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e A Saída 

Wiliam Booth,
Na Mais Tenebrosa Inglaterra
e A Saída,
Uma Análise.
Por Norman H. Murdoch
Editado pelo Coletivo Periferia
(2004)


Título original em inglês:
William Booth's In Darkest England
and the Way Out
: A Reappraisal
Norman H. Murdoch
Edited by Michael Mattei
for the Wesley Center for Applied Theology
at Northwest Nazarene University (2000)

Traduzido por Railton Sousa Guedes
Coletivo Periferia
http://www.oocities.org/projetoperiferia



Há várias razões que justificam uma reavaliação de Na Mais Tenebrosa Inglaterra e A Saída (1890) de William Booth. O livro que «mais despertou interesse do público desde Progresso e Pobreza de Henry George», de acordo com Victor Bailey, e que pretendia acabar com o desemprego na Inglaterra deslocando progressivamente o desempregado a partir de centros de treinamento nas cidades para colônias rurais, ou para colônias ultramarinas.1

Deixe-me propor dois motivos da necessidade de uma reavaliação. Primeiro, os historiadores negligenciaram este projeto de 1890 que provê a fundação dos serviços sociais do Exército de Salvação, e é um exemplo da influência wesleyana na reforma social no sécuo XIX.2 Há razões para esta negligência. Os historiadores sociais não são inclinados a creditar predicantes religiosos como reformadores sociais. O desgosto natural dos historiadores por movimentos de membros de seitas religiosas não se justifica pelo fato dos historiadores salvacionistas injustamente apresentarem Booth como o autor exclusivo do projeto e ignorarem o fato de que suas idéias não vieram a ele por alguma forma de inspiração divina. Se tal reivindicação pode atrair partidários evangélicos que tendem a ver grandes «homens de Deus» prontificando-se, como de costume, a ajudar em tempos de crise, estudiosos também podem, por direito, desprezar tal proclamação, particularmente pelo fato de Booth não ser um reformador social antes da metade da década de 1880 quando começou a desenvolver sua visão social.

Os salvationistas que vêem os motivos de Booth como principalmente evangelisticos, mesmo em termos milenares, localizam a base ideológica do Projeto da Tenebrosa Inglaterra no wesleyanismo de Booth, na teologia posmilenar e em seu encontro pessoal com a cultura urbana.3 Esta interpretação esquadrinha o coração de Booth mas ignora o intelecto dele, e é, na melhor das hipóteses, parcialmente justificada. Amarrar o projeto dele exclusivamente ao seu pós-milenarismo de 1880, à sua experiência urbana, a uma prática wesleyana, não nos indica as reais origens ideológicas do Projeto da Tenebrosa Inglaterra de 1890. Se a teologia de Booth era wesleyana, a experiência urbana, e a esperança pós-milenar, as idéias da Tenebrosa Inglaterra não vieram de tais fontes.

Ou melhor, as raízes do projeto estão no comunalismo e na ideologia socialista do século XIX. A pergunta mais interessante, e que tentaremos responder aqui, é: Por que Booth adotou tais idéias seculares quando admitia não ser nenhum devoto da redenção mundial através do esforço humano? Na realidade, desde a metade da década de 1870, ele encarava os serviços sociais como uma digressão para o reavivamento, e vinha desde 1883 posicionando-se contra os programas de salvação social propostos pelo Bitter Cry of Outcast London de Andrew Mearn. Booth arguia: a salvação «vestirá o nu», e «mudará os corações miseráveis tornando-os felizes».4

A resposta à questão do motivo pelo qual Booth mudou sua mentalidade é que certamente os salvacionistas o empurraram a novas direções. Estes salvacionistas não ganharam o devido crédito pelo papel que desempenharam, tanto por causa do controle autoritário de Booth que creditava exclusivamente para si mesmo a criação dos programas do Exército, como também pelo fato de que se ele creditasse suas idéias àqueles salvacionistas isso poderia perfeitamente dividir o Exército em duas organizações separadas, uma espiritual e outra social. As divisões entre reavivalistas e ativistas sociais foram sutilmente remendadas sob o carisma de Booth.

Mas os historiadores do Exército de Salvação conscientemente alteraram o registro da influência de salvationistas «sociais» como Frank Smith, um discípulo de Henry George que trouxe idéias do projeto de reforma social para William Booth. Inquestionavelmente Smith instigou sua própria desilusão deixando «a obra» (frase salvacionista para a vocação deles) nove meses depois dele ter colocado o projeto da Tenebrosa Inglaterra em operação em abril de 1890, e silenciando na questão da autoria do projeto. Em 1891, Smith abraçou as políticas socialistas como um modo mais efetivo de provocar a reforma da sociedade, começando um Exército do Trabalho e publicando o Brado dos Trabalhadores. Novamente em 1929, ele contribuiu com os esforços dos historiadores do Exército para marcá-lo como traidor quando denunciou os líderes do Exército que depuseram Bramwell Booth do cargo de General. Suzie Swift, outra salvacionista da ala social que reivindicou ajudar Booth a escrever a Tenebrosa Inglaterra, cometeu um grande erro ao deixar o Exército para unir-se a uma ordem católica nos Estados Unidos em 1896.

Não obstante, apenas William Booth poderia manter as duas alas do Exército de Salvação unidas. Se a ala espiritual salvacionista fosse contrariada pela adoção das idéias socialistas de Frank Smith e Suzie Swift, os salvacionistas americanos repudiariam o conteúdo imperialista britânico do esquema, alimentado por Booth, por W. T. Stead, Cecil Rhodes, e Arnold White. Para criar uma «Grã Bretanha» nos territórios ultramarinos da Inglaterra, Booth emigrou os desempregados ingleses, o «décimo submerso», para o Canadá e Australásia, evitando especificamente os Estados Unidos. Apenas o esmagamento da preferência pessoal de Booth poderia reunir estas várias forças sob a bandeira da reforma social.

Para compreender como William Booth tornou-se um reformador social precisamos olhar para sua formação. Embora ele fosse um evangelista wesleyano em fim de carreira, Booth foi, em jargão secular, uma pessoa que sempre soube valorizar as oportunidades que surgiram diante dele. Um breve olhar em sua vocação como pregador mostra que ele regularmente transformava obstáculos no percurso em estradas de oportunidade. Em 1844, então um rapaz pobre de Nottingham, com apenas 14 anos, ele experimentou a conversão espiritual pela amorosa intervenção de um casal wesleyano que o convidou à capela.5 Após dedicar um período de sua adolescencia ao evangelismo entre os pobres de Nottingham, e frustrar-se com a lânguidez do clero, seu pastor sugeriu a ele que estudasse para ser ministro. William aceitou o convite do clérigo wesleyano apenas por ter sido tratado com desprezo, pois ninguém ligou para seu bem-estar quando ele ficou doente. Em 1850, quando, devido a um engano, os metodistas wesleyanos o etiquetaram de «reformador» e o retiraram de seu cargo. Ele tornou-se pastor da Reforma Metodista em Spaulding, mas logo foi afastado devido a sua desorganização. Em 1854, ele buscou ordenação na Nova Conexão Metodista. Quando descobriu que aquele «ministério estável» não lhe agradava, renunciou em 1861, para tornar-se um evangelista itinerante em Cornwall, Gales, e nos distritos «flamejantes» da Inglaterra.

Em 1861, quando deixou a Nova Conexão, Booth não via nenhuma carreira para ele no evangelismo urbano, mas um convite para sua esposa Catherine para pregar em Londres em 1865 levou-o a aceitar o apoio das missões evangélicas do Leste de Londres como uma solução temporária para o dilema de sua vocação. Logo ele organizou sua própria Missão Cristã que, em 1870, se assemelhava a uma sociedade metodista. Em meados da década de 1870, quando sua missão não conseguia atrair as «massas pagãs», ele a reenergizou dando a ela uma conotação militar, em 1878, sob o nome de «exército de salvação», uma idéia que pediu emprestado do próspero movimento voluntário onde milhares de proletarios passaram a dedicar suas horas vagas em busca de melhores condições de vida.

Entre 1886 e 1888, quando o Exército de Salvação de Booth novamente falhava em ganhar convertidos na Zona Leste de Londres e em outras áreas urbanas onde «turbas» irlandesas atacavam os intrusos estrangeiros wesleyanos, Booth mais uma vez encontrou uma idéia popular que poderia resolver seus problemas.6 As idéias de reforma social estavam «no ar» devido à exposição jornalistica, greves de trabalhadores organizados, novas leis que expandiam a franquia, e imigração em massa. As oficiais femininas de Booth, trabalhando nas favelas, convenceram-no em 1883 que as atividades daquela reforma salvariam os pecadores de um ambiente urbano pagão e, é importante destacar, traria vida nova à missão que estava fracassando. Booth, sempre atento para não deixar passar as oportunidades, mas meio relutante, concordou.

Cada recomeço de Booth resultava em um salto à frente, raramente admitia, mas sempre foi um observador astuto. O progresso para ele nunca foi uma linha reta. Em sua marcha à glória, sua glória muitas vezes era menos ligada à sua meta pessoal do que a continuidade da organização. Em sua procura desesperada por um destino na década de 1850, mesmo repelido pelo calvinismo, ele chegou a navegar pelas águas do congregacionalismo. Ele considerou até mesmo a possibilidade de migrar para a América onde seu estivo revivalista estava mais em voga. Ele constantemente perambulava em busca de um novo rumo que o conduziria para fora da «selva» (um termo que seu filho Bramwell usava para explicar o dilema de William entre 1863 e 1865, quando ele precisava encontrar uma casa para sua família e que preenchesse as necessidades de sua popular esposa pregadora) carreirista. Catherine, não menos atenta às oportunidades que seu marido, apoiou seus muitos projetos na esperança que fossem bem sucedidos.

A situação do Exército de Salvação tornou-se desoladora com a evidente queda de frequencia antes de 1888. A pesquisa Semanal Britânica de janeiro indicou que os corpos (nome dado para os locais de pregação do Exército de Salvação) do exército em Londres atraia apenas 7% da população de Londres que frequentava serviços religiosos. Comparativamente, uma pesquisa em 1881 mostrava que o Exército detinha 11,1% da frequencia na provinciana Scarborough, 7,4% em Hull, 6,8% em Barnsley, e 5,3% em Bristol. Enquanto o Exército crescia nos bairros proletarios de West End, nas províncias, e além-mar, declinava. Por volta de 1888, o clero da Igreja da Inglaterra anunciou em um jornal secular que Booth falhara em trazer as «massas pagãs» para o evangelho. O fenomenal crescimento de sua nova organização rebatizada como Exército de Salvação reduzira dramaticamente sua velocidade e, após 1878, parou de crescer nas cidades.

O declínio foi particularmente notável em Londres, sede do império cristão mundial de Booth. Nos distritos de Whitechapel e Bethnal Green de East End, os pesquizadores do Brithsh Weekly constataram a diminuta frequencia dos salvacionistas. Eles constataram que os principais frequentadores do Exército no salão de Clapton era situado «entre artesãos e balconistas», uma classe que outros grupos não-conformistas já estavam atingindo.7 O declínio na Zona Leste de Londres, apesar das negações públicas de Booth, poderia ser documentada pelo próprio Brado de Guerra [N.T.: órgão oficial do Exército de Salvação], embora ele deixasse de publicar estatísticas depois das 1886. No dia 13 de abril de 1889, o Oficial Distrital Adjunto Morgan relata que a frequencia média nos corpos da Zona Leste de Londres era de 71,6, com um número total de cerca de 1.000 em todos os corpos do exército de East End. Este número era semelhante ao de East End Stations de Whitechapel, Limehouse, Poplar, e Shoreditch, quinze anos antes quando a Missão Cristã alcançou seu cume.8 A conclusão óbvia era que o Exército não estava convertendo as «massas pagãs» ao evangelho.

Foi, pelo menos parcialmente, devido a estas dificuldades com a obra evangelistica do Exército de Salvação em meados da década de 1880 que William Booth preparou-se para adotar as idéias de reformas sociais de Frank Smith e outros.9 Booth abraçou estas novas idéias como uma visão milenária para a redenção da população urbana favelada da Inglaterra, o «décimo submerso», em refúgios agrícolas na Inglaterra e em domínios ultramarinos britânicos. Enquanto efeito colateral, estas idéias sociais também removeram a atenção do notável fracasso do seu Exército na Zona Leste de Londres.

Agora, na medida em que os historiadores sociais redescobrindo as idéias comunais do século dezenove, chega o momento de repassar as raízes das idéias reformistas sociais de Booth no solo intelectual do século dezenove.10 Booth publicou Darkest England and the Way Out em outubro de 1890, quando Catherine, sua colaboradora mais devota, estava morrendo de câncer. Pregando, administrando, e sentando na cama ao lado de sua esposa agonizante, tudo isso absorveu a energia de William. Então, ele confiou a várias mentes a criação do seu esquema de reforma social. Frank Smith, recem chegado a Londres após dirigir o Exército de Salvação estadunidense em Nova Iorque, afunilou para Booth as idéias socialistas de Henry George, o defensor do imposto único, e de outros. Considerando as propostas de Smith, a parte de Booth na autoria pode ter sido bem menor do que o leitor possa imaginar. Smith tinha feito viagens à Holanda, Dinamarca, e Suécia em busca de informações sobre fazendas coletivistas e projetos de imigração. O material que Smith encontrou conduziu ao tripé padrão da solução da Tenebrosa Inglaterra para o desemprego urbano: 1) oficinas urbanas (colônias urbanas), o primeiro passo da pobreza para a autogestão [N.T. no original: self-reliance]; 2) colônias rurais na Inglaterra, um «retorno à terra» que pretendia reabiliar o pobre esmagado pelo meio urbano; 3) colônias além-mar, fazendas que o Exército prepararia para dar vazão ao excesso populacional da Inglaterra. Suzie Swift, uma das muitas salvacionistas envolvidas em programas sociais, declarou ter trabalhado na edição do texto. Booth pediu que W. T. Stead transformasse aquele emaranhado de papeis em um livro. Posteriormente Stead afirmou ter incorporado várias de suas próprias idéias no texto.11

Suzie Swift, e outros salvacionistas «sociais» como Frank Smith, absorveram as idéias populares e socialistas do século dezenove, e por que William Booth adotou estas idéias? A reforma social estava «no ar» quando as irmãs salvacionistas que viviam em Londres estabeleceram os refúgios para mulheres desafortunadas nas áreas de Soho e Picadilly, o Toynbee Hall foi fundado em 1883 da mesma forma.12 Quando eles descobriram imigrantes europeus morando nas favelas, em sua maioria irlandeses, e imigrantes europeus da Europa central e oriental, rejeitando a mensagem de salvação wesleyana como estranha à cultura deles, as mulheres salvacionistas abriram suas casas às «mulheres decaídas», aos órfãos «abandonados e desamparados», recolheram alcoólicos crônicos e reuniram ex-prisioneiros em «Red Mariahs» nas portas das cadeias. A frustração com o fracasso no trabalho com populações para as quais se sentiam chamadas por Deus para salvar, levou estas mulheres a tentar resolver o problema do declínio do Exército na Zona Leste de Londres e em outras favelas sob novas e diferentes formas.

Estas atividades não implicavam em uma ruptura acentuada com a missão reavivalista urbana que vinham praticando. (Tal ruptura viria na década seguinte após a formulação do Projeto Darkest England pela tentativa de mudar a verdadeira natureza do ambiente urbano.) Mas o exemplo destas mulheres levou os Booths a abraçar a cruzada «Maiden Tribute» de W. T. Stead em 1885 que chamou a atenção mundial sobre a necessidade de uma legislação que salvasse as meninas menores de dezesseis anos da escravidão branca nos bordéis de Londres e Paris.13 Tais experiências tinham começado a mudar a mente de William Booth.

Conhecemos o conteúdo real de apenas alguns dos materiais que Frank Smith apresentou para William Booth entre 1887 e 1890. Sabemos pelas citações em Darkest England e pelas manifestações de Booth que ele reconheceu a presença de idéias seculares no seu projeto de reforma. Ele apontou três pensadores sociais britânicos como os mais notáveis, mas ele também reconheceu a influência dos reformadores americanos Edward Bellamy e Henry George, embora ele não adotasse diretamente as idéias deles. Dos três reformadores britânicos mencionados por ele, Count Rumford, E. T. Craig, e o Conde de Meath, nenhum representava a opinião religiosa evangélica wesleyana. Os wesleyanos e os outros evangelicos com quem Booth estava familiarizado estavam comprometidos em atividades reformistas em 1890, e Booth poderia tê-los citado, mas ele preferiu não fazê-lo.14 Talvez isso ocorreu por causa de sua necessidade de ganhar apoio de um público mais amplo convergindo suas idéias com as idéias de reformadores seculares populares. Quaisquer que fossem suas razões, ele escolheu reconhecer aquelas três fontes em Darkest England and the Way Out.

Count Rumford foi um reformador do século XVIII na Baviera cujas idéias ficaram populares novamente na década de 1880. O Conde de Meath era o Presidente de uma organização rival reformista evangélica social, o Exército da Igreja [N.T. no original: Church Army]. O prebendário Wilson Carlisle tinha fundado o Exército da Igreja da Inglaterra em 1882, como um clone do Exército de Salvação, ao mesmo tempo em que tentava convencer Booth a fundir seu Exército com a Igreja estabelecida enquanto braço evangelístico.15 E. T. Craig foi um velho discípulo de Robert Owen, cujo experimento social em Ralahine, Irlanda, acabou falhando em 1833. Ralahine foi considerada a mais próspera das colônias esperimentais owenites.16

Booth apresenta Count Rumford como o abolidor da pobreza na Baviera e que serviu no exército britânico como oficial americano «com considerável distinção na Guerra Revolucionária», no Apêndice de Darkest England. Após a Inglaterra falhar em sufocar a rebelião, ele voltou à Inglaterra e instalou-se na Baviera para reformar seu exército. Ele também assumiu atividades de reforma sociais. Ele montou Indústrias Caseiras (oficinas urbanas) onde, começando pelo Ano Novo de 1790, ele incitou mendigos a trabalhar. Ele descobriu que quando tratados com justiça e bondade, em ambientes limpos e organizados, e providos sem muito custo, eles respondiam com trabalho duro. Tanto para Booth como para o desencargo da consciência vitoriana, o programa de Rumford era auto-suficiente. A abordagem militar de Rumford ao desemprego, ao vício, e à pobreza impressionou Booth que, por sua vez, não era nenhum democrata. Booth concordava com Rumford, o pobre precisava de direção de uma mão forte. Como Count, ele proveria uma liderança despótica da reforma social. Da mesma maneira que militarizara o trabalho espiritual de sua missão em 1878, ele também seria obedecido nas aventuras da reforma social. Não haveria nenhuma votação, nenhum mimo. Como Thomas Carlyle, Booth louvou a efetividade do sistema militar. Ele organizaria trabalhadores, «não como uma turba desnorteada confusa, mas como uma empresa arregimenta as massas, com reais capitães em cima deles. O despotismo é essencial na maioria dos empreendimentos». As oficinas nas colônias urbanas de Booth refletiram as indústrias caseiras de Rumford em Munique, e, como Rumford, seu despotismo foi completamente militarizado.17

Depois Booth adotou as idéias de E. T. Craig na Cooperativa Experimental de Ralahine (1831-1833), Irlanda, uma cooperativa agrícola padronizada após as experiências socialistas anteriores de Robert Owen. Com apoio de John Scott Vandeleur, um rico proprietário de terras irlandês, Craig introduziu camponeses irlandeses anarquistas [N.T. no original unruly] em uma experiência para aumentar a produção e melhorar o padrão de vida. Os lucros, depois de divididos, pertenceriam aos camponeses. Craig, como Booth, não admitia bebida alcoólica nem tabaco. Booth propôs à Universidade Agrícola dos Trabalhadores treinar aqueles que se dispusessem «voltar à terra». Infelizmente, as ingerências do próprio Vandeleur provocaram em 1833 o encerramento da cooperativa de Ralahine. Quando Booth estabeleceu suas colônicas rurais, ele seguiu o molelo de Ralahine embora não fosse de forma alguma um descendente ideológido do secularista Robert Owen. Booth estava disposto a aceitar idéias boas de qualquer fonte e, na realidade, preferiu afastar-se da tradição wesleyana para abraçar idéias que ampliariam sua lista de subscritores financeiros.18

Em princípios de 1889, um ano antes de publicar a Tenebrosa Inglaterra, Booth prestou um tributo ao Conde Meath em uma fala publicada pelo Times. Booth disse que o panfleto de Meath sobre a pobreza expressava exatamente suas próprias noções de responsabilidade individual. Booth há pouco abrira um segundo «front», o Abrigo de Ajuda Mútua em Clerkenwell, onde três pences pagavam uma janta, uma «simples conversa sobre salvação», abrigo por uma noite e um café pela manhã. Diferentemente dos albergues comuns, os abrigos do Exército de Salvação eram desvinculados de «práticas vís e desmoralizantes». Além disso, Booth proclamava que o Exército não encorajava a «sopa dos pobres». Ele não faria nada a um homem «exigindo algum retorno religioso» em troca».19

Meath exerceu mais influência nas idéias de Booth na segunda e terceira fase do Projeto da Tenebrosa Inglaterra, que trata das colônias rurais inglesas e além-mar. O livro de Meath, Social Arrows (1886), incentivava a colonização da «Grã Bretanha» por desempregados, sob a direção do estado. Em 1890, Booth ofereceu-se como agente do estado para selecionar, preparar, e transportar colonos pobres mas dispostos a ocupar o império ultramarino da Inglaterra. Booth ecoou a preocupação de Meath de que os domínios não aceitariam os pobres viciados de Londres, e ele concordou em primeiro treiná-los em uma colônia rural inglesa para melhorar seus hábitos de trabalho e de caráter para torná-los aceitáveis à emigração. Ele seguiu a prescrição de Meath para emigrantes prósperos: 1) caráter era mais importante que treinamento agrícola; o programa do governo falhara porque não tinha seguido este plano; e 2) crianças poderiam ser treinadas como aprendizes em fazendas modelo na Inglaterra.20

Meath se ressentiu com o roubo de Booth de seu plano. Seu Exército da Igreja acusou Booth de roubar as idéias de reforma social do folheto «Our Tramps», que tinha publicado em março de 1890. O folheto propunha um esquema triplo que envolvia o ambiente urbano, rural e colônias ultramarinas. Booth poderia ter assumido tal suposto roubo como uma resposta ao roubo do Exército da Igreja às suas idéias de evangelismo militante e dos hinos de seu Cancioneiro. Como Presidente do Exército da Igreja, Meath conduziu uma organização com um plano de reforma social que competiu diretamente com o de Booth.21 Como Presidente do Sindicato do Serviço Social e do Instituto Britânico do Serviço Social, e inspirado pelo amigo congregacionalista de Booth, J. B. Paton, Meath já possuía reputação de reformador. Ele achava difícil tolerar algum reformador competindo com ele.22 Pelos esforços de Meath, o governo inglês patrocinou e montou duas colônias de emigrantes no Canadá.

Mas Meath queria o reconhecimento de Booth às suas fontes para Darkest England. Meath escreveu em 1904 que um «grande líder religioso inconformado» ao recomendar colônias inglesas, quase certamente Booth, não mencionara as vinte e duas colônias alemãs que existiam em 1890. Meath afirmou sua dúvida: ele não sabia ou evitou mencioná-las no intuito de reivindicar para si o «crédito de uma idéia que não era nova?».23 A farpa de Meath é um exemplo de seu grande ciúme às idéias que Booth adotara sem dar-lhe o devido crédito. Booth frequentemente dizia que tais clérigos profissionais, líderes sindicais, assistentes sociais e filantropos eram seus inimigos mais ardentes nos campos da religião e da reforma social. Eles se ressentiram com o instinto de Booth de alistar idéias de qualquer fonte desde que salvasse seu Exército da extinção e ajudasse o pobre.24

Estes três homens: Count Rumford; E. T. Craig, e o Conde de Meath; foram os ideólogos que William Booth reconheceu em A Tenebrosa Inglaterra e A Saída como suas fontes para o programa de serviço social do Exército de Salvação. Booth tomou estas idéias das mãos de salvacionistas «sociais» que, sem sombra de dúvida, as retiraram de fontes seculares. Recém chegado da Inglaterra vindo de Nova Iorque em 1887, Frank Smith trazia informações de reforma social tanto de fontes britânicas como européias. Com a ajuda de Smith, Suzie Swift, e W. T. Stead, Booth publicou suas idéias em um projeto que arrancou elogios de líderes sociais na área do trabalho, governo, religião, e profissionais na área de serciço social em outubro de 1890.

Também houve críticos como T. H. Huxley que não aprovava nenhuma reforma social promovida pelo estado e levada a efeito com uma «chancela cristã», e a Charity Organization Society's Charles Loch que não dava boas-vindas a abordagens «não-científicas» ao serviço social.25

Sem ligar para seus críticos, Booth e Smith colocaram o plano em execução em 1890. Os últimos dois elementos do projeto, as fazendas e colônias ultramarinas, duraram apenas até 1906 na forma como foram projetados, as oficinas de trabalho urbanas continuaram como um dos elementos principais do serviço social do Exército de Salvação no recente século XX. Mais importante, a virada do Exército de uma ênfase singular evangelística para uma ênfase igual ou maior no serviço social é o resultado das idéias de reformadores sociais. Tanto salvacionistas como outros grupos foram canais que Count Rumford, E. T. Craig, e o Conde de Meath, e outros, atingiram pela mente revivalista wesleyana de William Booth.

Copyright©2004 Norman H. Murdoch

Notas


1. Victor Bailey, «In Darkest England and the Way Out: The Salvation Army, Social Reform and the Labour Movement, 18851910», International Review of Social History, 29, 1984, p. 155.

2. Frederick Coutts, em Bread for My Neighbour: An Appreciation of the Social Action and Influence of William Booth (London: Hodder and Stoughton, 1978), pp. 1118, um general do Exército de Salvação rebateu os argumentos dos historiadores seculares que negligenciaram a Tenebrosa Inglaterra, por William Booth ser: 1) «francamente religioso»; 2) ter «limitações acadêmicas»; e 3) «tentar compensar o fracasso de seus esforços evangélicos». Mas Booth não foi tão negligenciado assim. Veja o simpático estudo de Victor Bailey da «In Darkest England and the Way Out: The Salvation Army, Social Reform and the Labour Movement, 1885-1910», Revista Internacional de História Social, 1984, pp,. 133171. Bailey argumenta que Booth estava em «sincronia» com as idéias do bem-estar social do movimento operário, e na questão do controle social, agiu como «uma expressão do desenvolvimento independente da cultura operária», e não como um agente de «dominação da classe média» (pág. 134). Porém, Bayley concorda com este escritor que «os centros salvacionistas estáveis foram estabelecidos nas sólidas comunidades proletárias de Londres, não nos quarteirões mais pobres de Bethnal Green ou Whitechapel onde o Exército não teve nenhum sucesso patente», e cita Bramwell Booth para apoiar esta conclusão (pág. 141).

3. Coutts, pp. 2229; Roger J. Green, em «O Boundless Salvation: William Booth's Theology of Redemption», 1990, posteriormente Christian History, provê um excelente estudo das perpectivas urbanas, wesleyanas, e pos-milenárias de Booth. Green define o pos-milenarismo dos Booths em sua fé de que «o Exército introduzirá um reinado de mil anos de cristianismo neste mundo, uma sociedade perfeita após a qual Cristo voltará». William Booth, «The Millennium; or, The Ultimate Triumph of Salvation Army Principles», All the World, 6, agosto de 1890, p. 342. William Booth expressou o ponto de vista de que seu Exército introduziria o milênio a partir de 13 de dezembro de 1884. Veja «The General's Letter», War Cry (London),13 de dezembro de 1884, p.2. George M. Marsden em Fundamentalism and American Culture: The Shaping of Twentieth-Century Evangelicalism, 1870-1925 (New York: Oxford University Press, 1980), pp. 44, 104, 178, apoia a noção de que os metodistas aprenderam pela prática e pela ênfase pos-milenarista.

4. Andrew Mearns em The Bitter Cry of Outcast London (London: J. Clarke, 1883). A resposta de William Booth foi citada no War Cry, no Wins e no Middlewich Guardian, em fevereiro de 1884. Veja réplicas salvacionistas similares em: «London Division», War Cry, 29 de setembro de 1883, p. 2; «Our All Night», War Cry, 7 de novembro de 1883, p. 2; «Funeral of Sister Mrs. Billups at Cardiff», South Wales Daily News citado no War Cry, 1 de dezembro de 1883, p. 1; Staff Captain Ewens, «The Salvation Army's Reply to the Bitter Cry of Outcast London», War Cry, 25 de dezembro de 1883; e Catherine Booth, «Brighton», War Cry, 2 de fevereiro de 1884, p. 2.

5. Esta «conversão» não é colocada claramente em termos de tempo ou local pelos seus biógrafos. Nem em termos de experiência de «santificação», a segunda obra da graça que os wesleyanos apontam no testemunho espiritual deles.

6. Norman H. Murdoch e Howard F. McMains em «The Salvation Army Disturbances», Queen City Heritage, 45, Summer 1987, pp. 3139. Tais ataques ocorreram em várias cidades. Victor Bailey em «Salvation Army Riots, the 'Skeleton Army' and Legal Authority in the Provincial Town», e A. P. Donajgrodzki, ed. em Social Control in Nineteenth Century Britain, 1977, p. 236, aborda este fenômeno das revoltas sob o aspecto legal.

7. War Cry, 12 de janeiro de 1889, p. 9; e 19 de janeiro de 1889, p. 5. O Rev. Llewellan Davies ataca no The Times, no Natal de 1888, o Exército por seu fracasso entre os pobres. Ellen Pash em «A Unique Failure», All the World, janeiro-maio de 1890, defende o Exército. Hugh McLeod em Class and Religion in the Late Victorian City (Hamden, Conn.: Archon Books, 1974), pp.60, 89; Paul Thompson, Socialists, Liberals and Labour, the Struggle for London, 18851914 (London: Routledge, 1967), p. 18.

8. War Cry, 26 de janeiro e 13 de abril de 1889.

9. Norman H. Murdoch, «Salvationist-Socialist Frank Smith: Father of Salvation Army Social Work», Salvation Army Historical Society, September 1978; E. I. Champness, Frank Smith, M. P.: Pioneer and Modern Mystic (London: Whitefriars, 1942); Keir Hardie, «Frank Smith, L.C.C.», The Labour Prophet, setembro de 1894, 113; «The London Major Frank Smith's Account of Himself», War Cry, 21 de setembro de 1882, 1; Frank Smith, «Sociology», War Cry, 30 de agosto, 13, 27 de setembro, 1, e 29 de novembro de 1890. Um recente e excelente estudo da relação do Exército com idéias de reforma social e movimentos contemporâneos no período entre 1885 a 1910, veja o artigo de Victor Bailey citado acima.

10. J F. C. Harrison, Robert Owen and the Owenites (London: Routledge and Kegan Paul,1969); Dennis Hardy, Alternative Communities in Nineteenth Century England (London: Longman, 1979); W. H. G. Armytage, Heavens Below (London: Routledge and Kegan Paul,1961), discutem o interesse pelo comunalismo no século XIX.

11. Suzie Forest Swift, uma adepta graduada e brigadeira do Salvation Army em 1896, abandona o Exército para tornar-se freira dominicana. Sobre a participação de Stead leia Frederick Whyte em The Life of W. T. Stead (London: Jonathan Cape, 1925), vol. 2, p. 13.

12. Veja a discussão sobre o declínio do Salvation Army nos anos 1880, por Norman H. Murdoch, em The Salvation Army: An Anglo-American Revivalist Social Mission (Ann Arbor: University Microfilms, 1985), capítulos 5 e 8.

13. Para estudar a Maiden Tribute Crusade e o Armstrong Case que veio depois leia Ann Stafford em The Age of Consent (London: Hodder and Stoughton, 1964); Madge Unsworth, Maiden Tribute (London: Salvationist Publishing, 1949); Frederick Coutts, No Discharge in This War (London: Hodder and Stoughton, 1974), 10212. Rebecca Jarrett, numa autobiografia inédita; «Babylon: the Pall Mall Gazette and Salvation Army on Corruption, Cruelties, and Crime of London», julho de 1885, provavelmente escrita por George Scott Railton, Salvation Army Archives, London; Pall Mall Gazette and the War Cry, July 1885.

14. O metodista Hugh Price Hughes e o congregacionalista J. B. Paton foram dois reformadores sociais evangélicos com os quais Booth foi bem familiarizado.

15. Norman H. Murdoch, «The Salvation Army and the Church of Eng land, 18821883», Historical Magazine of the Protestant Episcopal Church, 55, março de 1986, pp. 3155.

16. George E. Ellis, Memoir of Sir Benjamin Thompson, Count Rumford, vol. 1 (London: Macmillan, 1876); W. J. Sparrow, Count Rumford of Woburn, Mass. (New York: Thomas Y. Crowell, 1964); Sanborn C. Brown, Benjamin Thompson, Count Rumford (Cambridge, Mass.: MIT Press, 1979). Earl of Meath, Social Arrows (London: Longmans, Green, 1886); Prosperity or Pauperism (London: Longmans, Green, 1888). E. T. Craig, History of Ralahine and Cooperative Farming (London: Trubner, 1882); Competitive Society Illustrated (London: W. Reeves, 1880).

17. William Booth, In Darkest England and the Way Out (London: Charles Knight, 1970: 1890 orig.), xviiixxii. Rumford foi um estadunidense leal à Corôa Britânica. Veja «Carlyle on the Social Obligations of the Nation Forty Five Years Ago», Darkest England Appendix, xxviii.

18. «Ralahine» em Darkest England, Appendix, xxiiixxiv. Sobre a recente obra de Craig veja Vincent Geoghegan, Ralahine: Ireland's Lost Utopia, New Lanark, Scotland: New Lanark Conservation Trust,1988; Gillian Darley, Villages of Vision (London: Architectural Press, 1975), 84f, 105.

l9. The Times, 17 January 1889. War Cry, 26 January 1888, p. 3; 16 February 1888, p. 6; 25 February 1888, p. 8.

20. Reginald Brabazon (Meath), Social Arrows, 1886, pp. 112, 120f, 133, 153, 157, 185, 189, 220f, 233ff, revela sua preocupação com relação às obras sociais e com os interesses imperiais britânicos refletidos no projeto de Booth.

21. Earl of Meath, Brabazon Potpourri (London: Hutchinson,1928). Em 1884 Meath não inclui o Salvation Army na lista das organizações caritativas que apoiam «vagabundos». Veja Murdoch em «The Salvation Army and the Church of England», pp. 3155, para uma discussão acerca da rivalidade Church Army x Salvation Army. Veja também: Edgar Rowan, Wilson Carlisle and the Church Army (3rd edn.; London: Church Army Bookroom,1928), pp. 126132; Robert Sandall, History of the Salvation Army, 18781896 (London: Thomas Nelson and Sons,1947), pp.105ff; Sidney Dark, Seven Archbishops (London: Eyre and Spottiswoode, 1944), p. 31.

22. Meath também serviu como Presidente do County Council Parks Commit de Londres. Naquela ocasião, Frank Smith também era membro do L.C.C.

23. Brabazpm Potpourri, p. 269.

24. Esta reivindicação de Meath proporciona credibilidade à afirmação de Victor Bailey de que o Exército de Salvação representou, neste período, uma tentativa de auto-organização do proletariado em benefício próprio. Nesse caso, o Exército da Igreja representou uma tentativa da classe-média de controlar as massas proletárias. Bailey, "In Darkest England," pp. 13334.

25. T. H. Huxley, Evolution and Ethics and Other Essays (New York: D. Appleton, 1898). Sobre Charles Loch, veja Paul Thompson, Socialists, Liberals and Labour, The Struggle for London, 18651914 (London: Routledge, 1967), pp. 9199. See Murdoch, The Salvation Army, capítulo 9, sobre «Darkest England». Em 1901, o Exército deu início a um programa de emigração que, até 1938, transferira 250.000 emigrantes ingleses para seus domínios além-mar. Isto substituiu a idéia de colônia ultramarina. E. H. McKinley, Somebody's Brother: A. History of The Salvation Army Men's Social Service Department, 18911985 (Lewiston, ME: Edwin Mellen Press, 1986), é um excelente estudo do programa de oficinas urbanas do Exército de Salvação nos Estados Unidos.



 
 

 

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