QUEM É TUA COBERTURA?

UMA ABORDAGEM AO CONCEITO DE LIDERANÇA, AUTORIDADE E RESPONSABILIDADE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

 

Por FRANK A. VIOLA

Traduzido para o Português por Railton de Sousa Guedes

Copyrights 2005 (Present Testimony Ministry)


 

A todos os Cristãos que buscam reunir-se
sob a direção de Jesus Cristo,
com a mesma simplicidade e pureza
que caracterizou os primeiros crentes.

 

 

 

 

1. Prólogo, Prefácio, Introdução, Modelos de Liderança

2. Objeções Tradicionais

3. Autoridade e Submissão

4. Cobertura Denominacional

5. Autoridade Apostólica I, II, III

6. Resumo, Conclusão e Bibliografia

 

PRÓLOGO

     Lembra do conto infantil, A Nova Roupa do Imperador?  Nele, um menino expressou o que os adultos já sabiam, mas que não se atreviam admitir.  Frank Viola, neste relevante tratado acerca da “autoridade na igreja”, é como o menino que finalmente exclama: “O imperador está nu!”.

 

     A maioria dos crentes provavelmente já suspeita que nem tudo vai bem em Sião, mas são lentos para questionar o status quo.  Afinal, quem quer ser talhado como perturbador? O fato assombroso do assunto é que a maioria dos sistemas de política eclesiástica não veste o traje Escritural!

 

     Afinal, exatamente quem tem autoridade sobre quem na igreja? Deve um pastor ou uma pluralidade de anciãos controlar uma igreja? Que significa a responsabilidade de prestar contas”? As denominações proporcionam uma proteção contra o erro doutrinal e o fracasso moral? Necessitamos de modernos apóstolos que nos digam o que devemos fazer? Onde em tudo isso se encaixa o dom espiritual de “governar”?

 

     Quando fui pastor de carreira, enfrentei tais temáticas. De modo surpreendente, quando estudei no seminário, nenhum destes temas foi seriamente tratado.  Já no ministério, descobri que a maioria dos pastores com quem eu discutia estas coisas nunca haviam pensado realmente nelas.  Deixar de acreditar que é necessário haver um só pastor em cada igreja para crer em uma pluralidade de anciãos significou para mim uma paradigmática e maiúscula mudança.  Mas isso representou apenas a ponta do iceberg – o tema da liderança é bem mais amplo e a questão de quantos anciãos são necessários a uma igreja chega a ser quase irrelevante.

 

     A exposição de Frank é minuciosa e Bíblica.  Destaca cada passagem relevante que trata da liderança e da autoridade.  Asseguro-lhes que este livro enriquecerá sua compreensão do significado da autoridade no reino de Deus.

 

     Queira nosso Senhor agradar-se da verdade contida nestas páginas e a utilize para libertar as legiões de seguidores e líderes que estão atolados na escravidão dos sistemas hierárquicos eclesiásticos. Como disse Jesus, “A verdade vos libertará”.

 

Steve Atkerson

Atlanta, Georgia

 

PREFÁCIO À PRIMEIRA E TERCEIRA EDIÇÃO

    Em meu último livro, Rethinking the Wineskin:  The Practice of the New Testament Church, exponho os princípios fundamentais que governavam a igreja primitiva. O livro foi recebido favoravelmente, e influenciou no nascimento de um grupo de igrejas constituídas segundo o modelo do Novo Testamento (NT).

 

    Como era esperado, algumas destas novas e incipientes assembléias passaram a sofrer a oposição dos líderes da igreja organizada.  Particularmente, tem gerado penetrantes questões com respeito à autoridade eclesiástica. De fato, tem suscitado as mesmas perguntas que os líderes religiosos fizeram ao nosso Senhor há muitos séculos:

 

    Com que autoridade estás fazendo estas coisas? E quem te deu tal autoridade?” (Mat. 21:23).

    Desafortunadamente, não se tem escrito muito para responder a esta pergunta, de modo que me senti na obrigação de abordar o tema aqui e agora. 

    Parte do conteúdo deste livro coincide com Repensando os Odres, mas completa a maneira como abordo os temas de liderança e autoridade.  Há também uma considerável variedade de material novo que não é abordado no livro anterior.  Por esta razão, esta obra é um verdadeiro complemento de Repensando os Odres.

 

    Em minha opinião, o principal valor deste livro consiste nisto: apresenta um modelo arejado que nos permite compreender a liderança, a autoridade e a responsabilidade na prestação de contas.  Este modelo é único e origina uma contracultura. Não é teórico.  Tem funcionado em muitas igrejas que retornaram ao princípio do NT para fundamentar sua vida corporativa. 

 

    Meu objetivo ao escrever, por tanto, é prático e teológico. É construtivo e não controverso.  Contudo, pelo fato de ser tão radicalmente diferente do conceito tradicional, não há dúvida que causará surpresa, e mesmo hostilidade.

 

      Frank A. Viola

      Brandon, Florida

      Janeiro, 1998

    

     Esta TERCEIRA edição de “Quem é sua Cobertura?” é mais clara e fácil de ler que a original. Como ocorreu com meu primeiro livro, Repensando os Odres este volume continua sendo traduzido a muitos e variados idiomas. Tendo isso em vista, senti a necessidade de facilitar a leitura para que minha mensagem chegue a um público mais amplo.

 

     Todos aqueles que leram a obra original poderão apreciar a facilidade de leitura desta edição, assim como o aspecto novo com o qual se apresenta. A fonte é maior e a capa mais atrativa.

 

     Quero agradecer a Mike Biggerstaff pelo intenso trabalho de prova na impressa. Por conseguinte, qualquer erro tipográfico pode ser debitado de Mike. Frank A. Viola, Brandon, Florida. Janeiro, 2001

 
INTRODUÇÃO
“Afinal, quem é tua cobertura?”

     Esta é a pergunta concisa feita por muitos cristãos modernos em toda parte aos que se reúnem fora da igreja institucional.  Mas, o que há no âmago desta pergunta? Qual sua base bíblica? É disto que nos ocuparemos neste livro.

     Sustento que o ensino moderno conhecido como “cobertura protetora” tem gerado uma enorme confusão e uma conduta cristã anômala.  Este ensino afirma que os cristãos estão protegidos do erro doutrinal e do fracasso moral quando se submetem à autoridade de outro crente ou organização. 

     A dolorosa experiência de muitos me levou a concluir que o ensino da “cobertura” é um assunto que perturba grandemente a Sião em nossos dias e exige uma reflexão crítica.

     Nas páginas a seguir, tento abrir caminho a través da névoa que rodeia aos temas difíceis vinculados com este ensino. Refiro-me a temas tão espinhosos como o da liderança da igreja, a autoridade espiritual, o discipulado e a responsabilidade de prestar contas. Ademais, busco bosquejar um modelo integral que nos permita entender como opera a autoridade na ekklesia (igreja).

 

A “Cobertura” está Coberta pela Bíblia?

     É surpreendente que a palavra “cobertura” apareça apenas uma vez em todo o NT. É usada referindo-se à cabeça coberta da mulher (1 Cor. 11:15).  Ao passo que o Antigo Testamento (AT) utiliza pouco este termo, sempre o emprega referindo-se a uma peça do vestuário natural.  Nunca é utilizado de maneira espiritual ligando-o a autoridade e submissão.

 

     Portanto, a primeira coisa que podemos dizer acerca da “cobertura” é que há escassa evidencia Bíblica para construir-se uma doutrina.  Não obstante, incontáveis cristãos repetem como papagaios à pergunta “quem-é-tua-cobertura?” e insistem nela como se fosse a prova do ácido que mede a autenticidade de uma igreja ou ministério.

 

     Se a Bíblia silencia com respeito à idéia da “cobertura” o que é que se pretende dizer com a pergunta, “Quem é tua cobertura”?  A maioria (se insistíssemos) formularia esta mesma pergunta em outras palavras: “A quem você presta contas?”. 

 

     Mas isso suscita outro ponto difícil.  A Bíblia nunca remete a prestação de contas a seres humanos, mas exclusivamente a Deus! (Mat. 12:36; 18:23; Luc. 16:2; Rom. 3:19; 14:12; 1 Cor. 4:5; Heb. 4:13; 13:17; 1 Ped. 4:5). 

 

     Por conseguinte, a sadia resposta Bíblica à pergunta “a quem prestas contas?” É bem simples:   “presto contas à mesma pessoa que você, a Deus”.  Assim, pois, é estranho que tal resposta provoque tantos mal entendidos e falsas acusações.

 

     Deste modo, embora o tom e o timbre do “prestar contas” difira apenas da “cobertura”, a cantilena é essencialmente a mesma, e sem dúvida não harmoniza com o inconfundível canto da Escritura.

 

 

Trazendo à Luz a Verdadeira Pergunta que se Esconde Atrás da Cobertura

     Ampliemos um pouco mais a pergunta. Que é que se pretende realmente dizer na pergunta acerca da “cobertura”?  Permito-me destacar que a verdadeira pergunta é, “Quem te controla?”.   

     O (maléfico) ensino comum acerca da “cobertura” realmente se reduz a questões acerca de quem controla quem.  De fato, a moderna igreja institucional está construída sobre este controle.

     Conseqüentemente, a gente raras vezes reconhece que é isto que está na base da questão, pois se supõe que este ensino esteja bem ancorado nas Escrituras.  São muitos os cristãos que crêem que a “cobertura” é apenas um mecanismo protetor. 

 

     Assim, pois, se examinarmos o ensino da “cobertura”, descobriremos que está baseado em um estilo de liderança do tipo cadeia de comando hierárquico. Neste estilo de liderança, os que estão em posições eclesiásticas mais altas exercem um domínio tenaz sobre os que estão debaixo deles.  É absurdo que por meio deste controle de direção hierárquica de cima para baixo se afirme que os crentes estejam protegidos do erro.

 

     O conceito é mais ou menos o seguinte:  todos devem responder a alguém que está em uma posição eclesiástica mais elevada. Na grande variedade das igrejas evangélicas de pós guerra, isto se traduz em:  os “leigos” devem prestar contas ao pastor.  Que por sua vez deve prestar contas a uma pessoa que tem mais autoridade.

 

     O pastor, tipicamente, presta contas à sede denominacional, a outra igreja (muitas vezes chamada de “igreja mãe”), ou a um obreiro cristão influente a quem considera ter um posto mais elevado na pirâmide eclesiástica. 

 

     De modo que o “leigo” está “coberto” pelo pastor, e este, por sua vez, está “coberto” pela denominação, a igreja mãe, ou o obreiro cristão.  Na medida que cada um presta contas a uma autoridade eclesiástica mais elevada, cada um está protegido (“coberto”) por essa autoridade. Esta é a idéia.

 

     Este padrão de “cobertura-responsabilidade em prestar contas” se estende a todas as relações espirituais da igreja.  E cada relação é modelada artificialmente para que encaixe neste padrão. É vedada qualquer relação fora disto – especialmente dos “leigos” com respeito aos “líderes”.

 

     Mas esta maneira de pensar gera as seguintes perguntas: Quem cobre a igreja mãe? Quem cobre a sede denominacional? Quem cobre o obreiro cristão?

 

      Alguns oferecem a fácil resposta de que Deus é quem cobre estas autoridades “mais elevadas”.  Mas esta resposta enlatada demanda outra questão: O que impede que Deus seja diretamente a “cobertura” dos “leigos”, ou mesmo do pastor?

 

       Sem dúvida, o problema real com o modelo “Deus-denominação-clero-leigos” vai bem além da lógica incoerente e danosa a que esta conduz. O problema maior é que este modelo viola o espírito do Novo Testamento, porque por trás da retórica piedosa de “prover da responsabilidade de prestar contas” e de “ter uma cobertura”, surge ameaçador um sistema de governo que carece de sustento bíblico e que é impulsionado por um espírito de controle.

 

CAPÍTULO 1

MODELOS DE LIDERANÇA

      Se formos até as raízes, a idéia da “cobertura” repousa sobre uma noção hierárquica de autoridade altamente organizativa. Esta noção foi copiada das estruturas que pertencem a este mundo. De nenhum modo reflete o reino de Deus.

     Expliquemos isto com detalhes. 

 

     A estrutura de liderança hierárquica que caracteriza a igreja Ocidental, deriva de una mentalidade posicional.  Esta maneira de pensar outorga autoridade em termos de espaços a alcançar, descrições objetivas de trabalho a realizar, títulos para exibir, e postos que fazem valer seus privilégios. 

 

     A maneira de pensar posicional revela um grande interesse por estruturas explícitas de liderança. Termos tais como “pastor”, “ancião”, “profeta”, “bispo”, etc, são títulos que representam ofícios eclesiásticos.

 

     Ou seja, um ofício é um espaço definido pelo grupo. Tem uma realidade alheia à pessoa que o ocupa. Também  possui  uma realidade alheia às ações que a pessoa realiza nesse oficio.

 

     Por contraste, a noção de liderança do NT está arraigada em uma mentalidade funcional.  Descreve a autoridade em termos de como as coisas operam organicamente. Ou seja, funcionam por meio da vida em Deus.

 

     A liderança descrita no NT atribui um alto valor aos dons especiais, a maturidade espiritual e o serviço sacrificado de cada membro.  Enfatiza as funções em vez dos ofícios, as tarefas em vez dos títulos.  Seu interesse principal está em atividades tais como pastore-ar, profetiz-ar, supervis-ar, etc. Em outras palavras, o pensamento posicional se apaixona pelos substantivos, enquanto que o pensamento funcional acentua os verbos.

 

     Na ênfase posicional, a igreja deve modelar-se segundo as estruturas corporativas empresariais e militares de nossa cultura.  Na ênfase funcional, a igreja opera por meio da vida. O ministério mútuo surge de maneira natural. A estrutura e o ranking estão ausentes.

 

     É comum às igrejas orientadas pela tendência posicional/hierárquica a existência de uma maquinaria política que funciona detrás do cenário, que promove diversas pessoas a posições de poder eclesiástico. 

 

     Habitualmente nas igrejas orientadas funcionalmente se manifesta a responsabilidade mútua e a interação colegiada de seus membros. Escutam juntos ao Senhor e se afirmam mutuamente em dons que recebem do Espírito.

 

     Em suma, a orientação que o NT imprime à liderança é orgânica e funcional. Por outro lado, a orientação da liderança posicional/oficial é fundamentalmente mundana. Existe uma afinidade natural entre a orientação posicional/hierárquica e o conceito de “cobertura protetora”.

 

Jesus e a Idéia de Liderança Gentílica/Política

     O ministério de Jesus com respeito à questão da autoridade clarifica os temas fundamentais que estão por trás da moderna doutrina da “cobertura”.  Consideremos como o Senhor contrastava o modelo hierárquico de liderança do mundo gentílico com a liderança no reino de Deus. Depois que Jacobo e João lhe pediram que lhes concedesse altas posições de poder e glória ao seu lado no Seu trono, Jesus os contestou dizendo,

Vocês sabem que os governantes das nações AS DOMINAM, e as pessoas importantes EXERCEM PODER sobre elas. NÃO SERÁ ASSIM ENTRE VOCÊS; ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo, como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos.  (Mat. 20:25-28)

     E mais uma vez,

...Os reis das nações DOMINAM sobre elas, e os que EXERCEM AUTORIDADE sobre elas são chamados de benfeitores; MAS VOCÊS NÃO SERÃO ASSIM. Ao contrário, o maior entre vocês deverá ser como o mais jovem, e aquele que governa como o que serve. Pois quem é maior, o que está à mesa, ou o que serve? Não é o que está à mesa?  Mas eu estou entre vocês como o que serve.  (Luc. 22:25-27).

     A palavra grega traduzida por “exercem sua autoridade” em Mateus é  katexousiazo que é uma combinação de duas palavras gregas: katá, que significa  sobre, e  exousiazo, que significa exercer autoridade.  O Senhor também utiliza nesta passagem a palavra grega katakurieuo que significa “controlar” ou “dominar” aos demais.  O que Jesus condena nestas passagens não é apenas os líderes opressores como tais, mas a forma hierárquica de liderança que domina o mundo gentílico.      

 

     Isto merece ser repetido: Jesus condenou não apenas os líderes tirânicos, condenou também a própria forma de liderança hierárquica!

 

     Qual é a forma hierárquica de liderança?  É o estilo de liderança fundado na idéia pobre de que o poder e a autoridade fluem de cima para baixo. Essencialmente, está construída em uma estrutura social de cadeia de comando.

 

      A liderança hierárquica está baseada em um conceito mundano de poder.  Isto explica porque esta fórmula é comumente usada em todas as burocracias tradicionais. Está presente nas formas corruptas do feudalismo senhor/vassalo e amo/escravo. Também pode ser vista nas esferas altamente estilizadas e reguladas das sociedades militares e empresariais do primeiro mundo.

 

     O estilo de liderança hierárquico, mesmo que não seja cruel, é prejudicial para o povo de Deus, porque reduz as relações humanas a associações estilo comando. Com isto quero dizer que as relações se ordenam na forma de uma estrutura militar do tipo cadeia de comando. Estas relações são alheiras à prática e ao pensamento do NT.

 

     A liderança hierárquica está estabelecida em todas as esferas da cultura pagã. Lamentavelmente foi adotada pela maioria das igrejas cristãs de nossos dias.

 

     Resumindo o ensino de nosso Senhor acerca deste estilo de liderança, tornam-se evidentes estes marcantes contrastes.

     Em suma, as estruturas hierárquicas de liderança caracterizam o espírito dos gentios. Portanto, a implantação destas estruturas entra em choque com o cristianismo do NT. Nosso Senhor não exitou quando declarou Seu implícito desprezo pela noção gentílica de liderança, porque claramente disse: “não será assim entre vocês”. 

 

     Considerando tudo isso, no ensino de Cristo não há lugar para o modelo de liderança hierárquica que caracteriza a moderna igreja.

 
Jesus e o Modelo de Liderança Judaico/Religioso

     Jesus também contrastou a liderança no reino com o modelo de liderança que caracteriza o mundo religioso.  No texto adiante, o Senhor expressa vividamente a perspectiva de Deus com respeito à autoridade, em contraste com o conceito judaico:

Mas vocês não devem ser chamados ‘rabis’; um só é o Mestre de vocês, E TODOS VOCÊS SÃO IRMÃOS. A NINGUÉM NA TERRA CHAMEM ‘PAI’, porque vocês só têm um Pai, aquele que está nos céus. TAMPOUCO VOCÊS DEVEM SER CHAMADOS ‘CHEFES’, porquanto vocês têm um só Chefe. O Cristo. O maior entre vocês deverá ser servo. Pois todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado.  (Mat. 23:8-12).

     O ensino de Cristo nesta passagem é o seguinte:

     Em suma, há um grande abismo entre a liderança segundo Jesus e o que vemos na maioria das modernas igrejas.  O Senhor imprimiu um golpe de morte aos modelos de liderança gentílicos/hierárquicos e judaicos/posicionais.

 

      Estes modelos que incham o ego são incompatíveis com a simplicidade da igreja primitiva e o reino de Jesus Cristo. Ambos sistemas impedem o progresso do povo de Deus, eliminam a funcionalidade do sacerdócio dos crentes, rompem a imagem da igreja como uma família, e põe severas limitações ao Governo de Cristo.  Por estas razões “não será assim” entre os que levam o nome do Salvador.

 
Os Apóstolos e a Liderança Posicional/Hierárquica

     Não há dúvidas de que nosso Senhor condenou as estruturas de liderança posicionais/hierárquicas. Mas, e quanto a Paulo e outros apóstolos?

 

     Contrariamente à idéia popular, as cartas do NT nunca falam dos líderes da igreja em termos de “ofícios” e outros convencionalismos da organização social humana. (Um pouco mais adiante trataremos com as várias passagens que alguns usam para respaldar os “ofícios” eclesiásticos).

 

     Sempre que o NT descreve aqueles que são principalmente responsáveis pela supervisão espiritual, se refere ao trabalho que desempenham. Por esta razão, domina a linguagem funcional. Os verbos são proeminentes.

 

     Os episcopos [episkópois = palavra que descreve a pessoa com função pastoral] locais são chamados anciãos e supervisores (Tito 1: 5-7). Isto se deve ao fato de que cumpriam com seu labor enquanto anciãos, atuando como modelos de maturidade para os menos maduros (1 Ped. 5.3). Também supervisavam – cuidavam do bem estar espiritual da igreja (1 Ped. 5:2).

 

     A tarefa dos anciãos também se descreve por meio da metáfora do “pastor” (Atos. 20:28; 1 Ped. 5:1-4). Isto se deve ao fato de serem vigilantes, do mesmo modo que os pastores, em seu sentido literal, cuidam das ovelhas.

 

     Por conseguinte, se igualamos os episcopos a um espaço sociológico (um ofício) corremos um considerável risco. Temos que restringir o termo “pastor” a seu significado essencial (alguém que se ocupa de ovelhas). Também devemos restringir o vocábulo “ancião” a seu significado básico (um homem idoso). Sem deixar de mencionar que é necessário fazer o mesmo com a palavra “provedor”  (alguém que provê cuidado aos outros).

 

     É importante levar em conta que todos os cristãos participam da liderança corporativa. Cada membro dirige quando exercita seu dom espiritual.  Como está demonstrado em Repensando os Odres, a direção e a tomada de decisões pertence a toda igreja. A supervisão vem dos anciãos na medida em que surgem (e isto leva um tempo). 

 
O rol dos Anciãos/Supervisores

     No idioma grego, ancião (presbíteros) simplesmente significa um homem idoso. Por conseguinte, um ancião é um santo maduro ou um irmão mais velho.

 

       Os anciãos do NT, por conseguinte, eram simplesmente homens espiritualmente maduros –Cristãos exemplares que supervisionavam (não controlavam nem dirigiam) os assuntos da igreja local.

 

      Os anciãos não eram figuras decorativas da organização, pregadores assalariados, clérigos profissionais nem altos funcionários eclesiásticos.  Simplesmente eram irmãos mais maduros (anciãos de fato) levando a cabo funções reais (pastor-eando, supervision-ando, etc.).

 

     Seu labor principal era triplo:  ser modelos de serviço na assembléia, motivar aos santos para as obras de serviço e modelar o desenvolvimento espiritual dos crentes mais jovens (1 Pe. 5:1-3). Os anciãos eram também os que lidavam com situações difíceis na igreja (Atos 15:6ss).

 

     Mas os anciãos nunca tomavam decisões pela igreja. Como descrevo em meu livro Repensando os Odres, o método do NT para a tomada de decisões não era ditatorial nem democrático, mas consensual e envolvia todos os irmãos e irmãs.

 

     Como vigilantes, os anciãos supervisionavam a obra dos demais (em vez de substituí-la). Oravam com os olhos abertos e tinham suas antenas espirituais constantemente erigidas para descobrir e enfrentar os lobos. Como homens de mais idade, sua sabedoria era procurada em tempos de crise, e quando falavam, suas vozes tinham o peso da experiência. 

 

     Dotados de um coração de pastor, os anciãos levavam continuamente as cargas da igreja. Ajudavam a guiar, proteger e alimentar os crentes mais jovens até que estes pudessem caminhar pelos próprios pés.

 

     Falando de maneira simples, os anciãos eram facilitadores espirituais que proporcionavam direção, abasteciam de alimento, e alentavam o compromisso entre os membros e a igreja.  Ser ancião, portanto, é algo que alguém faz em vez de um espaço que alguém ocupa ou uma cadeira que alguém senta.

 

     O NT confirma isto bem claramente; porque se Paulo e os outros apóstolos desejassem descrever os líderes da igreja como ocupantes de cargos oficiais, teriam a disposição numerosos termos gregos que poderiam ter utilizado para isso.

 

     Portanto, é bem significativo que os seguintes termos gregos estejam ausentes do vocabulário eclesiástico dos apóstolos:

     O NT nunca emprega nenhuma destas palavras para descrever líderes na igreja.  Como sucede com Cristo, a palavra favorita dos apóstolos para descrever líderes da igreja é diákonos  -que significa servidor ou ajudante. 

 

     A tendência de referir-se aos líderes-servos da igreja como ocupantes de cargos oficiais e clérigos profissionais contrasta com seu verdadeiro significado na linguagem bíblica e impossibilita o sacerdócio dos crentes.

 
O Problema do Moderno Rol Pastoral

     Pela mesma razão, a noção comumente aceita do “pastor único” (um só pastor) entra em choque com a noção do NT. Não há uma palavra na Bíblia que descreva alguém  no timão de uma igreja local, dirigindo seus assuntos, pregando a cada domingo, conduzindo batismos, e oficiando o serviço da comunhão (ou Ceia do Senhor).

     O “rol pastoral” profissional altamente especializado do moderno protestantismo é uma novidade pós-bíblica que evoca uma tradição sacerdotal inventada pelos homens.  Em sua essência é uma herança do romanismo (o sacerdote) que reflete os pobres e débeis elementos  da economia levítica. 

     O rol pastoral é tão pernicioso que perverte a muitos que ocupam tal posição. Os que são seduzidos por símbolos do êxito que rodeia o clericalismo profissional, sempre terminam sendo virtualmente corrompidos por ele. Deus nunca chama ninguém para que carregue sobre seus ombros o pesado encargo de ministrar as necessidades da igreja.

     Quiçá a característica mais desalentadora do moderno rol pastoral é que mantém na infância espiritual as pessoas que afirma servir. Na medida em que o rol pastoral usurpa o direito do crente de ministrar de uma maneira espiritual, termina deformando o povo de Deus, fazendo-o débil e inseguro.

 

     Claro que muitos que atuam neste rol o fazem por razões saudáveis, e não são poucos aqueles que desejam sinceramente que seus irmãos assumam uma responsabilidade espiritual.  (Muitos pastores vivem com esta frustração, mas poucos relacionam o problema com sua profissão).    

 

     Assim, pois, o moderno ofício de “pastor” sempre sufoca e arrebata o poder do sacerdócio dos crentes, sem levar em conta o quão fora de controle pode chegar a ser a pessoa que alcança esta posição. 

 

     Na medida em que o pastor assume a carga de trabalho, a maioria dos irmãos mergulha na passividade, pesarosos e egoístas deixam de crescer espiritualmente.  Desta maneira, é inevitável que pastores e congregações terminem igualmente convertendo-se em inválidos espirituais, inutilizados por este oficio antibíblico.

 

     O NT chama Paulo de “apóstolo”, Filipe de “evangelista”, Manaén de “mestre” e Agabo de “profeta”, mas nunca identifica  alguém como pastor!  De fato, a palavra “pastor” é utilizada apenas uma vez em todo o NT (veja Efésios 4:11). “Pastor” é usado como metáfora descritiva, nunca como  título ou oficio eclesiástico.  Isso não é levado em conta na prática comum. Em nossos dias o “pastor” é tido como a figura mais valiosa da igreja, e seu nome brilha com destaque nas igrejas em todas as partes da União Estadunidense.  (É de se perguntar porque os nomes dos outros ministérios não aparecem nestas luminárias quando o NT lhes outorga bem maior atenção).

 

     O rol pastoral moderno sufoca a Chefatura de Jesus Cristo e tem um efeito espiritual paralisante na igreja. Despoja-a de sua plena função sacerdotal (de todos os crentes) tão amada por Deus. Além disso, a própria presença do pastor dilui e afoga os crentes “ordinários”  que são igualmente talentosos para pastorear e ensinar o rebanho. (Não  percebem o fato de que a Bíblia ensina que cada igreja deve ter múltiplos pastores e que todos os membros têm a responsabilidade pastoral). 

 

 

     Tipicamente, se alguém, que não seja o pastor, se atreve a pastorear ou ensinar as ovelhas (mesmo se esse alguém é digno de confiança, maduro e espiritualmente inteligente), o pastor se sentirá ameaçado e o colocará de lado com o pretexto de “proteger” o rebanho.

 

     Sendo mais específico e direto, a idéia que se tem hoje em dia do “pastor” está bem distante do pensamento de Deus. Impõe à dinâmica da comunidade do NT a camisa de força do Antigo Testamento. 

 

     No obstante, apesar das tragédias espirituais que isto engendra, as massas continuam dependendo, defendendo e insistindo na existência deste rol tão antibíblico.  Por esta razão os chamados “leigos” são tão responsáveis pelo problema do clericalismo como o próprio “clero”. Como diz Jer. 5.31, “os profetas profetizam mentiras, os sacerdotes governam por sua própria autoridade, e o meu povo gosta destas coisas. Mas o que vocês farão quando tudo isso chegar ao fim?”

 

     Falando com toda franqueza, os cristãos preferem a comodidade de ter alguém de fora encarregado da responsabilidade do ministério e pastoreio.  Para eles, é melhor pagar um especialista religioso que atenda às necessidades dos irmãos, do que se molestar com as demandas espirituais do serviço e cuidado pastoral, coisas que podem colocar em risco a própria vida.

 

     As palavras do antigo profeta captam o desgosto do Senhor com esta maneira de pensar:  Eles instituíram reis sem o meu consentimento, escolheram líderes sem a minha aprovação.” (Ose 8:4a).

 

     À luz destes graves fatos, alguém pode perguntar inteligentemente como é que o moderno rol pastoral continua sendo a forma geralmente aceita de liderança na igreja de hoje.  A resposta está profundamente arraigada na historia da Reforma, e continua sendo reforçada pelos imperativos culturais atuais. 

 

     Nossa obsessão Ocidental no século XX por ofícios e títulos nos levou a contrapor nossas próprias idéias sobre ordem eclesiástica às do NT. Não obstante, o espírito e os valores das epístolas do NT militam contra a idéia do sistema de um único pastor, assim como do ancião, enquanto oficio.

 

     A Escritura igualmente milita contra o conceito de “pastor principal”, que consiste na prática comum de elevar um dos pastores (anciãos) a uma posição proeminente de autoridade.  Mas o NT em parte alguma aprova a noção de primos inter pares – “primeiro entre iguais”.  Certamente não de uma maneira oficial ou formal.

 

     Esta ruptura entre “o pastor” e os demais anciãos é um acidente da historia.  Na medida em que isto se encaixa perfeitamente bem com nossa maneira aculturada de pensar Ocidental, os crentes modernos não têm problema em crer que a Escritura ensina esta falsa dicotomia.

 

     Em suma, o moderno rol pastoral é pouco mais que uma mescla de liderança, administração, psicologia e oratória do tipo “um-pacote-para-tudo”; tudo em um único pacote para o consumo religioso.  Como tal, o rol sociológico do pastor, como se pratica no Ocidente, tem poucos pontos de contato com algo ou alguém do NT.

 

 

O Dramático Desprezo com que
o Novo Testamento Trata os Líderes

 

     As cartas de Paulo têm muito a dizer com respeito à importância de uma vida exemplar, mas não mostram interesse no cargo titular ou formal.  Este fato merece muito mais atenção do que até agora recebeu.

 

     Considere o que segue.  Cada vez que Paulo escrevia a uma igreja em crise sempre se dirigia à própria igreja em vez de dirigir-se a seus líderes. Esta prática é constante desde a primeira até a última de suas epístolas. (Note que as “Epístolas Pastorais” – 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito – foram escritas para os colaboradores apostólicos de Paulo e não para as igrejas).

 

     Permita-me repetir isso. Cada vez que Paulo escrevia uma carta a uma igreja, ela era dirigida a toda igreja. Paulo nunca escreveu a um líder ou a líderes! Gálatas 1: 1-2:  Paulo, apóstolo enviado, não por parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas por Jesus Cristo e por Deus. . . às igrejas da Galácia. 1 Tessalonicenses 1:1: Paulo, Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses...   2 Tessalonicenses 1:1: Paulo, Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses, em Deus nosso Pai e no Senhor Jesus Cristo... 1 Coríntios 1:1-2: Paulo, chamado para ser apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus. . . à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para serem santos, juntamente com todos os que, em toda parte, invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso. 2 Coríntios 1:1: Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à igreja de Deus que está em Corinto, com todos os santos de toda a Acaia. Romanos 1:1,7: Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus. .  . a todos que em Roma são amados de Deus e chamados para serem santos. Colossenses 1:1: Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, aos santos e fiéis irmãos em Cristo Jesus que estão em Colossos. Efésios 1:1  Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, aos santos e fiéis em Cristo Jesus que estão em Éfeso. Filipenses 1:1: Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os bispos (episkópois = vigilantes) e diáconos (diakónois = servidores).

 

     É notável observar que cada igreja a que Paulo escreveu estava em crise (exceto a de Éfeso). Não obstante, Paulo nunca recorre aos anciãos de nenhuma delas!

 

     Tomemos Corinto, por exemplo, a igreja com maiores problemas que se menciona no NT.  Em toda a correspondência aos Coríntios, Paulo não se dirige aos anciãos, nem lhes repreende, nem recomenda que se lhes obedeça.  De fato, nem mesmo os  menciona! 

 

     Em vez disso Paulo recorre a toda a igreja.  Lhes mostra que sua responsabilidade é tratar com as feridas que a igreja infringiu a si mesma.  Paulo encarrega e implora “aos irmãos” mais de trinta vezes em 1 Coríntios, e lhes escreve como se não existissem cargos oficiais.

 

     Se existissem cargos oficiais em Corinto, Paulo certamente se dirigiria a eles para que solucionassem os males.  Mas nunca faz isso.  No final da carta, conclama os Coríntios a se colocarem a disposição de Estefanas, que se havia dedicado a servir aos crentes. Em seguida, amplia este grupo, incluindo “todos os que cooperam e trabalham conosco”. (1 Cor. 16:15-16). 

 

     Note que Paulo enfatiza a função, nunca a posição. Dirige a ênfase a toda a igreja. A totalidade da carta aos Coríntios é uma súplica a toda a assembléia para que se encarregue de resolver seus próprios problemas.

 

     Provavelmente, o exemplo mais claro da ausência de anciãos-com-cargos-oficiais em Corinto se encontre em 1 Coríntios 5. Ali Paulo convoca toda a igreja para disciplinar um membro caído entregando-o a Satanás (1 Cor. 5:1ss.).  Sua exortação se opõe à idéia bem em voga de que apenas os que possuem “poder eclesiástico” estão qualificados para estas delicadas tarefas.

 

     A diferença na maneira com que Paulo considera aos anciãos e a forma como as igrejas modernas os consideram é extraordinária. Paulo não menciona os anciãos nem mesmo uma única vez em nenhuma de suas nove cartas às igrejas!  Incluindo seu tratado ultracorretivo aos Gálatas. Pelo contrário, Paulo persistentemente insta aos “irmãos” à ação.

 

     Na última carta que dirige a uma igreja, Paulo finalmente menciona os episcopos em uma saudação inicial, e de uma maneira bem breve. Saúda aos episcopos somente depois de saudar toda a igreja (Fil. 1.1).

      Esta tendência é notável no livro aos Hebreus. Ao longo de toda epístola o escritor se dirige a toda igreja. Somente no final da carta e de maneira informal pede aos santos que saúdem seus episcopos (Heb. 13:24).

     Em suma, a evidente falta de atenção que Paulo dá aos líderes da igreja demonstra que rechaçava a idéia de que certas pessoas na igreja possuíam direitos formais sobre outras. Também se destaca o fato de que Paulo não cria em cargos oficiais eclesiásticos.

 

     As cartas de Pedro ensinam o mesmo.  Como Paulo, Pedro escreve suas cartas às igrejas, e nunca a seus líderes. Concede um espaço limitado aos anciãos, e quando o faz, lhes adverte que não adotem o espírito dos Gentios.  Enfatiza especialmente que os anciãos estão em meio ao rebanho e não sobre ele (1 Pedro 5:1-2).

 

      Aos anciãos diz que não devem agir como dominadores (katakuriéuo) sobre os que estão a seu cuidado (1 Ped. 5.3).  De modo significativo, Pedro usa a mesma palavra que Jesus empregou em sua discussão acerca da autoridade. Estas foram exatamente Suas palavras: “. . . os governantes das nações as dominam (katakuriéuo). . . não será assim entre vocês” (Mat. 20:25).

 

     Encontramos esta mesma ênfase no livro de Atos. Ali Lucas conta a historia de como Paulo exortava aos anciãos de Éfeso: “cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho no meio do qual o Espírito Santo os colocou como episcopos...” (Atos 20:28 NASB).  Note que os anciãos estão “no meio”, e não “sobre” o rebanho.

 

     Tiago, João e Judas escrevem no mesmo tom.  Dirigem suas cartas às igrejas e não aos líderes. Tem bem pouco a dizer acerca da liderança e nada a dizer acerca dos anciãos como ocupantes de cargos oficiais.

 

      Por conseguinte, é bem claro que o NT rechaça sistematicamente a noção de cargos oficiais eclesiásticos na igreja. Nesta mesma linha minimiza grandemente o rol dos anciãos.

 
 Anciãos versus Irmandade

        Faríamos bem em perguntar a razão pela qual o NT concede tão pouco espaço aos anciãos das igrejas. A razão, quase sempre ignorada e que soa estranha aos ouvidos institucionais é simplesmente esta: a maior parte da responsabilidade do cuidado pastoral, do ensino e do ministério na ekklesia descansa diretamente sobre os ombros de todos os irmãos e irmãs! 

        As riquezas da perspectiva do Corpo de Cristo que emana da visão de Paulo se deriva de sua ênfase constante em que cada membro possui um dom do Espírito (1 Cor. 12:7,11), tem um ministério e é um “crente responsável” no Corpo (Rom. 12:6; 1 Cor. 12:1ss.; Efe. 4:7; 1 Ped. 4:10). Como conseqüência, a responsabilidade ministerial nunca deve estar restrita a alguns poucos. 

         Isto explica por quê a palavra adelfoi, traduzida como “irmãos”, aparece 346 vezes no NT e 134 vezes só nas epístolas de Paulo.  A maioria das vezes esta palavra é a forma abreviada que Paulo usa referindo-se a todos os crentes da igreja, homens e mulheres. Em contraste, a palavra “anciãos” aparece somente cinco vezes nas epístolas de Paulo. A palavra “episcopos” aparece nada mais que quatro vezes e a palavra “pastores” aparece apenas uma única vez!

         O NT enfatiza a responsabilidade coletiva.  É a comunidade crente que é chamada a levar a cabo as funções pastorais. Os irmãos e as irmãs (= toda a igreja) são chamados a: Organizar suas próprias questões (1 Cor. 11:33-34; 14: 39-40; 16:2-3); Disciplinar membros caídos (1 Cor. 5:3-5; 6:1-6); Admoestar indisciplinados (1 Tes. 5:14); Animar desanimados (1 Tes. 5:14); Apoiar débeis (1 Tes. 5:14); Abundancia na obra do Senhor (1 Cor. 15:58); Admoestação mútua (Rom. 15:14); Ensino mútuo (Col. 3:16); Profetização mútua (1 Cor. 14:31); Serviço mútuo (Gál. 5:13); Auxílio mútuo (Gál. 6:2); Preocupação mútua (1 Cor. 12:25); Amor mútuo (Rom. 13:8; 1 Tes. 4:9); Honra e preferência mútua (Rom. 12:10); Bondade e tolerância mútua (Efe. 4:32); Edificação mútua (Rom. 14:19; 1 Tes. 5:11b); Compassividade e paciência mútua (Efe. 4:2; Col. 3:13); Exortação mútua (Heb. 3:13; 10:25); Estímulo mútuo e amor pelas boas obras (Heb. 10:24); Ânimo mútuo (1 Tes. 5:11a); Oração mútua (Stg. 5:16); Hospitalidade mútua (1 Ped. 4:9); Comunhão mútua (1 Jn 1:7); Confissão mútua dos pecados (Stg. 5:16). Com dramática clareza, todas estas exortações “mútuas” encarnam a indiscutível realidade de que cada membro da comunidade deve assumir a responsabilidade do cuidado pastoral. A liderança é um assunto coletivo e não algo que alguém realiza sozinho. O Corpo como um todo deve assumir esta responsabilidade.

 

         Por conseguinte, a idéia de que os anciãos dirigem os assuntos da igreja, tomam decisões pela assembléia, tratam de todos seus problemas e provêem ensino, é algo alheio ao pensamento de Paulo. Semelhante idéia é uma fantasia e carece de respaldo bíblico. Não é de estranhar o atrofiamento da maturidade espiritual nas igrejas guiadas por anciãos, onde a maior parte dos membros se converte em espectadores passivos e indolentes.

 

         Em suma, o NT não contém uma só palavra acerca de uma igreja governada ou dirigida por anciãos. E menos ainda de uma igreja conduzida por um pastor! A igreja do primeiro século estava nas mãos de um coletivo composto por irmãos e irmãs. Pura e simplesmente.

 

         O exemplo da igreja primitiva nos mostra como o ministério de todo o Corpo deve sobrepujar o rol supervisor dos anciãos. Devido a sua maturidade espiritual, os anciãos representavam mais um modelo de cuidado pastoral (Atos 20:28-29; Gál 6:1; Heb. 13:17b). Sua meta, juntamente com os obreiros extra locais, era habilitar os santos para que assumissem sua responsabilidade a favor do rebanho (Efe. 4:11-12; 1 Tes. 5:12-13).  Os anciãos podem ser simultaneamente profetas, mestres e evangelistas; mas nem todos profetas, evangelistas e mestres são anciãos. (Uma vez mais, os anciãos são os homens mais confiáveis e maduros da igreja).

 

         O NT enfatiza a responsabilidade da igreja como um todo.  A liderança e a responsabilidade pastoral repousa sobre os ombros de cada membro da igreja, e não sobre as costas de determinada pessoa ou grupo. 

 

         Na eclesiologia divina, a irmandade preenche e suplanta o grupo de anciãos.  Isto explica por que as cartas de Paulo se tornam pesadas quando tratamos de forçar a idéia de títulos e cargos oficiais.  Paulo ensina a liderança coletiva e condena o caciquismo espiritual de uma chefatura suprema. Por esta razão, fala bem mais acerca da irmandade que dos anciãos.

 

         O testemunho do NT denunciando a autoridade posicional/hierárquica é evidentemente claro, e está em perfeita harmonia com o ensino de nosso Senhor Jesus. Como tal, a palavra final ao cristão com respeito às estruturas de liderança gentílicas e judaicas está encarnada na penetrante frase de nosso Senhor:  Não será assim entre vocês”. (Mat. 20:26).  Este é o eixo de toda a questão.