De
Modern Theology 13 July 1997, p 371-397
HOMOSSEXUALIDADE E PRÁTICAS
MATRIMONIAIS
Parte II
DAVID McCARTHY MATZKO
É provável que o pessoal do Ramsey Colloquium se oponha aos meus
argumentos alegando que eu estou evitando a questão crítica. Este par
lésbico é um par lésbico, e não importa o que eles fazem para sustentar
o tecido social do matrimônio, a relação delas é um endosso público à
homossexualidade como opção de estilo de vida. Defendendo sua posição,
o Colloquium poderia citar o fato de que a igreja e o estado não
reconhecem uniões de homossexuais como uniões, embora elas existam informalmente.
Há muito mérito nesta linha de argumento, não só porque o reconhecimento
formal do matrimônio provê um contexto para bens comuns a ser adotado,
mas também porque estabelece uma base onde se dá apoio público aos matrimônios
particulares. O reconhecimento formal abre caminho para a comunidade fornecer
o mesmo espaço que dá para casamentos heterossexuais, como
espaço para festa e presentes de casamento, para os membros cultivar a
identidade deles enquanto pessoas casadas, para compromissos comuns e
contínuo apoio comunitário. Na medida em que faltam esses laços formais,
o Ramsey Colloquium pode reivindicar que as uniões de homossexuais
são inerentemente precárias e que provavelmente não resistirão aos desafios
típicos da fidelidade e do compromisso vitalício. Mas esta reivindicação
implica na questão do reconhecimento público. Os argumentos do Colloquium
sobre o bem público podem prover o melhor incentivo ao reconhecimento
formal de uniões gays e lésbicas.
Objeção
dois: o ato
Deus, em sua infinita sabedoria e amor, traz à existência toda a realidade
como uma
reflexão de sua bondade. Ele formou
o gênero humano, macho e fêmea,
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em sua própria imagem e semelhança.
Então, os seres humanos não são nada menos que obra do próprio Deus; e
na complementaridade dos sexos, eles são chamados a refletir a unidade
interna do Criador. Eles fazem isto de um modo notável na cooperação com
ele na transmissão da vida por uma doação mútua do ego de um para o outro.[12]
Esta passagem curta traz consigo
importantes temas teológicos. Deus forma uma imagem e semelhança do seu
próprio ser divino em macho e femea. Mas esta semelhança somente não é
nenhuma imagem em macho e femea; é expressa na complementaridade dos dois
sexos que, juntos, refletem a unidade de Deus. O homem ou a mulher isolados
não fornecem uma imagem completa. Parece seguir, então, que dois, dez,
ou cem homens, na medida em que vivem juntos, talvez em uma comunidade
religiosa, não refletem a unidade interna do Criador de uma forma
melhor do que um ser humano apenas. São requeridos homem e mulher, e esta
união dos dois expressa uma semelhança para com o Criador em seu mais
profundo sentido, cooperando com Deus na transmissão da vida. A união
homem e mulher e a transmissão da vida está intimamente conectada. Eles
constituem dois fins engrenados no matrimônio.
Esta declaração sobre complementaridade macho-femea e procriação provê
a base para julgamentos sobre a imoralidade de atos de homossexuais. A «Carta aos Bispos» continua:
Escolher alguém do mesmo sexo para
a atividade sexual é exterminar o rico e significante simbolismo, sem
mencionar as metas, do desígnio do Criador. A atividade homossexual não
é uma união complementar, capaz de transmitir vida; e assim contraria
a chamada a uma vida na forma de auto-doação que o Evangelho diz que é
a essência da vida cristã. Isto não significa que homossexuais não sejam
freqüentemente generosos em doar a si mesmos, mas quando eles se ocupam
da atividade homossexual eles confirmam dentro deles uma inclinação sexual
desordenada que é essencialmente auto-indulgente.[13]
Neste argumento contra o ato homossexual,
é importante notar que a Carta assegura que todas as uniões macho e fêmea
são uniões de auto-entrega ou além da repreensão simplesmente porque elas
são heterossexuais. Além disso, a Carta estabelece que o ato homossexual,
por não ser heterossexual, necessariamente viola o desígnio do Criador
e expressa uma tendência egoísta para a uniformidade em lugar da complementaridade
do outro. O ato homossexual, então, é imoral de acordo com a estrutura
do próprio ato. Os atos heterossexuais são julgados na contexto-fidelidade
que lhes é particular, compromisso, mutualidade, e livre participação.
Ao passo que o ato homossexual é imoral em si mesmo. A «Carta aos
Bispos» reconhece a possibilidade da orientação homossexual como uma tendência
ou inclinação egoística de escolha deliberada.[14]
Mas vê a expressão
desta orientação tida como desordenada no próprio ato sexual. A Carta insere
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uma visão incomum de natureza antinatural.
A orientação não é meramente uma tendência psicológica mas um aspecto
indelével da identidade de alguém. Os homossexuais não tem culpa
pela orientação constitutiva que lhes é inerente, no entanto, são um fracasso
moral na medida em que decidem agir de acordo com essa constituição.
383
Mas a complementaridade assume um
papel proeminente quando afloram outros assuntos, particularmente discussões
de contracepção, homossexualidade, e a igualdade das mulheres. O papel
da mulher, de acordo com Philip Keane em seu livro Sexual Morality:
A Catholic Perspective, é fundamental no delineamento de um quadro
claro da sexualidade humana. Para ele, a idéia da complementaridade macho-femea
é uma característica crítica da sexualidade porque expressa a visão de
que os homens e as mulheres são diferentes, e que tais diferenças são
fonte de uma união social única e de contribuições interpessoais para
a realização humana..[17] Além disso, a complementaridade oferece
um modo de sustentação ao esboço geral da visão tradicional eclesiástica
do matrimônio enquanto, ao mesmo tempo, realça o aspecto do fim unitivo
como algo autônomo, quer dizer, com um fim bom em si mesmo. Até este século,
o fim unitivo foi negligenciado ou obscurecido pelo fim procriativo dominante.[18]
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e mulheres têm funções diferentes
na manutenção de uma casa. A casa é o local para a diferenciação deles
porque Thomas assume que a perfeição da ordem social ou civil pode e deve
ser sustentada por relações entre homens.[21] Ele não concebe que a perfeição
da natureza inclui a diversidade dos sexos,[22]
mas ele explica que a criação das mulheres diminui em vez de aumentar
a noção dacomplementarïdade. «Foi dito a nós», diz ele, «que
a mulher foi feita para ajudar o homem. Mas ela só presta mesmo para gerar
de crianças, porque os demais homens provaram ser mais efetivos em tudo
o mais».[23]
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vistas como anomalias.
Este amor é total, quer dizer, é
uma forma muito especial de amizade pessoal na qual o marido e a esposa
generosamente compartilham tudo, sem fazer reservas ou cálculos egoístas...
Este amor é fiel e exclusivo até a morte... E finalmente,
este amor é fecundo, e não se esgota na comunhão entre marido e
esposa, mas é destinado a continuar, levantando novas vidas...[24]
Se as duas mulheres em nosso caso
teste estão criando uma criança, ou se elas estiverem contribuindo com
a comunidade a que pertencem, como professoras, treinadoras, e mentoras,
e se elas estiverem dispostas a abrir a casa delas a crianças, e se o
amor delas for total, fiel, e exclusivo, e se elas revelam o compromisso
de estarem unidas até a morte, elas representarão uma dificuldade para
aqueles que são rápidos em considerar o relacionamento delas apenas em
termos de atos homossexuais imorais. As duas mulheres celebram os atos
delas de uma forma plenamente justificáveis diante das práticas que tornam
o matrimônio heterossexual não procriativo justificável. Com a proximidade
delas do paradigma normativo, é fácil entender por que a complementaridade
macho-femea funciona apenas como um tema importante para os argumentos
contra as uniões de homossexuais. O entrincheiramento na complementaridade
foi o modo encontrado para evitar este caso anômalo: o par lésbico que
não se ajusta nos contornos de heterossexualidade mas que claramente se
conformam às práticas do matrimônio. A anomalia não altera a visão normativa
do matrimônio, mas requer julgamento sobre como categorizar o caso particular.
Neste sentido, nossa consideração do ato homossexual repete a questão
básica levantada enquanto lidávamos com a defesa que o Ramsey Colloquium
faz do bem público. Qual é a resposta apropriada quando as uniões do mesmo
sexo sustentam o matrimônio muito mais do que promovem o ato homossexual?
Determinados casais gays e lésbicos apresentarão anomalias ao modo cristão
de vida no que diz respeito ao matrimônio e as relações sexuais, e em
um nível local, as comunidades lidarão com este tipo de anomalia acatando
casais do mesmo sexo como família entre famílias.
[11] See the arguments given by Andrew Sullivan in Virtually Normal., An Argument About Homosexuality (New York: Alfred A. Knopf, 1995).
[12] «Letter to the Bishops of the Catholic Church on the Pastoral Care Of Homosexual Persons» in The Vatican and Homosexuality, eds. Jeannine Gramick and Pat Furey (New York: Crossroad, 1988), pp. 1-10: 16.
[13] Ibid., 7
[14] Ibid., 11
[15] Gaudium et Spec, in The Gospel of Peace and Justice, 112.
[16] Ibid., 48
[17] Philip Keane, Sexual Morality: A Catholic Perspective (New York: Paulist Press, 1977).
[18] Usually Cacti Cannubii (1931) is cited as the transition.
[19] James Hanigan, Homosexuality. The Test Case for Christian Sexual Ethics (New York: Paulist Press 1988), p. 90.
[20] Ibid., p. 100.
[21] Thomas Aquinas, Summa Theologica (New York: Benziger Brothers, 1947), I, 41.1.
[22] Summa, 1, 99.2.
[23] Summa. 1, 98.2.
[24] Humanae Vitae, 19.
fim da segunda
parte de Homossexualidade e Práticas Matrimoniais
terceira
parte
última
parte
primeira
parte