Comunalismo
Cristão
Índice
e Prefácio
I
- A Crise na Teologia e na Ética 13
II - O Caminho
da Vida Abundante 21
III - O
Caminho da Vida Perdida e Recuperada 35
IV - O Primeiro
Impacto de Jesus 49
V - A Descoberta
de Corinto 71
VI - O Tratado
de Roma 83
VII - A
Expansão do Pensamento de Paulo 99
VIII - A
Plenitude de Cristo 115
IX - Paulo
na Igreja Primitiva 137
X - A Vinda
da Maioridade 145
IV - O Desenvolvimento da Ética em Paulo O PRIMEIRO IMPACTO DE JESUS NO que diz respeito a ética cristã, especialmente em sua forma moderna e nos círculos protestantes, é ao ensino de São Paulo para onde mais particularmente as atenções são dirigidas. Em termos gerais, Lutero, Calvino, e em menor grau os demais Reformadores, não apenas consideraram o Apóstolo dos Gentios o protagonista na luta contra o legalismo e o tradicionalismo mas também como o fundador de uma elaborada e sistematizada teologia que poderia ser aplicada prontamente às condições dos seus conflitos com o Catolicismo medieval. Ele lhes abasteceu tanto de exemplos de crítica destrutiva como de novas posições pelas quais o que eles rejeitavam pudesse ser substituído. Tal atitude foi basicamente válida. Jesus tinha proclamado e iniciado o que era claramente um novo modo de vida, realmente arraigado no Velho Testamento mas emergindo fora dele, inevitavelmente pela atitude de seus representantes que se desviaram do espírito de seus ensinamentos. São Paulo, uma vez convencido da verdade e do poder das boas notícias, dedicou toda sua vida expressando seu significado em termos de uma abundante exposição doutrinária apropriada tanto à teologia quanto à ética. Entretanto, a dificuldade era, e ainda é, que lidando com cartas escritas em épocas diferentes e em situações concretas e por um homem de mente singularmente alerta e em rápido desenvolvimento, os intérpretes de Paulo assumiram todo o seu trabalho como semelhante, consistente e sistemático e se esforçaram para amalgamar todo elemento de qualquer uma de suas partes em um único e rígido vigamento. Fazendo assim eles firmaram-se muito freqüentemente em frases às quais imputaram completos, grosseiros e muitas vezes 49 evidentes erros de interpretação; não deram qualquer atenção às mudanças de opinião mesmo quando elas eram precisamente determinadas e facilmente delineadas; além disso dificilmente reconheceram a diferença que ele próprio repetidamente enfatizava com relação a idéias casuais e idéias ad hoc, interpretações especulativas, injunções particulares e princípios essenciais, ou quando prontamente admitia que pretendia fundamentalmente, como veremos mais adiante, um destacadao desenvolvimento envolvendo tanto a disposição para o descarte de velhas convenções como um profundo desenvolvimento e renovação dos conceitos. Ele aprendeu pela experiência, e sua experiencia foi ampla e vívida. Não é necessário aqui examinar em detalhes o caráter de seu chamado «paulinismo» ou a extensão que isso oferece à paródia do pleno desenvolvimento da fé do apóstolo. Nossa preocupação é continuar o exame do impacto de Jesus sobre seus contemporâneos e do que as "boas novas" significaram para eles. Evidentemente nenhum dos registros que chegaram até nós é mais importante ou foi mais influente do que as cartas que São Paulo escreveu no curso de sua longa e íngreme jornada. Tais registros são de valor extremo para nossos propósitos porque, ao contrário de boa parte da literatura epistolar do período, trata-se de genuínas cartas escritas, até mesmo no caso da carta aos Romanos, que se referia a uma situação definida relativa à preocupação e interesse imediatos do escritor. Afinal, o mesmo está lidando com relatórios, pedidos e planos específicos, não se trata de composições produzidas para serem publicadas. Tais escritos refletem seus próprios humores e pensamentos do momento, e são largamente independentes uns dos outros. Assim, eles não objetivam um estudo consistente nem pelo conteúdo nem pelo estilo; ele simplesmente escreve suas cartas sem maiores preocupações. Para um leitor cuidadoso é inevitável a descoberta de um claro desenvolvimento tanto no método como no significado de sua mensagem: assim que organizamos suas cartas mais ou menos na sequencia em que foram escritas, descobrimos claramente 50 sucessivas, frequentes e importantes mudanças não apenas de ênfase mas também de interpretação. A última coisa que pretendia era apresentar um único e estático sistema: podemos ver não apenas pontos de vista variados como também desenvolvimentos quase revolucionários na medida que o acompanhamos seu progresso. O resultado é mais inteligível e mais satisfatório, pelo menos para mim, se acompanharmos a linha histórica das seções sobre São Paulo em Atos. Sabe-se que um companheiro que veio a conhecer apenas em Samotace, que permaneceu com ele durante pouco tempo até sua prisão em Cesaréia, e não teria conhecimento nem suas cartas nem os problemas abordados por elas; sabe-se também que tal companheiro, São Lucas, era um grego cujo idioma e mentalidade não ajudaram em nada a sua compreensão da profundiade e da intensidade do temperamento de seu amigo e de seus principais argumentos rabínicos; sabe-se que a história narrada por São Lucas abordando os procedimentos de São Paulo com a Igreja de Jerusalém não são facilmente reconciliáveis com aquela de Gálatas, onde a abordagem do falar em línguas do Pentecoste tem uma conceituação bem diferenciada na carta aos Coríntios; Se os cépticos questionam a confiabilidade de tudo aquilo que é registrado em Atos, nossa única evidência contemporânea, o fazem em bases inadequadas. É um equívoco inferir que, pelo autor incorrer em erro sobre Theudas ou Lysanias de Abilene, ou ter escrito uma ou duas frases onde sugere familiaridade com Josephus (em um tempo quando bibiliotecas de consulta não estavam disponíveis e quando as provas orais não eram necessariamente mais exatas do que é em nossos dias), ele não pode ser confiável mesmo quando declara que Saulo era de Tarso ou que tinha sentado aos pés de Gamaliel. Aquele Saulo era um judeu da Dispersão, falando o grego comum daquela época, familiarizado com sua vida social, e até certo ponto com suas idéias e literatura; Tarso, por aquele tempo, era um núcleo de contato entre helenos e judeus e a principal 51 fonte de filosofia estóica, exatamente a espécie de local onde um homem como Saulo se sentiria em casa; seus pais em uma posição boa o suficiente para enviar seu filho para ser treinado como rabino em Jerusalém e possuir a cidadania romana; todas essas questões são confirmadas tanto em Atos como nas Epístolas. As próprias reivindicações de Saulo --- «da semente de Abraão, da tribo de Benjamim, um Hebreu de timbre hebráico, um fervoroso observador da Lei, e um jovem de grande habilidade» --- não apenas se orgulhava de sua linhagem como também era estimado pelos seus dons. Ele era dotado de uma boa memória, uma mente alerta e vívida, e uma evidente habilidade para traduzir idéias em ação. Ele também era sensível tanto à impressões como à crítica, mas avesso à introspecções insalubres ou ciúme, imaginativo, um tanto quanto místico e dotado de um ágil conhecimento da fé e da prática judia, era também um homem capaz de um julgamento rápido e decisivo, de planejamento adequado, e de enérgicos esforços para tornar seus sonhos realidade. O fato dele ser ao mesmo tempo Paulo o visionário, e Paulo o valoroso, creditou-lhe não apenas a efetiva propagação do cristianismo tal qual ocorreu, mas também sua origem, revelando o singular testemunho do poder de seu gênio, muitas vezes mal compreendido pelo seus intérpretes. Ele mesmo se declara escravo e apóstolo de Cristo e completamente dependente de seu Mestre, esforçando-se para que seu próprio pensamento e vida estejam «agasalhados com Cristo em Deus» . A este fim ele dedica toda sua versatilidade, usando de todos os materiais disponíveis, do circo, do exército, das escolas, da «religião mística» , ou das escrituras, desde que iluminasse ou enfatizasse o modo de ser de seu Mestre. Quando os atenienses o chamaram de «sonhador» (Atos 17.18) eles tinham pouca base para tal escárnio; os esforços que ele dedicou, a plenitude de seu significado e a riqueza de suas imagens podem ser encontrados em qualquer dos seus comentaristas. Aquele Saulo morava em Jerusalém durante o ministério de 52 Jesus e de fato o tinha visto como parece claro quando explicita «ainda que tenhamos conhecido a Cristo em sua vida corpórea» (2 Cor. 5.16),(1) algo não apenas reforçado por todas suas atitudes antes e depois da Crucificação, como também pela sua clara avaliação da qualidade e da mensagem do Mestre. Como muitos do fariseus, entre os quais já se destacava com evidente proeminecia, ele foi atraído obviamente pelos relatórios sobre Jesus e, na qualidade de alguém que esperava a vinda do Messias, e pronto examinar esses relatórios com simpatia. Mas ele compartilhou o dilema de seus pares. Em muitos aspectos eles estavam prontos para reconhecer Jesus e até mesmo segui-lo. Mas ele estava não apenas desconfiado de suas críticas a determinadas ordenanças, às regras do sábado sagrado, do jejum, da própria lei e da tradição, mas também a eles, os rabinos e membros da seita, que exitavam em tomar rapidamente qualquer decisão. Eles enviaram uma delegação para observá-lo na Galiléia; e não desperdiçaram nenhuma oportunidade para questioná-lo, às vezes com sutileza, às vezes com simpatia e admiração. Quando os saduceus planejaram prendê-lo e acusá-lo, eles bem que podem ter sentido um certo alívio uma vez que o assunto logo seria decidido. O resultado de tudo era óbvio: uma vez acusado de traição, se condenado, seria crucificado, «pendurado no madeiro» , uma morte especialmente amaldiçoada pela Lei ( Deut. 21.23). Se Jesus fosse de Deus, ele seguramente seria salvo: Deus não o deixaria sofrer danação: ele seria salvo e retirado da cruz. Talvez muitos dos seus discípulos, como frequentemente foi sugerido pelo próprio Judas Escariotes, podem ter compartilhado desta convicção. Calçou os insultos dos acusadores dele a Calvário e o desafio dos rabinos «Seu Messias! Seu Rei de Israel! Desça da Cruz e nos creremos (1) Este é o significado claro do grego, e se adequa tanto com as palavras que a precedem como com a passagem que vem a seguir. Os esforços de Molfatt e de outros para dar um significado diferente como «nós soubemos» é desnecessario e incompatível com o uso regular de São Paulo. 54 em você!!» (Marcos 15.32), e persistiu até o fim a idéias de que Elias apareceria e o salvaria. O assunto em toda sua magnitude estava claro para Saulo, e o veredicto era imediatamente decisivo. Deus não interviera: Jesus era amaldiçoado, sua reivindicação era falsa: seus seguidores deveriam ser destruídos. O vigor da perseguição que lançada sobre os discípulos expressa a amargura de sua decepção. Ele deveria ter ficado bastante abalado com o martírio de Estêvão, entretanto o efeito imediato foi intensificar ainda mais a violência de sua agressão: um erro que poderia produzir tal heroísmo deveria ser contido a todo custo. Daí a súbita e desgastante experiência da presença e da atração de Jesus no caminho de Damasco. (Em suas próprias palavras, veja 1 Cor. 15.8.) a conversão foi imediata; agora podemos entender mais completamente sua psicologia e seu estado de espírito. Jesus não fora derrotado mas vindicado, não era um impostor de Galileia mas o ungido de Deus: o veredicto contra ele era falso, a maldição foi desafiada, a lei que decretou a maldição fora quebrada e repudiada. Sua recuperação do choque ofuscante, sua aceitação por Ananias, sua pregação de Jesus como o Messias, sua fuga de Aretas e da cidade (2 Cor. 11.32-33; cf. Atos 9.25), e seu exílio na Arábia, tudo isso confirma sua convicção do grau da mudança que deveria ocorrer, e de sua própria vocação especial de proclamar as boas notícias para o mundo pagão, onde teria a oportunidade de desenvolver seu ponto de vista do significado do modo de vida ensinado e vivido por Jesus Cristo. Três amos depois ele visitou Jerusalém e conheceu São Pedro e Tiago, o irmão do Senhor, aparentemente com a ajuda de Barnabás (cf. o Gal. 1.18-20; Atos 9.26-30). Quinze dias depois ele velejou de Cesarea para Tarso, onde se uniu a Barnabás que o levou a Antioquia onde passaram todo um ano. Quatorze anos depois ele novamente subiu para Jerusalém com Barnabás e Tito um grego uncircunciso, para falar 55 sobre sua missão para com os Gentios (Gal. 2.1-3). Isto despertou «controvérsia e muita discussão» mas Pedro, Tiago e João deram-lhes as mãos, e os encorajaram a continuar a pregação aos não-judeus, a única coisa sugerida por eles foi que deveriam sempre se lembrar de ajudar os pobres, presumivelmente os pobres da igreja mãe, coisa que se prontificaram a fazer. Se esta visita é a mencionada em Atos 11.30 e 12.25 (quando o dois apóstolos levaram uma elevada oferta coletada na Antioquia especialmente para os doentes e pobres de Jerusalém), ou representa algo parecido com um encontro ou Concílio, do qual participaram Paulo, Barnabás e outros, depois do seu retorno da viagem do Chipre e do Sul da Galácia descrita em Atos 15.1-35, trata-se de um assunto bastante disputado. Isso é altamente importante para o datamento da carta aos Gálatas e para a precisão histórica dos documentos. Para mim eu não vejo nenhuma razão por que a visita descrita em Gálatas não tenha sido a segunda que fez com Tito. Nesse caso, Gálatas teria sido escrita logo depois do final da viagem e antes do Concílio de Atos 15. Também parece possível que a Epístola de Tiago que, como eu acho, claramente se refere aos Gálatas, também tenha sido escrita antes do Concílio. Mas a questão é difícil e controversa, e para nosso propósito presente não muito relevante. De qualquer forma, seja lá qual tenha sido a data em que foi escrita, a Epístola aos Gálatas, naturalmente dirigidas ao povo de Iconium, Lystra e Derbe, é a mais primitiva, consideravelmente a mais primitiva, das suas cartas que sobreviveram, realmente, indica sua apresentação da fé, seu estilo e conteúdo, e a reflexão do seu temperamento, e sua suficiente perspectiva. Há algumas notáveis semelhanças verbais entre Gálatas e Romanos que são explicadas pelo simples fato de que nestes casos ele abrange um campo semelhante, ele repete um argumento familiar e que considera fundamental, todo o problema da relação entre lei e graça, a velha e a nova moral. Qualquer um que constantemente é desafiado para falar sobre um único tema saberá certamente quão inevitaveis são certas sequencias estereotipadas, 55 frases e palavras chaves. Em tais casos, um intervalo de dez anos não significa que o velho vocabulário seja superado. O caráter da Epístola pode ser visto até mesmo em seus parágrafos de abertura. Há um brusco e quase violento mergulho após a abertura formal na controvérsia despertada por aqueles que tinham visitado seus novos convertidos, questionando sua autoridade e incitando a necessidade da aceitação da tradição judia deste a circuncisão até a Lei. Seguramente trata-se de texto produzido por um homem jovem ferido pelas imputações pessoais lançadas contra sua pessoa, transtornado pela aparente inconstância dos seus seguidores, e desenfreado na amargura de suas reclamações ou na violência de suas denúncias. Esta é a reação natural de um convertido capaz mas relativamente recente que ainda está comovido pela novidade de sua causa e conscio do seu poder em apresentá-la. Ele pode descrever suas anotaçõe e suas aventuras com uma legítima satisfação, pode denunciar com irritação e pode desprezar a malignidade dos seus detratores e obviamente ainda pode ter que aprender a «conter seus ímpetos» ou lidar ternamente com seus leitores. Ele era um jovem «impetuoso» quando respondeu aos seus oponentes na Galácia. A crueza do estilo e da linguagem de sua censura estão de acordo com a lógica envolvente e as analogias rabínicas de sua argumentação. Como um jovem e inteligente advogado elas são muito sutis para convencer e muito artificiais para parecer suficientemente genuínas. Deslises verbais como a distinção entre sementes e semear, ou a desnorteada declaração sobre um mediador, diminuindo a força de seu caso; e analogias como aquela entre Hagar e o Monte Sinai inspiram desconfiança. A comparação com qualquer outra de suas cartas mostra quão distante ele estava da superação deste método de apresentar seus casos -- entretanto na realidade ele nunca mostrou muitos sinais de imaginação criativa na escolha dos seus exemplos ilustrativos. A mesma conclusão é estabelecida quando expunha 56 algo que sempre adotava como tema principal, o significado da Cruz. Esta fase do pensamento de Paulo é bastante simples e obviamente afetada pelo seu próprio dilema. Cristo aceitando a morte amaldiçoada e passando por cima da sentença «Amaldiçoado é todo aquele que é dependurado no madeiro» quebrou a maldição, tornou-a inóqua, e assim nos livrou da escravização da Lei. Não mais podemos esperar que a Lei nos salve e nos conduza até Deus. Agora outro caminho se abriu diante de nós, nossa fé em Cristo pela qual podemos nos tornar íntegros, coisa que nunca poderíamos alcançar através de Lei. Assim ele achou a pista para a nova moral em nossa resposta ao presente de Cristo. Mas Paulo ainda não foi a fundo nessa questão: justificação ainda é uma palavra ilustrada pela fé de Abraão em Deus (Gen. 15.6), e pelo contraste entre esta fé e a «obra» da Lei. Ele percebeu a diferença, manifeste em Jesus, entre ética pessoa e legal, a vida de relação constante com Deus, vida regulada e definida por deveres precisos de obediência à sua vontade. Mas as profundas mudanças que estão por tráz desse contraste, de nosso conceito da natureza de Deus e da qualidade de nosso próprio desenvolvimento ainda não estavam evidentes para ele. A grande descoberta que ele fez em Corinto, a psicologia e a cosmologia exposta em Romanos, ainda estão no futuro. Ele ainda pesca em aguas rasas: e começa sua dura jornada em direção a águas profundas. Embora essa carta esteja aberta a críticas quando comparada com seus trabalhos posteriores, plenos de experiência e completamente amadurecidos, é notável enquanto primeira composição da apologética Cristã! Tem paixão, qualidade essencial e completamente vital, criativa e duradoura. Seu autor se preocupa intensamente, está completamente envolvido nos temas descritos, e não tem nenhum medo ou vergonha em revelar a intensidade de seus sentimentos. Se há rastros de orgulho e auto-comiseração, tais coisas sempre são superadas e subordinadas pelo seu senso de dedicação; é sua vocação, que precede seu eu, que o provê e incentiva seus esforços 58 e argumentações. Ele suporta, e pode proclamar suportar, o stigmata de Jesus. Em meio às controvérsias e debates desta primeira carta, o gênio essencial do Apóstolo se revela em três declarações de surpreendente perspicácia e esplendor --- três das expressões vocais mais notáveis de sua vida --- três revelações que na realidade resumem os três elementos essenciais da ética Cristã: o centro em Deus, a universalidade, e a perfeição moral da fé. Tais declarações são as mais notáveis porque cada uma delas se destaca em vivo contraste com a tensa emoção e o pensamento trabalhado no resto da carta. São flashes súbitos de instantânea e brilhante inspiração, o tipo de consciência direta que é mais característica na arte que na ciência, mas que provavelmente ainda é o ambiente e instrumento de todas as grandes descobertas. Não se trata de uma realização do intelecto lógico, mas a fonte de seu mais rico material. Representa o momento de revelação quando períodos de especulação e experiência, tensão e ansiedade prévia, se resolvem. É o ponto onde revelação e descoberta se fundem, tornando-se vitais e criativos. Nele o ser do iniciado é integralmente envolvido, o mistério é aberto e o segredo descoberto. Aqui tais expressões são essenciais ao modo cristão de vida. Trata-se do primeiro registro de suas relações com os líderes de igreja em Jerusalém e depois com Pedro por causa de sua conduta equivocada na Antioquia em suas argumentações sobre as obras da lei ou a fé em Cristo como meio de justificação. A posição conclusiva disto tudo é resumida por ele mesmo. «Porque eu, pela lei morri para a lei, para que pudesse viver para Deus» (o Gal. 2.19). Então ele rompe na tremenda declaração: «Eu já fui crucificado com Cristo: eu próprio não vivo mais, e sim é Cristo que vive em mim. E a vida genuína que tenho agora dentro deste corpo é resultado da minha confiança no Filho de Deus, o qual me amou e a Si mesmo Se entregou por mim» . 59 Aqui firma o fato central e único da experiência cristã de que nossa resposta para Cristo não como o de aluno para professor, de empregado para patrão, ou até mesmo de amigo para amigo. Fé não é concordância intelectual, obediência prática ou resposta afetuosa: é comprometimento total, uma real e íntegra união ao nível da realização pessoal. O amor em toda sua plenitude; a unidade pela qual nossos amores humanos aspiram no horizonte, que mesmo não podendo permanente e perfeitamente ser atingida, é realizada. Cristo vive em nós; nós somos transformados de dentro para fora: nós estamos nele. Isto é, naturalmente, a convicção chave de São Paulo, o en Christo que Deissmann nos ensinou a ver como a causa principal da plena maturação das realizações do Apóstolo. Vida «em Cristo» é a plenitude do impacto do ministério de Jesus: é a meta do processo criativo, o segredo de nossa lida humana. O desenvolvimento subseqüente de Paulo é o crescimento desta experiência em sua pessoa: aqueles que viram e que conheceram indivíduos que manifestaram um semelhante modo de vida centrado em Cristo, reconhecerá seu valor sem igual. Além destas expressões desenvolve também a concepção do conjunto do corpo de Cristo no qual somos admitidos mediante a fé e pelo qual ela se torna efetiva. Trata-se do companheirismo do Espírito, a comunidade santificada, a sociedade orgânica nascida do Pentecostes, mas cujo pleno significado Paulo foi o primeiro a fornecer. Suas cartas subsequentes nos mostram os passos pelos quais conceitos como velhas categorias de salvação individual foram descartados, da mesma forma que fizera com a retidão legal, passos que o conduziram à percepção de que além da integração humana aqui na terra há uma relação cósmica e universal por meio da qual Cristo Deus é tudo em tudo. A segunda expressão é igualmente surpreendente e revolucionária. Surge fora do argumento relativo à Lei e à fé fundada na promessa dada a Abraão que «pela confiança que depositava em Deus 60 foi considerado reto» , e que por meio dele «todas as nações deveriam ser abençoadas» (Gen. 12.3; 18.18). Depois de argumentar que a promessa aponta em direção a Cristo e que a Lei foi um episódio estabelecido para salvaguardar os homens contra o mal e conduzi-los a Cristo, tal episódio que em certo sentido alimenta o pecado, agora chega ao fim, é esvaziado: Todos vocês são crianças de Deus pela fé em Cristo Jesus; vocês, batizados em Cristo, foram preenchidos com Cristo. «Já não somos mais judeus, nem gregos, nem escravos, nem livres, e nem simplesmente homens ou mulheres» , somos todos iguais --- somos cristãos; somos um em Cristo (Gal. 3.28). Tais palavras são familiares: e diante de nossa presente situação mundial elas se tornam ainda mais proeminentes: mesmo assim sua ebrangência quase que passa desapercebida. Consciente como nós somos dos efeitos perigosos tanto de nossas diferenças largamente artificiais, nacionais e profissionais e das novas barreiras criadas pela educação especializada e interesses sectários «somos hábeis para ignorar o fato de que. Por tras das miríades de influências multiformes em conflito com nossa necessidade por adentrar em uma nova era de um mundo fraternal há três divisões «naturais» que o apóstolo apresenta. Raça e cor da pele, classe e ordem social, corpo e sexualidade, algumas dessas categorias são divinamente vaticinadas, permantentes, as quais são impossíveis, se não realmente injusto, desafiar. Ainda vemos cristãos, não apenas na África do Sul ou Little Rock, citando a maldição de Ham como sanção ao preconceito racial e a pecaminosidade do casamento inter-racial; ainda vemos os arautos da doutrina Malthusiana proclamando que sempre haverá pessoas vivendo abaixo da linha da miséria citando «vocês sempre terão pobres entre vocês» (Marcos 14.7) como um pretexto ao laissez-faire; e argumentando, apesar de toda a evidência contrária, a diferença entre a diferença entre os sexos é um ultimato e não uma distinção meramente biológica que torna inconcebível para mulheres a ordenação ao ministério da Igreja. Apesar de São Paulo ter ele próprio saido de uma seita exclusivista, 61 de um povo singularmente consciente de suas origens étnicas, de estar evidentemente orgulhoso de sua cidadania, de ter nascido de ventre livre, de sua inegavel gratidão por não ter nascido mulher, ele revela nas cartas que chegaram até nós, mesmo as primeiras, um nível que muitos de nós ainda não alcançou, quando expressa aquela unidade com Deus através de Cristo que transcende e anula todas essas divisões. Ao mesmo tempo em que vira e testemunhara a universalidade de Jesus, sem nunca se desculpar por isso, ele também carregava uma forte consciencia sobre as diferentes funções e uma grata prontidão em se contentar com seus próprios recursos e limitações, embora percebendo a unidade no companheirismo ele insistia que todos os membros, quaisquer que fossem suas funções ou virtudes, são iguais em importancia em sua contribuição à vida e às necessidades do corpo e em seu necessário crescimento e bem-estar. Só se alcança isso quando «a medida da estatura da plenitude de Cristo» (Ef. 4.13) é atingida. A terceira expressão surge de forma semelhante e inesperada depois de um longo argumento sobre um problema prático que viera à tona na Galácia. Ele proclamou que Cristo veio libertar os homens da escravidão da lei e que isto estava de acordo com a promessa de Deus à semente de Abraão em Cristo. Eles eram á família livremente nascida de Jerusalém, de Isaque não de Ismael; e a Lei não tinha nenhum poder em cima deles. Por que é então que estes mesmos gálatas que no princípio receberam Paulo com tal entusiasmo que pela saúde dele eles teriam arrancado fora os olhos deles e teriam dado a ele, agora mudaram de idéia aceitando as obrigações religiosas, a circuncisão e a Lei? Paulo repudia tal idéia tão forte e violentamente que recusa-se a acreditar que tais coisas estejam realmente ocorrendo: mas prontamente enfrenta a situação. Se Cristo significa liberdade, isto envolve frouxidão ética? Rejeição da Lei encoraja o antinomianismo(1)? Como podem os padrões morais ser mantidos se as regras 1 (NT) Antinomianismo: Antagonismo contra a lei e a legalidade que também pode manifestar-se na rejeição anarquística da autoridade legislativa do Estado. Doutrina de que, pela fé e a graça de Deus anunciadas no Evangelho, os cristãos são libertados não só da lei de Moisés, mas de todo o legalismo e padrões morais de qualquer cultura. (Michaelis) 62 que as definem são abolidas? Assim ele foi constrangido a reconhecer que a responsabilidade não apenas permanece como deve ser aceita, o que representa a escolha entre aquilo que chama carne e espírito. «Andar no espírito e não satisfazer a luxúria de carne... gera rivalidade: assim você não pode fazer tudo aquilo de que gosta. Você não está debaixo de lei, mas a obra da carne é óbvia» (Gal. 5.16-19). Então após uma longa e bem fortuita lista de vícios e faltas mundanas atípicas do Reino de Deus, ele rompe em um maravilhoso resumo dos frutos do espírito: «Amor, alegria, paz, coragem, clemência, bondade, fé, mansidão, temperança» (Gal. 5.22-23). Temos essa passagem como algo familiar; e por isso talvez não percebamos quão incrivelmente ela é completa em termos de uma descrição do caráter daqueles cuja vida é centrada em Cristo. Examinando-as percebemos três grupos de qualidades ligadas entre si mas aparentemente contraditórias, e vemos quão profunda é a perspicácia em descrevê-las dessa forma. A primeira coisa que se nota é que tal arranjo combina com valores morais geralmente contrastantes. Nós podemos chamá-las tanto de qualidades como de virtudes, que irradiam da vida em Deus, como conseqüência de nossa experiência nele, que representa a resposta do homem às exigencias legais e morais na vida pessoal e social. O contraste entre a chamada ética «cristã» e «pagã» é uma trivialidade. Nessa passagem, São Paulo menciona três palavras que caracterizam as três principais qualidades greco-romanas: a alegria de Epicuro,(1) a força dos Estóicos, e a tradicional virtude de Roma, e as três de Cristo: amor, paz e clemência. Tais qualidades se intercalam, se completam, se misturam e se transcendem; e as últimas três palavras na lista mostra como esta integração é cumprida.
63 O Amor, o agapé Cristão que Paulo proclamara em hino perfeito, o amor que é adoração estimulada por uma comunhão limpa daqueles sentimentos de posse e de sentimentalismo que tão facilmente o disvirtuam, o amor cuja dádiva funde-se à alegria das boas-vindas ao amor recebido e à vida abundante que esse amor evoca. É a virtude que Paulo afirmou tão livremente na carta onde mais ele se aproxima de Jesus em seus dias de ministério quando nos exorta a acatar «tudo aquilo é digno, íntegro, santo, amável, honrado». (cf. Fil. 4.8-10, 2.1-11). A
Paz que muito freqüentemente nos remete à quietude, ao pacifismo,
a uma bem-aventurança clausurada e estática, é por Paulo definida
como «a paz de Deus que, embora mais maravilhosa do que a mente
humana possa compreender, não abre mão da emoção e da inteligência»
(Fil. 4.7). Na realidade é na confiança e na serenidade que se
situam todas as mudanças e possibilidades de nossa condição
mortal. Foi justamente em sua resistência ao sofrimento e em sua
coragem, normalmente considerada a mais viril e excelente das virtudes
humanas, que Jesus exibiu mais completamente do que qualquer outro a fortaleza
que o manteve inabalável mesmo diante de todas as dificuldades
e perigos. Misericórdia, atributo do próprio Deus, uma palavra especial que em grego se associa à bondade de Deus e que é usada em uma famosa referência latina (por Suetonius) como uma qualidade inerente a Cristo significando o calor dos procedimentos íntegros para com o gênero humano por parte de Deus, cuja tolerância e generosidade se mesclam à bondade, uma virtude que caracteriza a moralidade, a retidão e a justiça humanas, uma integridade que se aproxima da pureza por ser completamente amável, uma qualidade que o autor dos Atos descreve em Barnabé (Atos 11.24). Cada um dos três pares assim combinados representa uma 64 fase seguinte da vida ética: amor e alegria brotam a partir da relação com Deus; paz e coragem são efeitos desta relação na atitude pessoal do indivíduo para com a vida; clemência e bondade resultam da relação dele para com os outros. As três qualidades restantes descrevem os meios pelos quais estes frutos se desenvolvem. Eles representam em seu caráter e desdobramento as três fases pelas quais Jesus conduziu seus seguidores ao pleno discipulado. A fé, a primeira delas, descreve a resposta de compromisso total do ouvinte às boas notícias, ou à suficiencia de Jesus como sua corporificação e arauto. A Mansidão é o processo e o fim da entrega do eu que ele provou ser essencial para todos aqueles que deram suas vidas por ele, ganhando assim a vida eterna: ambos envolvem a humilhação do fracasso e a humildade que herda a terra e que é capaz tanto de alegrá-la como de enriquece-la. Temperança é o completo controle por Deus em Cristo que é a plenitude da fé, é a abençoada libertação do desejo e do poder do mal, é a orientação ininterrupta do esvaziamento do eu, é uma vida dedicada. Em nosso compromisso de companheirismo com a comunidade santificada somo libertados, sustentados e inspirados para fazer a vontade de Deus. A passagem termina adequadamente com o famoso paradoxo (Gal. 6.1-5) entre responsabilidade grupal e responsabilidade individual que Paulo se esforçou em solucionar. Unidos no espírito cada um de nós pode compartilhar os fardos uns com os outros; assim, o peso da aventura da vida é sentido por todos, e por todos sustentado; auto-suficiencia é uma traição a comunidade. Deve-se exigir de cada um conforme sua capacidade, e dar a cada um conforme sua necessidade. O modo de vida expresso dessa forma, a união com Cristo que soluciona a solidão, quebra as barreiras e transforma o caráter da humanidade, é resumido naquilo que o Apóstolo regularmente chama de charis, o 65 gracioso dom de Deus. O termo, com seu significado original de «graça jovial» e «favor voluntário», designa tanto a iniciação como a manutenção do novo relacionamento para com o divido e redentor ato manifesto em Jesus e operado em Paulo desde sua conversão. Graça aparece em Gálatas como a primeira daquelas palavras onde a nova esperiência dá um novo significado; e talvez maior do que qualquer outra descrita em toda a extensão do evangelho paulino. Para Saulo de Tarso, com também para o mundo, embora Jesus fosse esperado ele veio de uma forma completamente inesperada e de uma maneira manifestamente imerecida. Embora seu impacto satisfizesse o desejo dos corações, desafiasse o pensamento e revolucionasse a ética dos seus discípulos, representou sob todos os aspectos um acaso fortuito, um presente de céu. Charis denotou precisamente este senso de dádiva. Mas sua qualidade não termina aí. Realmente o isolamento e o exagero de sua estranheza foram a fonte principal dos erros da exclusividade e do determinismo. A dádiva não merecida provou porém ser não apenas sobrenatural mas, como insistiu Whichcote, «acima do natural». O estranho mundo admitido por Cristo provou realmente ser sua terra nativa. O que parecia ser uma convocação à selva tornou-se primeiramente uma peregrinação e depois um retorno ao lar. O padrão da vida encarnada, o drama de Cruz e da Ressurreição, se repetiu: a vida em vez de caminhar em direção a um fim tornou-se plena e livre, venturosa e compensadora. Em Gálatas esta perspectiva mais ampla é dificilmente notada. Charis é associada com o chamamento do apóstolo por Deus (1.15), com seus seguidores (1.6) e com o efeito que ela provocou nele (2.9 e 21); e até mesmo a declaração «sair da graça» (5.4) insinua «rejeitar o presente de Deus». Entretanto nas cartas aos Coríntios onde a palavra é muito livremente usada, ele recorre ainda naquela ocasião à idéia de chamada e de presente (1 Cor. 1.4; 3.10), é também utilizada significando «não 66 ter sido dada em vão» (15.10), sua permanência (15.23), inclusive é aplicada para um estado de vida «não em sabedoria carnal mas na graça de Deus» (II Cor. 1.12): ela é «graça abundante» (4.15) e «não em vão» (6. 1). Assim, definitivamente a graça, ou «dom gratuíto», de Nosso Senhor Jesus Cristo é identificado com o amor e com o companheirismo do Espírito Santo (13.13). Finalmente em Romanos ela é fartamente usada para descrever a plenitude da nova relação dos crentes com Deus e toda a extensão da atividade divina. Muito característico deste novo sentido de graça como constituindo o contato mútuo entre Deus em Cristo e seu povo é o tratamento dado em romanos 5. Por Cristo «recebemos acesso a este lugar do mais alto privilégio pela graça devido à nossa fé» (2). Esta graça dada por Cristo transborda em nós em toda sua plenitude de forma que todos quantos receberam o presente divino de perdão e absolvição «reinarão em vida» (15, 17) e o reino do pecado é substituído pelo reino da graça (21). Assim no próximo capítulo a lei e o seu modo de propiciar as coisas é colocado em contraste com a graça através da qual os redimidos podem agora entrar. Paulo rejeita a idéia de uma intrusão divina especial em sua vida e abraça o reconhecimento da universalidade da presença da graça de Deus. As palavras que muitos de seus intérpretes consideram básicas no pensamento do apóstolo nos permite ver como tal pensamento se desenvolve; graça nas epístolas posteriores na maior parte das vezes é substituida por conceitos de integridade, conscientização total e comunidade. Na realidade a palavra raramente surge fora das saudações e despedidas com exceção de uma frase notável, «a economia de graça» (Eph. 3.2), onde ele usa «economia» para descrever toda a dispensação e ordenação da casa de Deus.Na realidade a palavra raramente surge fora das saudações e despedidas com exceção de uma frase notável, «a economia de graça» (Ef. 3.2), onde ele usa «economia» para descrever toda a dispensação e ordenação da casa de Deus. A palavra «economia» é usada em conexão com uma outra, «mistério», evidentemente estreitamente ligada a «graça» e até certo ponto substituindo-a nas últimas fases do pensamento de Paulo. «Mistério», por sua associação com Eleusis e o mundo grego em geral, é empregada pelo Apóstolo em 67 1 Corinthians e nós podemos perceber como ele a usa no sentido de uma emulação especial ou segredo e sempre em sua forma plural (4.1, 13.2, 14.2). Em Romanos o sentido ainda é de um evento especial que revela um significado oculto (11.25 e 16.25). Em Colossenses e Efésios, onde ocorre dez vezes, ela é amplamente usada para descrever o plano e a vontade de Deus, a plenitude e o significado universal de Cristo. Da mesma forma que «graça», o primário significado de «mistério» representa uma divina auto-manifestação expressa em um evento simbólico e revelador. Mas, pelo fato de estar mais ligada com ao efeito que provoca no receptor do que com a iniciativa do revelador, ela enfatiza o processo de expansão e universalização das boas novas e seu poder para iluminar, explicar e inspirar todo o campo da vida e pensamento humano. E com esta extensão da divina graça surge uma nova interpretação da resposta humana para ela. Para nós a obediencia à lei tem se revelado insuficiente. Substituí-la foi uma necessidade primária uma vez que o apóstolo não desejava conduzir seus seguidores ao caos e à desorientação. Sua experiência na lida com eles tornara-o convicto de que o amor, incondicional e expandido pelo amor de Jesus na comunidade santificada, proporcionaria proveria uma perspicácia nos sentidos e portanto uma orientação constrangedora que seria mais íntima e mais imediatamente ajustável que lei. Foi assim que ele descobriu a palavra usualmente traduzida como «pleno conhecimento», epignosis, que representa para ele a plenitude alcançada quando pela verdadeira concordância no Cristo e no companheirismo. Por tres vezes em Romanos a palavra epignosis, uma palavra rara e recente no grego clássico, é mencionada, depois aparece em Filipenses, Colossenses e Efésios exercendo um papel destacado no vocabulário de Paulo (1). Qua o significado disto? Gnosis é naturalmente livremente usada no sentido especial de
68 «conhecimento esotérico» como uma palavra religiosa, no Novo Testamento é muito bem descrita por W. L. Knox como «a mistura Cristã de fé e amor» (1). Epignosis aparentemente aponta o sentido do conhecimento como uma «consciência institucional» em vez de um «contato físico» ou uma «percepção intelectual». Ela é aplicada para Deus (2) e para ninguém mais (3). Sua forma verbal, mantendo esse significado de «consciência», tem um significado mais geral. Ela é especialmente frequente em Lucas e Atos onde usualmente está ligada ao senso de reconhecimento. Epignosis parece ser uma palavra singularmente apropriada para descrever a interior e constrangedora consciência da real verdade em torno de um objeto ou situação, uma profunda e completa percepção daquilo que Chardin chama de o «interior» das coisas, quando de uma forma admiravel descreve a experiencia de amor e de companheirismo que explode e se propaga na comunidade quando as pessoas se vêem libertas do egoismo e da hipocrisia. Como um holofote a passagem em Fil. 1.9 «amor dá uma sensação de toque» chama a atenção. Tal sensação torna possível uma convicção maior do que o conhecimento intelectual ou logicamente formulado pode proporcionar. Isto é mais facilmente apreciado por aqueles que tiveram a experiência de enfrentar conflitos de lealdade associados a problemas como a guerra por exemplo. Enfrentando-os e procurando a direção de Deus ficamos diante de duas tarefas preliminares a cumprir, primeiro um estudo do assunto à luz do nosso conhecimento de Deus e dos valores cristãos, depois o exame de nossa própria natureza e motivos, descartando nossos egoísmos e examinando da melhor forma possível
69 nossos desejos e preconceitos conscientes e inconscientes. Dessa forma podemos nos colocar a nós mesmos e nossas necessidades sob a direção de Deus e do companheirismo cristão, e esperar Sua vinda, acredito que não no formato de instrução ou de fórmula: o que costuma ocorrer é a percepção de que tais instruções e fórmulas não mais funcionam entre nós; estes caminhos são intransitáveis; um caminho, um único caminho, torna-se claro para nós; e nós o abraçamos. É seguramente isso o que Paulo queria dizer por pleno conhecimento, a percepção do estado de consciência pelo qual o cristão tem que viver, um estado de consciência de todo o ser e não apenas da mente. Por isto é notável que a palavra syneidesis ou consciência mencionada apenas na carta aos Corintios e três vezes em Romanos é sempre usada no sentido de auto-conhecimento ou consentimento intelectual, no sentido de obrigação no que diz respeito a problemas relacionados com sacrifícios a ídolos que é o objeto o argumento, e que nas cartas posteriores é substituída por epignosis mais abrangente e mais intuitiva. . Assim a mensagem de Gálatas evolui nas epístolas subseqüentes. «A graça de nosso Senhor Jesus Cristo» (Gal. 6.18) se desdobrou em «o segredo aberto de Deus, em Cristo, onde está armazenado todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento» (Col. 2.2,3), e onde todos os homens, tanto judeus como gentios se tornam um (Ef. 3.6-12). |
Comunalismo
Cristão
Índice
e Prefácio
I
- A Crise na Teologia e na Ética 13
II - O Caminho
da Vida Abundante 21
III - O
Caminho da Vida Perdida e Recuperada 35
IV - O Primeiro
Impacto de Jesus 49
V - A Descoberta
de Corinto 71
VI - O Tratado
de Roma 83
VII - A
Expansão do Pensamento de Paulo 99
VIII - A
Plenitude de Cristo 115
IX - Paulo
na Igreja Primitiva 137
X - A Vinda
da Maioridade 145
railtong@g.com