CAPÍTULO X
A CONTEMPORANEIDADE DOS PROFETAS
À primeira vista, pode parecer surpreendente que apenas parte do primeiro
capítulo e o capítulo final deste volume sejam dedicados ao assunto
de seu título. O arranjo é deliberado, e as razões para
isso podem ser rapidamente expostas. Em primeiro lugar, declarar que os pofetas
são ou não relevantes para o mundo moderno é uma pretensão,
até que se tenha um entendimento razoavelmente claro do movimento profético
e de sua literatura, como um fenômeno em si mesmo. Devemos conhecer os
profetas, para podermos dizer que eles têm uma mensagem para nós
e qual é essa mensagem. E, ainda, são os próprios profetas
que têm relevância, mais do que suas intuições e predições
particulares, e a substância total de seu ensino. Eles falam, não
de nossa época mas a ela, porque a palavra de Deus está
em sua boca. Por meio do resíduo literário preservado no Velho
Testamento, tomamos contacto com homens vivos, homens profundos e poderosos,
observadores, compreensivos e terrivelmente sérios. Eles. compreendem
a natureza humana e a condição humana. Sentem o urgente significado
da História, como esfera das decisões morais do homem e da distintiva
ação de Deus. Conhecem a Deus, como a fonte de significado no
contexto da vida diária; e percebem a realidade de sua presença
no mundo íntimo de seu próprio espírito. Tais homens devem
de ser importantes para a religião, em todas as épocas.
Mas o significado e o imperativo moral da religião, para cada pessoa,
só ela os pode reconhecer, e não podem ser determinados por nenhuma
outra. A, aplicação à vida daquilo que aprendemos dos profetas
exige decisões sempre
novas, visto que as condições se modificam e a experiência
cresce. Não podemos simplesmente resumir e catalogar suas intuições,
e considerarnos livres deles, quando sua relevância para uma série
de circunstâncias tiver sido sugerida. A dinâmica da mensagem deles
não se exaure tão facilmente, nem sua autoridade intrínseca
pode ser pretendida para tudo que pareça seguir-se da tentativa de aplicá-la
a um ponto particular. O que realmente importa é um conhecimento, em
primeira mão, dos registros proféticos, o reconhecimento de sua
influência formativa em nossa tradição religiosa, e seu
vigoroso poder espiritual sôbre a mente dos homens hoje. Necessitamos,
finalmente, da capacidade de discernir, constantemente, de novo, sua relevância
para a condição humana desta e de todas as épocas.
A notável contemporaneidade desses antigos porta-vozes da religião
e o frescor perene de sua mensagem, brotam de seu poder de penetrar por detrás
da tessitura da aparência, até aos fatos humanos e religiosos subjacentes,
declarados em termos universais, mas com notável concretude: «Pois os
egípcios são homens, não deus; os seus cavalos carne, e
não espírito. Quando o Senhor estender a sua mão, cairão
por terra tanto o auxiliador, como o ajudado» (1). No meio da confusão
moral, eles eram capazes de definir a justiça essencial. Em contraste
com o tradicionalismo religioso, as influências pagãs e seculares,
e o obstinado descaminho do homem, eram capazes de definir a religião
essencial. Avaliavam as situações econômicas e sociais,
por seu efeito sôbre o ser essencial do homem, em suas relações
pessoais com outros homens e com Deus. Sabiam que o homem foi feito para compartilhar
da vida de comunidade. Sua apreensão intuitiva da verdade ainda produz
convicção na mente religiosa, pois, como Jesus Cristo, falavam
com autoridade, e não como os escribas.
As sugestões, nas páginas seguintes, de áreas da vida e
pensamento em que os profetas de Israel têm relevância hoje, não
devem, portanto, ser consideradas como uma tentativa de palavra final. Pelas
premissas já estabelecidas, tal palavra final não pode ser pronunciada,
pois, em última análise, cada homem deve tomar sua própria
decisão em respos-
ta à Palavra profética. Mas não deixa de ser verdade que
os profetas falam, em grande parte, à mente coletiva da sociedade
e dos grupos sociais, e cada indivíduo participa da responsabilidade
coletiva de ouvir e responder. O autor só pode dizer que nesta ou naquela
passagem, deste ou daquele livro, os profetas parecem falar ao nosso tempo e
às nossas circunstâncias.
A Natureza e o Significado da Religião
No capítulo IX foi feita a tentativa de demonstrar como os elementos
essenciais da verdadeira religião foram iluminados e definidos por meio
da obra dos profetas. A religião foi definida, primeiro, negativamente.
Ela não pode ser indiferente à moral, nem pode ser equacionada
com os atos formais de culto, que se destinam a dar-lhe expressão. Além
disso, seu fim e objetivo não é a simples satisfação
do adorador, mas o estabelecimento de uma estrutura de vida e de relações
corretas entre os membros de uma comunidade, entre os quais está Javé.
Do lado positivo, a religião é a resposta apropriada do homem,
em sua vida pessoal e social, em confiança e leal obediência, à
realidade ética única e universal de Deus.
O que aprendemos a respeito de Deus e a respeito da religião por meio
dos profetas não se torna obsoleto (embora seja iluminado) pela revelação
de Deus em Jesus Cristo.
É, antes, elemento integrante e essencial do entendimento cristão
total de Deus e dos seus caminhos. A Bíblia toda é uma só
obra de literatura, e ficamos sabendo mais a respeito do Deus da fé cristã
do que o que se encontra nas páginas do novo Testamento, quando, como
os evangelistas e apóstolos, lemos os escritos proféticos com
os olhos abertos por Jesus Cristo. A relação entre os Testamentos
não é de simples sucessão e desenvolvimento, mas de inter-relação
e continuidade vital.
Há, portanto, muita razão para sentir-se que os elementos intemporais
nas declarações dos profetas sôbre religião conservam
sua importância urgente para os cristãos. O que dizem sôbre
as exigências éticas para um serviço aceitá-
vel da parte do homem a um Deus, cujo caráter e ação morais
são os próprios elementos constitutivos de sua divindade, é,
por certo, enfatizado em o novo Testamento. Mas em nenhuma outra parte esse
fato simples e primário da religião é mais energicamente
proclamado do que pelos profetas do Velho Testamento. Em nenhuma época
é mais necessário do que hoje o reconhecimento disso. A Igreja
tem detrás dela o impulso de dezenove séculos, e muitas vezes
seus membros se contentam em subsistir, mental e moralmente, do que lhes é
transmitido, sem qualquer desejo de ouvir e responder à voz do Espírito
Santo nas modulações do seu próprio tempo. Muitos são
cristãos mais por acaso, pelo nascimento, do que por qualquer escolha
moral e aspiração espiritual conscientes, que afetam a qualidade
e direção do seu modo de viver. Outros não distinguem entre
coisas indiferentes para a religião e «as questões mais importantes
da lei». Outros, ainda, colocam ênfase, primeiro, na crença
correta e nos deveres religiosos formais, mais do que na conduta reta dentro
do círculo total de relações humanas. E aqueles que invertem
a ênfase estão, muitas vezes, longe de possuir qualquer sentimento
profundo de que sua conduta deve ser uma resposta religiosa à
grandeza e bondade de Deus. Os profetas tornam claro que religião e comportamento
ético devem formar uma unidade vital.
Sua enunciação ainda mais clara da responsabilidade social do
homem diante de Deus -- uma responsabilidade não só para com o
vizinho que vive porta a porta, mas para com todos os homens --
é particularmente importante para a vida do homem moderno, nos imensos
grupos e atividades coletivas de que participa. Visto que o grupo é agora
tão amplo que sua relação para com o indivíduo se
torna impessoal, o homem tende a restringir seu reconhecimento de obrigação
moral só para com outros indivíduos com quem entra em contacto
direto. Mas seu dever para com seu povo, isto é, para com todos, e para
com o bem-estar comum, é inescapável. O reconhecimento disso dará
novo sentido ao patriotismo e galvanizará a democracia. E, ainda mais,
o reconhecimento da responsabilidade coletiva diante de Deus pelo comportamento
coletivo para com outros povos e toda a fa-
Tratando, agora, de outro aspecto da religião, a saber, de suas formas
de culto e de vida institucional corporativa, vemos que os profetas tornaram
certas coisas absolutamente claras. A primeira é que a religião
não pode ser confundida com seu mecanismo operativo e com a estrutura
estabelecida com uma formulação particular de sua teologia ou
de seu código moral, nem ainda com a cultura histórica com que
ela veio a estar associada. A segunda é que tudo isso está sob
o julgamento dela. A terceira é que a religião, não obstante
isso, exige alguma forma de expressão corporativa no culto, agradável
a Deus por servir genuinamente aos fins da religião na vida social. A
quarta é que é, finalmente, inevitável o conflito entre
as instituições religiosas e os espíritos proféticos,
que estão apercebidos das exigências da religião para um
presente que é sempre novo. Pois as instituições religiosas
tendem, como as outras, a desenvolver
interesse em sua própria sobrevivência, e isso pode opor-se ao
propósito mesmo ao qual se destinavam a servir como instrumentos. Outro
aspecto disso é que a vida da comunidade religiosas pode esfriar-se
pelo profissionalismo, e corromper-se
pela lassidão moral de seus porta-vozes oficiais: --
«como é o povo, assim é o sacerdote» (2) «Tendo Jeremias
acabado de falar tudo quanto o Senhor lhe havia ordenado
que dissesse a todo o povo, lançaram mão dele os sacerdotes,
os profetas e todo o povo, dizendo: Serás morto» (3). 206
de reconhecer que as obrigações, da ética cristã
devem ser constantemente reexaminadas, à luz das mutáveis condições
da vida pessoal e social.
Temos que agradecer aos profetas a grande percepção de que religião
não é uma atividade especializada da vida humana, mas uma qualidade
e atitude em todas as atividades, um modo de vida governado pela orientação
do espírito humano para Deus. Essa resposta total exige, em verdade,
as atividades especializadas da oração e do culto, mas não
deve ser identificada com elas, e ainda menos com suas formas convencionais.
A relação do homem para com Deus deve ser uma realidade de sua
vida atual e consciente, no presente, embora, ao mesmo tempo, esteja em continuidade
com sua herança espiritual. Isso significa que os termos éticos
de sua resposta ao Deus vivo deve corresponder às condições
diferentes de sua vida social, quando comparada com a de seus pais. Significa,
além disso, que o grupo religioso que apenas conserva o ímpeto,
em fé e prática, de uma época que já passou, e que
não tornou seu próprio o pacto de seus pais, perceberá
que o pacto não é mais válido, e o Deus vivo passou adiante,
procurando um novo povo para si: «Farei também a esta casa, que se chama
pelo meu nome, na qual confias... como fiz a Silo». «Põe-lhe o
nome de Não-meu-povo; porque vós não sois meu povo, nem
eu serei vosso Deus». (5).
A relevância dos profetas hebreus para a religião, em seu aspecto
pessoal, como distinto do seu aspecto corporativo, encontra-se no que eles foram,
mais do que no que disseram. Na estrutura de pensamento que haviam herdado,
religião era a relação operante, por meio de funcionários,
entre um povo e seu deus. Os profetas tentaram transformar essa religião
corporativa, antes que conduzir os homens a uma aproximação de
Deus radicalmente diferente e individual. Só Jeremias, talvez entre eles,
caminhou longe bastante nessa nova rota para aperceber-se de que sua própria
experiência pessoal era um prodígio. Mas a experiência religiosa
de todos os grandes profetas possuía duas características salientes
da religião pessoal: o senso de vocação para servir a Deus
numa vida inteira de testemunho, e o sentimento de separação espiritual
daqueles a quem se está ligado por muitos vínculos humanos, mas
que não compartilham das mesmas profundas convicções.
Não há mais eficiente estimulante da religião pessoal do
que o testemunho autobiográfico dos santos autênticos. O profeta
hebreu tem uma palavra para nossa vida religiosa corporativa, que não
podemos evitar de ouvir. Tem também isto para dizer, na carta viva de
sua vida, se não de viva voz: «O Criador dos confins da Terra, o Senhor
da vida e da História, falou-me uma palavra que não falara a nenhum
outro. Ele atendeu à minha necessidade e tomou o meu lado,
dizendo: Não temas por causa deles, pois eu estou contigo para te livrar.
Ele me conhece, me vê e sonda meu coração.
É mais forte do que eu, e prevaleceu» (6).
Por mais que mudem nossos estilos de religião,
como
devem mudar, e por mais energicamente que enfatizemos o aspecto e as conseqüências
sociais da religião, como os profetas ensinam que devemos enfatizar --
não podemos abrir mão do testemunho dessas vidas dedicadas, nem
esquecer o encontro que cada alma tem com o seu Criador.
O Tema Principal da Teologia
Não pode ser julgada estranha a afirmação de que os oráculos
desses embaixadores da Palavra, de quase oitocentos anos antes de Cristo, têm
importância imediata para o pensamento teológico cristão
do século vinte, embora, como já enfantizamos, esses homens não
fôssem teólogos. A importância é dupla. Primeiro,
porque o pensamento dos profetas, tanto quanto seu desenvolvimento no judaísmo
pré-cristão, é necessário para compreensão
de certos termos centrais da teologia do Novo Testamento. E, segundo, porque
a intensidade especial de sua apreensão dos caminhos de Deus exige a
atenção direta do teólogo moderno.
Para começar, a experiência desses homens deve ser levada em conta
quando se toma a sério a concepção de Deus como um Ser
pessoal. O Deus deles não é a divindade remota, impassível
e abstrata, que se torna um dado de discussão intelectual. O Deus com
que nos defrontamos nas páginas de Amós, Isaías e Jeremias
só pode ser descrito como uma personalidade vigorosa e vívida,
majestosa de fato, e divinamente «diferente» do homem; e, mesmo assim,
vindo ao encontro dele, no intercâmbio de intelecto com intelecto, e de
vontade com vontade. Sua santidade, isto é, sua realidade divina, é,
não menos, porém mais enfatizada, ainda, pela percepção
de sua presença ética dominante nos assuntos humanos, de seu propósito
absoluto e potente, e das exigências peremptórias e inescapáveis
de seu domínio moral sôbre os homens. Sua bondade e misericórdia,
sua justiça e ira, não são dogmas recebidos por imposição
de autoridade, nem deduções feitas a partir de uma doutrina central.
Não são nem mesmo inferências feitas a partir da experiência
imediata. São, antes, elementos da própria experiência.
Deus
é
conhe-
cido como um homem conhece o outro, com a diferença indescritível
de que, neste caso, o «outro» é Deus.
É absurdo sugerir que o homem criou Deus à sua imagem, porque,
para falar de Deus e a Deus em termos pessoais, ele depende, inevitavelmente,
da analogia das relações humanas. Se Deus pode ser conhecido pelo
homem deve sê-lo em termos da vida que vivemos, como pessoas. Talvez não
cheguemos a ser demasiado atrevidos ao falar de Deus como a Pessoa Suprema,
presente diante de outras pessoas -- embora nele vivamos e existamos, -- confrontando
com sua vontade a nossa vontade, seu desígnio e propósito sendo
nosso contexto espiritual. O paralelismo dos dois maiores mandamentos, e mesmo
toda a vida e ensino de Jesus Cristo, declaram que a relação do
homem com Deus é pessoal, à semelhanca de sua relação
com o próximo, e que Deus pode ser conhecido mais diretamente quando
em termos pessoais.
Um segundo ponto de relevância é a doutrina da revelação.
É axiomático que o Deus do cristianismo falou «outrora, aos pais,
nos profetas». E esse fato ainda não é tudo: o que ele
falou tornou-se parte do depósito da revelação. Não
obstante, a substância primeira da revelação do Velho Testamento,
como de seu correspondente cristão, não é conhecimento
a respeito de Deus mas conhecimento de Deus. Ela denota
sua automanifestação como uma Presença poderosa e santa,
no coração de homens dedicados, e no palco da História.
Ele torna-se conhecido como a Razão última, que se expressa, não
em mistérios, mas numa palavra, articulação inteligível
da realidade. Ele é a vontade suprema, que dá significado à
vida presente do homem, e importância à liberdade do homem para
tomar decisões morais, condição de sua existência
espiritual. Tal revelação é condicionada pela capacidade
humana de compreender e prontidão em responder. É verdade pertinente,
que deriva sua significação imediata do momento e circunstância
de sua declaração, e da correspondente e correta resposta que
exige dos homens. Não só revela Deus ao homem, mas também
revela o homem a si mesmo. De tais momentos de revelação permanecem
depósitos, até onde esses foram preservados, para serem acres-
centados à soma total do conhecimento de Deus e do homem. Essa última
é revelação em sua forma objetiva, mas secundária
e derivada.
O
entendimento mais profundo, no pensamento profético, do que constitui
pecado é outro ponto de importância atual (7). Ainda hoje o pecado
é demasiado geralmente considerado como transgressão de certos
tabus arbitrários, estabelecidos pelo costume religioso. Mas atos ou
fracassos particulares são pecados por causa de sua origem na alienação
do espírito humano de Deus, e por causa de suas conseqüências,
o dano feito a personalidades humanas e à vida espiritual comunitária.
Pecado é o mal na alma que rejeita a bondade de Deus e sua misericórdia.
No seu isolamento orgulhoso, ela recusa entregar-se à vida em comunidade.
O pecado introduz um elemento de caos na ordem de vida divinamente estabelecida.
Onde a religião afirma e une, o pecado nega e divide. Seu poder tremendo
e terrível responsabilidade são medidos pela bondade divina, que
ele frustra, e pela beleza divina, que ele desfigura.
O mundo está preparado para a proclamação, uma vez mais,
da tremenda realidade do mal humano. O mito do progresso inevitável e
perpétuo estourou, pelo impacto da Segunda Guerra Mundial, com a demonstração
de que o homem autônomo não pode resolver os imensos problemas
do bem-estar econômico e da ordem política. Ele é esmagado
pelos seus próprios mecanismos e pelas torrentes sociais desencadeadas
por sua indisposição de afirmar sua solidariedade com seus semelhantes.
Os juízos de Deus estão manifestos no mundo de hoje. Chegou a
hora de fazer os homens compreenderem que eles são justos juízos
sôbre o pecado humano; que os homens sofrem essas conseqüências,
inevitavelmente, porque são sêres moralmente responsáveis,
que negaram sua própria natureza, ao recusarem responsabilidade pelo
próximo. E isso se dá, embora eles tenham observado a ética
aceita de sua sociedade; devemos, agora, «condenar como pecado muito do que,
até aqui, temos louvado como sucesso». Pois a realidade do pecado
está presente onde quer que a um espírito humano seja negado seu
direito à liberdade, na vida de plena comunhão com Deus e o homem.
Toda forma de ordem
A teologia teve sempre consciência da natureza fundamentalmente histórica
da revelação cristã e, nos anos recentes, voltou a interessar-se
pelo significado da História mesma. Nessa área do pensamento,
é indispensável a contribuição dos profetas hebreus.
Foram eles os primeiros a discernir, claramente, sentido moral, coerência
e movimento na História, em função de um fim que transcendia
o presente vivido. Conheciam o presente, não como simples conseqüência
predeterminada do passado, mas como um momento significativo, que continha em
si mesmo algo do passado e do futuro; e vibrante, pela presença nele
do Deus vivo. Para eles o tempo tornava-se algo mais do que simples duração,
e adquiria profundidade e significado pelos eventos que denotavam a presença
e a atividade de Deus. A consciência histórica emergiu no reconhecido
intercurso de uma vontade divina com as decisões moralmente responsáveis
dos homens, e da correlação de um propósito divino com
o destino humano.
Tinham assim os profetas um padrão de referências, moralmente adequado
e constantemente relevante, pelo qual os complexos acontecimentos da experiência
podiam ser coordenados, e os que fôssem importantes e determinantes, selecionados.
Os homens, não mais precisavam de ser escravos da fatalidade, frustradas
suas mentes pela ausência de significado ou aterrorizados seus espíritos
pela tirania do mal.
O homem tem responsabilidade e liberdade para -- se quiser -- colocar-se ao
lado do propósito divino para sua
própria vida e para a vida de seu povo. Na interação de
vontades, na disposição favorável ou recusa do homem à
iniciativa do Criador e Senhor da História, é que se cria sua
própria história.
Os profetas tinham em seu pequeno mundo, tanta razão, quanta nós
temos, de atemorizar-se diante dos vagalhões das grandes convulsões
sociais, diante do incontrolável poder do mal e do insolúvel e
interminável problema do sofrimento e miséria humana. Também
eles enfrentaram conflito social, tribulação econômica e
guerra. Isto podem eles mostrarnos: a maneira de preservar nossa sanidade é
reconhecer a realidade de Deus, e, desse modo, encontrar na experiência
ordem e significado. Podem dar-nos uma nova fé para vivermos aliando-nos
ao propósito criador de Deus de, por meio do longo processo histórico,
tirar do caos a ordem e do mal o bem. Podem livrar-nos do cinismo e da impotência
moral, dando valor à nossa vida presente, como esfera de escolhas significativas,
que implicam na dignidade da responsabilidade moral e da liberdade pessoal.
Um último ponto de relevância dos profetas hebreus para a teologia
cristã é sua escatologia. Por razões óbvias, seus
oráculos têm pouca relação com a escatologia do indivíduo
e da Igreja, os dois aspectos desse assunto aos quais a teologia cristã
tem dado mais atenção. Sua importância vem do fato de eles
introduzirem padrões éticos e religião na convicção
do destino social. A escatologia social é hoje a racionalização
da vontade de poder de uma nação, pelo mito de um Herrenvolk,
ou é o menos vicioso, mas igualmente falaz, mito liberal do progresso
perpétuo, ou a imagem mental do triunfo inevitável do proletariado,
na luta de classes. Em nenhuma dessas há o reconhecimento, indispensável
para a religião, de que o juízo deve preceder a salvação.
Pois uma escatologia religiosa afirma que os valôres reais da História
devem emergir, por fim, das relatividades e ambigüidades da História.
Visto que a História tem sentido moral, ela move-se em direção
a um fim, em que o juízo, a justiça e o amor de Deus terão
sua plena e final realização. Num mundo como este, o Dia do Senhor
será de trevas antes de vir a ser de luz. A verdade da escatologia, como
a verdade da História, é a verdade a respeito de Deus e a respeito
da estrutura espiritual da realidade. Essa verdade deve inevitavelmente demonstrar-se
na história social. Deve realizar-se na justiça através
do juízo, e para além do juízo, na vitória da bondade
de Deus e de seu amor, na vida humana.
Isso significa que a comunidade, por meio de seus membros deve aceitar responsabilidade
moral diante de Deus pela orientação e objetivo de sua vida comunitária.
Pois é a comunidade permanente, mais do que o indivíduo, o portador
da História e fiador do destino. O indivíduo tende a rejeitar
sua parte nessa responsabilidade comum, por ter o sentimento de que a comunidade
era antes dele e continuará a ser depois dele. Mas a consciência
histórica viva, necessária a cada comunidade vital e cônscia
de si mesma, só pode existir pela percepção comum de propósito
social e fins significativos, tanto quanto de começos significativos
e experiência histórica. Existe a necessidade de uma escatologia
religiosa da comunidade, para colocar-se lado a lado com sua história.
Nessa escatologia, os princípios e valôres que dirigem e motivam
a vida social se tornarão claros e vívidos. Mas --
como os profetas insistem ainda -- eles não devem ser relegados a um
futuro remoto, pelo qual a responsabilidade possa ser lançada aos ombros
de uma geração por vir. Eles não podem ser reais, se não
forem reais agora. O juízo da eternidade não pode ser proposto
para o fim do mundo, concebido como o fim de uma estrada além
do horizonte. Vivemos e experimentamos a realidade sempre no tempo presente,
um presente eterno em que os princípios morais que devem emergir no FIM
são já de suma importância. Daí porque devemos tirar
a escatologia do ar, como fêz Amós, e aplicá-la às
crises sócio-históricas particulares da experiência.
Devemos reconhecer que a colheita começou enquanto o trigo e o
joio ainda crescem juntos no campo. E assim, enquanto a justiça e a misericórdia
do eterno se realizam na experiência, cada dia se torna o Dia do juízo.
A Obra do Pregador
Foi enfatizado anteriormente neste livro que os profetas eram algo mais do que
pregadores. Não obstante, sua exposição de seus próprios
oráculos primários tinha muita coisa em comum com a pregação
autêntica, sendo esta a exposição séria da verdade
cristã. A relevância deles para o pregador, em primeiro lugar,
é essa atitude responsável para com a mensagem. Ela contrasta
penosamente com a trivialidade ou indiferença apática, o exibicionismo
ou a eloqüência fácil, que falsifica a clara e urgente proclamacão
de uma palavra de Deus: «O meu povo está sendo destruído,
porque lhe falta o conhecimento» (isto é, o verdadeiro conhecimento
de Deus; Os 4.6). Oséias e os mensageiros seus colegas não
buscavam proeminência ou aplauso; não adulavam os homens ricos
e de posição, nem acomodavam sua mensagem ao que o povo queria
que dissesse. Eram porta-vozes, que não se importavam consigo mesmos,
de uma
palavra que os possuía e não podia ser retida, e estavam conscientes
da sublimidade dela.
evangelização. Amós e Isaías, para não mencionar
outros, são vozes que clamam, exigindo para os pobres e deserdados a
justiça e a compaixão que lhes eram negadas. Suas palavras não
pertencem exclusivamente ao seu tempo. O Deus deles e nosso derrubará
de seus tronos os poderosos e exaltará os de classe baixa. Mas o homem
que proclame isso do púlpito deve fazê-lo no desempenho
de um papel não menor do que o de porta-voz do eterno. Deve ser
o mesmo, quando o pregador moderno usa um texto profético
sôbre a responsabilidade nacional diante de Deus, pelas decisões
políticas de grave importância e pelos princípios e motivos
operantes em nossa sociedade. Podemos encontrar nos escritos dos profetas não
só mensagens relevantes para hoje como também entendimento e sabedoria
para a apresentação delas. E eles indicam o caminho para uma teologia
da História que nos pode dar aquela visão do propósito
de Deus para o mundo, sem a qual pode perecer qualquer civilização
digna desse nome.
Junto com o apêlo ao arrependimento de um modo de vida errado,
vem a exortação para crer e viver no caminho de Deus, e a garantia
de que o que Deus fêz e fará possibilita tal coisa ao homem. Esse
caminho corresponde à realidade moral e espiritual com que o homem tem
de aviar-se, acima de
tudo, num universo cujo Criador não é Baal nem Marduque, Mamon
nem Marte, mas o Deus de Moisés e dos profetas, o Deus e Pai de Jesus
Cristo. Há um remédio divino e uma suficiência divina para
a corrupção da vida do homem e a impotência de seu espírito:
«O eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da Terra, não se cansa nem
se fatiga. Não se pode esquadrinhar o seu entendimento» (12). Do
ponto de vista do materialismo e do orgulho egocêntrico do homem, a religião
dos profetas (e o cristianismo) é absurda. Os profetas apelam-nos para
que creiamos, com sua mesma certeza apaixonada, que é o caminho do mundo
o absurdo, porque esse não é o caminho da Justiça Eterna
e da Misericórdia Eterna. «Poderão correr cavalos na rocha? E
lavrar-se o mar com um boi?... No entanto haveis tornado o juízo em veneno,
e o fruto da justiça em alosna» (13).
Oséias, particularmente, introduz o amor redentor na mensagem profética
e a voz do Segundo Isaías vibra de exultação com a «boa
nova» de Deus. Se vamos pregar o Evangelho, devemos amar as pessoas por
si mesmas, com um pouco de amor de Deus por elas: «Como te deixaria, ó
Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Meu coração está
comovido dentro de mim, as minhas compaixões uma a uma se acendem»
(14). E devemos comovernos diante da maravilha do poder emancipador e renovador
de Deus: «Tu que anuncias boas novas... ergue a tua voz fortemente; levanta-a,
não temas, e dize às cidades de Judá: Eis aí está
o vosso Deus» (15).
A Crise Cultural
Foi enfatizado acima que os males sociais denunciados pelos profetas eram vistos
por eles como exemplos concretos do estado de espírito dominante em sua
sociedade, espírito que ia de encontro à natureza essencial do
homem e ignorava a presença dominadora de Deus. Esse espírito
e a cultura que ele produziu eram frutos da religião da natureza, por
meio da qual os homens tentavam, então, tornar os poderes invisíveis
servos de seu interesse egoísta. A magnitude do que os profetas realizaram
pode ser percebida pelo fato de que sua
religião produziu, para substituir aquilo, a cultura espiritual do judaísmo,
uma estrutura de idéias coerente e
apaixonadamente sustentada, que se tornou normativa para a vida social, e diretiva
na História.
Nesta área da vida, o valor e eficiência da religião na
vida social é da mais alta importância. O ateísmo, materialismo,
irracionalidade, confusão moral e tensão social básicos
da vida de hoje, no mundo ocidental, são mais do que suficientes para
explicar nossa pobreza e impotência cultural. Entre a vasta maioria de
nosso povo há pouca preocupação com as questões
realmente importantes, que deveriam determinar nossa política social,
e ainda menos acôrdo a respeito delas;
para que
vivemos, e quais são as satisfações permanentes da
estatal, essenciais no passado e para o futuro da democracia (15a). As pessoas
se preocupam mais em ganhar a vida bem, e quase forçosamente, dadas as
presentes condições. Numa grande guerra, somos tão envolvidos
com a preocupação de organizar e conseguir a vitória, que
pouco meditamos sôbre o que faremos com esta vitória, que seja
de valor correspondente ao custo de consegui-Ia.
O que os profetas de Israel disseram, há muito tempo, quando condenaram
a maneira deste mundo e apontaram aos homens a cidade de Deus, é direta
e profundamente relevante para nós. Eles preocupavam-se com os problemas
políticos e econômicos, por causa de suas conseqüências
humanas. Desnudavam os fatos morais envolvidos à luz da vontade de Javé,
como o fato supremo com que o homem tem de avir-se nesta vida. Atribuíam
as crises da sociedade à ordem inversa das coisas materiais e espirituais,
ao interesse egoísta e à vangloria do homem diante de Deus, e
à renegação de sua própria natureza ao negar o parentesco
humano.
O papel dos profetas era mais do que mera denúncia. O fruto da religião
que eles afirmavam é igualmente significativo para a nossa situação.
Ela oferecia uma rocha de segurança para o espírito dos homens,
e um coerente significado e orientação para a vida. Oferecia um
motivo moral no sentido de uma obrigação absoluta, por causa de
Deus, de realizar na sua justiça verdade e amor; e uma fé criadora
em que o propósito de Deus para o futuro do homem era bom. Essas coisas,
mais uma vez, pode a religião contribuir para a cultura. O homem anseia
pois a segurança contra a penúria e o medo, porque sem confiança
ele não pode simplesmente viver, nem manter sua sanidade. Deve ter algo
que seja firme para apoiar-se, algum escudo contra a morte. Eis por que ele
busca proteger-se com salvaguardas e bens. Mas, como Jesus disse ao homem que
pensava ter encontrado segurança nos celeiros maiores, a vida não
tem nenhuma segurança final, à parte de Deus. Disse Jeremias:
«Bendito o homem que confia no Senhor» -- fundamento da vida, seu eixo,
sua integração (17). Eis o que falta ao homem moderno e do que
necessita, talvez, acima de tudo.
Além disso, o cristianismo oferece ao homem ocidental, em lhe relembrando
sua herança, uma interpretação do valor e do significado
da vida pela qual possa encontrar de novo o propósito que sabe ter perdido.
Pode dar-lhe, como deu a seus pais, o supremo poder motivador de uma convicção
de obrigação absoluta para com o que é direito, porque
Deus é Deus. E na bondade e no propósito histórico do Deus
dos profetas e de Jesus Cristo, o homem pode encontrar, de novo, a fé
em que a bondade é real e deve ser realizada na terra; e de que ela pode
suplantar o mal poderoso e violento de que o homem é a vítima,
parcialmente voluntária e parcialmente rebelde. Só homens que
crêem na bondade de Deus podem discernir seu propósito e construir
para um futuro invisível, criando de novo a vida cultural de seu povo.
A Luta Democrática
A democracia, como sistema de governo, tem assumido muitas formas, e vários
mecanismos têm sido inventados, na
Que é a idéia democrática? É a convicção
de que a liberdade pessoal é compatível com a vida ordenada da
sociedade e, na verdade, só nela pode ser encontrada; de que a ordem
social é boa ou má, segundo permita ou não oportunidade
de verdadeira liberdade para todos os cidadãos. Ela sustenta que o
melhor governo é o governo de si próprio, que
a autoridade política é recebida por delegação da
comunidade.
sempre novos ao movimento democrático. Muito disso entrou no cristianismo
vindo dos profetas hebreus, cujo espírito o cristianismo levou a um novo
cumprimento, e cujas palavras conservou em suas Sagradas Escrituras. Esta é
a primeira razão por que os profetas são relevantes para a democracia
moderna: eles pertencem à sua genealogia espiritual, graças à
confluência das tradições hebraico-cristã e clássica.
A sociedade israelita na época dos reinos, não era, por certo,
uma democracia; a não ser de maneira muito limitada, no fato de que o
rei se aconselhava com os anciãos e, ocasionalmente, se defrontava com
uma assembléia do povo. Mas os profetas contribuíram com o conceito
de uma sociedade em que todos os cidadãos sejam, em essência, de
uma só família, em que cada homem tenha igual direito à
justiça, e em que a autoridade social esteja sujeita a uma lei divina
de retidão, o propósito da qual seja o bem-estar ou «salvação»
de todos. Como já vimos antes, eles idealizavam a sociedade tribal mais
simples do passado, com sua liberdade, seu senso de parentesco, seu sistema
de de propriedade coletiva e sua e sua administração representativa
das praxes e do direito. E, ainda, foram os campeões do povo contra o
despotismo e a opressão. Não pediam compaixão, exigiam
justiça, em nome de Deus. Além disso, proclamavam a sociedade
pactual, em que o propósito de Javé seria realizado numa
comunidade de companheiros, em que o coração do rei não
se exaltaria acima de seus irmãos; em que, ao contrário, ele governaria
de acôrdo com os estatutos divinos que tinham sido dados à comunidade
(18). E, em suas visões do propósito de Javé para o futuro
deles, os profetas colocavam diante dos olhos dos homens a esperança
de um tempo, mais nobre e mais belo, quando a vitória da fé de
Israel entre as nações libertaria todos os homens da penúria,
do mêdo e da guerra (19).
Dois outros pontos podem ser acrescentados. A ativa apreensão, pelo sentimento,
da participação do indivíduo na vida corporativa é
algo que os profetas ajudaram a reviver, embora tivesse sido sua herança
em Israel. Nosso individualismo excessivo nos privou disto. Mas é essencial
para a vitalidade cultural e para o patriotismo que os cidadãos de uma
democracia sejam capazes, como o são aparentemente muitos
205
mília humana, é requisito primordial para o término da
velha maldição da guerra, e dos conflitos econômicos e culturais
que a provocam.
A aplicação do que acaba de ser dito à vida organiza
da da Igreja,
como a conhecemos, é tão direta, que exige
pouco comentário. Adesão leal à Igreja é uma é
uma boa coisa que pode,
inconscientemente, transformar-se numa armadilha. Aquilo que se destina a ser
o
instrumento e a oportunidade
da religião torna-se seu substituto, e a atenção desvia-se
do
objetivo supremo da fé para fins menores e mais imediatos.
O apêgo emocional a algum venerável sistema de teologia torna os
homens cegos ao fato de que nenhuma tentativa de formular a verdade tem a validez
permanente da propria verdade. Uma reação emocional semelhante
pode impedi-los
Ele
o que é? Essa é a pergunta que devemos fazer-nos a nós
mesmos com
seriedade e com a maior objetividade possível,
quando estivermos realizando nossos exercícios religiosos
costumeiros. Que diriam seus profetas, se entrassem em
nossas igrejas tendo-se movido entre as pessoas, onde elas
vivem, e ouvido seu clamor mudo por justiça e liberdade, e
por Deus? Quais são as finalidades que nossos serviços religiosos
se destinam a realizar? Podem as verdadeiras finalidades
do culto estar sempre diante de nossos olhos, quando
a repetição cria a rotina e a ordem das palavras e dos gestos
se torna acostumada
e, por fim, mecânica? Quanto êxito
conseguimos ao tentar guardar-nos da suprema hipocrisia de
pronunciar diante de Deus palavras que perderam seu significado
imediato e urgente; de professar uma fé e um propósito
que não estão seriamente relacionados com o nosso
estilo de vida? A oferenda que Deus exige é uma vida justa,
misericórdiosa e humilde diante dele. O culto, para ser aceito,
deve ser o penhor e a oportunidade de tal oferenda.
social
deve ser julgada por suas conseqüências espirituais,
e,
de
acôrdo com
om esse juízo, ficará de pé ou cairá. A religião
deve preocupar-se com a solução dos gritantes problemas políticos
e econômicos de hoje, à luz de suas conseqüências
humanas. Deve examinar, à luz de padrões éticos finais,
os princípios
e objetivos da ordem social; e afirmar a responsabilidade
daqueles que detêm o poder, diante de Deus
e de toda a sociedade. E deve salientar sempre a tremenda
destrutividade do pecado, que renega essa responsabilidade,
para o qual nenhum contrôle humanamente engenhado pode
ser totalmente eficaz, e para o qual o único remédio é a
aceitação
franca dos retos caminhos de Deus.
mas
também apelos de Deus ao arrependimento, e encontrar
vida em perdendo-a na devoção ao propósito criador, que é
o
sentido da vida. Ao invés de ser apenas um tumulto infindável,
nossa história presente e toda a História humana tornam-se
personalizadas. Isto é, a História adquire significado
e ordem, para pessoas que fazem entre o bem e o mal escolhas
reais, de conseqüências históricas, e que podem distinguir
moralmente
os acontecimentos momentosos, podem alcançar
liberdade espiritual e viver na confiança de que a História não
desmentirá
sua fé.
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214
215
217
modo
de viver juntos, de acôrdo com o que de melhor exista
neles... isso é o que realmente importa. Todos os homens
que pensam sabem que há aqui um atraso, que se pode tornar
fatal. O homem estendeu seu contrôle sôbre o meio ambiente,
mas não
aprendeu a controlar-se a si mesmo; tomou nas mãos
podêres terríveis, antes de ter atingido a estatura espiritual
que garantiria
o uso deles para fins úteis. Como disse alguém:
«A vida moderna é um girar constante ao redor de um vácuo
central».
vida; a
prioridade e valôres; a fôrça motivadora correta
da
atividade
econômica; a base moral dos direitos e deveres civís; a liberdade
individual ; a extensão e os
limites
do
poder
218
vida.
Devemos reconhecer que os problemas mais políticos
e econômicos são fundamentalmente problemas humanos e
exigem uma solução humana. Devemos perceber que o destino
fundamental de um sistema econômico, que mantém
tantos
na pobreza e na insegurança é sua negação dos
valores morais
e da fraternidade humana. Essa negação cria também a anarquia
(15b)
internacional
que
torna
inevitável
a
guerra
de tempos em tempos. O objetivo social deve ser esclarecido;
é o estabelecimento dos direitos e deveres de todos os
homens, numa estrutura de relações sociais, apropriadas para
expressar
o fato de que todos foram criados por Deus para
viverem como irmãos. O principal impulso da atividade econômica
não pode ser, corretamente, o interesse egoísta, se os mandamentos
supremos exigem que o homem ame
a Deus
com todo
o seu ser, e ao próximo como a si mesmo.
tentativa
de traduzir em realidade a idéia democrática. Em nenhuma época
foi a idéia democrática completamente realizada, desde o tempo da
democracia ateniense, que descansava nos ombros de escravos, até aos estados
modernos, em que os direitos políticos universais são, em grande
parte, anulados pelas
desigualdades economicas. Falamos da luta democrática, porque a luta do
homem por uma vida mais plena
é
sempre
uma luta pela verdadeira liberdade pessoal, na vida
espontânea
de uma comunidade real. Hoje há uma
guerra
visível entre os defensores e os inimigos da liberdade humana.
Afirma que a igualdade intrínseca de todos os cidadãos, como
sêres humanos, é mais importante do que suas diferenças
em
capacidade, e é o fundamento correto da ordem política. A
democracia
sustenta que o Estado foi feito para o homem e
não o homem para o Estado, e que, portanto o Estado usa sua autoridade
corretamente
só quando age no interesse de
todas as pessoas, e do povo como um todo (17a). Afirma que os
homens podem e devem viver juntos como companheiros, que
podem trabalhar juntos para um objetivo comum, e podem
reconciliar suas diferenças dentro dos limites estabelecidos
pela ética comum, sem recorrer à violência. Declara que
o
único limite próprio da liberdade pessoal é o que interfere
com os direitos iguais dos outros, e que todos os direitos trazem
correspondentes deveres para com os outros, e para com
o bem social.
É uma simples questão de testemunho da História dizer que
o cristianismo tem contribuído muito para o desenvolvimento da idéia
democrática e de suas instituições. Suas doutrinas da igualdade
de todos os homens diante de Deus, da fraternidade humana, do poder libertador
do Evangelho, da subordinação de todas as autoridades terrenas
a Deus e à sua justiça, e da propriedade como mordomia, têm
dado impulsos
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dos cidadãos dos estados totalitários, de compreender com sentimento
profundo sua vinculacão ao corpo político, e de encontrar, assim,
unidade nacional de espírito.
E, ainda, a coisa essencial na liberdade do indivíduo é a consciência moral responsável de um homem ou mulher, como pessoa. Foi por meio da experiência de homens como Oséias e Jeremias que entrou em nossa tradição o conhecimento da liberdade interior do espírito, que cria a exigência das liberdades civil e religiosa. A História registra que a luta pela liberdade de consciência e de culto é parte e parcela da luta secular pela plena liberdade democrática, e com ela sobrevive ou desaparece.
Esses impulsos, que entraram em nossa tradição democrática liberal, vieram dos profetas de Israel, por meio do cristianismo. Mas é mais fácil ver que os profetas são relevantes, de modo geral, para os nossos modernos problemas sociais, do que de modo mais específico. Algumas sugestões, porém, podem ser feitas. Podemos aprender, por um lado, que «slogans» da democracia não são suficientes. Se nos preocupamos realmente com liberdade e justiça, devemos julgar o valor e eficiência de nossas instituições atuais por seus resultados concretos, em termos humanos, para todo o povo. Temos ainda entre nós os deserdados e subnutridos, embora nossa economia possa produzir o suficiente para todos. A diferença entre eles e os prósperos não é, em geral, devida à superioridade moral, nem mesmo à maior capacidade mental destes. É devida à aceitação de condições e à operação de fatôres que uma democracia ativada pode alterar.
A justiça divina exige que sejam alteradas. Hoje, como no oitavo século antes de Cristo, o sistema econômico, existente divide o povo em grupos com interêsses conflitantes. Distribui seus benefícios não de acordo com as necessidades nem com os méritos dos homens. Dá a indivíduos poder social sem responsabilidade social, e fixa o coração dos homens em objetivos materialistas. Nossa democracia Política é anulada em grande parte, pela ausencia de uma correspondente democracia econômica. Um homem não é livre, a menos que tenha direito aos meios de subsistencia, e participe no governo de sua vida econômica, tanto quanto na escolha daqueles que fazem e administram as leis. Ler os livros proféticos é sentir o que só podem ignorar aqueles cujos interesses são garantidos dêsse modo: que a justiça social e econômica é a preocupação da religião, e cada homem é guarda de seu irmão. Nesta época moderna, isso só pode significar que os dirigentes das imensas e impessoais empresas industriais, financeiras e comerciais, devem ser, primariamente, responsáveis perante a comunidade como um todo, de servir ao bem-estar comum (19a).
Finalmente, podemos receber dos profetas aquela profundidade de seriedade moral que pode revestir a idéia democrática com a convicção da justiça eterna. Deus está operando na História para criar para si um povo, em cujo coração estejam suas leis. Formas particulares de sociedades e governo prosperarão ou perecerão segundo encarnem a justiça e o direito, sustentem a dignidade pessoal e promovam a verdadeira comunidade entre os homens. Deus não está fora da luta democrática mas dentro dela. Só se lutar para encarnar cada vez mais plenamente os caminhos do Reino de Deus, poderá a democracia cumprir suas promessas e sobreviver.
Fim da quinta parte e do livro «Profetas de Israel: Comunais, Acratas e Anticlericais».
Primeira
parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas1.htm
Segunda parte:
http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas2.htm
Terceira
parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas3.htm
Quarta
parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas4.htm
Quinta
parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas5.htm
Edição
Eletrônica pelo Coletivo
Periferia
http://www.oocities.org/projetoperiferia
Projeto Periferia, Travessa do Anfiguri 47, CEP 08050-570, S. Miguel Pta., S.Paulo-SP,
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