QUEM É TUA COBERTURA? (CAPÍTULO 2)

UMA ABORDAGEM AO CONCEITO DE LIDERANÇA, AUTORIDADE E RESPONSABILIDADE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

 

Por FRANK A. VIOLA

Traduzido para o Português por Railton de Sousa Guedes

Copyrights 2005 (Present Testimony Ministry)


 

1. Prólogo, Prefácio, Introdução, Modelos de Liderança

2. Objeções Tradicionais

3. Autoridade e Submissão

4. Cobertura Denominacional

5. Autoridade Apostólica I, II, III

6. Resumo, Conclusão e Bibliografia



OBJEÇÕES TRADICIONAIS

     Ao longo dos séculos, certas passagens do NT foram manipuladas para respaldar estruturas de liderança hierárquica e ofícios na igreja. Isto provocou muito dano no Corpo de Cristo.

     Como vimos no capítulo anterior, a ênfase do NT com relação ao ministério de liderança está na “ação” e no “funcionamento”, e não na “posição” e no “cargo”. De fato, na igreja primitiva não havia coisas como “ofícios eclesiásticos”.

     A noção de autoridade posicional/hierárquica é em parte resultado de traduções ruins e interpretações ainda piores de certas passagens bíblicas. Estas más traduções e interpretações resultaram da influência de diversos fatores culturais. Estes fatores  tergiversaram o significado original da linguagem bíblica. Transformaram simples palavras em títulos eclesiásticos carregados de poder.

     Assim, tais títulos não têm origem na Santa Escritura. Por isso é necessária uma releitura do NT em sua língua original para compreender adequadamente certos textos. Uma visita ao texto grego nos permite levantar sobriamente os seguintes fatos:

    

É com gratidão que vemos como um crescente número de eruditos do NT está descobrindo que a terminologia de “liderança” do NT possui matizes descritivos que denotam funções especiais na igreja, em vez de posições formais.

     O que segue é uma lista de objeções comuns que surgem a respeito da idéia de que liderança na igreja não é cargo oficial, título, nem posto hierárquico. Cada objeção é seguida por uma clara resposta.

Objeções do Livro de Atos e do Corpus Paulino


(1) Atos 1:20, Romanos 11:13, 12:4 e 1 Timóteo 3:1,10,13 não se referem a ofícios eclesiásticos?

     A palavra “ofício” [ou “cargo oficial”] em todas estas passagens é inapropriada, porque não há equivalente no texto original.  De fato, em nenhuma parte do texto grego do NT encontramos o equivalente a “oficio” sendo utilizado em conexão com algum ministério, função ou liderança na igreja.  A palavra grega para “oficio” se emprega unicamente referindo-se ao Senhor Jesus em Seu ofício de Sacerdote (Heb. 5-7). Também é usada referindo-se ao sacerdócio Levítico (Luc. 1:8).

     A versão inglesa King James [KJV] traduz equivocadamente Romanos 11:13: “. . . I magify mine office” [“enalteço meu oficio”]. A palavra grega aqui traduzida como “oficio” significa serviço, e não oficio.  Por conseguinte, uma melhor tradução de Romanos 11.13 seria, “... honro meu serviço [o ministério] (diakonía)”.

     De maneira semelhante, Romanos 12:4 seria mais bem traduzido assim: “...nem todos os membros tem a mesma função (praxis)”. No grego a palavra praxis significa uma atividade, uma prática ou função, em vez de um oficio ou posição (veja a Bíblia Textual [BT], a Nova Versão Internacional [NVI] e a Bíblia das Américas [BA]).

      Por último, 1 Timóteo 3:1 na KJV é traduzido assim: “If a man desires the office of a bishop...” [“Se um homem deseja o ofício de um bispo...”]. Mas uma tradução mais precisa seria: “Se alguém aspira vigiar...” (veja também a tradução da Bíblia de J.N. Darby).



(2)A lista de requisitos que Paulo apresenta nas Epístolas Pastorais, ou seja, 1 Timóteo 3:1-7 e Tito 1:7-9 não indica que ancião se refere a um ofício?

     As cartas de Paulo a Timóteo e a Tito foram denominadas “Epístolas Pastorais” no século XVIII (“Pastoral Letters”, Dictionary of Paul and His Letters, InterVarsity Press). Mas tal título não é correto.

      Timóteo e Tito nunca foram pastores! Eram colaboradores apostólicos normalmente itinerantes. Bem raramente se detinham em algum lugar por um longo período de tempo. (Por exemplo, Paulo enviou Tito a Creta e Timóteo a Éfeso para fortalecer aquelas igrejas e corrigir alguns problemas internos).

     Pelo fato de viajarem por diversos lugares plantando igrejas, Paulo nunca chamou Timóteo e Tito de anciãos ou pastores. Estes homens formavam parte do círculo apostólico de Paulo – um grupo que se destacou por suas contínuas viagens. (Rom. 16:21; 1 Cor. 16:10; 2 Cor. 8:23; 1 Tes. 1:1; 2:6; 3:2; 2 Tim. 2:15; 4:10).

     Tudo o que está escrito em 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito deve ser compreendido desta perspectiva.  Isto certamente explica algumas das diferenças entre tais epístolas e o restante das cartas de Paulo.  Em 1 e 2 Timóteo e Tito, a metáfora do Corpo está ausente por completo. Menciona-se ocasionalmente aos “irmãos”, e há pouca ênfase no mútuo ministério. 

     Pela mesma razão, nestas epístolas não encontramos nada parecido com um catolicismo nascente.  Mencionam o Espírito de Deus, assim como Seus dons, e afirma que os líderes devem lograr reconhecimento pelo seu exemplo, e não pelo fato de ocuparem alguma posição.

     O que temos nestes textos são, portanto, as qualidades essenciais de um verdadeiro vigilante, e não uma lista de requisitos necessários ao exercício de um oficio.

      A somatória de todas estas qualidades é: retidão moral e responsabilidade. Piedade e estabilidade.  As listas de Paulo, portanto, serviram meramente como guia para ajudar Timóteo e Tito a identificar e firmar guardiões [ou vigilantes] nas igrejas locais onde atuavam (1 Tim. 5:22; Tito 1:5).

     Ademais, o sentido destes textos em grego refere-se à função e não a ofícios.  Paulo não chama o viajante ou o guardião como “titular de um cargo”. Chama tais atividades como “nobre função” (1 Tim. 3:1b, NVI).  Por outro lado, em 1 Timóteo 5:17, emprega uma linguagem funcional quando recomenda que se honre aos anciãos que “orientam bem” e que “dedicam seus esforços” à proclamação e ao ensino.

     Por conseguinte, confundir os guardiões ou vigilantes mencionados nestes textos com os modernos “funcionários” eclesiásticos – como o atual pastor – é pura fantasia. Isto se deve a nossa tendência de impor sobre o NT nosso  convencionalismo organizativo.  É por causa de uma estrutura cultural absorvida que introduzimos esse sentido ao texto e nada mais.  Em suma, a linguagem da função em vez do ofício domina as “Epístolas Pastorais” assim como ocorre com as demais epístolas de Paulo.



(3) 1 Coríntios 12:28 diz: “E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente, apóstolos, em segundo lugar, profetas, em terceiro, doutores. . .” Não descreve este texto uma hierarquia de ofícios eclesiásticos?

     Esta pergunta revela nossa inclinação para ver a Escritura com as lentes contaminadas da hierarquia humana.  Insistir em que cada um destes itens deve ser compreendido em termos hierárquicos de um acima outro abaixo é uma mania peculiarmente estadunidense.  De forma que cada vez que encontramos no NT uma lista estruturada (como 1 Coríntios 12:28), parece que não podemos escapar de inferir que aquilo implica em una hierarquia.

    Indubitavelmente, nós ocidentais do século XX, gostamos de pensar em termos organizativos estilo organograma, mas a Bíblia nunca faz assim.  Pensar que toda lista estruturada que vemos na Escritura possui algum tipo de hierarquia velada é um pressuposto injustificado.

      Ver uma hierarquia no catálogo de dons de 1 Coríntios 12:28 é no mínimo uma má interpretação de Paulo, influenciada culturalmente. A questão das estruturas de autoridade não aparece em nenhuma parte deste texto.  Uma boa exegese desta passagem não nos conduzirá a qualquer idéia de hierarquia.  Somos nós que impomos tal idéia no texto!

     Uma leitura mais natural desta passagem indica que a ordem reflete uma prioridade lógica, nunca uma hierarquia. Em outras palavras, a ordem mostra alguns dons maiores no que diz respeito à edificação da igreja (compare com 1 Cor. 12:7,31; 14:4,12,26).  Esta interpretação harmoniza perfeitamente com o contexto imediato em que aparece (1 Cor. 12-14).

     Paulo está dizendo que dentro do âmbito da edificação da igreja, o ministério do apóstolo é fundamental.  Isto se deve ao fato dos apóstolos dar nascimento à igreja e a sustentarem durante seu desenvolvimento pré-natal. Os apóstolos revolvem a terra e plantam a semente da ekklesia. (A semente é Cristo). 

     Na medida em que os apóstolos cimentam a igreja, destacam primeiramente (cronologicamente) a obra da edificação da igreja (Rom. 15:19-20; 1 Cor. 3:10; Efésios 2:20). É significativo que ao mesmo tempo em que os apóstolos são colocados em primeiro lugar no esquema de formação da igreja, figuram no último lugar aos olhos do mundo – Mat. 20:16; 1 Cor. 4:9!

     Os profetas aparecem em segundo lugar na lista. Isto indica que seguem imediatamente aos apóstolos pelo que significam para a edificação da igreja.  Muita confusão (e abuso) rodeia a função de profeta.

     Em poucas palavras, os profetas provêem a igreja de visão e estímulo espiritual. Como os apóstolos, os profetas revelam o mistério do propósito de Deus para o presente e o futuro (Atos 15:32; Efésios 3:4-5).  Também arrancam pela raiz as ervas daninhas para que a igreja possa crescer livre de estorvos. 

     Os mestres são mencionados em terceiro lugar, indicando com isso que vem depois dos profetas no valor de seus dons no que diz respeito à edificação da igreja.  Os mestres colocam a igreja sobre um sólido terreno doutrinário e provêem instrução sobre os caminhos de Deus. Também pastoreiam aos santos em tempos difíceis.

     Continuando na metáfora, o mestre rega a semente e fertiliza a terra para que a igreja possa crescer e florescer. Se examinarmos o mestre de uma maneira cronológica, os mestres constroem a superestrutura da igreja depois de que os apóstolos e os profetas erigem o plano básico.

     Esta interpretação de 1 Coríntios 12:28 segue bem mais a linha do pensamento de Paulo, do que a idéia de una estrutura de mando hierárquica onde apóstolos  “fazem valer seus privilégios” sobre profetas - e profetas fazem o mesmo com os mestres.  Além disso, esta interpretação traz ao primeiro plano um importante principio espiritual:  a ausência de autoridade hierárquica não significa que todos os dons sejam iguais!

     Ao mesmo tempo em que o NT afirma que todos recebem dons e têm um ministério, também afirma que Deus distribui Seus dons de uma maneira variada (1 Cor. 12:4-6).  Cada dom é valioso para o Corpo de Cristo, e alguns dons são maiores que outros dentro de suas respectivas esferas (Mat. 25:14-15; 1 Cor. 12:22-24,31; 14:5).

     Isto não significa que aqueles que têm dons maiores têm autoridade maior (ou vice versa) em algum sentido formal.  Deus chamou a cada um de nós para uma obra diferente. E alguns têm dons maiores para tarefas distintas.

     Por exemplo, alguns são chamados para plantar igrejas. Outros, para o evangelismo local. E outros ainda recebem dons para mostrar misericórdia. Todos têm diferentes dons com diferentes responsabilidades. Alguns tem maior responsabilidade que outros (Rom. 12:6; Ef. 4:7).

     Dentro da esfera de nossos dons, cada membro é indispensável para a edificação geral da igreja – mesmo aqueles membros cujos dons não são externamente impressionantes (1 Cor. 12:22-25). Por conseguinte, cada cristão na casa do Senhor é responsável pelo uso e incremento de seus dons. Todos nós somos advertidos contra a tentação de enterrá-los por temor (Mat. 25:25).

     Em suma, a idéia de que 1 Coríntios 12:28 denota algum tipo de hierarquia eclesiástica carece de força argumentativa.  O texto tem em mente os dons maiores, considerados sob o pano de fundo da ordem cronológica da construção da igreja. Isto não aponta para coisas como a lei do mais forte de uma hierarquia eclesiástica ou para graus de autoridade que os cristãos devem escalar.



(4)  Atos 20:28, 1 Timóteo 5:17, 1 Tessalonicenses 5:12 e Hebreus 13:7,17,24 não mostram que os anciãos têm que governar a igreja?

     A palavra  “governar” nestes textos destoa com o restante do NT, além disso, não há um único termo semelhante a ele em todo o texto grego do NT.  Este é, sem dúvida, outro caso onde certas traduções confundem o moderno leitor pelo emprego de uma terminologia religiosa culturalmente condicionada.

     Vejamos agora cada passagem mencionada na objeção anterior. A palavra “governar” em Hebreus 13:7,17,24 é uma tradução do vocábulo grego grego hegéomai, que significa simplesmente guiar, conduzir ou seguir adiante.  F.F. Bruce, um profundo conhecedor do NT, em seu comentário à carta aos Hebreus traduz hegéomai como “guiar” (Epístola aos Hebreus, Ed. Nova Criação). Estes textos comunicam a idéia de “os que lhes guiam”, em vez de “os que lhes governam”.

      No mesmo sentido, em 1 Tessalonicenses 5:12, a palavra “presidir” (RV-1960) é uma tradução da palavra grega proístemi. Este termo sugere a idéia de estar à frente, supervisionar, guardar e prover cuidado.  Eruditos do NT como F.F. Bruce e Robert Banks explicam que este termo não tem a força técnica de uma designação oficial porque é usado como particípio e não como substantivo. Além disso, está colocado entre outros particípios que não designam caráter oficial (F.F. Bruce, 1 & 2 Thessalonians, WBC, Word; Robert Banks  Paul´s Idea of Community,  Hendrickson).

     Bruce traduz 1 Tessalonicenses 5:12-13 assim: “Agora lhes pedimos, irmãos, que reconheçam aqueles que trabalham arduamente entre vocês, que cuidam e instruem vocês no Senhor. Tenham alta estima por eles por causa de sua obra”.  Essa mesma palavra (proístemi) aparece novamente em 1 Timóteo 5:17 e também é traduzida incorretamente como “governar” nas traduções da RV-1960 e da BA.  Além disso, em Atos 20:28, o texto grego diz que os anciãos estão “entre” (no meio de) o rebanho e não “sobre” ele (como traduz a versão da NVI).

     O mesmo ocorre com a declaração de Paulo em 1 Timóteo 3:4-5. A menção de que os vigilantes ou supervisores devem “governar (proístemi) também sua própria casa” não se refere à sua habilidade para exercer poder.  Pelo contrário, tal passagem destaca sua capacidade na responsabilidade de supervisão e sustento aos demais.  A hora de fazer as coisas é o momento em que nosso caráter é mais severamente provado. É a isso a que Paulo se refere ao descrever o caráter dos vigilantes ou supervisores.

     Em todas estas passagens, a idéia básica é vigiar em vez de mandar. Supervisionar em vez de dominar. Facilitar em vez de ditar ordens.  Oferecer direção em vez de governo.

     O texto grego apresenta a imagem de alguém que está em meio ao rebanho, guardando e cuidando dele (como faria um servo eminente).  Evoca o pastor atento às ovelhas. Não o que as conduz por traz ou o que as governa por cima!

     Mais uma vez, o propósito do ensino apostólico demonstra sistematicamente que a idéia de Deus acerca da liderança na igreja entra em choque com o rol de práticas convencionais da liderança empresarial composta por altos executivos.



(5)  Não é verdade que Romanos 12:8 ensina que Deus dota alguns crentes para governar na igreja, porque Paulo disse, “o que preside [que o faça] com diligencia”?

     A versão bíblica inglesa KJV usa a palavra “ruleth” [“governa”] no texto. Mas a palavra grega que aparece aqui é proístemi.  Esta palavra alude ao que vigia e presta ajuda aos demais. Não se refere ao que os governa e controla.

     O texto é mais bem traduzido assim:  “...o que vigia e cuida, que o faça diligentemente”  A idéia de Paulo aqui é claramente de fervente cuidado em vez de poder ditatorial.



(6)   Atos 14:23 e Tito 1:5 ensinam que os anciãos são ordenados, isso não implica no estabelecimento de um ofício?

     Primeiramente, a menção de reconhecimento apostólico (nomeação) favorece mais a maneira funcional de pensar do que a interpretação posicional. Em Tito 1:5 a palavra traduzida como “designar” no grego é kathístemi e significa “por”.

     Em Atos 14.23, a palavra usada é jeirotonéo e significa “estender a mão”. Ambos trazem a idéia de reconhecer o que os outros já haviam aprovado. Estas palavras eram utilizadas desta forma na literatura do primeiro século, mesmo fora do NT.

     Segundo, não há a menor prova de evidencia textual que apóie a idéia de que o reconhecimento bíblico outorgue ou confira autoridade.  Paulo nunca concedeu autoridade para que alguém se colocasse acima do restante dos demais membros da comunidade.  O Espírito Santo é quem estabelece guardiãos (Atos 20:28).  Os anciãos existiam na igreja antes de serem reconhecidos externamente.

     O reconhecimento apostólico meramente torna público o que o Espírito Santo realiza.  A imposição de mãos é um sinal de comunhão, unidade e afirmação, não uma graça especial ou transmissão de autoridade. Por conseguinte, é um tremendo erro confundir reconhecimento bíblico com ordenação eclesiástica. A imposição de mãos não qualifica nenhum especialista religioso a fazer mais do que o restante dos mortais sem títulos pode fazer!

     Pelo contrário, o reconhecimento bíblico é simplesmente a confirmação externa efetuada pela igreja dos já comissionados pelo Espírito para uma tarefa específica.  Funciona como um testemunho visível de reconhecimento público.

     Nas modernas igrejas caseiras, o reconhecimento público funciona como um cavalo de Tróia.  Alguns homens simplesmente são incapazes de manejar este reconhecimento. Infla-lhes o ego. O título lhes provoca uma viagem ao poder. Pior ainda, transforma-os em poderosos monstros.

     Devemos recordar que no primeiro século havia obreiros itinerantes que reconheciam publicamente os guardiões (Atos 14:23; Tito 1:5). Por conseguinte, cabe aos obreiros de fora discernir o tempo e o método de como os guardiões devem ser reconhecidos. (Igrejas modernas caseiras, nunca se esqueçam disso!).

      O reconhecimento dos guardiões não deve ser imposto – quando eles emergem – pois se converterão em um molde rígido. Alguns plantadores de igrejas reconhecem diretamente os guardiões. Outros o fazem tacitamente. (Nesse aspecto, não há respaldo bíblico para anciãos auto designados ou designados pela congregação).

     A realidade é que quando reconhecemos anciãos na forma de cerimônias, licenças, títulos de seminário, eleição por votação, etc., falamos sobre coisas que a Bíblia silencia.

      Faríamos bem em não esquecer que embora exista o principio do reconhecimento de anciãos no NT, o método é aberto.  Sempre tem o sentido de reconhecer uma função dinâmica em vez de instalar um oficio estático.

     Ademais, se os anciãos são reconhecidos por obreiros de fora que conhecem bem a igreja, estamos em terreno Escritural seguro. Isto salvaguarda a igreja de ser controlada e manipulada por uma liderança auto imposta. Nomear anciãos de outra maneira é navegar à deriva, fora dos limites assinalados pela Bíblia.



(7)  Paulo não emprega a palavra “apóstolo” como um título oficial quando  se refere a si próprio?

     Contrariamente ao que atualmente se pensa, na maior parte de suas cartas, Paulo afirma implicitamente que não é um apóstolo profissional.  Embora torne pública sua função especial na saudação de suas epístolas (por exemplo, “Paulo, um apóstolo de Cristo Jesus”), Paulo nunca se identifica como “o apóstolo Paulo”.

     Esta é uma distinção significativa.  O primeiro caso descreve uma função especial baseada em uma comissão divina,  enquanto que no outro é um título oficial. 

     De fato, em nenhuma parte do NT encontramos que ministérios ou funções no Corpo sejam utilizados como títulos honoríficos pelos servos de Deus.  Os cristãos aficionados por títulos necessitam refletir seriamente sobre isto!



(8)  Efésios 4:11 não mostra uma corporação de clérigos quando diz, “Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores. . .”

     De maneira alguma.  Efésios 4 tem em vista aqueles dons que equipam a igreja para a diversidade do serviço (vv. 12-16).  Os dons enumerados no texto são na realidade pessoas dotadas para capacitar a igreja (vv. 8,11).  Estes são os dons que o Espírito Santo reparte a cada individuo como Ele quer (1 Cor. 12:11).

     Em outras palavras, Efésios 4 não trata dos dons dados a homens e mulheres. Trata de homens e mulheres providos de dons que são dados à igreja. Apóstolos, profetas, evangelistas e pastores/mestres são pessoas que o Senhor levantou e outorgou à igreja para sua formação, coordenação e edificação.

     Sua tarefa principal é nutrir a comunidade de crentes para que participem responsavelmente de acordo com os princípios divinos. O êxito desta tarefa se fundamenta na habilidade que possuem para capacitar e mobilizar os santos para a obra do ministério.  Desta maneira, os dons de Efésios 4 equipam (do grego: katartízo =  completar, preparar; e katartismós = capacitação, aperfeiçoamento) o Corpo de Cristo para que este leve a cabo o propósito eterno de Deus.

     Estes dons não são ofícios nem posições formais.  Tais termos gregos não constam do texto.  Trata-se de irmãos com dons “habilitadores” peculiares, dados para cultivar os ministérios de seus irmãos.

     Os apóstolos capacitam a igreja desde seu nascimento, ajudando-a até que possa caminhar pelos próprios pés (discutiremos a função apostólica com mais detalhes no cap. 5).

     Os profetas adestram a igreja falando a ela a palavra presente do Senhor, confirmando os dons de cada membro, preparando-a para as provas futuras. 

     Os evangelistas habilitam a igreja servindo como modelo na pregação das boas novas aos perdidos.  Os pastores/mestres instruem a igreja cultivando sua vida espiritual por meio da exposição da Escritura.

     Alguns crêem que pastores e mestres são dois ministérios separados, enquanto que outros os vêem como dimensões distintas do mesmo ministério.  Nesse último conceito, pastorear seria o lado privado deste ministério, enquanto que seria o lado público.

     Os ministérios de Efésios 4 (eventualmente chamados como “o quíntuplo ministério”) não equivalem a liderança da igreja.  Apóstolos, profetas, evangelistas e pastores/mestres podem ser anciãos ou não.

     Em suma, Efésios 4:11 não contempla coisas como clero assalariado, ministério profissional ou algum tipo de sacerdócio fabricado. Tampouco se refere a uma classe diferente de cristãos.  Assim como o catálogo de dons apresentados por Paulo em 1 Coríntios 12.28, Efésios 4 tem em vista funções especiais em vez de posições formais.



(9)  A menção de “governos” em 1 Coríntios 12:28 acaso não mostra que a igreja primitiva possuía ofícios eclesiásticos?

     O vocábulo grego traduzido por “governos” em diversas versões portuguesas é kubérnesis.  De acordo com o erudito Gordon Fee, “esta mesma palavra aparece  três vezes na versão LXX [Antigo Testamento Grego], trazendo consigo a idéia verbal de proporcionar ‘direção/orientação’ a alguém”.

     Dice Fee afirma que a palavra seria mais bem traduzida como “ato de guiar/orientar”. Bem provavelmente refere-se ao ato de aconselhar com sabedoria a toda a comunidade e não simplesmente aos indivíduos (Primera Epístola a los Coríntios, Ed. Nueva Creación, Buenos Aires, 1994, p. 704).

     Portanto, tratar de ver nesta palavra uma forma de política eclesiástica é injustificável e insustentável.  O único “governo” reconhecido pela ekklesia é o governo absoluto de Jesus Cristo (Isa. 9:6)!  Embora os supervisores proporcionem supervisão à igreja, eles não a “dirigem” nem a “governam”. O termo “governo”, portanto, é um vocábulo pobre para descrever algum dom espiritual na igreja.



(10)  A Bíblia não diz que Timóteo foi o “primeiro bispo ordenado da igreja de Éfeso” e que Tito foi ordenado como “o primeiro bispo da igreja Cretense?”.

     Algumas edições da KJV anexaram notas ao final das chamadas “Epístolas Pastorais”, mas tais notas não aparecem no texto Grego.  Foram inseridas pelos tradutores da KJV.

     Como já vimos, Timóteo e Tito jamais foram “bispos”. Nem mesmo pastores. Eram colaboradores de Paulo – plantadores de igrejas, consulte (Rom. 16:21; 1 Cor. 16:10; 2 Cor. 8:23; 1 Tes. 1:1; 2:6; 3:2; 2 Tim. 2:15; 4:10).

     Cumpre ressaltar que o episcopado monárquico (o sistema de bispos) se desenvolveu muito tempo depois que o NT foi escrito.  A evidencia histórica que sugere que Timóteo e Tito foram os “primeiros bispos” destas igrejas é tão escassa como a de que Pedro foi “o primeiro bispo” de Roma! Todas estas suposições entram em conflito com o relato do NT. São invenções humanas que não tem base bíblica.



(11)  Atos 15:22 menciona, “eleger varões dentre eles e envia-los”. Isto não implica na existência de uma autoridade hierárquica na igreja primitiva?

     A RV-1960 traduz este texto usando os termos “varões principais”, o que dá um sabor hierárquico.  Todavia, a palavra grega usada é hegéomai que significa simplesmente “conduzir” ou “guiar” (consulte a versão NVI).

     Este texto destaca o fato de Judas e Silas serem homens respeitados na igreja de Jerusalém.  Eram homens responsáveis, -provavelmente anciãos.  Por esta razão, a igreja de Jerusalém os selecionou como provisórios mensageiros à (compare com Prov. 10:26; 25:19).  Uma exegese que compreende este versículo de maneira hierárquica é arbitrária.



(12)  A metáfora de Paulo do Corpo de Cristo não demonstra que a autoridade funciona de uma maneira hierárquica?

  Ou seja, quando a Cabeça envia um sinal à mão, deve primeiro envia-la ao braço.  De modo que a mão necessita submeter-se ao braço para que possa obedecer à Cabeça.

     Qualquer um que esteja familiarizado com a anatomia humana sabe que a descrição anterior reflete um conhecimento incorreto do funcionamento do corpo físico. 

     O cérebro envia sinais diretos às partes do corpo que deseja controlar, através do sistema nervoso periférico. Deste modo, a cabeça controla todas as partes do corpo de maneira imediata e direta.  Não faz passar seus impulsos através de uma cadeia de comando recorrendo a outras partes do corpo.

     A cabeça não ordena à mão que diga ao pé o que ele deve fazer. Pelo contrário, a cabeça está conectada a cada parte do corpo. Por esta razão, a aplicação adequada da metáfora do Corpo preserva a verdade simples de que há apenas uma Autoridade na igreja – Jesus Cristo. Todos os membros estão sob Seu controle direto e imediato.

     A este respeito, a Bíblia é clara como cristal quando ensina que Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e os homens (1 Tim. 2:5).  Embora o Velho Pacto tivesse mediadores humanos, o Novo Pacto não os possui.  Como participantes do Novo Pacto, não necessitamos de um mediador que nos diga como conhecer o Senhor. Todos os  que estão sob este pacto o conhecem diretamente - “desde o menor até o maior” (Heb. 8:6-11). 

     É a mútua sujeição e não a submissão hierárquica o que produz a coordenação adequada do Corpo de Cristo. (Este tema será tratado de maneira mais completa no próximo capítulo).



(13)  Todo corpo físico tem uma cabeça. Por conseguinte, cada corpo local de crentes necessita de uma cabeça. Se não tem uma, haverá caos. Os pastores são as cabeças das igrejas locais. São pequenas cabeças sob o comando de Cristo.

     Esta idéia é produto da imaginação do homem caído. Não há nenhuma peça de apoio bíblico a esta idéia. É pura fantasia! A Bíblia jamais se refere a um ser humano como “cabeça” de alguma igreja. Este título pertence exclusivamente a Jesus Cristo. Ele é a única Cabeça de cada assembléia local. Por conseguinte, os que afirmam ser cabeças das igrejas pretendem suplantar a Chefatura executiva de Jesus Cristo!

Objeções de Outros Documentos do NT

(1)  Mas Hebreus 13:17 não ordena obediência e sujeição a nossos líderes, implicando assim que os líderes na igreja possuem uma autoridade de ofício?

     Novamente, consultar o texto grego resulta na maior utilidade.  A palavra que traduzida como “obedecer” em Hebreus 13:17 não é a palavra grega (hupakoúo) muito usada no NT para referir-se à obediência, mas o vocábulo peítho que  significa persuadir e conseguir.  Devido ao fato desta palavra aparecer na entonação mediana/passiva neste texto, deve ser traduzida assim: “deixai-vos persuadir pelos que os guiam”.

     Trata-se de uma exortação que dá peso à instrução dos obreiros (e possivelmente guardiões locais). Não é uma exortação para uma obediência cega. Ela implica em poder persuasivo para convencer e conseguir, sem coerção, força, intimidação, obrigação ou submissão.  Nas palavras do especialista em grego W. E. Vine, “a obediência sugerida [em Hebreus 13:17] não é submissão à autoridade, mas resultado da persuasão” (W. E. Vine, Diccionario Expositivo, Caribe, 1999, p. 594).

     Além disso, o verbo traduzido como “sujeitar” nesta passagem é a palavra hupeiko. Que traz consigo tanto a idéia de ceder, retirar-se, como de render-se depois de uma batalha.  Os que se ocupam da supervisão espiritual não exigem submissão.  É necessária nossa concordância.

     Somos incentivados a nos predispormos a favor do que eles dizem. Não por causa de um ofício externo que ocupam, mas por seu caráter piedoso, maturidade espiritual e serviço sacrificado a favor dos santos.

     Em outra palavras, Hebreus 13:7 exorta-nos a “imitar sua fé” a considerar “qual foi o resultado de sua conduta”.  Se assim fizermos, poderão levar a cabo mais facilmente a tarefa de supervisão espiritual a que Deus os chamou para executar (v. 17).



(2)  A Bíblia ensina que os que velam pelas almas da igreja terão que dar contas a Deus. Isso não significa que tais pessoas têm autoridade sobre as demais?

     Hebreus 13:17 diz que os que provêem supervisão são responsáveis perante Deus por sua tarefa.  Diante da avançada maturidade e dotação espiritual que possuem, Deus lhes deu a responsabilidade de cuidar de seus irmãos.  Mas não há nada no texto que estipule que eles possuem alguma autoridade especial sobre outros cristãos! (Veja o ponto anterior).

     Ser responsável não equivale a ter autoridade.  Todos os crentes são responsáveis diante de Deus (Mat. 12:36; 18:23; Lucas 16:2; Rom. 3:19; 14:12; Heb. 4:13; 13:17; 1 Ped. 4:5).  Isto não significa que tem alguma autoridade especial sobre os demais.



(3) Quando Jesus recomenda Seus discípulos obedecer aos escribas e fariseus pelo fato destes se sentarem na ‘cadeira de Moisés’ Êle não dá respaldo à autoridade oficial?

     De forma alguma. Jesus repreende aos escribas e fariseus por assumirem uma autoridade institucional que não possuíam. Mateus 23:2 diz, “Na cátedra de Moisés se sentaram os escribas e os fariseus”.

     Nosso Senhor estava expondo somente o fato de que os escribas e Fariseus eram mestres auto nomeados que estavam usurpando autoridade e se colocando acima do povo (Mat. 23:5-7; Luc. 20:46).  Sua declaração era uma observação, e não um respaldo. 

      O Senhor deixou inequivocamente claro que apesar de sua pretensão diante dos homens, os escribas e os fariseus não tinham absolutamente nenhuma autoridade (Mat. 23:11-33). De fato, ensinavam a Lei de Moisés, mas não a obedeciam (vv. 3b, 23:23).

     Visto deste prisma, o versículo que segue que diz: “Fazei e guardai, pois, tudo quanto vos dizem...” (v.3) não pode ser entendido como uma carta branca ao ensino farisaico. Esta interpretação contradiz por completo o versículo que segue (v.4). Também contradiz a outras muitas passagens onde encontramos Jesus resolutamente arrebentando o ensino farisaico - e exortando seus discípulos a fazerem o mesmo (Mat. 5: 33-37; 12:1-4; 15: 1-20; 16:6-12; 12:1-4; 19: 3-9; etc!)

       Além disso, esta frase (no v. 3) deve ser interpretada tendo em mente a referência do Senhor à “cadeira de Moisés”. A “cadeira de Moisés” é uma referência literal a um assento especial colocado em cada sinagoga donde se liam ao povo as Escrituras do Antigo Testamento (E. L. Sukenik, Ancient Synagogues in Palestine and Greece,  British Academy). 

     Cada vez que os escribas e Fariseus se sentavam no “assento de Moisés”, liam abertamente à Escritura.  Na medida em que a Escritura possuía autoridade, era obrigatória a leitura a partir desta cadeira (apesar da hipocrisia dos leitores).  Esta é a essência da declaração de Jesus.  A lição é que se algum hipócrita e suposto mestre lesse a Bíblia, o que dizia acerca dela teria autoridade.

     Afirmar que a partir das palavras de Mat. 23:2-3, o Salvador outorga Sua aprovação à autoridade oficial, é o mesmo que dizer que Jesus pode ser substituído pelo Papismo Romano. Esta falsa interpretação não pode seguir o mesmo ritmo que o contexto da passagem, e não reflete nada dos Evangelhos.



(4)  O NT Grego não apóia a idéia de que a igreja legitima clérigos e leigos?

     A dicotomia clero/leigos é um trágico erro que percorre toda historia da cristandade.  Embora seja verdadeiro o fato de que multidões tenham optado pelo caminho largo do dogmatismo e defenda essa postura, esta dicotomia carece de sustento bíblico.

     A palavra “leigo” deriva da palavra grega laós, que significa “povo”.  Laós inclui todos os cristãos.  O vocábulo aparece três vezes em 1 Ped. 2:9-10 onde Pedro se refere ao “povo (laós) de Deus”.  O termo laós no NT nunca se refere apenas a uma parte da assembléia.  Apenas a partir do Século III passou a assumir outro significado.

     O termo “clero” tem suas raízes na palavra grega kléros que significa “porção ou herança”.  A palavra é empregada em 1 Ped. 5:3 onde Pedro instrui aos anciãos que não apossem da herança (kléros) de Deus. É surpreendente que a palavra nunca é utilizada referindo-se aos líderes da igreja. Como ocorre com laós, kléros refere-se também ao povo de Deus, porque este é Sua herança.

     De acordo com o NT, portanto, todos os Cristãos são simultaneamente “clérigos” (kléros) e “leigos” (laós). Somos a herança do Senhor e o povo de Deus. Em outras palavras, o NT não dispõe de clérigos; torna clérigo todo crente!

     Em suma, não há um único indício do esquema clero/leigo e ministro/leigo na história, ensino e vocabulário do NT.  Este esquema constitui uma falsa dicotomia.  É um artefato religioso que derivado da ruptura pós-bíblica entre o secular e o espiritual.

     Na dicotomia secular/espiritual, a fé, a oração e o ministério são considerados como propriedade exclusiva de um mundo interno e sacrossanto. Um mundo que está completamente separado do tecido da vida.  Mas tal separação é completamente alheia ao caráter distintivo do NT que afirma que todas as coisas glorificam a Deus, incluindo as coisas de nosso viver diário  ( 1 Cor. 10:31).



(5)  Os sete anjos das sete igrejas do livro do Apocalipse não validam a presença de um único pastor em uma igreja local?

     Os primeiros três capítulos do Apocalipse constituem uma base frágil  sobre a qual se possa construir a doutrina do “pastor único”. Em primeiro lugar, a referência aos anjos destas igrejas é crítica.  João não oferece chave alguma no que diz respeito a que igrejas se refere.  Os eruditos não estão seguros do que simbolizam.  (Alguns crêem que a passagem literalmente se refere a anjos. Outros acham que se refere a mensageiros humanos).

     Em segundo lugar, em nenhuma parte do NT há nada que se assemelhe à idéia do “pastor único”, nem há texto algum que vincule pastores com anjos.

     Em terceiro lugar, a idéia de que os sete anjos são os “pastores” das sete igrejas entra diametralmente em conflito com outros textos do NT.  Por exemplo, Atos 20:17 e 20-28 revelam que na igreja de Éfeso havia muitos apascentando a igreja de Deus, e não apenas um.  O mesmo ocorria em todas as igrejas do primeiro século. Cada igreja tinha vários anciãos (veja Repensando os Odres).

     Por conseguinte, sustentar a doutrina do “pastor único” a partir de uma obscura passagem do Apocalipse é recorrer a uma exegese torpe e descuidada. Repito, não há apoio para o moderno sistema do pastor nem no Apocalipse nem em qualquer outro documento do NT.

Objeções do Antigo Testamento

(1)  Em Êxodo 18, Moisés estabelece uma hierarquia de governantes sob sua autoridade para ajudar guiar o povo de Deus.  Não constitui isto um modelo bíblico para a liderança hierárquica?

     Se lermos cuidadosamente o relato, descobrimos que foi Jetro, o sogro pagão de Moisés, quem concebeu esta idéia (Êxodo 18:14-27).   Não há evidencia Bíblica sugerindo respaldo divino a isso.  Na realidade, o próprio Jetro admitiu que não estava seguro se Deus apoiaria sua idéia (Êxodo 18:23).

     Posteriormente, nas viagens de Israel, Deus dirigiu Moisés para que tomasse um rumo diferente com respeito ao problema da supervisão.  O Senhor mandou que comissionasse anciãos para que lhe ajudassem a levar o peso da responsabilidade (Números 11:16).

      Esta estratégia era orgânica e funcional, marcadamente diferente da noção de Jetro de uma hierarquia composta de muitos estratos de dirigentes.



(2)  Não é verdade que Moisés, Josué, Davi, Salomão, etc, revelam a perfeita vontade de Deus de ter um único líder sobre Seu povo?

      De maneira alguma.  Moisés e qualquer outro líder do AT, não foram nem ao menos sombra do Senhor Jesus Cristo.  Não eram do tipo pastor único dos tempos modernos inventados durante a Reforma.

     Para ser mais específico, o rol do episcopado monárquico remonta ao Catolicismo nascente e tem suas raízes nos ensinos de Inácio de Antioquia e Cipriano de Cartago. Mas não chegou a ser aceito amplamente até os séculos III e IV.  Durante a Reforma, o rol de bispos e sacerdotes se transformaram no pastor Protestante.

     Deus sempre quis infundir una teocracia em Israel. Uma teocracia é um governo onde Deus é o único Rei.  Embora Deus tenha atendido ao desejo carnal do povo de ter um rei terreno, isso nunca foi Sua suprema vontade (1 Sam. 8:5-9).

     Não obstante, o Senhor seguiu agindo a favor de Seu povo sob o reinado humano. A presença do reinado humano resultou em terríveis conseqüências.  Da mesma maneira, em nossos dias, Deus opera por meio de sistemas imperfeitos, mas estes sempre limitam Sua operação.

     O desejo eterno do Senhor para com Israel era que vivesse e servisse sob Seu direto domínio (Êxodo 15:18; Núm. 23:21; Deut. 33:5; 1 Sam. 8:7); que fosse um reino de sacerdotes (Êxodo 19:6), e que em tempos de crise estivesse sujeito a homens mais sábios e de mais idade (anciãos) (Deut. 22:15-18; 25:7-9). 

      Mas o que Israel perdeu por sua desobediência, a igreja ganhou (1 Ped. 2:5,9; Ap. 1:6).  A verdade é que, tragicamente, muitos cristãos têm optado por regressar ao sistema de governo religioso do antigo pacto – apesar de Deus tê-lo desmantelado há muito tempo.

     A única maneira possível de realizar a idéia divina de liderança e de autoridade é através da presença do Senhor no interior dos Seus.  Já que a habitação do Espírito não foi experimentada durante os dias do Antigo Testamento, Deus condescendeu com as limitações de Seu povo.

     É por esta razão que vemos Israel muitas vezes abraçando modelos hierárquicos de liderança. Mas quando chegamos à era do NT, aprendemos que o Cristo que vive no interior é a porção de todos os filhos de Deus.  É precisamente esta porção que faz com que a igreja se eleve ao nível sobrenatural do “sacerdócio de todos os crentes”. Neste nível, os estilos de liderança hierárquica, titular e oficial tornam-se obsoletos e contraproducentes.



(3)  No Salmo 105:15, o Senhor diz “Não toqueis nos meus ungidos e não maltratem os meus profetas” Isso não quer dizer que alguns cristãos (p. ex. os profetas) possuem uma autoridade indiscutível?

      Sob o Antigo Pacto, Deus ungiu especialmente aos profetas para que fossem os portadores de Seus oráculos.  Falar contra eles era falar contra o Senhor.  Mas no Novo Pacto, o Espírito é derramado sobre todo o povo de Deus.  Todos os que recebem a Cristo (o Ungido) estão ungidos pelo Espírito Santo (1 Jn. 2:27) – e todos podem profetizar (Atos 2:17-18; 1 Cor. 14:31).

     Desta maneira, a oração de Moisés de que todo o povo de Deus receberia o Espírito e profetizaria foi cumprido desde Pentecostes (Núm. 11:29; Atos 2:16-18). Lamentavelmente, líderes clericais e auto proclamados “profetas” têm abusado e usado indevidamente o Salmo 105:15 para controlar o povo de Deus e desviar as críticas. 

     Mas esta é a verdade: Já que todos os cristãos foram ungidos pelo Espírito, todos podem profetizar (Atos 2:17-18; 1 Cor. 14.31). Sob o Novo Pacto, “Não toqueis nos meus ungidos”  equivale a “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Deus” (Efésios 5:21), porque a unção do Espírito veio sobre todos os que crêem no Messias.

     Por conseguinte, “não tocar no ungido de Deus” se aplica hoje a cada cristão! Negar isto é negar que todos os cristãos tem a unção (1 João 2:20,27).

O Problema de Uma Má Tradução

     Considerando os pontos anteriormente mencionados, alguns poderão perguntar a razão da Versão Autorizada Inglesa (KJV) obscurecer tantos textos relacionados com o ministério e a supervisão.  Ou seja, porque a KJV repetidamente inserta termos hierárquicos/institucionais (como “oficio”) que não estão presentes nos documentos originais? 

     A resposta deriva do fato de que foi a igreja anglicana do século XVII que publicou a KJV. Esta igreja vinculou rigidamente a Igreja com o Estado e fundiu burocracia com cristianismo.

     Esta é a história. O Rei James VI da Escócia havia ordenado a tradução que leva seu nome (King James Version = KJV).  Procedeu assim em seu papel de cabeça da Igreja Anglicana – a Igreja Estado da Inglaterra.  Ordenou a cinqüenta e quatro eruditos que realizassem a tradução e que durante todo o projeto não se apartassem da “terminologia tradicional”.   (The Christian Baptist 1, Nashville: The Gospel Advocate Co., 1955, pp. 319-324).

     Por esta razão, a KJV naturalmente reflete proposições hierárquicas/institucionais do Anglicanismo.  Palavras tais como ekklesia, epískopos e diákonos não foram traduzidas fielmente do grego.  Pelo contrário, foram traduzidas empregando o ranço eclesiástico daqueles dias: Ekklesia = igreja. Epískopos = bispo. Diákonos = ministro. Praxis = ofício. Proístemi = governo. Apesar da KJV original de 1611 passar por várias revisões desde 1769, estes erros nunca foram corrigidos.

     Graças a Deus, algumas traduções modernas têm procurado corrigir este problema retirando muitos dos termos eclesiásticos encontrados na KJV, e têm traduzido fielmente as palavras gregas de acordo com seus significados originais: Ekklesia = assembléia, Epískopos = guardião ou vigilante. Diákonos = servidor. Praxis = função. Proístemi = cuidado. 

     Desafortunadamente, muitas traduções modernas ainda conservam o sabor oficial tão presente na KJV.  É por esta razão que escrevi este capítulo




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