De
Modern Theology 13 July 1997, p 371-397
HOMOSSEXUALIDADE E PRÁTICAS
MATRIMONIAIS
Parte III
DAVID McCARTHY MATZKO
Objeção Três.
Escrituras
Esta seção procederá como as duas
anteriores. Começa com argumentos fortes sobre padrões convencionais de
expressão sexual, mas indica onde eles falham. A complementaridade é uma
dessas inovações que quase sempre se ajustam à tradição enquanto modo de
conceitualizar relações macho-femea. Aqui, é importante destacar um contraste
histórico. Tomas de Aquino, por exemplo, assegura que uniões
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entre homossexuais e lésbicas estão
ligadas ao contexto das práticas que sustentam e são sustentadas pelo casamento.
A trilha a seguir, então, é o modelo
bíblico do matrimônio heterossexual. A passagem chave que é usada para justificar
o modelo está no primeiro capítulo de Gênesis, I Coríntios 7, e passagens
como Colossenses 1:18, «esposas, estejam sujeitas a seus maridos». O texto
de Gênesis, «... macho e femea ele os criou. Deus os abençoou, e disse a
eles, 'cresçam e multipliquem-se...'» (1:76-7), é usado tanto por aqueles
que focalizam a finalidade procriativa do matrimônio como também por aqueles
que consideram essencial a complementaridade macho-femea. Em I Coríntios
7 Paulo dá instruções sobre vantagens e desvantagens do matrimônio. Estes
ensinos, de acordo com a interpretação padrão, oferecem um computo completo
da relação homem-mulher na união conjugal.[25]
Apesar da heterossexualidade tornar-se a interpretatação padrão do ponto
de vista bíblico, as relações macho-femea foram amoldadas em uma variedade
de modos. Logo após a narrativa da criação em Gênesis, deparamos com a poligamia
e o concubinato como práticas comuns, e com as mulheres, em geral, sendo
consideradas objeto de proteção ou de troca entre os homens.
Deparamos com o código sagrado em Levítico 18 pressupondo relações heterossexuais
e explicitamente proibindo «homens deitar com homens». Mas também deparamos
com um conteúdo diferente e um modo distinto de organizar aquilo que hoje
chamamos de ética sexual. É correto aceitar o código bíblico que proibe
atos homossexuais? Não. E quanto ao incesto? Não. E quanto
ao direito de um homem ser proprietário de uma mulher? Não. Com o tempo
reinterpretamos o incesto, moldando-o como uma forma perniciosa de posse,
domínio, e abuso. E quanto a situar as relações sexuais durante a menstruação
ao mesmo nível do adultério, da bestialidade, e do sacrifício de uma criança
a Molech (Lev. 18:19-23)? Não, também não é correto.
Isso significa que mantemos algumas proibições ao mesmo tempo em que reorganizamos
outras. O código sagrado conceitualiza as relações sexuais de uma forma
diferenciada. Elas estão baseadas em categorias de discriminação que não
são usadas quando os cristãos formulam sua ética sexual, categorias como
contaminação, por exemplo, para evitar a mistura de grupos (especialmente
em relação ao «potencial poluente feminino»), nega a associação com a prática
do culto idólatra, e -- no caso do adultério -- para proteger os direitos
de propriedade coletiva
O mesmo é verdade no que diz
respeito aos apelos paulinos. Poucos dos intérpretes de Paulo enfatizam
o fato deste, em I coríntios 7, encorajar homens e mulheres, especialmente
mulheres, a não se casar. O celibato é preferido, enquanto que o casamento
é recomendado apenas para aqueles que não tem o dom da vida solteira. É
igualmente provável que os intérpretes, em suas discussões matrimoniais
e procriativas,
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citem Paulo sem se dar conta de que
o apóstolo nunca fez qualquer conexão entre esses dois temas. Alguns
intérpretes poderiam atribuir esta omissão à iminente escatologia de Paulo.
As relações macho-femea são o paradigma,
e determinados atos sexuais são proibidos. Estes pontos estão claros. Mas
a visão cristã (ou visões) do matrimônio não pode ser localizada em uma
ou outra passagem bíblica apenas. Na realidade, tais visões do matrimônio
dependem mais de textos que não tratam do matrimônio ou de éticas sexuais
do que de textos onde tais temas são explícitos. Note, por exemplo, a prática
contemporânea de usar o discurso de Paulo sobre o amor em I Coríntios 13,
como um texto para cerimônias de casamento. «O amor é paciente; o amor é
bondoso...» (v. 4) soa aos ouvidos da noiva e do noivo como um testemunho
do amor duradouro que se encarna no matrimônio deles. Mas o próprio texto
de Coríntios situa o amor em outro contexto, na continuidade da vida
da igreja, dos dons espirituais, e de sua vida como um único corpo. O matrimônio
não é nem mesmo mencionado como um contexto para este amor.
Os textos que tratam do matrimônio explicitamente são secundários, até mesmo
quando procuramos guias para o matrimônio em si. O matrimônio é um conjunto
de práticas que emerge de vocações, mandamentos, temas da Bíblia, e da continuação
da vida da igreja como um todo. Nenhum único texto dá forma ao matrimônio.
Os temas básicos da Bíblia, as práticas matrimoniais, e as práticas da comunidade
cristã, todas essas coisas funcionam como guia na leitura de textos particulares,
que revelam o caráter do amor e do matrimônio.
Esta relação entre Bíblia e matrimônio revela dois pontos significantes
para nossa discussão da homossexualidade. Primeiro, em contraste com o matrimônio,
as discussões da homossexualidade são dominadas pela evidência de textos
específicos. Segundo, a orientação sexual é um vigamento conceitual
que os intérpretes usam para verificar o que vários textos têm a dizer sobre
a homossexualidade, mas o próprio vigamento em si não é baseado na Bíblia.
Os códigos sagrados situam os atos sexuais de uma maneira, enquanto que
Paulo ou os filósofos gregos situam de outra. Portanto, nenhuma concepção
de orientação sexual moderna pode recorrer a este ou aquele aspecto como
constitutivo de sua identidade. Quer dizer, a Bíblia é clara sobre sua desaprovação
a determinados atos sexuais, mas isso não descarta a idéia da orientação.
Um objeto que gera desejo não é considerado primariamente a fonte deste
desejo (quer dizer, as mulheres não produzem desejos em homens). No mundo
helenístico, o desejo em si (em vez do objeto) é o gerador
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ou afeminados, mas jamais seriam
considerados como emergentes de uma «orientação» enganosa. O desejo
de uma pessoa só pode ser compreendido diante de sua orientação,
dependendo dela a questão sobre atos sexuais é lançada diferentemente. Os
mesmos atos sexuais se tornam atos homossexuais na medida em que emergem
de uma determinada identidade sexual.
Três passagens do Novo Testamento contêm referências a atos homossexuais,
I Coríntios 6:9-11, I Timóteo 1:8-11, e Romanos 1:24-32. Todas as três incluem
os atos homossexuais em uma lista de atividades corruptas, que vão desde
fornicação até a embriaguez e o furto. Tal lista de vícios é usada para
ilustrar um argumento principal. No texto em Coríntios, Paulo começa com
uma repreensão contra aqueles que levam as queixas deles aos tribunais e
usa a lista de vícios para estabelecer um contraste entre uma vida de maldade
e a vida em Cristo. O texto contido em Timóteo estabelece que a lei é sem
efeito para os sem lei, e a lista de comportamento corrupto é exposto
nos moldes da legalidade. No primeiro capítulo de Romanos, a lista de pecados
faz parte do argumento de Paulo de que, como tanto gentios como judeus são
culpados de pecado, a graça de Deus é oferecida a ambos. Em todos os três
textos, as listas de vícios não são questões de contenda. São detalhes que
sublinham os pontos principais e, para que eles funcionem como pontos ilustrativos,
são usados mais em termos de significado e impacto retórico do que como
argumentos. Como resultado, as poucas referências aos atos homossexuais
no Novo Testamento são desenvolvidas
A lista de vícios em I Coríntios 6:9-11 usa os termos malakoi e arsenokoitai,
ambos considerados referências a atos homossexuais. Mas o significado destes
termos não está completamente claro. Eles são traduzidos pela American
Bible Society (Today's English Version, 1936) como pervertidos homossexuais,
enquanto que a Revised Standard Version (1971) como pervertidos sexuais,
e a New Revised (1989), como prostitutos masculinos e sodomitas.
Os termos se referem tanto a pederastia (macho efeminado, passivo, e uma
contraparte ativa, masculina) como à prostituição masculina. Em ambos os
casos, malakoi e arsenokoitai não se referem à homossexualidade
em geral, mas à pederastia ou prostituição no mundo antigo. Arsenokoitai
também é usado em I Timoteo 1:8-11, e seu uso junto com pornoi (fornicadores
ou prostitutos machos) e andrapodistai (traficantes de escravos)
sugere um significado semelhante ao usado em I Coríntios 6
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desculpa. A condenação dele se desdobra
em uma ladainha sobre os corações endurecidos do gentios. Eles voltaram
as costas a Deus e se perderam. Uma seção desta ladainha se refere a atos
homossexuais.
Esta é a razão pela
qual Deus os abandonou, deixando-os cometer todas essas ações
pecaminosas, a tal ponto que até suas mulheres se voltaram contra
o plano natural que Deus tinha para elas e cederam aos pecados sexuais entre
elas mesmas. E os homens, em vez de terem relações sexuais
normais cada qual com sua mulher, arderam em paixão uns pelos outros,
homens praticando coisas vergonhosas com outros homens e, como resultado
disso, receberam a paga em suas próprias almas com o castigo que
bem mereciam. (26-7)
Uma interpretação de «contra a ordem da criação» é desenvolvida por Richard
Hays.
A passagem que condena atos homossexuais faz parte da seção, Romanos 1:18-2:16,
que funciona como uma condenação aos gentios e como uma introdução para
criticar o orgulho judeu enquanto povo da lei. Os gentios são criticados
profundamente. Então Paulo volta-se contra os judeus. «O que dizer sobre
vocês?» ele pergunta em Romanos 2:17. «Você se chama judeu, confia na lei
e ostenta seu relacionamento com Deus». Que desculpa podem dar os judeus
quanto à sua própria deslealdade? Os judeus não têm nenhuma
desculpa, da mesma maneira que os gentios. A referência de Paulo aos atos
homossexuais funciona como parte da introdução retórica. Primeiro, Paulo
«incita seus ouvintes 'judeus' a acenar seu de acordo com esta acusação
judia tradicional da corrupção pagã...».
A referência de Paulo aos atos homossexuais, de acordo com Hays, é uma ilustração
que se ajusta dentro desta progressão retórica. Mas quando Hays explica
o impacto da ilustração, ele sai da referência aos pecados, à idolatria
e à fraude
A referência a Deus como criador evocaria em Paulo, como também em seus
leitores, lembranças imediatas da história da criação narrada em Gênesis
1-3 que proclama: «Deus criou o homem na própria imagem dele... macho
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e femea os criou» e «multipliquem-se,
encham a terra» (Gen. 1:27-28). Assim na complementaridade macho e
fêmea é determinado um fundamento teológico na atividade criativa de Deus.
Assim, a escolha de Paulo da homossexualidade como uma ilustração de depravação
humana não é meramente fortuita: serve aos seus propósitos retóricos por
prover uma imagem vívida da rejeição primitiva de humanidade à soberania
de Deus o criador.[31]
A interpretação de Hays parece convincente.
O ato homossexual mostra que a humanidade é corrupta e justamente condenavel.
Todavia, apesar de sua clareza, há algumas dificuldades no argumento de
Hays. Primeiro, notamos que ele tira uma conclusão sobre o que Paulo e seus
ouvintes estariam pensando, ao mesmo tempo em que tenta olhar as coisas
do ponto de vista das declarações explícitas de Paulo. Segundo, sua tentativa
de conectar as declarações explícitas de Paulo com uma referência situada
em Gênesis 1-3 torna-se um problema na medida que assumirmos tal conclusão
como o fracasso da natureza humana em geral.
Robin Scroggs, em The New Testament and Homosexuality, dá um argumento
mais consistente, na medida em que sustenta que os versos em Romanos 1:26-7
tem força retórica não por trazer consigo um apelo à criação mas por lançar
por terra uma acusação muito comum que os judeus helenísticos
lançavam contra os gentios. Ele destaca que Paulo, ao condenar a
pederastia, coloca estóicos e judeus helenísticos no mesmo nível,
e estabelece uma crítica ao mundo grego em seus próprios termos. Além disso,
Scroggs destaca que a condenação dos atos homossexuais é uma referência
direta a práticas contemporâneas, não um comentário abstrato sobre ordenação
macho-femea na criação. «Paulo pensa apenas em pederastia... [porque] não
havia nenhuma outra forma de homossexualidade masculina no mundo greco-romano
que pudesse ser notada».[33]
Em suma, Scroggs concorda com Hays sobre os temas (pecado e graça) em Romanos
mas discorda com relação à conclusão de Hays sobre Gênesis 1-3. A condenação
de Paulo aos atos homossexuais funciona como ilustração da
diferença entre judeus e pagãos não da queda da humanidade em geral.
Idolatria, corrupção sexual, e outros males mencionados no primeiro capítulo
de Romanos são modos pagãos de vida para os quais os gentios não têm nenhuma
desculpa. Do ponto de vista do judeu, a diferença entre gentios e judeus
poderia ser motivo de orgulho para os judeus, mas Paulo mostra que ambos
são culpados de um modo diferente. Scroggs coloca a prática homossexual
dentro do contexto histórico vivido por Paulo, ou seja, a condenação
de Paulo aos atos homossexuais restringe-se às práticas particulares
do mundo grego. Scroggs não nega o fato de Paulo condenar todos os atos
homossexuais dentro de sua esfera. Mas ele mostra tal condenação como uma
convenção
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não como uma disputa controversa.
Mas Scroggs nega haver aqui a presença de um argumento teológico para uma
condenação da homossexualidade em geral.
A noção da homossexualidade em geral traz consigo o problema da orientação
homossexual. Scroggs argumenta que Paulo não aborda a questão dos homossexuais,
especialmente aqueles que, hoje, se envolvem em relações fiéis, permanentes,
de amor e de serviço à comunidade. Este tipo de relação não fazia parte
do mundo de Paulo; então, é um erro generalizar sobre a orientação homossexual
a partir da desaprovação de Paulo à pederastia. Uma abordagem semelhante
à questão da orientação é detalhada por John Boswell, que sustenta que quando
Paulo condena atos homossexuais, tal condenação não se aplica a pessoas
com orientação homossexual. A tese de Boswell é que Paulo se refere aqueles
que dão meia volta e abraçam uma paixão antinatural pelo mesmo sexo, quer
dizer pessoas que tiveram uma orientação heterossexual natural desde o começo
[25] Victor Furnish, The Moral Teachings of Paul (Nashville: Abingdon, 19n).
[26] William L. Countryman, Dirt, Creed, and Sex (Philadelphia: Fortress Pens, 1988), pp. 30, 32, 33,39.
[27] Paul Veyne, «Homosexuality in Ancient Rome» Western Sexuality, eds. Philippe Aries and Andre Bejin (Oxford: Basil Blackwell, 1985).
[28] Robin Scroggs, The New Testament and Homosexuality (Philadelphia: Fortress Press, 1983), P, 120.
[29] Richard Hays, «Relations Natural and Unnatural: A Response to John Boswell's Exegesis of Romans I» The Journal of Religious Ethics 14/1 (1986), pp. 184-215.
[30] Dale Martin, «Heterosexism and the Interpretation of Romans 1:18-32» Biblical Interpretation 313 (October), p. 337.
[31] Hays, p. 191.
[32] Martin, p. 337.
[33] Scroggs, p. 116.
[34] John Boswell, Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality (Chicago: University of Chicago Press, 1980), p.109
[35] Ibid., pp. 110-11. . «Para Paulo, 'natureza' não era uma questão de lei ou verdade universal mas algo relacionado ao caráter de alguma pessoa ou grupo de pessoas, um caráter que era largamente étnico e completamente humano. A palavra 'natureza' em Romanos 1:26, então, deveria ser entendida como a natureza pessoal dos pagãos em questão».
[36] Hays, p. 194.
fim da terceira
parte de Homossexualidade e Práticas Matrimoniais
última
parte
primeira
parte