos Joseph Labadie escrevendo para seu filho aconselhando-o a evitar qualquer forma de "dominação sobre os outros" [citado por Carlotta Abderson, All American Anarchist, p. 222] Como Wm. Gary Kline acertadamente observa, os anarquistas individualistas dos US "fazem suas pontuações a partir de uma sociedade com pleno emprego e com nenhuma disparidade significante na distribuição da riqueza" [The Individualist Anarchists, p. 104] É nesta visão de uma sociedade de pleno emprego que tais idéias se tornam verdadeiramente anarquistas.
Quando os individualistas atacam a "usura", eles não levam em consideração o problema da acumulação do capital, que resulta em uma barreira natural que é a introdução do mercado, dessa forma recriam a usura em novas formas (veja seção C.4 "Por que o mercado foi dominado pelas grandes corporações?") ancorar um "livre mercado" em bancos, como defende Tucker e outros Anarquistas Individualistas, poderia resultar no domínio de alguns grandes bancos, cujo interesse econômico direto em apoiar capitalistas seria maior que simplesmente investir em cooperativas (que lhes dariam mais retorno que as cooperativas). A única solução real para esse problema seria através de uma comunidade autogestionária que administrasse os bancos, como originalmente desejou Proudhon.
É a percepção dessa
semente de economia capitalista que faz com que os anarquistas sociais rejeitem
o anarquismo individualista em favor do comunalismo, da descentralização, e
da produção pela livre associação e trabalho cooperativo. (Para mais informações
sobre as idéias dos anarquistas individualistas, veja seção G - "O individualismo
anarquista é capitalista?")
A versão anarquista social do mutualismo difere da forma individualista pela comunidade local (ou comuna) ter seus próprios bancos mútuos independente de cooperativas. Isto significa que tais bancos provêem fundos de investimentos diretamente para os cooperados sem intermediários capitalistas. Outra diferença é que alguns anarquistas sociais mutualistas apoiam a criação do que Proudhon chamou de "Federação agro-industrial" como complemento da federação de comunidades libertárias (chamadas por Proudhon de comunas).
Esta "confederação. . . teria como objetivo proporcionar segurança recíproca entre o comércio e a indústria" e desenvolvimento em larga escala como rodovias, ferrovias, etc. Com o propósito de "proteger os cidadãos dos estados federados [sic!] dos capitalistas e do feudalismo financeiro, interna e externamente." Isto porque o "political right requires to be buttressed by economic right." Dessa forma a federação agro-industrial seria uma ferramenta da natureza anarquista da sociedade contra os efeitos desestabilizantes das mudanças de mercado (que pode gerar variações inadequadas em riqueza e em poder).
Tal sistema seria um exemplo prático de solidariedade, como "as indústrias são como irmãs, elas são parte do mesmo corpo; nenhuma sofre sem que a outra sofra também. Seu conjunto forma uma federação, não para serem absorvidas e misturadas, mas para serem ordenadas no sentido de garantir mutuamente as condições necessárias para uma prosperidade comum. . . Uma harmonia que não menospreza sua condição de liberdade; pelo contrário, dá à liberdade mais segurança e força." [The Principle of Federation, p. 70, p. 67 and p. 72]
As outras formas de anarquismo social não dariam este suporte mutualista para o mercado, mesmo as não capitalistas. Segundo eles, a liberdade seria mais servida pela produção comunal e pela troca de informações e produtos livremente entre as cooperativas. Em outras palavras, as outras formas de anarquismo social são baseadas na gestão (comum) ou social através de federações de associações de produtores e comunas em lugar do sistema mutualista de cooperativas individuais.
Nas palavras de Bakunin,
a "futura organização social precisa ser construída em bases sólidas, por
uma livre associação ou federação de trabalhadores, primeiro em seus sindicatos,
depois em suas comunas, regiões, nações e finalmente em uma grande federação,
internacional e universal" e "a terra, os instrumentos de trabalho e
todo e qualquer capital tornar-se-a propriedade coletiva a disposição da sociedade
como um todo para ser utilizada apenas pelos trabalhadores, em outras palavras,
pelas associações agrícolas e industriais." [Michael Bakunin: Selected
Writings, p. 206 and p. 174]
Apenas pela extenção destes princípios de cooperação entre os indivíduos em
seus locais de trabalho é que se poderá maximizar a liberdade individual e proteger
(veja seção I.1.3
porque a maioria dos anarquistas se opõem ao mercado). Essa era a idéia de Proudhon.
As confederações industriais "garantiriam o uso mútuo dos meios de produção
que seriam de propriedade de cada um desses grupos, ao mesmo tempo que haveria
um contrato recíproco tornando propriedade coletiva o conjunto... da federação.
Dessa forma, os grupos federados seriam capazes de... regular o rateio da produção
de forma a atender as flutuantes necessidades da sociedade." [James Guillaume,
Bakunin on Anarchism, p. 376]
Embora estes anarquistas apoiem os mutualistas enquanto trabalhadores autogestionários
na produção cooperativa, vêem essas confederações e essas associações como sendo
o ponto focal para a expressão do apôio mútuo, não o mercado. Autonomia local
e autogestão seria a base de qualquer federação, a fim de que "os trabalhadores
das mais variadas fábricas não troquem as mãos pelos pés assumindo o controle
da produção como um poder superior e comecem a chamar-se a si mesmos de 'corporação'".
[Op. Cit., p. 364]
Em adição à essa federação industrial haveriam também indústrias cruzadas e
confederações de comunidades responsáveis por tarefas que não fossem da exclusiva
jurisdição ou capacidade de alguma federação de indústria em particular ou de
alguma área de natureza social. Novamente, aqui há similaridades com as idéias
mutualistas de Proudhon.
Os anarquistas sociais depositam uma grande confiança na gestão comum dos meios
de produção (excluindo aqueles que são puramente individuais) e rejeitam a idéia
individualista de que tais meios possam ser "vendidos" por aqueles que os utilizam.
A razão, conforme observado anteriormente, é porque se isso for feito, o capitalismo
e o estatismo poderia voltar a tomar forma dentro da sociedade livre. Além do
mais, outros anarquistas sociais não concordam com a idéia mutualista de que
o capitalismo possa ser reformado em direção a um socialismo libertário pela
introdução do banco mútuo. Para eles o capitalismo pode apenas ser substituído
por uma sociedade livre através da revolução social.
A maior diferença entre coletivistas e comunistas é sobre a questão do "dinheiro"
após a revolução. Anarco-comunistas consideram a abolição do dinheiro como sendo
essencial, enquanto os anarco-coletivistas consideram o fim da gestão privada
dos meios de produção como sendo mais importante. Conforme relata Kropotkin,
o anarquismo coletivista "expressa um estado de coisas em que tudo que for
necessário para a produção estará disponível para todos através dos grupos de
trabalho e das comunas livres, enquanto que as formas de retribuição do do trabalho,
comunistas ou outros, seriam determinadas por cada grupo envolvido." [Kropotkin's
Revolutionary Pamphlets, p. 295]
Dessa forma, tanto o coletivismo quanto o comunismo ambos organizariam a produção
em comum via associação de produtores, eles diferem na forma como os bens produzidos
seriam distribuidos. O comunismo é baseado no livre consumo de tudo enquanto
que o coletivismo parece basear-se na distribuição de bens de acordo com trabalho
efetuado. Por outro lado, os anarco-coleitvistas pensam que, com o tempo, com
o aumento da produtividade e com o fortalecimento do senso de comunidade, o
dinheiro desaparecerá. Ambos concordam que, no final das contas, a sociedade
funcionará de acordo com o que é sugerido pela máxima comunista: "Exigir
de cada um conforme sua capacidade, e dar a cada um de acordo com suas necessidades".
Eles apenas não concordam em como chegar rapidamente a esse ponto.
Os anarco-comunistas
acham que depois da revolução "o comunismo - mesmo que parcial - tem mais
chances de se estabelecer que o coletivismo" . [Op. Cit., p. 298]
"Se abolirmos a gestão privada dos meios de produção, e em seguida voltarmos
ao sistema de remuneração de acordo com o trabalho realizado, traremos de volta
a desigualdade." [Alexander Berkman, The ABC of Anarchism, p. 80]
Quanto mais rápido chegar-se ao comunismo, menores serão as chances do crescimento
das desigualdades.
O sindicalismo é a outra grande vertente do anarquismo social. Os anarco-sindicalistas,
como os outros sindicalistas, querem criar um movimento sindical industrial
baseado em idéias anarquistas. Defendem a descentralização, sindicatos federados
que usam a ação direta para se impor sobre o capitalismo até que estejam suficientemente
fortes para abolí-lo. Sob os mais variados aspectos o anarco-sindicalismo em
muito se assemelha ao anarco-coletivismo. O anarco-sindicalismo assume uma grande
importancia no que diz respeito ao trabalho anarquista dentro dos movimentos
de trabalhadores e na criação de sindicatos que serão uma amostra do futuro
livre da sociedade.
Mesmo sob o capitalismo, os anarco-sindicalistas procuram criar "livres associações
de livres produtores." De forma que essas associações funcionariam como
"uma escola prática de anarquismo" e levam muito a sério as palavras
de Bakunin de que as organizações de trabalhadores precisam criar "não apenas
idéias mas também fatos do próprio futuro" neste período pré-revolucionário.
Tanto os anarco-sindicalistas, como todos os anarquistas sociais, "estão
convencidos de que a ordem econômica socialista não pode ser criada por decretos
e estatutos de um governo, mas apenas pela colaboração solidária dos trabalhadores
com seus braços e cérebros voltados especialmente para a produção; isto é, que
tudo funcione de tal forma que os produtores possam assumir o papel de gestores
de todos os planos e que eles mesmos sejam os responsáveis pelos destinos das
indústrias e pelas decisões dos organismos econômicos, direcionando sistematicamente
a produção e a distribuição dos produtos no interesse das comunidades com base
no livre acordo mútuo". [Rudolf Rocker, Anarcho-syndicalism, p. 55]
As diferenças entre sindicalistas e outros anarquistas sociais revolucionários
é mínima e gira em torno de questões relativas a sindicatos anarco-sindicalistas.
Os anarquistas coletivistas concordam que a construção de sindicatos libertários
é importante e que um trabalho em meio ao movimento dos trabalhadores é essencial
no sentido de "desenvolver e organizar . . . o poder social das massas de
trabalhadores." [Bakunin, Michael Bakunin: Selected Writings, p.
197]
Os comunistas anarquistas em geral tem conhecimento da importancia do trabalho
no meio operário mas acreditam em organizações sindicalistas enquanto criadas
por trabalhadores em luta, de tal forma que consideram o "espirito da
revolta" como mais importante que a simples fundação de sindicatos e
filiação de trabalhadores a eles. Também não dão muita importancia ao local
de trabalho, considerando que a luta travada ali dentro assume importancia igual
a qualquer outra luta contra a hierarquia e a dominação fora do posto de trabalho
(a maioria dos anarco-sindicalistas concorda com isso, todavia, trata-se apenas
de uma questão de ênfase). Alguns anarco-comunistas acham que o movimento operário
é reformista por natureza e se recusam a colaborar com ele, mas são uma pequena
minoria.
Tanto comunistas quanto anarquistas coletivistas reconhecem a necessidade dos
anarquistas juntos formarem uma organização anarquista. Eles acham essencial
que os anarquistas trabalhem juntos como anarquistas para clarear e transmitir
suas idéias aos outros. Os sindicalistas são de grande importancia dentro dos
grupos anarquistas e federações, defendendo que sindicatos industriais e comunitários
são auto-suficientes. Os sindicalistas acreditam que os anarquistas e o movimento
sindical podem se fundir em um só, embora a maior parte dos anarquistas não
concordem. Os não-sindicalistas apontam para a natureza do sindicalismo e proclamam
a necessidade de sindicatos revolucionários, e que os anarquistas precisam participar
deles como parte de um grupo anarquista ou federação. A maior parte dos não
sindicalistas consideram a fusão do anarquismo e do sindicalismo um suporte
potencial para a confusão que resulta em que nem um nem outro funcione
corretamente.
Na prática, alguns anarco-sindicalistas rejeitam totalmente a necessidade de
uma federação anarquista, enquanto que outros anarquistas são totalmente anti-sindicalistas.
Todavia, Bakunin foi o inspirador tanto das idéias anarco-comunistas como anarco-sindicalistas,
da mesma forma que Kropotkin, Malatesta, Berkman e Goldman, todos simpáticos
às idéias dos movimentos anarco-sindicalistas.
Para consultas futuras sobre os mais variados tipos de anarquismo social, recomendariamos
o seguinte: o mutualismo é geralmente associado com as palavras de Proudhon,
o coletivismo com Bakunin, o comunismo com Kropotkin, Malatesta, Goldman e Berkman.
O sindicalismo difere no sentido de que é mais o produto da luta dos trabalhadores
do que obra de nomes "famosos" (embora hajam acadêmicos do naipe de um George
Sorel considerado o pai do sindicalismo, embora tenha escrito sobre o movimento
sindical quanto ele já existia). De qualquer forma, Rudolf Rocker é por muitos
considerado como o principal teórico do anarco-sindicalismo e as obras de Fernand
Pelloutier e Emile Pouget são essenciais para a compreensão do anarco-sindicalismo.
A excelente antologia No Gods No Masters de Daniel Guerin faz uma abrangente
explanação sobre o desenvolvimento do anarquismo social na forma de uma leitura
bastante agradável.
"A noção de que o homem precisa dominar a natureza emerge diretamente da dominação do homem pelo homem. . ." Mas não se trata apenas de relações comunais orgânicas. . . dissolvidas dentro de relações de mercado, o planeta em si mesmo foi reduzido a um mero suporte à exploração. Essa tendência ao longo dos séculos encontrou seu mais exacerbado desenvolvimento no moderno capitalismo. Argumentando que a natureza é inerentemente competitiva, a sociedade burguesa não apenas lançou homens contra outros homens, como também lançou a massa da humanidade contra o mundo natural. Da mesma forma como o homem é convertido em commodities, muitos aspectos da natureza humana é convertida para a commodity, um suporte a ser manufaturado e como uma mercadoria qualquer." [Op. Cit., p. 63]Boa parte dos ecologistas sociais consideram essencial atacar a hierarquia e o capitalismo, não a civilização como sendo a causa raiz dos problemas ecológicos. Esta é uma das áreas chaves em que eles discordam das idéias Anarquistas "Primitivistas", os quais tendem a ser mais críticos em todos os aspectos da vida moderna, tanto que alguns vão mais longe e proclamam para o "fim da civilização" incluindo, aparentemente, todas as formas de tecnologia e organizações em larga escala.
"A valorização do mercado em detrimento do espírito humano é paralela à valorização do capital em detrimento da terra." [Ibid., p. 65]
"[O problema da Deep Ecology] está em percorrer os caminhos autoritários de um biologismo crú que usa 'leis naturais' para diminuir o senso de humanidade e ignorar a realidade do fato de que é o capitalismo o responsável, não uma abstração chamada 'Humanidade' e 'Sociedade'" [The Philosophy of Social Ecology, p. 160]Resumir a crítica e a análise ecológica em um protesto simplista contra a raça humana ignora a verdadeira causa e a dinâmica da destruição ecológica, nesta direção não será encontrado o caminho para estancar essa destruição. Torna-se um erro grosseiro colocar as coisas em termos de que o "povo" é o responsável quando sabemos que a vasta maioria sequer tem conhecimento das decisões que afetam suas vidas, comunidades, indústrias e eco-sistemas. A verdade é que o que está em jogo é um sistema social que coloca os lucros e o poder acima do povo e do planeta. Focar a "humanidade" (falhando em distinguir entre o rico e o pobre, o homem e a mulher, os brancos e as pessoas de cor, os explorados e exploradores, opressores e oprimidos) como a responsável pelo sistema que nós vivemos significa de fato ignorar as causas institucionais dos problemas ecológicos. Diante das constantes críticas anarquistas aos seus porta-vozes, muitos Deep Ecologists tem recuado em aceitar idéias anti humanas como o seu movimento.
"Mais do que nunca precisamos evitar compromisso; entre capitalistas e escravos, entre governantes e governados; pregue a expropriação da propriedade privada e a destruição dos estados como o único meio de garantir a fraternidade entre os povos e a Justiça e a Liberdade para todos" [Malatesta, Op. Cit., p. 251](Notamos aqui que as palavras de Malatesta foram em parte escritas contra Peter Kropotkin que, por razões que ninguém conhecia melhor que ele, rejeitou tudo que ele defendeu por décadas e apoiou os aliados na Primeira Grande Guerra como um mal menor contra o autoritarismo e o Imperialismo alemão. Naturalmente, conforme apontado por Malatesta, "todo governo e toda classe capitalista" criaram "divisões. . . entre os trabalhadores e rebeldes de seus próprios países." [Op. Cit., p. 246]). A aproximação entre o pacifismo e os anarquistas é evidente. A violência é autoritária e coercitiva, e o uso dela entra em contradição com os princípios anarquistas. Por isso que os anarquistas concordam com Malatesta quando ele diz que "somos em princípio contra a violência e por essa razão acreditamos que a luta social deve ser conduzida tão humanamente quanto possível." [Op. Cit., p. 57]. A maior parte, senão todos, dos anarquistas que não são estritamente pacifistas concordam com os pacifistas-anarquistas qudo eles defendem que a violência pode muitas vezes ser contraprodutiva, alienando as pessoas e dando ao estado uma desculpa para poder reprimir tanto o movimento anarquista como os movimentos populasres por mudança social. Todos anarquistas apoiam a ação direta não-violenta e a desobediência civil, que na maior parte das vezes se apresenta como o melhor caminho para uma mudança radical. Dessa forma, pelo apresentado, é raro encontrar anarquistas que sejam puramente pacifistas. A maioria aceita o uso da violência como um mal necessário e advogam seu uso mínimo. Todos concordam que a revolução que institucionaliza a violência apenas recriará o estado em uma nova versão. Eles defendem, que não é necessário ser autoritário para destruir o autoritarismo ou usar a violência pra resistir à violência. Embora a maioria dos anarquistas não sejam pacifistas, a maioria deles rejeita a violência exceto em casos de auto-defesa e ainda assim minimizada.
"Seu desenvolvimento, sua liberdade, sua independencia, precisa vir de si própria. Primeiro, pelo reconhecimento de si própria como uma personalidade, e não como como um objeto sexual. Segundo, pela recusa do direito de alguém sobre seu corpo; pela recusa em gerar crianças, a menos que queira, pela recusa em ser uma serva de Deus, do Estado, da sociedade, do marido, da família, etc., por tornar sua vida simples, mas profunda e rica. Em suma, pela tentativa de aprender os princípios e a substancia da vida em todas suas complexidades; pela libertação pessoal do medo da opinião e da condenação pública."[Anarchism and Other Essays, p. 211].O anarco-feminismo tenta manter o feminismo diante das influências e do domínio das ideologias autoritárias tanto da direita quanto da esquerda. E propõem ações diretas e instâncias de auto-ajuda em oposição às campanhas reformistas de massa amparadas pelo movimento feminista "oficial", movimentos criados em torno de organizações hierárquicas e centralistas que com suas ilusões que acabam por tormar as mulheres opressoras, políticas, e soldadas, sob a alegação de que estão em direção à "igualdade". As anarco-feministas destacam que as que se denominam "gestoras da ciência" que são mulheres que tem que aprender de forma a tornar-se gestoras em empresas capitalistas é essencialmente um instrumento das técnicas para o controle e a exploração do conjunto de trabalhadores em hierarquias corporativas, uma sociedade "femininalizada" requer a eliminação do capitalismo e da escravidão e o fim de todos os tipos de dominação. As anarco-feministas acreditam que aprender como tornar-se um efetivo explorador ou opressor não é um indicativo de igualdade (conforme disse uma componente do Mujures Libres, "não queremos substituir a hierarquia masculina por uma hierarquia feminina" [citado por Martha A. Ackelsberg, Free Women of Spain. p.2] -- veja tambem a seção B.1.4 para uma futura discussão sobre patriarcado e hierarquia). As tradicionais hostilidades entre o anarquismo tradicional e o feminismo liberal, se revelaram na luta por libertação e igualdade das mulheres. Frederica Montseny (figura destacada no movimento anarquista espanhol) defendia que tal feminismo advoga a igualdade com os homens, mas não muda em nada as instituições existentes. Ela criticou o feminismo liberal (mainstream) "é apenas ambição dar para uma mulher de uma determinada classe a oportunidade de uma participação mais integral em um sistema de privilégios" e se estas instituições "são injustas quando os homens tomam partido delas, elas também serão injustas quando as mulheres tomarem partido delas". [quoted by Martha A. Ackelsberg, Op. Cit., pp. 90-91, p. 91].
"O anarco-feminismo, como expressão da sensibilidade anarquista aplicada às preocupações femininas, toma o indivíduo como seu ponto inicial, e se opõe às relações de domínio e subordinação, com base em formas econômicas não instrumentais que preservem a liberdade da existência humana, tanto de homens como de mulheres." [The Politics of Individualism, p. 144]As anarco-feministas tem muito a contribuir para nosso entendimento acerca das orígens da crise ecológica nos valores autoritários da civilização hierárquica. Por exemplo, uma componente da escola feminista defendeu que a dominação da natureza tem só tem paralelo na dominação da mulher, a qual se identifica com a natureza através da história (Veja, por exemplo, Carline Merchant, The Death of Nature, 1980). Tanto as mulheres como a natureza são vítimas da obsessão pelo controle que caracteriza a personalidade autoritária. Por esta razão, um crescente número de ecologistas radicais e de feministas estão reconhecendo que a hierarquia precisa ser desmantelada de forma a alcançar suas respectivas metas. Em adição a isto, o anarco-feminismo lembra-nos da importancia de tratar mulheres igualmente como os homens, e ao mesmo tempo, respeitar as diferenças das mulhres com os homens. Em outras palavras, que a diversidade no reconhecimento e no respeito inclui tanto homens como mulheres. Os anarquistas homens assumem que, por se oporem (em teoria) ao sexismo, eles não são sexistas na prática. Tal presunção é falsa. O anarco-feminismo exige consistência entre teoria e prática diante do ativismo social e lembra-nos todos que nós podemos lutar não apenas no plano externo mas também no plano interno.
Existem variados tipos de anarquismo inspirados por idéias religiosas. Conforme Peter Marshall relata, a "primeira expressão clara de uma sensibilidade anarquista pode ser encontrada nos taoístas da velha China por volta do sexto século AC" e no "Budismo, particularmente em sua forma Zen, ... teve... um forte espírito libertário." [Op. Cit., p. 53, p. 65] Alguns combinam idéias anarquistas com influências pagãs e espiritualistas. Contudo, o anarquimo religioso atualmene tomou a forma de anarquismo cristão, no qual vamos nos concentrar aqui.
Os cristãos anarquistas levam a sério as palavras de Jesus a seus seguidores de que "os reis e os homens importantes da terra dominam sobre o povo. Porém entre vocês é diferente" (Marcos 10:42,43). De forma similar, o dístico de Paulo de que "não há nehuma autoridade exceto Deus" é obviamente associada à autoridade estatal sobre a sociedade. Isto significa, para um verdadeiro cristão, que o Estado além de usurpar a autoridade de Deus tira de cada indivíduo a chance de se governar a si mesmo e de descobrir que (conforme o título do famoso livro de Tolstoy) o Reino de Deus está dentro de você.
De forma sililar, a pobreza voluntária de Jesus, seus comentários sobre os efeitos corruptores da riqueza e o clamor bíblico de que o mundo foi criado para a humanidad viver em comunhão, tem tudo a ver com a base da crítica socialista à propriedade privada e ao capitalismo. Somando-se a isto, a primitiva igreja cristã (que poderia ser considerada como um movimento de libertação de escravos, embora mais tarde tenha sido cooptada como religião de Estado) baseava-se na divisão em comum (comunista) dos bens materiais, um tema que continuamente aparece em movimentos radicais cristãos (suspeita-se que a Biblia teria sido usada para expressar as aspirações radicais libertárias dos oprimidos, e que, com o tempo, foi tomando a forma da terminologia anarquista e marxista). Veja o comentário de John Ball durante a Revolta Camponesa em 1381 na Inglaterra:
"When Adam delved
and Eve span,
Who was then a gentleman?" [Quando Adão plantava e Eva tecia, quem era o patrão?]
A historia do anarquismo cristão inclui a Heresia do Espírito Livre na Idade Média, quando muitos se levantaram em revolta como os Anabatistas no século XVI. Depois disto, a tradição libertária dentro da cristandade surge novamente nos escritos de Willian Blake no século XVIII e depois na obra do americano Adam Ballou produzida em 1854: Practical Christian Socialism,plena de conclusões anarquistas. Contudo, o anarquismo cristão só se tornou claramente reconhecido no movimento anarquista com a obra do famoso escritor russo Leon Tolstoy.
Tolstoy levou a sério a menságem da Bíblia e considerou que o verdadeiro cristão precisa se opor ao Estado. Com esta leitura da Bíblia, Tolstoy chegou a conclusões anarquistas:
"governar significa usar a força, e usar a força significa fazer para os outros o que certamente não gostaríamos que fosse feito para nós. Consequentemente, governar significa fazer aos outros o que não gostaríamos que os outros fizessem para nós, isto é, fazer o mal." [The Kingdom of God is Within You, p. 242]Um verdadeiro cristão deve ser avesso a governar os outros. A partir dessa posição anti-estatista ele naturalmente passou a defender uma sociedade auto-organizada:
"Porque pensar que pessoas comuns não são capazes de auto-organizar suas vidas, e que governantes o farão não em proveito próprio mas em proveito dos outros?" [The Anarchist Reader, p. 306]Tolstoy proclamava ação não-violenta contra a opressão, e via a transformação espiritual dos indivíduos como a chave para a criação de uma sociedade anarquista. Conforme Max Nettlau argumentava, a "grande verdade expressa por Tolstoy é que o reconhecimento do poder do bem, da bondade, da solidariedade - e de tudo que se chama amor - está dentro de nós mesmos, e que isto pode e precisa brotar, desenvolver-se e exercitar-se em nossa própria existência." [A Short History of Anarchism, pp. 251-2]
Como todos os anarquistas, Tolstoy criticava a propriedade privada e o capitalismo. Da mesma forma que Henry George (cujas idéias, tanto quanto as de Proudhon, tiveram um forte impacto sobre ele) ele se opunha à propriedade da terra, arguindo que "não há nada que justifique a propriedade da terra, e sua consequente valorização, as pessoas não foram criadas para viver em espaços restritos, mas para ocupar a terra livre tão abundante no mundo" Contudo, "nesta luta [pela propriedade da terra] não são aqueles que trabalham na terra, mas aqueles que participam em um governo violento que saem ganhando." [Op. Cit., p. 307] Segundo Tolstoy os direitos de propriedade de qualquer meio de produção requer a violência do Estado para protegê-lo (a possessão é "sempre protegida pelos costumes, opinião pública, pelo senso de justiça e reciprocidade, nunca precisa ser protegida pela violência." [Ibid.]). Acrescentando, ele argumenta que:
"Dezenas de milhares de acres de terras cobertas por florestas pertencem a um único proprietário - enquanto que milhares de pessoas... precisam ser contidas pela violência. Criam-se fábricas e ofícios onde muitas gerações de trabalhadores são fraudadas. Enquanto que centenas de milhares de sacas de grãos, pertencentes a um só dono, aguardam os tempos de fome para serem vendidas pelo triplo do prêço." [Ibid.]Tolstoy argumenta que o capitalismo conduz o indivíduo tanto à ruína moral como física, e que os capitalistas são "condutores de escravos." Ele considera impossível para um verdadeiro Cristão ser um capitalista, pois o "patrão é um homem cujo ganho consiste na supressão de valores pertencentes a trabalhadores cuja ocupação principal baseia-se em trabalhos forçados, contra a natureza humana" portanto, "ele [patrão] arruina vidas humanas em proveito próprio." [The Kingdom Of God is Within You, p. 338, p. 339] Tolstoy qualifica as cooperativas como "atividade social onde a moral e o auto-respeito impedem pessoas que não querem fazer parte da violência, tomem parte nela." [citado por Peter Marshall, Op. Cit., p. 378]
A partir de sua oposição à violência, Tolstoy rejeita tanto o Estado como a propriedade privada e defende táticas pacifistas para dar um fim à violência dentro da sociedade e criar uma sociedade justa. Nas palavras de Nettlau, ele "defendia a . . . resistência ao mal; e à forma de resistência - pela força ativa - ele acrescentou outro caminho: a resistência pela desobediência, a força passiva." [Op. Cit., p. 251] Em suas idéias sobre uma sociedade livre, Tolstoy foi claramente influenciado pela vida rural russa e pelas obras de Peter Kropotkin (como Fields, Factories and Workshops), J. P. Proudhon e do não anarquista Henry George.
As idéias de Tolstoy tiveram uma forte influência em Gandhi, que inspirou muita gente em seu país ao uso da resistência não-violenta para acabar com o domínio britânico da Índia. Aparentemente, a visão de Gandhi de uma Índia livre enquanto uma federação de comunas é similar à visão anarquista de Tolstoy de uma sociedade livre (embora tenhamos clareza de que Gandhi não foi um anarquista). O Catholic Worker Group nos Estados Unidos foi também fortemente influenciado por Tolstoy (e Proudhon), assim como por Dorothy Day, uma destacada anarquista e pacifista Cristã fundadora do jornal Catholic Worker em 1933. A influência de Tolstoy e do anarquismo religioso em geral pode também ser encontrado nos movimentos ligados à Teologia da Libertação nos países latinos e na América do Sul que combinam idéias cristãs com ativismo social em meio às classes trabalhadoras e marginalizados (embora não haja dúvida que a Teologia da Libertação em geral inspira-se mais em um Estado socialista que em idéias anarquistas).
Em países onde a
Igreja controla de fato o poder político, como a Irlanda, partes da América
do Sul, e Espanha, que exerceu grande influência em todo século XIX e no começo
do século XX, os anarquistas foram fortemente anti-religiosos porque a Igreja
tinha o poder de reprimir a dessidência e a luta de classes. Tanto que, quase
todos anarquistas eram ateístas (e concordavam com Bakunin que se Deus existisse
seria necessário, para a liberdade e dignidade humana, aboli-lo), existe uma
tradição minoritária dentro do anarquismo que desvincula conclusões anarquistas
da religião. Nesta mesma direção, muitos anarquistas sociais consideram o pacifismo
tolstoyano como dogmático e extremo, vendo a necessidade (algumas vezes) do
uso da violência para resistir a um grande mal. Contudo, muitos anarquistas
concordam com tolstoyanos no que se refere à necessidade de uma transformação
dos valores individuais como o aspecto chave para a criação de uma sociedade
anarquista, e da importancia da não-violência enquanto tática geral (embora,
convenhamos, seja raro o anarquista que rejeite totalmente o uso da violência
na auto-defesa, quando não restar outra alternativa).
Tais debates tiveram
um profundo impacto no movimento anarquista, conforme pode ser verificado em
anarquistas como Cleyre, Malatesta, Nettlau e Reclus que adotaram a perspectiva
da tolerancia incorporada na expressão "anarquismo sem adjetivos" (veja A
Short History of Anarchism de Nettlau, pags. 195 a 201, um excelente resumo
deste tema).
Importante destacar também, a posição dominante dentro do movimento anarquista
hoje é de que a maioria dos anarquistas reconhecem o direito das outras tendências
ao nome "anarquista" tendo, obviamente, suas próprias preferências para com
relação a tipos específicos de teoria anarquista e seus próprios argumentos
que as justifiquem. Contudo, é importante lembrar que as diferentes formas de
anarquismo (comunismo, sindicalismo, religioso, etc) não são mutuamente exclusivas
e você não é obrigado a apoiar nem a combater ninguém. Esta tolerância se reflete
na expressão "anarquismo sem adjetivos". Para finalizar, alguns "anarco"-capitalistas
estão tentando usar a tolerância associada com "anarquismo sem adjetivos" para
justificar que sua ideologia seria aceita como parte do movimento anarquista.
Ora, eles afirmam, anarquismo é apenas e tão somente se opor ao estado, questões
econômicas são questões secundárias. Contudo, o uso de "anarquismo sem adjetivos"
é válido desde que o tipo de economia a ser alcançada seja anti-capitalista
(i.e. socialista). Em outras palavras, o fato é que o capitalismo tem que ser
abolido tanto quanto o estado e uma vez feito isso o próximo passo será desenvolver
a livre experimentação. Explicando melhor, a luta contra o estado é apenas uma
parte da dura luta pelo fim da opressão e da exploração e não pode ser isolada
delas. Como os "anarco"-capitalistas não desejam a abolição do capitalismo tanto
quanto o estado eles não são nem anarquistas nem "anarquistas sem adjetivos"
nem tampouco podem se proclamar "anarquistas" capitalistas (veja seção F sobre
porque o "anarco"-capitalismo não é anarquismo).
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