Tais pessoas também desprezam a «profundidade subjetiva». A única coisa que lhes interessa é a satisfatória expressão concreta de suas próprias vidas. |
Fachada dos edifícios nos arredores de Saint-Germain-des-Prés. Subtítulo: Paris, 1952 Jovens caminhando. Handel: «Thème cérémonieux des aventures». Fotos de dois casais bebendo vinho na mesa de um bar, mostrados de angulos diferentes no estilo de filme de arte. |
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Voz 2: Os seres humanos não estão completamente cônscios da realidade de suas vidas. Apalpam-se na escuridão, e são subjugados pelas conseqüências de seus atos, e a todo momento tanto grupos como indivíduos se vêem diante de desdobramentos indesejados. |
A música é interrompida. |
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Da mesma maneira que não julgamos um indivíduo pelo que ele pensa sobre si mesmo, não podemos julgar um período de transformação pela sua própria consciência. Pelo contrário, esta consciência deve ser compreendida como reflexo das contradições da vida material, o conflito entre as condições sociais e as forças da produção social. O avanço no controle da natureza não foi acompanhado por uma correspondente liberação da vida cotidiana. A juventude cedeu diante dos vários mecanismos de sujeição. Nossa câmera capturou para você algumas visões ligeiras de uma micro-sociedade efêmera. O conhecimento de fatos empíricos permanece abstrato e superficial na medida em que não são concretizados no que diz respeito à situação como um todo. Este é o único método que nos permite substituir problemas parciais e abstratos pela sua essência concreta, e assim implicitamente pelo seu significado. Este grupo se manteve às margens da economia. Tendeu a esercer um papel do puro consumo, particularmente de livre consumidor de seu próprio tempo. Ao mesmo tempo em que está diretamente envolvido nas divergências qualitativas da vida ordinária, vê-se privado de quaisquer meios para administrar essas divergências. O grupo circula dentro uma área bem restrita. Repetidamente vão e voltam sempre para os mesmos lugares. Ninguém quer ir cedo para a cama. Continuamente discutem sobre o significado de tudo. . . . |
Outras faces. O Papa e outros clérigos. Garotas indo para a Universidade. Polícia francesa nas ruas. Mesas de um bar em Saint-Germain-des-Prés, filmadas em estilo jornalístico. Les Halles durante a noite. Cena de uma multidão que se acotovela durante a noite em Les Halles. |
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Voz 2: «Nossa vida é uma viagem no inverno e na noite. Procuramos nosso caminho. . .» |
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Voz 1: A literatura que abandonaram, como que exercendo uma influência tardia, manifesta-se em algumas formulações afetivas. |
Várias cenas do amanhecer em Les Halles |
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A noite novamente alcançou os bancos de areia do rio; e as carícias; e a importância de um mundo sem importância. Da mesma maneira que os olhos têm uma visão turva de muitas coisas mas pode ver uma única coisa claramente, também a vontade pode apenas imperfeitamente alcançar diversos objetos mas pode amar completamente apenas um de cada vez. |
Delalande: «Tema Nobre e Trágico» (solo de fagote de Capricho #2). Paris: vista do Sena na Zona Leste. Tijolos empilhados em Quai São-Bernard. Jovem mulher |
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Volume da música diminui. |
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Voz 3: Ninguém pode contar com o futuro. Nunca será possível estar juntos no amanhã, ou em qualquer outro lugar. Nunca haverá uma maior liberdade. |
Dentro de um labirinto de tijolos. Saída de viaturas de polícia. Île Saint-Louis ao entardecer. Dois casais de adolescentes dançam ao som de um violão. |
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Voz 1: A recusa do tempo e do crescimento automaticamente limita os encontros nesta estreita e contingente zona onde o que falta é sentido como irreparável. A extrema precariedade dos seus métodos de sobreviver sem trabalhar está na raiz desta impaciência que torna os excessos necessários e os rachas irrevogáveis. |
Cenas entre a Praça Saint-Sulpice e Rua Mazarine. |
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Voz 2: Nunca poderemos desafiar realmente qualquer forma de organização social sem desafiar todas suas formas de organização da linguagem. |
A TELA FICA BRANCA. |
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Delalande: Música da Corte Allegro (de Capricho #2). |
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Fora do bairro, além dos limites de sua breve e sempre ameaçada estabilidade, descortina-se uma cidade meio estranha onde as pessoas encontram-se apenas por casualidade, sempre perdendo-se pelo caminho. As meninas foram colocadas ali, por estarem legalmente sob o controle de suas famílias até a idade de dezoito anos, e acabaran enclausuradas pelos defensores dessa instituição detestável. Elas geralmente ficavam trancadas sob a custódia de criaturas que em meio a todas as produções ruins dessa sociedade ruim, criaram a mais feia e repugnante de todas: as freiras. A que faz a maioria dos documentários tão fáceis de entender é a limitação arbitrária do assunto abordado. Eles se limitam a descrever funções sociais fragmentadas e seus produtos isolados. Em contraste, imagine a completa complexidade de um momento que não é resolvido no trabalho, um momento cujo desenvolvimento contém fatos relacionados, valores, cujo significado não é ainda aparente. Esta confusão generalizada poderia ser o assunto de tal documentário. |
Detalhe de um bar. O movimento da câmera é arbitrariamente interrompido pela LEGENDAS: «Paixões e partidos de uma era violenta»... «Em processo de movimento e por isso uma opinião passageira»... «Torturado pela incerteza!» LEGENDA: «Decoração prestigiosa feita especialmente para este propósito». Casal em mesa de bar. No Japão centenas de policiais protegidos por capacetes aparecem correndo. Muro exterior do reformatório de Chevilly-Larue. A TELA FICA BRANCA. |
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OOutros irrefletidamente seguiram os caminhos aprendidos de uma vez por todas, do trabalho para casa, para seu previsível futuro. Para eles o dever tornara-se um hábito, e o hábito um dever. Eles não viram as deficiências das cidades onde viviam. E viram as deficiências de suas vidas como algo natural. Nós procuramos fugir deste condicionamento em busca de diferentes usos da paisagem urbana, em busca de novas paixões. A atmosfera de alguns lugares insinuou o futuro poder de uma arquitetura que seria preciso criar para dar lugar a atividades menos medíocres. Não poderíamos esperar nada de qualquer coisa que não viesse de nós mesmos. O ambiente urbano proclamou as ordens e as preferências da sociedade dominante tão violentamente como os jornais. O homem unifica o mundo, mas o homem se espalhou por toda parte. As pessoas não podem ver nada ao redor delas que não seja sua própria imagem; tudo fala a elas a respeito delas mesmas. Até mesmo sua paisagem é uma coisa viva. Mas havia obstáculos em todos lugares. Todos eles relacionados entre si, na medida em que mantinham um reinado unificado da pobreza. Considerando que tudo estava conectado, ou mudava-se tudo por uma luta unitária, ou não se mudava nada. Era preciso uma união com as massas, mas o sono rondava à nossa volta. |
Violentos confrontos entre trabalhadores japoneses e a polícia. Uma série de detalhes do mesmo evento. A polícia pouco a pouco ganha terreno. A TELA FICA BRANCA. Pessoas passam pelas grades em frente ao Museu Cluny. Novamente o tema de Handel. Janelas iluminam a noite na Rua des Écoles e Rua Montagne-Saint-Geneviève. A música pára. Algumas casas em Paris. Polícia inglesa, a pé e a cavalo, observa manifestantes. A TELA FICA BRANCA. |
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Voz 3: A ditadura do proletariado é uma luta inexorável, sangrenta e sem derramamento de sangue, violenta e calma, militar e econômica, educativa e administrativa, contra as forças e tradições da velha sociedade. |
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Voz 1: Mas neste país novamente são os homens do sistema que teimam e fortalecem seu poder. São eles que contribuem para agravar o absurdo das condições reinantes de acordo com suas vontades, ornando seu sistema com as cerimônias fúnebres do passado. |
Colonos franceses se manifestam em Algiers, em maio de 1958. General Massu e General Salan. Companhia de paraquedistas marcha em frente à câmera. General De Gaulle fala de cima de um palanque enquanto gesticula furiosamente. |
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A TELA FICA BRANCA. |
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Voz 1: Tudo o que era diretamente vivido reaparece congelado a distancia, na forma de gostos e ilusões de uma era, e deixa-se arrastar. |
Atriz faz propaganda de sabão em pó da marca Monsavon. Face de uma jovem mulher. Cavalaria ataca população nas ruas de uma cidade. |
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Voz 2: A aparência dos eventos que não criamos, eventos que na realidade outros criaram contra nós, agora nos obriga a prestar atenção à passagem do tempo e a seus resultados, nos obriga a proceder a transformação de nossos próprios desejos em eventos. O que diferencia o passado do presente é precisamente sua objetividade fora-de-alcance. Já não mais existe o serei; O ser foi consumido ao ponto de cessar de existir. Os detalhes já estão perdidos na poeira do tempo. Quem teme a vida, a noite, ser levado, ser mantido? |
A TELA FICA BRANCA. Face de outra jovem mulher. Atriz no banho. Imagem de uma explosão solar. Detalhe de uma atriz no banho. Continuação da explosão solar. |
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Voz 3: O que deveria ser abolido continua, e continuamos convivendo com isso. Fomos engolfados. Separados uns dos outros. Os anos passam e não mudamos nada. |
Dezenas de policiais japoneses com capacetes e máscaras de gás avançam continuamenente por um grande espaço vazio, enquanto lançam bombas de gás lacrimogêneo. |
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Novamente o «Tema Nobre e Trágico» de Delalande |
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Voz 2: Uma vez mais amanhecemos nas mesmas ruas. Uma vez mais a fadiga de tantas noites igualmente passadas. Um passeio que já durou tempo demais. |
Alvorada em cima de uma ponte de Paris. Detalhe da Praça des Victoires ao amanhecer. Volume da música diminui. |
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Voz 1: É impossível beber mais. |
A TELA FICA BRANCA. |
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Voz 2: Claro que alguém poderia fazer um filme sobre isso. Mas até mesmo se tal filme tivesse sucesso seria fundamentalmente tão incoerente e insatisfatório como a realidade que aborda, nunca poderia ser mais que uma recriação — pobre e falso como o remendo grosseiro de uma foto rasgada. |
Técnicos reunidos perto de uma câmera. A cena anterior (do bar) é repetida, desta vez com a pior tomada, sem qualquer corte, e com uma sucessão de falhas -- com pessoas atrapalhando o campo de visão, reflexos da lente, sombra da câmera -- terminando com uma bela tomada. |
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Voz 3: Tem gente que se gaba hoje de ser autor de filmes, como os autores de romance faziam no passado. Mas eles estão bem atrás dos novelistas por ignorar a decomposição e o esgotamento da expressão individual do nosso tempo, eles ignoram que a arte da passividade morreu e está enterrada. Às vezes eles são elogiados pela sinceridade na medida em que dramatizam com uma profundidade mais pessoal as convenções que dominam suas vidas. E falam coisas como «libertação do cinema». Mas de que vale para nós uma arte liberta se Tom, Dick ou Harry a utilizam para complacentemente expressar seus sentimentos servis? A única aventura interessante é a libertação da vida cotidiana, não só sob uma perspectiva histórica, mas para nós mesmos, e nesse momento. Este projeto implica o esvaziamento de todas as formas alienadas de comunicação. O cinema, também, deve ser destruído. |
A TELA FICA BRANCA. |
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O anúncio durante a interrupção é o mais verdadeiro reflexo da vida interrompida. Para descrever esta era com exatidão seria indubitavelmente necessário mostrar muitas outras coisas. Mas qual seria o ponto central? O ponto central é entender o que foi feito até aqui e tudo aquilo que ainda precisa ser feito, chega de acrescentar mais ruínas ao velho mundo de espetáculos e recordações. |
Um carro pára. Atriz que faz propaganda do sabão em pó Monsavon sai do carro. Duas imagens do mesmo filme com a claquete sinalizando cenas anteriores. Damas cavalgam em Bois de Boulogne. Propaganda mostra o quanto a atriz aprecia o sabão em pó, ela sorri para o público. A TELA FICA BRANCA E ASSIM PERMANECE TRINTA SEGUNDOS DEPOIS DA ÚLTIMA PALAVRA. |
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railtong@g.com