QUEM É TUA COBERTURA? (CAPÍTULO 4)

UMA ABORDAGEM AO CONCEITO DE LIDERANÇA, AUTORIDADE E RESPONSABILIDADE NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

 

Por FRANK A. VIOLA

Traduzido para o Português por Railton de Sousa Guedes

Copyrights 2005 (Present Testimony Ministry)


 

1. Prólogo, Prefácio, Introdução, Modelos de Liderança

2. Objeções Tradicionais

3. Autoridade e Submissão

4. Cobertura Denominacional

5. Autoridade Apostólica I, II, III

6. Resumo, Conclusão e Bibliografia



CAPÍTULO 4

 

COBERTURA DENOMINACIONAL

 

     O moderno sistema denominacional aceita a divisão do corpo de Cristo. Muitos cristãos crêem que as denominações nos protegem do erro. Mas isto é uma ilusão.

     A “cobertura denominacional” está edificada sobre a idéia de que se eu pertenço a uma denominação cristã, estou de alguma forma magicamente “coberto” ou “protegido” do erro.  O fato dos membros do sistema denominacional rotineiramente se extraviarem é prova de que tal idéia é uma farsa. A noção de que “estou coberto” porque presto contas a algum indivíduo ou a alguma organização remota (como a igreja Católica Romana presta conta ao Papa) é pura ficção.

     A única proteção do erro está na submissão ao Espírito da verdade  no Corpo de Cristo (1 Jn. 2:20,27). A idéia de Deus referente à responsabilidade de prestar contas vai da pessoa para com o grupo de crentes, não de pessoa para pessoa!  A proteção espiritual vem de nossa relação com o Espírito e de nossa conexão com outros cristãos.  Aqui está a raiz da natureza da comunidade cristã.

     Por contraste, o complicado e regulamentado sistema denominacional de prestação de contas de cima para baixo substitui a mútua sujeição. Em outras palavras, o denominacionalismo obscurece a sujeição mútua com a neblina do moderno clericalismo e com o calor dos debates entre facções.

 

A Tirania do Status Quo

     Se você duvida que o sistema denominacional seja baseado em um controle hierárquico de direção, investigue. Se fizer isso, verá os motores da retórica clerical funcionando a todo vapor.

     A espantosa verdade é que os que questionam a autoridade clerical fazem estremecer o sistema religioso como um todo. Tornando-se vítimas de difamação e calúnia.

      Se você for uma dessas pessoas, prepare-se para ser chamado de “herege”, “agitador”, “perturbador”, “rebelde” e “revoltado”. A retórica religiosa foi planejada para sufocar a reflexão. Seu propósito é tirar do caminho aqueles que honestamente divergem do status quo.

      Por conseguinte, a casa de Deus sofre por causa dos que alimentam um espírito de censura. Padece nas mãos dos que expulsam da sinagoga do Senhor aqueles que são preciosos a Seus olhos. É atribulada pelos que fecham a porta da casa aos membros da família (3 Jn. 9-10).

     Os que usurpam autoridade se regalam de elogios eloqüentes sobre como salvaguardam as ovelhas de Deus dos perigos do isolamento. Argumentam que as seitas se multiplicam porque alguns se separam do Corpo de Cristo. Mas aqui está a ironia: As denominações fazem exatamente isso!

     A  “cobertura denominacional” se parece muitíssimo com a noção nociva da liderança amo/escravo que caracteriza as modernas seitas.  Nas denominações, os membros seguem sem reservas a um único líder ou organização. Contrariando o princípio bíblico da mútua sujeição que enfatiza a submissão de uns para com os outros que se opõe à obediência inquestionável a um líder humano ou organização hierárquica.

     Para destacar um ponto sensível dessa temática, o ensino da “cobertura” é muitas vezes utilizado como um laço para capturar aqueles que não se encontram sob alguma bandeira denominacional.  A “cobertura” constitui uma arma nas mãos de grupos religiosos partidários para assegurar o terreno teológico.  Esta arma foi utilizada pela intolerância e pelo fanatismo sectário que fratura a comunhão do povo de Deus – destroça o Corpo de Cristo – e estilhaça a igreja. 

     Em suma, o moderno pântano denominacional contamina a paisagem cristã, convertendo o “Corpo” em uma entidade tragicamente dividida com uma tradição que o estrangula. Os defensores do denominacionalismo crêem que este sistema é útil.  Em sua opinião, as diferentes denominações representam as distintas partes do Corpo de Cristo. 

     Mas o sistema denominacional é alheio ao NT e incompatível com a unidade cristã. Está baseado em divisões biblicamente injustificáveis (1 Cor. 1-3).  Com efeito, o denominacionalismo deriva de una visão fracionada do Corpo de Cristo. (Veja meu livro, Repensando os Odres, para mais detalhes).

 

O Governo da “Igreja Mãe”

     Cada igreja nascida nos primeiros dezessete anos a partir de Pentecostes foi engendrada da igreja de Jerusalém.  Mas estas novas igrejas não tinham uma relação formal nem subordinada com Jerusalém.  Nesse aspecto, o NT sempre descreve igrejas autônomas (independentes) mas fraternalmente relacionadas.

     Isto significa que na mente de Deus, cada igreja é uma na vida com todas as demais igrejas. Mas cada igreja é independente, auto governada, e é responsável apenas diante de Deus em suas decisões.  Portanto, o conceito de “igreja mãe” que governa a partir de uma sede denominacional é baseada em uma interpretação distorcida da Escritura. Claramente sectária!

     Nosso Senhor nunca quis que as igrejas locais se agregassem sob uma sede denominacional, sob uma super federação ou associação diocesana.  O princípio Escritural afirma que cada igreja é independente em sua supervisão e em sua tomada de decisões.  (Considere as palavras de nosso Senhor às sete igrejas da Ásia. Ele trata cada assembléia de acordo com seus problemas peculiares – Ap. 1-3).

     Este princípio também brota nas epístolas de Paulo. Nelas, o apóstolo trata cada igreja como um organismo autônomo auto governado.  De acordo com Paulo, cada igreja é diretamente responsável para com Deus e presta contas diretamente a Ele (Efésios 5:24; Col. 1:9-10).

     Portanto, é um erro crasso manter igrejas locais vinculadas a um federalismo religioso.  O correto é colocar cada igreja sob a mesma Cabeça. Todas elas são uma única vida.  Por esta razão, cada igreja deve cooperar com as demais, aprender delas e auxiliar-se mutuamente (Atos 11:28-30; Rom. 15:25-29; 2 Cor. 8:1-14; 1 Tes. 2:14).  Esta era a prática das igrejas primitivas (Rom. 16:1; 1 Cor. 16:19; 2 Cor. 13:13; Fil. 4:22). 

     Ao mesmo tempo, cada igreja é obrigada a abraçar a tradição que os apóstolos estabeleceram para “cada igreja” (1 Cor. 4:16-17; 7:17; 11:16; 14:33; 16:1; 1 Tes. 2:14).  Se uma igreja funciona por conta própria em uma linha meramente individualista no que diz respeito a suas práticas eclesiásticas, isto significará que se separaram do principio Divino.

     De acordo com o princípio Divino, cada igreja  deve desenvolver sua própria supervisão, ministério e testemunho único. Por outro lado, deve haver relação espiritual e auxílio entre as igrejas.

     Cada igreja responde diretamente à sua Cabeça (Cristo) e está sob Seu imediato controle. Cada uma mantém uma forte independência local em seus assuntos.  Isto significa, entre outras cosas, que é antibíblico que una igreja dirija ou discipline outra igreja. Todavia, cada igreja deve receber ajuda e estímulo das outras igrejas.

     Na mente de Deus, uma igreja não tem o direito de regular, controlar ou intrometer-se nos assuntos, ensinamentos ou práticas de outra assembléia. O sistema denominacional viola todos estes princípios.

     A unicidade e a relação das igrejas preserva o testemunho de que o Corpo é uno. A independência e a autonomia das igrejas preserva o testemunho de que a Cabeça é soberana.

 

O Tema de Atos 15

     Como contra argumento, alguns adotam Atos 15 como o precedente Bíblico de uma “igreja mãe” que governa. Mas uma análise cuidadosa deste texto mostra decisivamente que trata-se de uma aplicação injustificada que notoriamente destoa do restante do NT.  A primeira vista, pode parecer que Paulo e Barnabé foram até a igreja de Jerusalém porque esta teria uma autoridade unilateral sobre qualquer outra igreja.  Todavia, esta noção vem abaixo quando o capítulo é lido em seu conjunto.

     A história é essa. Alguns da igreja de Jerusalém levaram um ensino errôneo à igreja de Antioquia. Paulo e Barnabé foram instados a visitar Jerusalém para tomar conhecimento do assunto. Por quê? Porque tal ensino originou-se em Jerusalém (Atos 15:1-2,24). 

     Se o falso ensino houvesse saído da igreja de Antioquia, Paulo e Barnabé tratariam do assunto ali.  Como a doutrina saiu da igreja de Jerusalém, os dois homens foram a Jerusalém para saber quem introduziu o falso ensinamento.  Também queriam deixar claro que nem os anciãos nem os apóstolos o aceitavam.

      Quando chegaram, os membros da igreja que ensinaram aquela doutrina foram identificados (15:4-5).  Isso levou a igreja a um concílio. Resultando que os santos de Jerusalém repudiassem publicamente aquela doutrina (15:6ss.).

     A decisão do concílio incluiu a aprovação dos doze apóstolos, dos anciãos e de toda igreja, que circulou nas igrejas gentílicas. As coisas foram feitas desta maneira com a finalidade de alertar as demais igrejas a respeito da temática.  Esta decisão teve a autoridade de Deus porque foi inspirada pelo Espírito Santo (15:28), e porque foi tomada pela igreja (15:23,28,31).

     Tratar de ver algo além neste relato evidencia o erro de não levar seriamente em conta os aspectos históricos específicos que estão por trás da narrativa.  Muitos, em vez de buscar o sentido e a direção original do texto, utilizam essa passagem para introduzir argumentos próprios.  Portanto, a idéia de uma “igreja mãe” autoritária carece de fundo Escritural, e o relato do primeiro século não a sustenta. 

     Não há dúvida de que a igreja de Jerusalém foi amada, apreciada e auxiliada pelas demais igrejas (Rom. 15:26-27; 2 Cor. 9:11-13).  Porém não há nada no NT que nos leve a crer que ela possuía uma autoridade suprema, nem que as demais estivessem subordinadas a ela.  Pelo contrário, cada igreja era autônoma e diretamente responsável diante de Deus. Nenhuma igreja estava subordinada a outra.

     O sistema denominacional é uma cópia defeituosa do exemplo Escritural e viola o princípio espiritual. O denominacionalismo fragmenta o Corpo de Cristo e é a causa de sectarismo religioso. Aliena a família de Deus. Desintegra a estrutura de nossa irmandade espiritual convertendo-a em um interminável amontoado de divisões religiosas. Engendra na família de Cristo milhares de grupos que se enfrentam mutuamente.

 

O Denominacionalismo é Contraproducente

     Outro problema oriundo do moderno sistema denominacional é que ele arrebenta aquilo que afirma proteger e preservar.  Derruba eficazmente aquilo que pretende edificar!   O denominacionalismo Protestante, como as típicas práticas sectárias e tortuosas do Catolicismo Romano, se deteriorou a ponto de converter-se em uma instituição humana que vomita despotismo contra seus dissidentes. Defende solicitamente seus adeptos, enquanto condena os demais por supostas violações doutrinais.

     É por esta razão que Paulo repreende os cristãos de Corinto contra o partidarismo e as divisões (1 Cor. 1:11-13; 3:3-4).  Hoje em dia não é menos escandaloso o ato de violentamente impor à família de Deus a camisa de força do partidarismo denominacional.  Incidentalmente, muitas das igrejas chamadas não-denominacionais, inter-denominacionais e pós- denominacionais são tão hierárquicas e sectárias como as grandes e antigas denominações.  Estas também pertencem ao “sistema denominacional”.

      Na verdade é surpreendente a forma como o sistema denominacional realmente perpetua a heresia – aquilo que se propõe refrear. Vale a pena pensar nisto.  Se a natureza autônoma de cada igreja fosse preservada, a propagação do erro seria quase sempre localizada.  Mas quando uma sede denominacional se infecta de um falso ensinamento, cada igreja conectada com ela abraça a mesma falsidade. É assim que a heresia se difunde!

     A autonomia de cada igreja dificulta o surgimento de algum falso mestre ambicioso que tome o controle de um grupo de igrejas.  Também é virtualmente impossível emergir a “figura de um Papa”. Diferente de uma denominação, onde todas as igrejas relacionadas ficam em pé ou caem. 

     Não é difícil provar que formar uma denominação é cometer uma heresia.  O pecado da heresia [Grego: hairesis] consiste em seguir os próprios dogmas. Deste modo, uma pessoa pode ser um herege com respeito à verdade se a usa para fraturar o Corpo de Cristo. As denominações são formadas quando alguns se separam do Corpo de Cristo para seguir suas doutrinas ou práticas favoritas.

     Embora a igreja institucional se jacte de estar “coberta” por uma denominação, na realidade nela se permite menos “prestar contas” cara a cara do que nas modernas igrejas moldadas segundo o padrão do primeiro século. Na típica igreja evangélica, se diz que o pastor “cobre” a congregação.  Mas na maior parte das igrejas deste tipo, o grosso da congregação mal conhece o pastor! E menos ainda uns aos outros!

   Não raramente os “cristãos praticantes” trocam apenas três frases em um típico culto dominical.  Mas em uma igreja que segue o modelo do NT, todos os irmãos se conhecem estreitamente, inclusive os obreiros de fora que ajudam a igreja (1 Tes. 5:12a).

     Em suma, a “cobertura denominacional” é artificial, e está confinada aos limites seguros de sua própria e inerente superficialidade.  Mas o desejo de Deus é que Seu povo encarne os valores da vida e do ensino de Seu Filho em uma comunidade onde possam estar na intimidade, cara a cara.  De fato, este desejo constitui o mais precioso em Seu eterno propósito (Efe. 2:18-3:11).

      Em suma, a sujeição mútua mantém a igreja como uma comunidade estreitamente unida. A “cobertura” denominacional a converte em uma sociedade hierárquica!

 

Uma Palavra Acerca da Ortodoxia Cristã

     Não há dúvidas de que o mero emprego de estruturas eclesiásticas tradicionais como o sistema do pastor protestante,  o sistema sacerdotal do Catolicismo Romano e o sistema denominacional da cristandade, jamais poderá salvaguardar o povo de Deus do erro doutrinal.  É grande o número de igrejas independentes que se apartaram da ortodoxia cristã, e muitas denominações guiadas por clérigos seguiram pelo mesmo caminho. A Sociedade da Torre de Vigia [“Testemunhas de Jeová”], e Caminho Internacional, Igreja da Unificação e dos Santos dos Últimos Dias [“Mormons”], são exemplos disso.

     Além da mútua sujeição, o ensino cristão histórico com respeito às doutrinas essenciais da fé, exerce um papel crucial guardando a assembléia local no caminho Escritural.  Através dos séculos, os cristãos tem preservado as crenças centrais de nossa fé.  Estas crenças tem se estruturado na forma de credos, em meio a um sem número de heresias doutrinais. 

     Credos como o de Nicea, o Credo dos Apóstolos e outros mais, representam a voz unificada da igreja histórica com respeito aos elementos essenciais de nossa fé. Dão testemunho das verdades fundamentais do cristianismo. Por exemplo, que Jesus Cristo é Deus e homem, que nasceu de uma virgem, que foi crucificado por nossos pecados, e que ressuscitou em forma corporal.

     Estes credos não pertencem a nenhuma denominação ou tradição eclesiástica em particular. Pelo contrário, são herança de todos os genuínos crentes. Refletem adequadamente a voz da igreja ao longo de sua história. Sem dúvida, a linguagem utilizada nestes credos é arcaica, mas seu significado evidencia um  sadio ensinamento bíblico.

     Em outras palavras, os Credos Ecumênicos encarnam o que C. S. Lewis chamava de nada mais que cristianismo, -- “a crença que tem sido comum a quase todos os cristãos em todos os tempos”.  (Uma versão mais antiga da mesma idéia foi expressa por Vicent de Lérins com estas palavras: “O Cristianismo é o que tem sido conservado sempre, em todas as partes e por todos”).

     Enquanto os credos por si mesmos forem suficientemente persuasivos para não conduzir ao erro doutrinal, eles servem como sinais de alerta sobre desvios do ensino cristão. 

     Embora os credos não devam ser vistos como declarações teológicas perfeitas, funcionam como diretrizes historicamente comprovadas que orientam nossa fé comum.  Os credos não substituem a Escritura, nem estão isentos de serem ampliados ou melhorados. Na medida em que são adequadamente manejados, ajudam a salvaguardar a ortodoxia.

     Por conseguinte, os credos históricos são instrumentos úteis que herdamos de nossos antepassados espirituais em sua busca por seguir fielmente a Cristo.  É um grave erro depreciar  indiscriminadamente sua contribuição simplesmente porque alguns deles participaram da “igreja organizada” de seus dias.

     Não devemos esquecer que o mesmo cânon da Escritura que todos temos em tão alta estima foi defendido e formalmente compilado por aqueles que estavam dentro das estruturas eclesiásticas institucionais.  Isto não lhes impediu de unir suas vozes com a voz dos apóstolos com respeito aos sagrados oráculos de Deus.  Recordemos que o Corpo de Cristo inclui todos os Cristãos de qualquer época –sem importar as estruturas eclesiásticas às quais pertenceram.

     O chamado a resgatar a ecologia da igreja do NT não inclui uma convocatória para reinventar a roda religiosa em cada tema teológico.  Tampouco inclui uma negação a tudo aquilo que foi transmitido por nossos antepassados espirituais. 

     A melhor coisa a fazer é ficar ao lado de toda voz do passado que permaneceu fiel à revelação apostólica – não importa a que segmento da igreja histórica tenha pertencido. A igreja primitiva estava arraigada no fértil solo da verdade cristã. Permanecer nesse solo requer que estejamos sobre os ombros dos que nos antecederam.




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