RECONSIDERANDO
O
ODRE
(primeira parte)
A prática
da igreja
neotestamentaria
Revisado
e Publicado pelo Coletivo Periferia
São Miguel Paulista, São Paulo - SP
RECONSIDERANDO O ODRE:
PRÁTICA DA IGREJA neotestamentária
Publicado pelo
Coletivo Periferia
SãoMiguel
Paulista, São Paulo
Direitos reservados
Primeira edição em
português 2005.
© 2005 por Present
Testimony Ministry
Todos os direitos
reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida por meios mecânicos
nem eletrônicos, nem com fotocopiadoras, nem gravadoras, nem de nenhuma outra
maneira, exceto para passagens breves como resumo, nem pode ser guardada em
nenhum sistema de recuperação, sem a permissão escrita do autor.
Originalmente
publicado em inglês com o título:
Rethinking The
Wineskin
Por Present
Testimony Ministry
Brandon, Florida
1998.
Traduzido eletronicamente
do espanhol para o português e revisado por Railton de Sousa Guedes
This book is dedicated to a beautiful girl who lives in Brandon, Florida. This corporate woman embodies the truths found in this book. By her life, she proves them to be heavenly realities and not the theories of men.
CONTEÚDO
Prólogo
Prefácio
Introdução: Necessidade de um novo odre
Introdução: Necessidade de um novo odre
1. Propósito da reunião eclesial
2. O objetivo da reunião eclesial
3. Localização da reunião eclesial
5. A liderança da igreja local: Quem eram eles?
6. A liderança da igreja local: Como dirigiam eles?
Bibliografia
PRÓLOGO
Esta obra, Reconsiderando o
odre, de Frank A. Viola, é parte de uma longa e distinta série de exposições
que descrevem o estilo de vida que caracterizava a igreja neotestamentária
e seu efeito sobre nós no dia de hoje. Vozes como a de Frank expressam a
marca da igreja neotestamentária —a igreja é um corpo, uma família e uma
noiva. Na realidade, a igreja neotestamentária é relacional.
É inegável o fato da igreja neotestamentária
ser relacional. Contudo, livros como este de Frank Viola, a muitos tem causado
comoção. As igrejas que a maioria de nós freqüentamos, têm pouco ou nada
em comum com o estilo de vida que caracterizou a igreja neotestamentária.
Longe de ser um corpo ou uma família, para a maior parte de nós a igreja
é uma organização ou uma instituição. Dificilmente poderia ser mais conspícuo
o contraste que há entre a forma institucional da igreja contemporânea e
a forma relacional da igreja neotestamentária.
Com freqüência a igreja institucional
sabe, pelo menos vagamente, que a igreja neotestamentária era algo muito
diferente, mas, não obstante , segue alegremente em seu caminho, fazendo
caso omisso do jeito dos primeiros crentes serem igreja. Ela pode inclusive
alegar que a Bíblia é sua única autoridade em "fé e prática", e contudo
ignorar virtualmente sua autoridade prática com respeito à prática da igreja.
Isso pode ser intencional. Mas o que frequentemente ocorre é que esse impulso
surge mais por ignorância, já que as igrejas institucionais são em muitos
aspectos como trens. Vão em certa direção, e continuarão indo nessa direção
por um tempo bem longo, ainda que todas as mãos tratem de detê-las.
Como ocorre com respeito aos trens,
as opções para mudar a direção das igrejas institucionais ainda são, na
melhor das hipóteses, limitadas. Se se dispõe de uma alavanca de câmbio
ou de um desviadouro, o trem poderia mudar de direção; caso contrário, simplesmente
segue os trilhos em que vai. Portanto, todos os que se encontram a bordo
do mesmo confiam fortemente que estão no trem certo que segue rumo à direção
correta.
As igrejas relacionais, como as
do Novo Testamento, são diferentes. Essas igrejas não são trens, senão grupos
de pessoas que saíram para caminhar. Tais grupos se movem bem mais lentamente
do que os trens —só alguns quilômetros por hora no máximo, mas podem virar
num momento. Mais importante ainda, podem ser genuinamente solícitos para
com o mundo que os rodeia, para com seu Senhor e uns para com outros.
Como os trens, as igrejas institucionais
são fáceis de achar. Sua fumaça e seu ruído são inconfundíveis. As igrejas
relacionais são um pouco mais sutis. Devido a que não anunciam sua presença
com luzes intermitentes em cada cruzamento, alguns crêem que as igrejas
como essas do Novo Testamento há muito desapareceram. Mas nada poderia estar
mais longe da verdade. Por toda parte há igrejas relacionais. Eu pessoalmente
venho congregando com uma por mais de vinte anos. No entanto, grupos como
o nosso caminham juntos calmamente, sem se preocupar em atrair uma indevida
atenção sobre nós, porque somos simplesmente peregrinos que caminham juntos.
Contudo, uma vez que você aprende
a distinguir uma igreja relacional, em breve descobrirá por toda parte grupos
de pessoas que se congregam exatamente como fazia a igreja neotestamentária
—como um corpo, uma família e uma noiva- e funcionando melhor do que em
uma instituição. Eu pessoalmente sei de vintenas delas; e, coletivamente,
esses grupos sabem de centenas ou mesmo milhares. São simplesmente grupos
de pessoas que caminham com Deus. Os trens os ultrapassam o tempo todo.
Às vezes, pessoas que seguem a bordo desses trens lhes sinalizam;
as vezes não conseguem porque o trem se move tão rápido que aqueles que
caminham a apenas alguns quilômetros por hora não passam de vultos imprecisos.
Mas tudo isto está no livro de
Frank. Seu enfoque é pertinente —didático e espiritual ao
mesmo tempo. Isso lhe permite revelar a igreja neotestamentária e seu efeito
sobre nós de uma forma distintiva. Evitando os mecanismos de publicação
convencionais pôde disponibilizá-lo a um preço acessível.
Se você está num desses grupos
de pessoas que agora caminham por aí como uma igreja relacional, Reconsiderando
o odre lhe dará uma nova apreciação de suas raízes na assembléia neotestamentária.
Se você está num dos trens que passam zumbindo velozmente, poderá resultar-lhe
um pouco surpreendente descobrir que algumas desses imprecisos vultos coloridos
que vê pela janela, são grupos de pessoas que caminham com Deus. Essa coisa
que você acaba de ver passar era outra igreja relacional.
Hal Miller
Salem, Massachusetts
PREFÁCIO
Nas páginas seguintes me proponho
reconsiderar a provocante questão de como ‘fazemos’ igreja no século vinte.
Minha intenção ao fazer isto é dupla: 1) apresentar o ensino bíblico relativo
à vida da igreja neotestamentária àqueles que não estão familiarizados com
ela, e 2) cultivar um mais profundo entendimento de como a prática da igreja
concerne ao propósito eterno de Deus no Ungido.
Ao longo deste livro, ao mencionar
‘igrejas institucionais’ estarei me referindo àquelas igrejas às quais a
maior parte das pessoas está familiarizada. Poderia chamá-las com a mesma
facilidade ‘igrejas de alvenaria, ‘igrejas basílicas’, ‘igrejas tradicionais’,
‘igrejas organizadas’, ‘igrejas dominadas pelo clero’, ‘igrejas contemporâneas’,
‘igrejas baseadas em programas’, etcétera. Apesar do fato do termo usado
por mim ser uma ferramenta lingüística inadequada, é, ao que parece, a que
melhor capta a essência da maioria das assembléias modernas de hoje.
Pois bem, antes que um sociólogo
objete o uso que faço do termo ‘institucional’, admito prontamente que todas
as igrejas, inclusive as que eu endosso como ‘igrejas neotestamentárias’,
assumem algumas instituições. Sociologicamente falando, uma instituição
é toda atividade ou organização humana normada, destinada a realizar um
propósito dado. (Assim, por exemplo, o observar a Ceia do Senhor a cada
semana, tecnicamente a qualificaria como uma instituição). No entanto, neste
livro eu uso a frase ‘igreja institucional’ num sentido bem mais limitado.
Concretamente, refiro-me àquelas igrejas que funcionam principalmente como
instituições que existem acima de, além de, e independentemente de seus
membros individuais; que estão organizacionalmente centradas em pastores
e juntas profissionais; estão estruturadas mais por meio de programas que
mediante relações; e estão unificadas sobre a base de doutrinas ou práticas
especiais.
Por contraste, neste livro desejo
promover uma visão da igreja que é de construção orgânica, de funcionamento
relacional, de forma bíblica, de operação cristocêntrica e de unificação
corporativa. Expressado em forma singela, o propósito deste livro é descobrir
um modo novo e fresco do que significa ser a igreja do ponto de vista
divino.
Para aqueles que nunca leram nada
que tenha desafiado sua noção de ‘igreja’, este livro pode explodir como
uma bomba. Para aqueles que ainda não se encontram preparados para fazer
uma honrada e rigorosa apreciação da igreja contemporânea, esta explosão
lhes terá de resultar potencialmente desagradável. No entanto, para aqueles
que têm a suficiente ousadia de submeter toda prática ao escrutínio da revelação
bíblica, de sair dos limites seguros da religião tradicional e de menosprezar
o compromisso, as explosivas verdades que se apresentam neste livro podem
muito bem liberá-los e trazê-los a uma nova dimensão de realidade espiritual.
Diante da plétora de livros escritos
sobre a igreja neotestamentária, que já abarrotam as estantes das bibliotecas
dos seminários e dos sebos, talvez alguns se perguntem por que vejo a necessidade
de adicionar outro mais ao montão. Pois, simplesmente, porque creio que
o valor deste livro está principalmente em seu enfoque. Isto é, que nele
tento combinar tanto a natureza celestial como a espiritual
do propósito de Deus no Ungido, com as dimensões práticas e terrenais
da vida eclesial. Enquanto nuns poucos livros se tentou analisar o anterior
à luz do último (muitos dos quais lamentavelmente se esgotaram), neste livro
tento apresentar o último através do lente do primeiro. Em outras palavras,
neste livro tento explorar consenciosamente a prática da igreja neotestamentária
dentro do contexto do propósito eterno de Deus. Nele tento preservar um
saudável equilíbrio entre o aspecto teológico da igreja e suas dimensões
práticas. Expressado em forma simples, este livro é uma modesta tentativa
de apresentar velhas verdades desde ângulos novos.
Na medida em que não sou em sentido
algum um especialista em eclesiologia (o estudo teológico da igreja), o
que escrevi saiu de minha própria investigação bíblica, bem como de minha
experiência em reunir-me por todo o país com muitas igrejas que se congregam
à maneira que descrevo neste livro Portanto, os mais importantes conceitos
que apresento neste livro não ficaram no âmbito da teoria. Vieram a luz
por uma visão espiritual e foram levados à prática em forma cristã. Pelo
mesmo motivo, o que ofereço nestas páginas não é a polida obra de um erudito
profissional, mas a obra toscamente lavrada de um crente comum que tanto
reconsiderou como repraticou a igreja durante anos. Ademais, devido a que
este não é um tratado erudito, optei por citar de modo informal minhas fontes
(conquanto, as publicações mais importantes das que cito estão registradas
numa extensa bibliografia ao final deste livro).
Por último, sou grato a um número
incontável de preciosos irmãos e amigos de confiança que tiveram uma influência
positiva no que toca a esta obra, sendo os principais Hal Miller, Russell
Lipton, Stephen Kaung, Robert Banks, Christian Smith, Jon Zens, George Moreshead,
Russ Ou’Connor, Howard Snyder, Dão Mayhew, Robert Long, Chris Kirk e David
Hebden, contemporâneos, bem como T. Austin-Sparks, Watchman Nee e G.H. Lang,
do passado.
Ofereço este livro como parte da
ininterrupta obra do Mestre Arquiteto, o Senhor Jesus Cristo, que ainda
nesta hora continua edificando sua igreja com as pedras vivas que são os
isentados.
Frank A. Viola
Brandon, Florida
Janeiro de 1997.
INTRODUÇÃO
NECESSIDADE DE UM NOVO ODRE
Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha;
pois o remendo forçará a roupa, tornando pior o rasgo. Nem se põe vinho
novo em vasilha de couro velha; se o fizer, a vazilha rebentará, o vinho
se derramará e a vasilha se estragará. Ao contrário, põe-se vinho novo em
vazilha de couro nova; e ambos se conservam. (Mateus 9:16, 17)
Em nossos dias o tema da ‘renovação da igreja’ brota prodigamente dos lábios de incontáveis cristãos. Não podemos ir muito longe no mundo cristão de hoje, sem ouvir uma exortação sobre a necessidade de uma maior unidade no Corpo do Ungido, a importância do sacerdócio de todos os crentes, a urgente necessidade de destruir todas as barreiras feitas pelo homem, a crescente demanda de um poder espiritual mais pleno, e o radical chamado ao evangelismo mundial.
Embora nenhum destes temas seja novo nem original, atualmente os mesmos estão chamando a atenção de muitos cristãos modernos. Estas modernas correntes de renovação espiritual não estão fluindo exclusivamente de nenhuma linha específica do Corpo do Ungido em particular. Mais que isso, estão sendo proclamadas através das linhas denominacionales e tradicionais. Na realidade, estes realces bíblicos de renovação eclesial refletem o genuíno movimento do Espírito de Deus entre seu povo. São canais do vinho, do vinho novo, que em nossos dias representa a vida e o ministério do Espírito Santo no mundo.
Mas o depoimento do Espírito Santo também está indicando algo mais —algo que toca uma nota mais profunda. Mediante uma voz mais aprazível, ainda que não menos fervente, Deus está convidando a sua amada noiva a que examine, com frescor, o próprio contexto em que ela assume que tenha de ocorrer a renovação espiritual. Assim, emergindo no horizonte religioso se pode detectar uma corrente mormente oculta, mas crescente, de cristãos comuns e correntes, a qual Deus está usando para requerer a Sua igreja (a igreja do NT) a que retorne à simplicidade e à vitalidade das práticas neotestamentárias.
Portanto,
o presente ônus do Espírito Santo está centrado desprender o povo de suas
incrustadas tradições humanas concernentes ao governo, a prática e a organização
da igreja, e fazer voltar a igreja ao completo senhorio do Senhor Jesus
Cristo. Para dizê-lo de outro modo, o Espírito de Deus não só está falando
do vinho; também está falando a respeito do odre.
Sem dúvida alguma, a corrente atual que põe ênfase na renovação espiritual e no poder apostólico, é deveras genuína e conserva um discernimento bíblico. Contudo, este outro rio de vida, cujo tom distintivo é a recuperação da prática e vida apostólicas, está abrindo canais mais profundos para o propósito eterno de Deus. Ainda que esta última corrente seja menos abrangente e importuna do que a anterior, não obstante reflete os mais profundos anseios do bendito Salvador por seu Noiva. Não pode haver uma plena recuperação do poder apostólico, se primeiro não houver um resgate da prática e vida apostólicas.
A
história da igreja está cheia de exemplos que demonstram como praticamente
toda renovação passada foi plena de obstáculos, pelo vinho novo ser rotineiramente
reenvasado em odres velhos. Ao dizer odres velhos, refiro-me a essas estruturas
eclesiásticas tradicionais que foram copiadas seguindo o velho sistema religioso
judeu —um sistema que separava o povo de Deus em duas classes diferentes,
requeria a presença de mediadores humanos, erigia edifícios sagrados e punha
ênfase nas formas externas. As facetas do odre velho são muitas: a distinção
clero/leigo, a reunião eclesial de estilo espectador/ator, o sistema de
pastor único, o culto de adoração programado, o sacerdócio passivo, o complexo
de edifícios, etc. Todas estas facetas representam formas veterotestamentárias
em vestimentas neotestamentárias.
Em conseqüência, o presente clamor do Espírito Santo por uma genuína renovação, não virá ser nunca uma realidade para aqueles que ignoram sua concomitante voz com respeito à demanda de um novo odre —algo que represente o odre novo que foi criado e formado por aqueles a quem o Senhor Jesus lhes confiou o vinho novo de seu Espírito.
Ainda que não poucos supuseram que Deus deixou o odre da prática eclesial mormente aos desejos pragmáticos de homens bem intencionados, o Senhor não nos deixou a nós mesmos o que diz respeito à prática de sua igreja. Muito com freqüência esquecemos que a igreja pertence a Jesus Cristo e não a nós! Igual que no tipo veterotestamentário, nem um prego do tabernáculo foi deixado à imaginação do homem. Antes, a casa teve de ser edificada "conforme o modelo" dado de cima.
Não digo isto para sugerir que o Novo Testamento nos proporciona um rigoroso, minucioso e meticuloso plano para a prática da igreja. De fato, é um crasso erro tratar de obter das epístolas apostólicas um inflexível código de regras escrito para a ordem eclesial, que seja tão inalterável como a lei dos medos e persas (um código escrito semelhante pertence ao outro lado da cruz). Por outra parte, o Novo Testamento obviamente proporciona vários princípios e práticas claramente definidos, que têm de reger a casa espiritual de Deus. E são estes princípios e práticas que compreendem o ‘modelo divino’ para a ekklesia (igreja).
Nisto reside o objetivo do presente livro: é uma tentativa de proporcionar uma descrição do odre que Deus ordenou que contenha seu vinho novo. Cada capítulo pinta um aspecto da assembléia local como vem representada no bojo do Novo Testamento. E fundamentando cada pincelada, há um solene argumento para reconhecer os soberanos direitos do Senhor Jesus sobre sua casa.
Não sejamos tão néscios a ponto de supor que se retemos os velhos odres de nossa preferência, poderemos guardar o vinho novo do Espírito de Deus. Como nosso Senhor declarou, quando os homens jogam vinho novo em odres velhos, "os odres se rompem, e o vinho se derrama". É nosso desejo que o Senhor trate radicalmente com nosso coração, para que recebamos humildemente o novo veio que Ele está tentando derramar, bem como que também o ajuste à forma do odre que Ele preparou. De fato, esta é a única maneira pela qual podemos assegurar a plena liderança do Ungido (como Cabeça) em sua igreja. Por contraste, nossa recusa em nos desprender de nossos velhos odres seguirá limitando sua mão soberana e contristando seu terno coração.
Que
o Senhor nos ajude a reconsiderar seriamente o odre.
CAPÍTULO 1
O PROPÓSITO DA REUNIÃO ECLESIAL
O grande expositor bíblico, Martyn Lloyd-Jones, disse certa vez: "Estamos vivendo uma era irremediavelmente inferior à norma neotestamentária —contentes com uma bonita religiãozinha". Tendo esta consideração em mente, iniciamos nossa análise da prática da igreja neotestamentária examinando para que se reunia a igreja primitiva. Qual era o propósito da reunião eclesial neotestamentária?
Note você que quando uso o termo ‘reunião eclesial’, uso-o num sentido muito limitado. Na Bíblia se descrevem vários tipos diferentes de reuniões em que os cristãos primitivos se congregavam (reuniões de oração, reuniões evangelísticas, reuniões ministeriais, reuniões apostólicas, concílios eclesiásticos, etcétera). Ao dizer ‘reunião eclesial’, estou-me referindo à reunião especial da assembléia local que se descreve em 1 Coríntios 11—14. De acordo com o registo bíblico (Atos 20:7) como com a história da igreja , parece que essa reunião ocorria no primeiro dia da semana.
Antes
de explorar o propósito da reunião eclesial neotestamentária, examinemos
primeiro para que se reúne hoje em dia a maioria dos cristãos enquanto ‘igreja’.
Basicamente, há quatro razões para isso: 1) a adoração corporativa, 2) fazer
evangelismo, 3) escutar um sermão, ou 4) confraternizar. Por muito estranho
que pareça, no Novo Testamento nunca se visualiza nenhuma destas
razões enquanto propósito central da reunião eclesial.
O Lugar da Adoração, do Evangelismo,
da Pregação e da Confraternização
Segundo
o Novo Testamento, a adoração é algo que vivemos. É a manifestação de nossa
gratidão, nosso afeto, nossa devoção, nossa humildade e nossa obediência
sacrificial que Deus merece em cada momento (Mateus 2:11; Romanos 12:1;
Filipenses 3:3). Portanto, quando nos congregamos como povo de Deus, devemos
vir em espírito de adoração. O templo da antiga Israel é a figura mor deste
aspecto da reunião eclesial. O aspecto sobressalente do templo era a adoração.
Não obstante, na mente de muitos cristãos modernos, a adoração restringe-se
a cantar corinhos, hinos e cânticos de louvor. Embora adorar a Deus mediante
cânticos fosse uma faceta muito importante da reunião eclesial primitiva
(Efésios 5:19; Colossenses 3:16), a Bíblia nunca a apresenta como seu objetivo
principal.
Da
mesma maneira, a Bíblia nunca iguala propósito da reunião eclesial com evangelismo.
Além disso, o Novo Testamento demonstra de forma clara que, comumente, ocupava-se
no evangelismo fora das reuniões eclesiais. Geralmente a pregação do evangelho
se levava a cabo nos lugares que os inconversos freqüentavam, por exemplo,
nas sinagogas (dos judeus) e nas praças de mercado. Assim, a congregação
da igreja neotestamentária era principalmente uma reunião dos crentes. O
contexto de 1 Coríntios 11—14 deixa isto muito claro. Ainda que às vezes
houvesse inconversos presentes, eles não eram o objetivo dessa reunião.
(Em 1 Coríntios 14:23—25 Paulo menciona fugazmente a presença de inconversos
na reunião, enquadrando seu comentário numa linguagem hipotética).
Ademais,
a noção popular de que o motivo da reunião semanal da igreja era escutar
um sermão, não tem asseveração bíblica. Enquanto o ministério da Palavra
estava certamente presente na congregação da igreja primitiva, (em 1 Coríntios
14 se fala daqueles que trazem doutrinas, revelações e profecias), escutar
‘um sermão’ nunca foi seu rasgo característico. A este respeito, a reunião
neotestamentária era marcadamente diferente do típico serviço de uma igreja
protestante, em que o púlpito é a figura central, onde tudo conduz ao sermão
e está estruturado ao redor do mesmo, e onde a congregação avalia a reunião
pela qualidade da mensagem. A noção de uma reunião eclesial de estilo púlpito-auditório,
enfocada no sermão, não pode ser provada no Novo Testamento.
De
fato, os apóstolos ministravam a Palavra de Deus amplamente em certos ambientes.
Mas esses ambientes não eram ‘reuniões eclesiais’. Eram ‘reuniões ministeriais’,
desenhadas para propósitos evangelísticos ou para o fortalecimento dos crentes.
Essas reuniões eram análogas aos seminários, ateliês e conferências de nossos
dias. Não se deve confundir tais ‘reuniões ministeriais’ com as ‘reuniões
eclesiais’. Naquelas, um ou dois crentes compartilhavam com uma audiência
interativa, a fim de habilitá-la para realizar obras de serviço; nestas,
cada membro exercia livremente seu dom, sem ocupar nenhum deles um estrado
central. De maneira que, ainda que o ministério da Palavra fosse um aspecto
da reunião eclesial, não era seu propósito central. Ademais, na reunião
eclesial o ensino não era dado pela mesma pessoa semana após semana, como
é o costume na igreja institucional de hoje.
A
confraternização ou comunhão também não era o propósito principal da reunião
neotestamentária. Embora a confraternização fosse uma demanda da vida corporativa,
nunca se diz que tenha sido o propósito principal da reunião eclesial. A
confraternização é simplesmente uma das muitas conseqüências orgânicas que
emergem quando o povo de Deus começa a entronizar prazerosamente ao Senhor
Jesus Cristo e a permitir que seu Espírito dirija suas reuniões (Atos 2:42).
Contudo, por mais necessária que a confraternização seja para a vida da
igreja, não deve ser igualada com o propósito da reunião eclesial.
Mútua Exortação e Edificação
Se
o propósito da reunião eclesial, conforme descrita no Novo Testamento, não
era adoração corporativa, nem evangelismo, nem pregação, nem confraternização,
então qual era? De acordo às Escrituras o propósito principal da reunião
eclesial era edificação e exortação mútuas. 1 Coríntios 14:26 apresenta
isto de forma clara:
Portanto, que diremos irmãos? Quando vocês se
reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução, uma
revelação, uma palavra em uma lingua ou uma interpretação. TUDO SEJA FEITO
PARA A EDIFICAÇÃO DA IGREJA.
Hebreus
10:24, 25 expressa isto de forma ainda mais clara:
E consideremos UNS AOS OUTROS para nos incentivarmos
ao amor e às boas obras. Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo
o costume de alguns, mas procuremos ENCORAJAR-NOS UNS AOS OUTROS, ainda
mais quando vocês vêem que se aproxima o Dia. (Vide também Romanos 14:19;
1 Tessalonicenses 5:11 e Hebreus 3:13, 14.)
A
reunião eclesial visualizada no Novo Testamento foi desenhada para permitir
que todo membro da assembléia participe na edificação do Corpo como
um todo (Efésios 4:16). A reciprocidade constituía o distintivo da reunião
eclesial neotestamentária —o caráter "mutuo" era o que mais sobressaia.
Enquanto cantavam cânticos de louvor e de adoração, os mesmos não estavam
confinados à liderança de um grupo de músicos ‘profissionais’. Ao invés
disso, a reunião era aberta para permitir que "cada um" ministrasse por
meio do canto. Segundo as palavras de Paulo, "falando entre si com salmos"
na reunião local. Até os próprios cânticos eram marcados por um elemento
de reciprocidade quando Paulo exorta aos irmãos para que "ensinem e aconselhem-se
uns aos outros... e cantem salmos e hinos espirituais com gratidão
a Deus em seu coração" (Efésios 5:19; Colossenses 3:16). Num contexto tão
aberto, é razoável supor que os cristãos primitivos compunham regularmente
seus próprios cânticos e os compartilhavam com o resto dos santos durante
a reunião.
A
cada crente que tinha uma palavra de parte de Deus, se lhe proporcionava
a liberdade de fornecê-la por meio de seu próprio dom espiritual particular.
Assim, uma típica reunião eclesial neotestamentária pode ter brilhado com
coisas assim: um menino compartilha a Palavra de Deus mediante uma apresentação
dramática e um cântico; uma jovem dá seu depoimento; um irmão jovem compartilha
uma exortação seguida de uma análise do grupo; um irmão mais experiente
expõe uma porção das Escrituras e conclui com uma oração; uma irmã mais
velha relata um fato sacado de sua própria experiência espiritual; vários
adolescentes analisam sua semana na escola e pedem oração; e todo grupo
experimenta uma verdadeira comunhão sentados à mesa durante uma refeição
compartilhada.
Ao
discorrer Paulo o pano de fundo de uma reunião neotestamentária em 1 Coríntios
14, vemos uma reunião na qual cada membro está ativamente envolvido. Alegria,
sinceridade e espontaneidade são as notas principais dessa reunião e a edificação
mútua é sua meta fundamental.
Jesus Cristo, Diretor da Reunião Neotestamentária
Os
requerimentos bíblicos relativos à reunião eclesial da igreja primitiva,
delineados no Novo Testamento, repousam solidamente na liderança de Jesus
Cristo como Cabeça, que é o ponto central do propósito eterno de Deus (Efésios
1:9-22; Colossenses 1:16-18). Isto é, o Senhor Jesus Cristo era integralmente
preeminente na reunião eclesial neotestamentária. Ele era seu centro e sua
circunferência. Ele estabelecia a agenda e dirigia os acontecimentos. Embora
sua direção fosse invisível à simples vista, O Ungido era claramente o Agente
Condutor.
Neste aspecto, o Senhor Jesus tinha
a liberdade para falar por meio de qualquer um que Ele escolhesse e de capacitar
qualquer um que Ele achasse adequado. A prática comum onde uns poucos ministros
profissionais assumem toda a atividade da assembléia, enquanto os demais
santos permanecem passivos, era totalmente estranha na igreja primitiva.
A reunião neotestamentária estava fundamentada no princípio da ‘mesa redonda’,
que estimula o funcionamento de cada membro, bem mais do que o princípio
‘púlpito/auditório’, onde os membros estão divididos entre os poucos ativos
e os muitos passivos.
Na
assembléia neotestamentária, nem o sermão nem o ‘pregador’ eram o centro.
Pelo contrário, a participação congregacional era a regra divina. A reunião
não era litúrgica, nem ritualista, nem ‘sagrada’. Não havia nenhum sentido
de ser sacrosanta ou rotineira. A reunião refletia uma espontaneidade flexível
na qual o Espírito de Deus tinha um absoluto controle, e liberdade para
mover-se de forma ordenada por meio de qualquer membro do Corpo conforme
Ele desejasse. De fato, a reunião eclesial primitiva era dirigida pelo Espírito
Santo de tal modo, que se um crente recebia um discernimento enquanto outro
compartilhava a Palavra, tinha liberdade para interpor sua reflexão. Assombrosamente,
a pessoa que estava falando, calava e escutava o que o outro dizia (1 Coríntios
14:29, 30). Mais ainda, fazer perguntas proveitosas e levar a cabo saudáveis
discussões, constituíam parte comum das reuniões (1 Coríntios 14:27-40).
Em
nossos dias, semelhantes reuniões são quase inconcebíveis no contexto da
maior parte das igrejas contemporâneas. A maioria dos cristãos teme confiar
em que a liderança do Espírito Santo dirija e conforme seus serviços eclesiais.
O fato de que não podem visualizar uma reunião corporativa sem pôr-se sob
a direção direta de um moderador humano, revela que desconhecem as maneiras
de Deus. A razão disto tem muito a ver com seu próprio desconhecimento da
ação do Espírito Santo em seus assuntos pessoais. Expresso em forma simples,
se não conhecemos o controle do Espírito Santo em nossa própria vida, como
podemos conhecê-lo quando nos reunimos? A verdade é que muitos de nós —como
Israel em tempos antigos— ainda clamamos por um rei que governe sobre nós
e por um mediador visível que nos diga o que Deus disse (Êxodo 20:19; 1
Samuel 8:19).
Certamente
a presença de um moderador humano na reunião eclesial é uma apreciada tradição,
a qual muitos cristãos são afeiçoados com veemência. O problema está em
que essa tradição não se enquadra com as Escrituras. Em nenhuma parte do
Novo Testamento encontramos base para uma reunião que seja dominada, dirigida
e oficiada por uma pessoa. Também não encontramos nenhuma reunião que esteja
enraizada na centralidade do púlpito e enfocada num homem. Provavelmente
a característica mais assombrosa da reunião eclesial neotestamentária era
a ausência de todo ministério humano. O Ungido dirigia as reuniões por meio
do Espírito Santo na comunidade de crentes. Uma vez mais, o princípio que
regia à reunião eclesial primitiva era o de "uns aos outros"; a reciprocidade
era sua marca distintiva. Não é de estranhar que a frase uns aos outros
é usada aproximadamente sessenta vezes no Novo Testamento! Neste aspecto
Watchman Nee faz a seguinte observação:
Nas reuniões eclesiais, "cada um de vocês tem
salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em uma lingua
ou uma interpretação" (1 Coríntios 14:26). Aqui não é o caso de que um dirige
e todos os demais seguem, mas que cada um contribui com sua parte de utilidade
espiritual... Nada é determinado pelo homem, e todos tomam parte segundo
o Espírito guia. Não é um ministério ‘inteiramente humano’, mas um ministério
do Espírito Santo... É dada a oportunidade a cada membro da igreja para
que ajude a outros e é dada a oportunidade para que cada um seja ajudado.
Um irmão pode falar numa etapa da reunião e outro mais tarde; você pode
ser escolhido pelo Espírito Santo para que ajude aos irmãos desta vez, e
eu, na próxima vez... Cada indivíduo deve assumir sua parte de responsabilidade
e passar aos demais o que ele mesmo recebeu do Senhor. A direção das reuniões
não deve ser responsabilidade de nenhum indivíduo em particular, mas todos
os membros devem assumir essa responsabilidade juntos, e devem tentar ajudar-se
uns aos outros, dependendo do ensino e direção do Espírito Santo, e dependendo
de sua habilitação também... Uma reunião eclesial tem de ter sobre si a
estampa de ‘uns aos outros’. (The
Normal Christian Church Life /A vida eclesial cristã normal/).
A
mentalidade popular de ‘um só homem’ de nossos dias, que rivaliza com a
liderança funcional de Jesus Cristo como Cabeça, era completamente desconhecida
na assembléia primitiva. Pelo contrário, todos os irmãos vinham à reunião
sentindo que tinham o privilégio e a responsabilidade de contribuir com
algo. A reunião eclesial primitiva era caracterizada por uma sincera liberdade
e informalidade, que era a atmosfera indispensável para que O Ungido funcionasse
livremente por meio de cada membro de seu Corpo.
No
primeiro século, ‘ir à igreja’ significava essencialmente mais dar
do que receber. Isto é, os crentes não assistiam à reunião eclesial
para receber de uma classe de especialistas religiosos chamada ‘clero’.
Pelo contrário, reuniam-se para servir a seus irmãos por meio de
seus dons individuais, para que o Corpo inteiro pudesse ser edificado (Romanos
12:1—8). No conceito de Deus, é a diversidade unificada dos dons outorgados
pelo Espírito Santo que é essencial para a edificação da assembléia local.
Robert Banks descreve a função da reunião neotestamentária dizendo:
A cada membro da comunidade é outorgado um ministério
para com os outros membros da comunidade. Isto quer dizer que nenhuma pessoa
ou grupo de pessoas podem desestimar, baseados em seus próprios dons particulares,
outras contribuições do ‘Corpo’, nem impor uma uniformidade sobre todos
os demais. A comunidade contém uma grande diversidade de ministérios e é
precisamente nas diferenças de função que a totalidade e unidade do Corpo
reside. Deus desenhou as coisas de tal modo, que é necessário que todas
as pessoas se envolvam com sua contribuição especial para que a comunidade
funcione apropriadamente. Isto quer dizer, que cada membro tem uma função
única e específica a desempenhar, mas assim mesmo depende de todos os demais
(Paul’s
Idea of Community /A idéia que Paulo tinha da comunidade/).
Neste
ponto é importante sublinhar que o conceito do ministério mútuo visualizado
no Novo Testamento, é muito diferente da estreita definição do ‘ministério
leigo’ que se promove na moderna igreja institucional. Na verdade, a maior
parte das igrejas estabelecidas oferece uma plétora de cargos voluntários
para os ‘leigos’, como podar grama do jardim, ser porteiro, acomodar gente
no salão da igreja, lavar o carro do pastor, apetar a mão das pessoas na
porta do santuário, distribuir boletins, ensinar na escola dominical, cantar
no coro ou no grupo de adoração e passar as transparências no projetor.
Mas estes cargos de ministério restrito são muito diferentes do livre e
desembaraçado exercício dos dons espirituais com que se deparava cada crente
na reunião eclesial primitiva.
Necessidade de um Sacerdócio de Funções
À
luz de tudo o que se disse até aqui, considere o leitor as seguintes questões
importantes: Por que a igreja primitiva se reunia desta maneira? Era apenas
uma tradição cultural passageira? Aquilo representava infância, ignorância
e imaturidade da igreja primitiva? Eu creio que não, porque a prática da
reunião eclesial primitiva está profundamente enraizada na teologia bíblica.
A mesma fazia real e prática a doutrina bíblica do sacerdócio de todos os
crentes —uma doutrina que todos os evangélicos afirmam com seus lábios.
E
qual é essa doutrina? Nas palavras de Pedro, é a noção de que todos os crentes
são sacerdotes espirituais que são chamados a oferecer "sacrifícios espirituais"
ao Senhor e aos seus irmãos. Segundo a linguagem de Paulo, a idéia é que
todos os cristãos sejam membros que executem funções do Corpo do
Ungido. Então, do ponto de vista pragmático, a reunião eclesial neotestamentária
é a dinâmica bíblica que produz crescimento espiritual —tanto corporativa
como individualmente (Efésios 4:11-16); porque se não funcionamos, não crescemos—
e esta é uma lei do Reino (Marcos 4:24, 25). Assim, os crentes podem e devem
funcionar fora das reuniões eclesiais; mas as reuniões da igreja estão desenhadas
especialmente para que cada cristão exerça seus dons (1 Coríntios 11—14;
Hebreus 10:24, 25). Portanto, a prática comum de levar a relação "mútua"
fora do serviço eclesial moderno, não pode senão retardar o crescimento
da comunidade crente.
Neste
aspecto, a igreja institucional é essencialmente uma creche para meninos
espirituais grandões. Devido a habituar o povo de Deus a ser apenas receptor
passivo, a mesma impediu seu crescimento e o manteve na infância espiritual.
(A incessante necessidade de receber alimento espiritual predigerido, servido
em porções, é sinal de imaturidade espiritual —1 Coríntios 3:1, 2; Hebreus
5:12-14).
Embora
a Reforma recuperasse a doutrina do sacerdócio de todos os crentes, ela
não restaurou as práticas necessárias que incorporam este ensino. Embora
a igreja reclamasse o fundamento de um sacerdócio de crentes, ela deixou
de ocupar esse terreno. Em conseqüência na igreja protestante típica a doutrina
do sacerdócio de todos os crentes não passa de uma verdade estéril. Neste
aspecto, Joseph Higginbotham e Paul Patton observam categoricamente:
Cada ano no ‘Domingo da Reforma’ se proclama
encarecidamente que a Reforma ganhou a batalha pelo sacerdócio do crente.
Mesmo sendo verdade que o desejo é o pai do pensamento; ainda estamos falando
de desejos, não de fatos. As congregações que escutam esta proclamação,
sáo as mesmas que negam com sua forma de governo, sua vida congregacional,
e inclusive com sua arquitetura a verdade que alegam incorporar... Nossas
palavras traem nossas celebrações de vitória no Domingo da Reforma. A batalha
não está ganha; ainda não ocupamos o terreno em que o sacerdócio dos crentes
seja um fato ("The
Battle for the Body /A batalha pelo Corpo/", Searching Together
/Vasculhando juntos/, Vol. 13:2).
No
protestantismo evangélico moderno, a doutrina do sacerdócio dos crentes
segue implorando a aplicação e a implementação práticas na vida do povo
do Senhor. Portanto, Deus estabeleceu reuniões participativas livres para
encarnar a esplêndida realidade espiritual de expressar o Senhor ressuscitado,
através de um sacerdócio plenamente empregado. Desta maneira, a reunião
eclesial neotestamentária foi desenhada por Deus para que cumpra seu propósito
eterno, que está centrado em formar a Jesus Cristo num grupo de pessoas
e fazê-los chegar a sua plena estatura (Gálatas 4:19; Efésios 4:11-16).
Não
há nada mais estimulante à cultura da vida espiritual do que a reunião eclesial
livre descrita no Novo Testamento. Neste aspecto, o livro de Hebreus demonstra
amplamente que a provisão mútua do Corpo é vital para o crescimento espiritual
da igreja. Muito simplesmente, o ministério mútuo é o antídoto divino
para prevenir a apostasia, o requisito divino para assegurar a perseverança,
e o meio divino para cultivar a vida espiritual individual. Considere
Hebreus 3:12-14:
Vigiai, irmãos, que não haja em nenhum de vocês
um CORAÇÃO MAU DE INCREDULIDADE PARA APARTAR-SE DO DEUS VIVO; ANTES EXORTAI-VOS
UNS AOS OUTROS A CADA DIA... PARA QUE NENHUM DE VOCÊS SE ENDUREÇA PELO ENGANO
DO PECADO. Porque somos feitos participantes de Cristo, desde que retenhamos
firmemente do princípio ao fim a nossa confiança.
Aqui
o escritor da epístola aos Hebreus nos ensina que a edificação mútua é o
remédio ou antídoto para não desenvolver um coração incrédulo e uma vontade
endurecida devidas ao engano do pecado. Ademais, em Hebreus 10:25, 26, a
Bíblia apresenta outra vez a exortação mútua como a salvaguarda divinamente
estabelecida contra o perigo de apartar-se do Senhor. Ali, diz:
...não deixando de congregar-nos, como alguns
têm por costume, mas animemo-nos... PORQUE SE PECARMOS VOLUNTARIAMENTE depois
de ter recebido o conhecimento da verdade, já não há mais sacrifício pelos
pecados.
Multidões de eclesiásticos fizeram uso comum deste texto para sublinhar
a importância de ‘ir à igreja’, mas infelizmente ignoraram o resto da passagem,
que nos proporciona o principal propósito e atividade da reunião eclesial,
isto é, a mútua exortação e alento. Francamente, ignoramos o pleno ensino
desta passagem para nosso próprio risco, porque nossa prosperidade espiritual
depende das reuniões corporativas que estejam caracterizadas pelo ministério
mútuo.
Como Manifestar Jesus Cristo em Sua Plenitude
É
bem significativo que a palavra grega eekklesia, que se traduz como igreja, queira dizer literalmente
‘assembléia’. Isto engrena perfeitamente com o conceito dominante que prevalece
nos escritos paulinos, de que a igreja é o Ungido expresso coletivamente(1
Coríntios 12:1-27; Efésios 1:22, 23; 4:1-16). Portanto a função da assembléia
local é expressar o Salvador Ressuscitado. Reunimo-nos com o objetivo de
que o Senhor Jesus possa manifestar-se em sua plenitude para a edificação
de seu Corpo. Mas isto só se torna uma realidade quando todos
os membros da assembléia estão livres para suprir o aspecto do Ungido que
receberam.
Assim,
se ‘a mão’ não funciona na reunião, então o Ungido não é manifesto em sua
plenitude; porque o Senhor Jesus não pode revelar-se plenamente pelo conduto
de apenas um membro. Do mesmo modo, se ‘os olhos’ deixam de funcionar, o
Ungido estará limitado em revelar-se. Mas, se todos os membros do Corpo
funcionam, cada um conforme seu dom peculiar, o Ungido é plenamente conhecido.
Ele, digamos, é Congregado no meio de nós!
Considere
a analogia de um quebra-cabeça. Quando cada peça de um quebra-cabeça é colocada
em sua posição correta com relação às outras peças, dizemos que o quebra-cabeça
está ‘armado’. Como resultado, o quadro inteiro é visto e compreendido.
Ocorre a mesma coisa com o Ungido e sua igreja. Quando, mediante o livre
mas ordenado exercício dos dons outorgados pelo Espírito, cada membro da
ekklesia proporciona um pouco da Cabeça (o Ungido ressuscitado),
realiza-se o desejo de Deus de revelar uma vez mais e de uma nova forma
seu bendito Filho a nosso coração.
Para
que ninguém entenda erroneamente este ponto, as reuniões participativas
não excluem a idéia de planejamento. Também não quer dizer que devemos descartar
toda aparência de ordem ou forma. No capítulo 14 de 1 Coríntios, Paulo formula
várias pautas gerais, desenhadas para manter a reunião eclesial funcionando
de forma ordenada. Essas pautas demonstram que no conceito de Paulo não
há conflito entre uma reunião livre, participativa, e uma ordenada,
que resulta na edificação de todos os membros. Com um discernimento douto
Robert Banks resume a estrutura da reunião eclesial neotestamentária dizendo:
A soberania do Espírito sobre os dons resulta
numa estável ainda que não inflexível distribuição dentro da comunidade,
e numa ordenada ainda que não fixa ação recíproca deles em suas reuniões...
Por conseguinte , na medida em que se leva em conta certos princípios básicos
da operação do Espírito: equilíbrio, clareza, avaliação, ordem e exercício
amoroso, Paulo não vê a necessidade de estabelecer nenhuma regra fixa para
o proceder da comunidade... Portanto, Paulo não se interessa em estruturar
uma liturgia fixa. Esta restringiria a liberdade da comunicação de Deus.
Cada reunião da comunidade terá uma estrutura, mas a mesma surgirá naturalmente
da combinação particular dos dons exercidos (Paul’s Idea of Community
/A idéia que Paulo tinha da comunidade /).
A Questão da Força Sustentadora
O que expusemos com respeito ao propósito da reunião eclesial primitiva, toca um aspecto vital que põe a assembléia neotestamentária aparte da igreja institucional moderna. Isso implica numa escrutadora pergunta sobre o que impele e sustenta a igreja.
Na
igreja institucional típica, o mecanismo religioso do ‘programa’ eclesial
é a força que impele e traça a direção da assembléia. Se o Espírito de Deus
se ausentasse de uma igreja institucional, não se notaria sua ausência:
o procedimento rotineiro seguiria adiante; a adoração não ficaria afetada;
a liturgia não se interromperia; se escutariam os anúncios; se recolheriam
as oferendas; se pregaria o sermão; e se ofereceria o cântico final. Igualmente
a Sansão em seu tempo, a congregação seguiria adiante com o programa religioso
"sem saber que Jeová já não estava com ele" (Juízes 16:20).
Por
contraste, o único fator sustentador da assembléia neotestamentária era
a vida do Espírito Santo. A igreja primitiva dependia inteiramente da vida
espiritual dos membros individuais para manter sua existência. Portanto,
se a vida de uma reunião neotestamentária estava em decadência, todos o
saberiam —não podia passar por alto o frio alento da morte . Além disso,
se o Espírito de Deus se ausentasse de uma congregação, a reunião vinha
totalmente abaixo. Em suma, a igreja neotestamentária não conhecia nenhuma
outra influência mantenedora que a vida do Espírito na comunidade de crentes.
Não dependia de nenhum sistema programado pelo homem, planejado humanamente
e abastecido institucionalmente, para preservar seu impulso.
Neste
aspecto, a igreja institucional não é outra coisa senão um tabernáculo mosaico
da antigüidade, após a arca de Deus ter sido retirada do mesmo. Quando a
presença de Deus saiu desse tabernáculo santo, o mesmo ficou reduzido a
nada mais que uma cobertura vazia acompanhada de um exterior impressionante.
Contudo, apesar do fato da glória do Senhor ter partido, os adoradores continuaram
oferecendo seus sacrifícios no tabernáculo vazio (1 Crônicas 16:39, 40;
2 Crônicas 1:3-5; Jeremias 7:12). Para usar a figura veterotestamentaria,
a igreja institucional confundiu a preparação do altar com o fogo consumidor.
Ficando contente com a arrumação das peças do sacrifício sobre o altar,
a igreja institucional já não vê a necessidade do fogo celestial (exceto,
quiçá, para que o povo que assiste).
Portanto,
a tragédia da igreja institucional reside radicalmente em sua dependência
de um sistema religioso projetado humanamente e impulsionado por programas
que servem para sustentar com andaimes a estrutura da ‘igreja’ quando o
Espírito de Deus está ausente. Este sistema empobrecido revela o fato de
que quando a vida espontânea do Espírito Santo se retira de um grupo de
crentes, esse grupo cessa de ser uma igreja em todo sentido bíblico, ainda
que a forma exterior fique preservada. John W. Kennedy resume bem isto:
O homem sempre trata de conservar o que Deus
recusa, como a história da igreja o demonstra adequadamente. Vê-se o resultado
disto na maioria das denominações de hoje, muitas das quais são monumentos
mortos de glórias que há muito desapareceram... Será que o povo de Deus,
ao erigir ‘catedrais’ de tijolos e cimento que tiveram que ser mantidos
muito depois que a luz do Espírito se apagou, não frustra o propósito de
Deus? (Secret
of His Purpose —O segredo de seu Propósito).
A objeção clerical
Embora
o Novo Testamento pontue abundantemente o fato das reuniões eclesiais da
igreja primitiva serem livres, participativas e espontâneas, hoje em dia
muitos ministros modernos recusam aprovar tais reuniões. A opinião eclesiástica
moderna referente a este assunto raciocina mais ou menos assim: "Se eu permitisse
que minha congregação exercesse seus dons numa reunião livre, haveria
um completo caos; portanto, não tenho outra alternativa a não ser controlar
os cultos para que o povo não fique fora de controle". Tal objeção tem sérias
falhas em vários pontos e revela uma crassa incompreensão da eclesiologia
de Deus.
Em
primeiro lugar, a mera noção de que um ministro tem a autoridade de ‘permitir’
ou ‘proibir’ seus co-irmãos de exercer seus dons, está cimentada num enviesado
entendimento da autoridade e ministério eclesiásticos (escrevo mais sobre
isto adiante). O ponto essencial disto é que ninguém tem o direito de permitir
ou proibir o sacerdócio dos crentes no exercício de seus dons outorgados
pelo Espírito Santo.
Segundo,
supor que sobreviria um caos se se suprimisse o controle eclesiástico, revela
uma falta de confiança no Espírito Santo. Também revela falta de confiança
no povo de Deus, algo que não é paulino em absoluto (Romanos 14:2; 2 Coríntios
2:3; 7:6; 8:22; Gálatas 5:10; 2 Tessalonicenses 3:4; Filemón 21; vide também
Hebreus 6:9).
Terceiro,
a idéia de que a reunião eclesial se converteria numa tumultuosa contenda
geral, simplesmente não é verdade. Se os santos estão apropriadamente habilitados
em seu uso dos dons espirituais e sabem como submeter-se ao Espírito Santo,
então uma reunião livre em que todos participam é algo glorioso. (A propósito,
os cristãos não se habilitam escutando sermões enquanto estão sentados nos
bancos semana após semana. O resoluto temor que há entre os pregadores profissionais
em franquear seus serviços eclesiais para um ministério espontâneo, é uma
clara prova disto).
Mesmo
que as reuniões livres participativas não sejam sempre tão formais e esmeradas
como os cultos tradicionais que decorrem em forma perfeita, no que toca
à liturgia (não escrita) do pastor, as mesmas, naturalmente, revelam bem
mais da plenitude do Ungido e da preciosidade de seu povo, que nenhum arranjo
humano pode jamais manufaturar.
Naturalmente,
há ocasiões (especialmente nas etapas iniciais da vida de uma igreja) em
que alguns contribuem com um ministério improdutivo. Mas o antídoto para
isso não é obstar o ministério espontâneo. Pelo contrário, aqueles que prestam
um ministério não edificante devem ser corrigidos. E isso cai na maioria
das vezes sobre os ombros dos irmãos mais maduros, a saber, os anciãos (escrevo
mais sobre isto depois).
É
bom lembrar que quando Paulo encarou o frenético atoleiro em Corinto não
clausurou a reunião nem introduziu um ministério humano. Pelo contrário,
proporcionou aos irmãos várias pautas gerais para facilitar o ordem e a
edificação nas reuniões (1 Coríntios 14:1 e ss.). Além disso, Paulo confiava
que a igreja absorveria essas pautas. Da mesma maneira, se hoje em dia essas
pautas fossem seguidas, não haveria necessidade de um ministério humano
nas reuniões da igreja, nem de liturgias estabelecidas, nem de serviços
ou cultos preplanificados. G.H. Lang explica isto:
Quando se reuniam, não havia evidência de nenhum
líder visível, nem se seguia nenhum programa previsto. Dois ou até três
profetas podiam dirigir-se à assembléia; introduziam-se salmos, orações
e outros exercícios em forma espontânea (1 Coríntios 14). Põe-se grande
ênfase nisto enquanto propósito divino, pois ao surgirem graves desordens
e tornarem-se impróprias e improdutivas as reuniões (1 Coríntios 11, 14),
o Apóstolo não sugere de modo algum nenhuma outra forma de culto, mas apenas
estabelece alguns princípios gerais, a aplicação dos quais preveniria a
desordem e promoveria a edificação, continuando o método de adoração essencialmente
igual que antes. Na verdade devia-se acabar com os falatórios vaidosos e
enganosos (ver 1 Timoteo 1:3; Tito 1:10-16); mas não tinha força legislativa
nem coerciva; a autoridade dos anciãos era puramente moral... Portanto,
era desconhecido o fato de que a assembléia estivesse controlada por um
homem. Mediante seu Espírito, o Senhor mesmo estava presente em forma tão
real como se estivesse visível. De fato, pela fé Ele era visível; e estando
O mesmo ali, qual servo seria tão irreverente ao ponto de tirar-Lhe das
mãos o controle do culto e do ministério? Mas, por outro lado, muito certamente
não se tratava de que qualquer tivesse a liberdade de ministrar . A liberdade
consistia em que o Espírito Santo fizesse sua vontade, não que seu povo
fizesse como quisesse... Na casa de Deus todos os direitos passam unicamente
ao Filho de Deus. A igreja pós-apostólica se desviou prontamente desta pauta
(The Churches of God /As
igrejas de Deus /).
No
fundo, a tendência a recusar a reunião eclesial ao estilo neotestamentario
revela uma falta de confiança no Espírito Santo. Rendle Short, citado por
G.H. Lang em seu livro, dá um toque ainda mais sutil a isto dizendo:
Nós desperdiçamos a obra de Deus e empobrecemos
nossa alma se nos desviamos deste princípio [reuniões livres participativas).
Alguns podem dizer: "Mas não se cairá numa terrível confusão se se tentar
praticar estas pautas? Naqueles dias tinham o Espírito Santo que os guiava,
mas hoje, a não ser que ponhamos a alguém preparado para exercer o cargo,
será que não nos extraviaremos desatinadamente, em reuniões insossas, confusas,
infrutuosas, quiçá até impróprias?". Isto não é praticamente uma negação
do Espírito Santo? Nos atrevemos a negar que o Espírito Santo ainda é dado?
O Espírito Santo está fazendo em nossos dias tanto quanto fazia naqueles
dias... Que ninguém pense que aquilo que as vezes é chamado de ‘reunião
livre’, significa dizer que os santos reunidos estão sob a graça de algum
charlatão inútil que crê que tem algo a dizer, e que quer impor-se sobre
os demais. A reunião livre não é uma reunião livre para o homem. É uma reunião
livre para o Espírito Santo. Há alguns aos quais se deve tampar a boca (Tito
1:10-14). As vezes se pode tampar a boca deles por meio da oração, e as
vezes há que os reprimir por meio de uma piedosa admoestação... Mas mesmo
descuidando em fazer cumprir este princípio, não nos dêmos por vencidos
quanto aos princípios de Deus, (The
Churches of God /As igrejas de Deus /).
Em
Números 11 temos a primeira aparição do clericalismo na Bíblia. Dois servos
do Senhor, Eldad e Medad, receberam o Espírito de Deus e profetizaram no
acampamento (vv. 26 e 27). Respondendo negativamente um jovem urgiu a Moisés
que "os impedisse" (v. 28). Mas Moisés calou a boca do jovem supressor,
declarando que era desejo de Deus que todo seu povo tivesse o Espírito
e profetizasse. Esse desejo se cumpriu o dia de Pentecostes (Atos 2:17,
18) e continua se cumprindo hoje em dia (Atos 2:38, 39; 1 Coríntios 14:1,
31). Desafortunadamente a igreja moderna não admoesta aqueles que desejam
impedir outra vez que Eldad e Medad ministrem na casa do Senhor. Oxalá Deus
levante uma multidão de crentes que tomem a mesma atitude de Moisés para
que o Pai tenha o que é legitimamente seu —um reino de sacerdotes funcionais,
que sirvam sob a liderança de seu Filho (como Cabeça).
Liderança (como Cabeça) frente a Senhorio
Neste
ponto pode resultar útil notar a cuidadosa distinção que se faz na Bíblia
entre Liderança (como Cabeça) e Senhorio. Ao longo do Novo Testamento, ao
falar da Liderança do Ungido (como Cabeça) praticamente sempre se
tem em vista sua relação com seu Corpo (Efésios 1:21; 4:15; 5:23; Colossenses
1:18; 2:19), enquanto que ao falar no Senhorio de Jesus Cristo praticamente
sempre se tem em vista sua relação com indivíduos (Mateus 7:21 , 22; Lucas
6:46; Atos 16:31; Romanos 10:9, 13; 1 Coríntios 6:17). O que o Senhorio
é para o indivíduo, a Liderança (como Cabeça) é para a igreja.
Portanto, Liderança (como Cabeça) e Senhorio são duas dimensões da mesma
coisa. A Liderança (como Cabeça) é Senhorio desenvolvido na vida corporativa
do povo de Deus.
É
importante compreender esta distinção, porque a mesma lança luz sobre o
problema da prática da igreja hoje em dia. É muito comum que os cristãos
conheçam o Senhorio de Jesus Cristo e, não obstante, saibam pouco de sua
Liderança (como Cabeça). Por exemplo, um crente pode submeter-se realmente
ao Senhorio de Jesus em sua própria vida pessoal. Pode obedecer o que entende
na Bíblia, orar fervente e regularmente e viver uma vida de abnegação de
piedade pessoal e de amor por outros. Contudo, pode ao mesmo tempo não saber
nada a respeito do ministério compartilhado, da responsabilidade mútua e
do testemunho coletivo.
Em
suma, estar sujeito à Liderança (como Cabeça) de Jesus, significa obedecer
sua vontade com respeito à vida e à prática da igreja. Isso inclui coisas
tais como discernir a mente de Deus mediante ministério e participação mútuos,
obedecer ao Espírito Santo mediante sujeição e servidão mútuas, e testemunhar
de Jesus Cristo coletivamente mediante projeção e unidade mútuas. A submissão
à Liderança (como Cabeça) do Ungido encarna o ensino neotestamentária de
que Jesus é não só Senhor da vida dos homens, mas que Ele é Dono
e Senhor da vida da igreja . E a Bíblia é clara quando estabeleçe
a Liderança (como Cabeça) de Jesus Cristo na terra e lhe dá uma expressão
concreta, Ele será a Cabeça sobre todas as coisas no universo (Colossenses
1:16-18).
Com
clareza comovedora, Arthur Wallis descreve a inseparável conexão que há
entre a Liderança (como Cabeça) de Jesus Cristo e seu Senhorio, dizendo:
Jesus Cristo ensinou que nosso compromisso com
Ele deve ser de todo coração. Isso quer dizer negar-se a si mesmo, tomar
a cruz e seguí-lo. Mas as Escrituras são igualmente claras ao dizer que
nossa atitude para com O Ungido se reflete em nossa atitude para seu povo.
Como é nossa atitude para a Cabeça, assim será nossa atitude para com seu
Corpo. Não podemos estar dedicados de todo coração a Jesus Cristo e apenas
medianamente a sua igreja (The Radical Christian /O
cristão radical/).
Considerações Finais
Concluo
este capítulo com várias perguntas para considerar:
É
possível que o protestantismo evangélico moderno tenha afirmado apenas intelectualmente
a doutrina do sacerdócio dos crentes, mas que tenha falhado em aplicá-la
na prática, devido ao sutil engano de tradições profundamente arraigadas?
Nossos serviços eclesiais modernos, que estão na maioria das vezes cimentados
ao redor do sermão de um homem e do programa de adoração de um grupo musical
estabelecido, refletem as reuniões normativas que achamos em nossa Bíblia
ou são diferentes delas? Por que as reuniões eclesiais livres, participativas,
eram boas para os cristãos primitivos, mas de algum modo são impraticáveis
ou perigosas para nós hoje? Finalmente, é nossa prática da igreja uma expressão
da completa Liderança (como Cabeça) do Ungido ou da liderança de um homem?
Que
Deus nos ajude a responder estas perguntas sinceramente e à luz de sua Palavra.
CAPÍTULO 2
O OBJETIVO DA REUNIÃO ECLESIAL
O Novo Testamento demonstra claramente
que o propósito principal da reunião eclesial da igreja primitiva era a
mútua edificação, práticas como o "partir do pão", ou a "Ceia do Senhor",
apontam igualmente para esse objetivo central. Isto fica sobradamente estabelecido
por passagens como Atos 20:7 e 1 Coríntios 11:20, 33:
No primeiro dia da semana, reunidos os discípulos
para partir o pão, Paulo lhes ensinava...
Quando vocês se reúnem para comer, não é a Ceia
do Senhor que comem... Assim, queridos irmãos, quando se REUNIREM PARA COMER,
esperem uns pelos outros .
O
marco central da reunião eclesial neotestamentária não era outra outra coisa
senão a Ceia do Senhor. Atos 20 descreve os discípulos se reunindo para
partir o pão no dia do Senhor. Em sua carta à igreja de Corinto, Paulo censura
aos irmãos por desviarem-se do objetivo normal da assembléia, repreendendo-lhes
não por reunir-se para comer a Ceia do Senhor (que era o que deviam ter
feito), mas por reunir-se para comer sua própria ceia! Com respeito a isto,
lemos em Atos 2:42 que os cristãos primitivos perseveravam com "o repartir
do pão", entre outras coisas essenciais.
O Repartir do Pão Incorpora a Jesus Cristo em
Sua Obra Salvadora
O
repartir do pão incorpora as principais características da vida cristã.
Em primeiro lugar, assinala-nos a humanidade de Jesus. Da mesma forma que
o Filho de glória tomou sobre Si a forma de servo na humildade de carne
humana, assim também o pão, na qualidade do mais básico e humilde de todos
os alimentos, assinala a humildade de nosso Messias. Ao tomar sobre Si nossa
humanidade, Jesus, o Filho do Homem, fez-se acessível a todos, da mesma
forma que o pão é exeqüível a todos nós, tanto ricos como pobres.
O
repartir do pão também nos recorda a cruz em que o Corpo de nosso Senhor
foi quebrantado, e a previdência que foi adquirida para nós. Os próprios
elementos presentes na Mesa do Senhor representam a morte; o pão vem do
trigo moido e o vinho vem da uva prensada. O repartir do pão representa
não apenas a morte de Jesus, como também a sua ressurreição.
Pelo
fato do grão de trigo ter caido na terra, agora vive para produzir muitos
grãos como ele mesmo (João 12:24). Por esta razão nosso Senhor declarou
que se comemos sua carne e bebemos seu sangue, obteremos vida (João 6:53).
Com respeito a isto, a revelação de Jesus Cristo Ressuscitado é inseparável
do pão. Quando o Senhor Ressuscitado comeu com seus discípulos, repartiu
o pão com eles (João 21:13). Ademais, o Jesus Ressuscitado não se revelou
plenamente aos dois homens no caminho de Emaús, mas apenas depois de ter
partido e distribuído o pão (Lucas 24:30-32).
O
depoimento da unidade do Corpo do Ungido, a igreja, está também incorporado
no repartir do pão. Recorde-se que era um só filão de pão o que os primeiros
discípulos partiam semanalmente em cada localidade. Segundo as palavras
de Paulo, "Sendo um só o pão, nós, mesmo sendo muitos, somos um corpo; pois
todos participamos daquele mesmo pão" (1 Coríntios 10:17). Seguramente o
Senhor se entristece quando multidões de seus filhos que vivem na mesma
comunidade, partem o pão como se fossem individualmente um Corpo separado.
Em suma, partir o pão enquanto se tem um espírito sectário, é uma coisa
séria aos olhos de Deus. Esse era o erro da igreja de Corinto, e Paulo os
admoestou austera e severamente por isso (1 Coríntios 11:27-29).
Ceia do Senhor — Alimento do Pacto
É
importante assinalar que originalmente se tomava a Ceia do Senhor no contexto
de uma ceia maior. Quando o próprio Mestre instituiu a Ceia, a mesma foi
tomada como parte da festa da Páscoa —que funcionou ao longo do Antigo Testamento
como uma prefiguração da Ceia do Senhor. Ademais, todo capítulo 11 de 1
Coríntios deixa claro que os crentes se reuniam para comer a Ceia como refeição
—porque pareceria muito forçado embriagar-se com um dedalzinho de vinho
ou satisfazer a fome com um pedacinho de bolacha (vv. 21, 22; 33, 34). O
termo neotestamentário usado aqui para "ceia", significa literalmente uma
refeição (principal) ou um banquete, e o termo neotestamentário usado para
"mesa", indica uma mesa onde era servida uma refeição completa e abundante
(Lucas 22:14; 1 Coríntios 10:21).
Portanto,
na igreja primitiva, a Ceia do Senhor compreendia uma refeição de confraternização.
(Hoje, os eruditos neotestamentários de todas as vertentes denominacionais
concordam com isto.) A mesa de comunhão dos santos —uma festa familiar—
era uma refeição pactual. Por esta razão, a igreja primitiva se referia
à Ceia como Ágape, ou festa de amor (2 Pedro 2:13; Judas 12). Lamentavelmente,
muitos séculos de tradição eclesiástica fizeram com que a presente versão
truncada da Ceia seja algo muito diferente do que era no Novo Testamento.
Como resultado, o significado comunal do repartir do pão se perdeu quase
que completamente. Robert Banks observa o seguinte com respeito ao marco
dialogal da Ceia:
A forma mais visível e profunda na qual a comunidade
expressa físicamente sua confraternização é a refeição comum e constante.
O termo ‘deipnon’
/dipnon/ (1 Coríntios 11:20), que significa ‘refeição’ (principal), quer
dizer que a mesma não era uma ceia parcial, um ‘bocado’ (como veio a ser
desde então), ou parte de uma ceia (como as vezes se visualiza), mas uma
ceia comum, completa... O pedido de Paulo aos ‘famintos’ para que comessem
antes de sairem de suas casas (vv. 22, 34), não representa o começo de uma
separação da Ceia do Senhor da refeição em si. Paulo simplesmente tratava
de evitar abusos introduzidos na ceia em Corinto... Esta ceia é vital, porque
quando os membros da comunidade comem e bebem juntos, sua unidade chega
a ser uma expressão visível. Portanto, a refeição comum é realmente um acontecimento
social... A comida que compartilhavam juntos, recordava aos membros a relação
que tinham com O Ungido e uns com os outros, e aprofundava essa relação
da mesma maneira que a participação numa refeição comum e corrente estreita
e simboliza o vínculo que há entre os membros de uma família ou grupo (Paul’s
Idea of Community /O conceito que Paulo tinha da comunidade /).
G.H.
Lang argui neste mesmo sentido dizendo:
Foi durante a refeição social relacionada com
a festa da Páscoa que o Senhor introduziu uma nova associação desse pão
e desse cálice com sua própria Pessoa e obra. Da mesma maneira 1 Coríntios
11 mostra que os crentes de Corinto observavam a Ceia enquanto refeição
social de todo o grupo. Essa refeição era conhecida como ‘Agape’ ou festa
de amor, e apesar da mesma ter sofrido certos abusos em Corinto, o Apóstolo
não repudia essa prática, mas regula sua observância... É saudável que nossa
mente visualize esta ilustração. O lugar, uma casa comum e movimentada;
a ocasião, uma refeição habitual; a Ceia, igualmente sociável, singela e
calma. Sem edifício eclesiástico, sem sacerdote, sem funcionário contratado,
sem altar, sem sacrifício, sem vestimenta, sem ornamentos, sem vitrais,
sem velas, sem incenso, sem crucifixos, e sem nenhuma formalidade. A Ceia,
observada com singeleza; o lar, honrado com ela; a comida comum e farta,
santificada e solenizada (The
Churches of God /As igrejas de Deus/).
Finalmente,
o repartir do pão assinala a futura vinda de Jesus Cristo em glória, com
o Noivo presidindo essa suntuosa festa de casamento para ceiar com sua amada
Noiva de uma maneira inteiramente nova no reino do Pai (Mateus 26:29). Portanto,
a Ceia do Senhor tem também alusões escatológicas. É uma festa dos dias
futuros —uma figura do Banquete Messiânico que ocorrerá no futuro e[scaton /éschaton = final/ (Mateus 22:1-14;
26:29; Lucas 12:35-38; 15:22-32; Apocalipse 19:9). Portanto, o repartir
do pão sempre é visto no contexto de uma ceia comemorativa, caracterizada
pela alegria e pela ação de graças (Lucas 22:17; Fatos 2:46; 1 Coríntios
10:16). É uma prazerosa recordação não apenas do que nosso Senhor fez no
Calvário, como também do que Ele fará quando retornar em seu glorioso reino.
Em
suma, o repartir do pão tem ligações com o passado, o presente e o futuro.
É uma reproclamação da gloriosa morte redentora do Senhor por nós
no passado, uma redeclaração de sua contínua e permanente
presença em nós no presente , e um repronunciamento da inerente esperança
de sua Vinda no futuro . Além disto, a Ceia do Senhor entranha o ganho prático
das três virtudes principais, a fé, a esperança e o amor. Por meio da Ceia
nos reestabelecemos nessa gloriosa salvação que é nossa pela fé ,
reexpressamos nosso amor pelos irmãos refletindo a unidade
de um só Corpo, e nos regozijamos na esperança da eminente volta de nosso
Senhor. Por meio de sua correta observância, "proclamamos (presente) a morte
do Senhor (passado) até que Ele venha (futuro)".
Enquanto
alguns tornaram a Ceia do Senhor algo literal e sacrificial, outros a fizeram
meramente simbólica e comemorativa. Mas a Ceia do Senhor não é nem um sacrifício
perpétuo nem um ritual vazio. Não entranha alusões sacramentais nem pode
ser concebida apropriadamente apenas como um modo de pensar histórico. Ou
seja, a Ceia do Senhor é uma realidade espiritual. Isto é, o Espírito
Santo está presente nela, revelando o Ungido vivente nos corações de seus
amados santos, que ceia com eles mediante um filão de pão e um cálice. Com
respeito a isto, nosso Senhor usava com freqüência a figura de comer e beber
para representar nossa comunhão espiritual com Ele (João 4:14; 6:51; 7:37;
Apocalipse 3:20). Eric Svendsen resume propriamente os traços principais
da Ceia do Senhor:
A Ceia tinha uma ampla ordem de propósitos.
Em primeiro lugar, servia como uma expressão de solicitude pelos pobres
na comunidade de crentes. Com toda probabilidade, a Ceia era uma refeição
comum e constante que os mais ricos proporcionavam para mostrar seu amor
pelos cristãos menos afortunados. Foi provavelmente este propósito que resultou
na adoção do título ‘Ágape’. Uma segunda dimensão da Ceia era que compelia
a comunidade cristã a praticar a teologia de igualdade de condição no Ungido,
que violava a norma societária grega de ter banquetes homogêneos, nos quais
se reconheciam agudamente as distinções de classes... Outro objetivo da
Ceia, muito importante e no entanto com freqüência passado por alto, é seu
enfoque escatológico. A Ceia do Senhor prefigura o Banquete Messiânico e
opera como um meio de pedir ao Messias que venha outra vez. A Ceia tem de
ser repetida de forma regular para expressar esta petição e para proporcionar
aos participantes a oportunidade de proclamar a uma só voz: ‘ Maranata!’
(The Table of the Lorde /A
Mesa do Senhor/)
A Ceia e a Mesa
À
luz de tudo o que se disse aqui, seria instrutivo notar a cuidadosa distinção
que no Novo Testamento faz entre a Ceia do Senhor e a Mesa
do Senhor. Enquanto ambos têrmos assinalam a prática singular de partir
o pão, entre eles existe uma sutil diferença de ênfase.
Em
1 Coríntios 10:16-22, Paulo fala a respeito da Mesa do Senhor (v. 21). Ali
a ênfase está na igreja, e o pão aponta para a unidade do Corpo do Ungido
(v. 17). A comunhão e a unidade são os conceitos dominantes
na Mesa, e as mesmas aguçam nosso enfoque no aspecto de confraternidade
da refeição (vv. 16, 17). Em 1 Coríntios 11:17-34 , Paulo fala a respeito
da Ceia do Senhor (v. 20). Ali a ênfase está na morte do Senhor por nós,
e o pão aponta para o Corpo físico de nosso Senhor que foi morto para nossa
redenção (v. 24). Recordar e proclamar são os principais conceitos
na Ceia, e os mesmos dirigem nossa atenção ao aspecto da morte sacrificial
do alimento (vv. 25, 26).
Na
Mesa, o que se tem em mira é a relação horizontal da comunidade de crentes;
na Ceia, o que se tem em mira é a relação vertical entre os crentes e O
Ungido. Dito de outra maneira, a Mesa é o lugar de nossa confraternidade,
participação e refeição; a Ceia é a essência de nossa comida. A Mesa é o
ambiente para nossa comunhão. A Ceia é a substância de nossa
comunhão. Embora a Mesa e a Ceia sejam diferentes, não estão separadas.
A Centralidade da Mesa do Senhor na Reunião
eclesial
Do
ponto de vista prático, o legítimo lugar da Mesa do Senhor na reunião eclesial
nos livra de nossa tendência natural, como criaturas subjetivas, de ficar
abstraídos em nós mesmos. Quando nossas reuniões estão estruturadas ao redor
da Mesa do Senhor, tiramos toda nossa atenção de nós mesmos e a fixamos
no Ungido. Desta maneira, o repartir do pão nos recorda a centralidade da
Cabeça invisível que sempre está presente quando nos reunimos. Talvez seja
por isto que a Mesa do Senhor é a única coisa material que na Bíblia menciona
como algo presente nas reuniões da igreja. Aqui se encaixam as palavras
de Hugh Kane:
O que ocupava o lugar mais conspícuo nas assembléias
do povo de Deus, não era nem um ‘pregador’, nem um ‘púlpito’, mas uma ‘mesa’
em que estavam os símbolos: ‘pão e vinho’. Aqueles crentes primitivos estavam
congregados para Ele (Mateus 18:20). Ele era o imã que atraía o coração
deles, que os cativava e satisfazia. A formosura desse método de reunião
era sua própria simplicidade. Não tinha nem arranjos, nem ornamentos humanos!
Não tinha ‘serviço de altar’, nem ‘vestimentas sacerdotais’, nem ‘coros
especialmente ataviados’ ... não tinha ninguém que dirigisse sua adoração
congregacional senão o Espírito Santo; Ele era suficiente. Ele dirigia seus
corações para O Ungido... Era formoso e honrava a Deus, porque era sua própria
disposição. O vangloriar da carne não achava lugar ali. Não se olhava a
ninguém mas a ‘Jesus somente’. (My Reasons /Minhas razões/).
Estas
são tão somente umas poucas verdades preciosas inseparáveis do repartir
do pão —verdades que ajudam a explicar por que os cristãos primitivos o
tornavam objeto central de suas reuniões eclesiais semanais. Basta dizer
que a prática do repartir do pão foi instituído pelo próprio Senhor Jesus
(Mateus 26:26) e transmitido a nós pelos apóstolos (1 Coríntios 11:2). Tendo
isto em vista não deveriam o ensino e o exemplo neotestamentários determinar
hoje nosso enfoque da Ceia do Senhor?
Que
o Senhor nos ajude a não mais desatender o lugar singular do que Deus reservou
para a Mesa de seu Filho em nosso meio.
CAPÍTULO 3
O SIGNIFICADO DA REUNIÃO ECLESIAL
Alguma
vez já lhe perguntaram: "Que igreja você frequenta?". Esta pergunta é muito
comum hoje em dia, de modo especial entre cristãos. No entanto , esta pergunta
em si toca uma nota significativa no propósito de Deus. Considere você a
seguinte situação:
Suponhamos
que no lugar onde você trabalha, um novo empregado foi recentemente contratado.
Ao falar com ele, você se intera de que é cristão. Quando lhe pergunta a
que igreja vai, ele lhe responde dizendo:
—Eu
frequento uma igreja que se congrega numa casa.
Ao
escutar sua resposta, que pensamentos percorrem tua mente? Pensa você: "Bom,
isso é bastante estranho —este tipo deve ser um desajustado religioso ou
alguma classe de proscrito emocional." Ou: "Talvez faça parte de alguma
seita estranha ou de algum excêntrico grupo marginal." Ou: "Este cara deve
ser orientado —porque não frequenta uma igreja regular?" Ou: "Seguramente
este tipo tem de ser algum grupo rebelde; provavelmente é incapaz de submeter-se,
caso contrário estaria frequentando uma igreja normal —você sabe,
aqueles que congregam em um edifício."
Desafortunadamente,
estes são os pensamentos que passam pela mente de muitos cristãos modernos,
ao se depararem com a idéia de uma ‘reunião de igreja caseira’. Mas aqui
está o ponto central: o lugar de reunião desse novo empregado era exatamente
o mesmo de todos os cristãos mencionados no Novo Testamento! De fato, durante
os primeiros três séculos desde seu nascimento, as igrejas locais se reuniam
nos lares de seus membros. Robert Banks, erudito neotestamentário, faz esta
observação:
Considerando pequenas reuniões de apenas alguns
cristãos numa cidade, como reuniões maiores que compreendiam toda a população
cristã, era no lar de um dos membros onde se tinha a ‘ekklesía’ —por exemplo
no ‘terraço’. Apenas depois de passados três séculos é que temos evidência
da construção de edifícios especiais para as reuniões cristãs (Paul’s Idea of Community
/O conceito que Paulo tinha da comunidade/).
O
lugar que os cristãos primitivos usavam normalmente para reunir-se não era
outro senão suas casas. Qualquer outra coisa seria exceção e, com toda segurança,
seria algo fora do comum. Note você as passagens seguintes:
...E (os que tinham crido, partiam) o pão NAS
CASAS .. (Fatos 2:46)
E Saulo assolava a IGREJA, invadindo CASA por
CASA... (Atos 8:3)
...Mesmo assim nunca fugi de falar a verdade
a vocês, tanto publicamente como NAS SUAS CASAS... (Atos 20:20)
Saudai a Priscila e a Áquila, meus colaboradores
em Cristo Jesus... Saudai também à IGREJA de sua CASA... (Romanos 16:3 e
5)
As igrejas de Ásia vos saúdam. Áquila e Priscila,
com a IGREJA que está em sua CASA, saúdam-vos muito no Senhor. (1 Coríntios
16:19)
Saudai aos irmãos que estão em Laodicéa, a Ninfas
e à IGREJA que está em sua CASA. (Colossenses 4:15)
...E à amada irmã Apia, e a Arquipo nosso colega
de milícia, e à IGREJA que está em tua CASA. (Filemom 2)
Se alguém vem a vocês e não traz esta doutrina,
não o recebais em CASA, nem lhe digais: Bem-vindo! (2 João 10)
Estes
textos bíblicos demonstram amplamente que, normalmente, a igreja primitiva
se reunia nos hospitaleiros lares de seus membros (vide também Atos 2:2;
9:11; 10:32; 12:12; 16:15, 34 e 40; 17:5; 18:7; 21:8). Portanto, os crentes
do primeiro século não sabiam nada a respeito do equivalente a um edifício
de ‘igreja’ de hoje. Também não sabiam nada a respeito de casas convertidas
em basílicas, com bancos fixos de madeira dura, com um púlpito acompanhando
o mobiliário da salão .Se tais coisas são comuns no século vinte, as mesmas
eram estranhas para os crentes do primeiro século. Os cristãos primitivos
simplesmente se congregavam em casas, em habitações comuns e normais. Assim,
pois, o Novo Testamento não conhece nada parecido com ‘edifícios/igrejas’.
Conhece a ‘igreja caseira’.
Que
fazia a igreja primitiva quando tornava-se demasiado grande para congregar-se
numa só casa? Não erigia um edifício, mas simplesmente se ‘multiplicava’
e se reunia em várias casas, seguindo o princípio ‘nas casas’ (Atos 2:46;
20:20). Neste aspecto, a erudição neotestamentária concorda hoje em que
a igreja primitiva era essencialmente uma rede de congregações baseadas
em lares. Portanto, se existe algo considerado como igreja normal,
esse algo é a igreja que se reúne numa casa. Ou como um autor expressou:
"Se há uma forma neotestamentária da igreja, é a igreja caseira."
Não
obstante, alguns argumentam dizendo que os cristãos primitivos teriam erigido
edifícios especiais, se não estivessem sob perseguição; portanto, reuniam-se
em lares para esconderem-se de seus perseguidores. Embora tal idéia seja
algo popular, é baseada em pura conjectura e se conforma pobremente com
a evidência histórica. Bill Grimes, no livro de Steve Atkerson, cristaliza
este ponto dizendo:
Muitos descartam as igrejas caseiras primitivas
como resultado de perseguição. No entanto, qualquer livro da história da
igreja terá de revelar que a perseguição anterior ao ano 250 era esporádica,
local (não generalizada) e normalmente mais resultante da hostilidade do
populacho do que de um decreto oficial romano. Assim, este mito da ‘perseguição’
distoa das Escrituras. Atos 2:46 , 47 descreve as reuniões caseiras num
tempo em que "a cidade inteira tinha simpatia com eles". Quando eclodiu
a perseguição, o fato deles se reunirem nas casas não impediu Saulo de saber
exatamente onde ir para prender os crentes (Atos 8:3). Obviamente eles não
mantinham segredo sobre o local onde se reuniam (Toward
a House Church Theology /Por uma teologia da igreja caseira/).
Se
lemos o Novo Testamento com a intenção de entender como os cristãos do primeiro
século se relacionavam uns com os outros, descobriremos que se reuniam em
suas casas por razões que estão em harmonia com seus princípios espirituais.
Assim, estas razões são aplicáveis a nós hoje com tanta pertinência como
eram aos primeiros cristãos. Vejamos aqui algumas delas.
(1) O Lar é o Ambiente Natural para a Relação
Mútua
Todas
as instruções que os apóstolos deram com respeito à reunião eclesial, encaixam
melhor no ambiente do pequeno grupo caseiro. As práticas eclesiais apostólicas
regulamentares, como a participação mútua (Hebreus 10:24, 25); o exercício
dos dons de cada membro (1 Coríntios 14:26); a mútua edificação, os irmãos
costituindo uma comunidade em contato direto, intencional (Efésios 2:21,
22); a refeição comunal (1 Coríntios 11); a transparência e a responsabilidade
sinceras dos membros uns para outros (Romanos 15:14; Gálatas 6:1, 2; Tiago
5:16, 19, 20); a liberdade de perguntar e do diálogo interativo (1 Coríntios
14:29-40); e a koinwníiva /koinonía/ (vida compartilhada) do Espírito
orientada para a liberdade (2 Coríntios 3:17; 13:14), todas operam melhor
num ambiente de grupo pequeno tal como uma casa.
Em
suma, as mais de cinquenta exortações envolvendo "uns aos outros" que há
no Novo Testamento não podem ser obedecidas e levadas para o campo da prática
devidamente, a não ser em um ambiente caseiro. Por esta razão, a reunião
eclesial caseira conduz eminentemente à realização do propósito eterno de
Deus —um propósito centrado na "edificação conjunta" de um Corpo na semelhança
do Ungido (Efésios 2:19-22).
(2) O Lar Representa a Singeleza da Vida cristã
O
lar representa humildade, naturalidade e singeleza de coração —as características
sobressalentes da igreja primitiva (Atos 2:46; 2 Coríntios 11:3). O lar
(falando tipicamente) é um lugar bem mais humilde do que os imponentes edifícios
religiosos de nossos dias, com suas elevadas torres, elegantes decorações
e espaçosas naves. Deste modo, a maioria dos modernos edifícios da ‘igreja’
parecem refletir mais a ostentação deste mundo, do que o manso e humilde
Salvador cujo nome levamos.
Por
contraste, os cristãos primitivos tentavam atrair a atenção para seu Senhor
Ressuscitado, bem mais do que para si mesmos ou para suas próprias realizações.
Além disso, normalmente, os gastos gerais de um edifício religioso representam
muita perda financeira aos irmãos. Seriam mais generosas suas mãos para
sustentar obreiros apostólicos (missionários) e para ajudar aos pobres se
não tivessem que levar um ônus tão pesado.
(3) O Lar Reflete a Natureza Familiar da Igreja
Há
uma afinidade natural entre a reunião caseira e o motivo familiar da igreja
que satura os escritos de Paulo. Pelo lar ser o ambiente natural da família,
o mesmo proporciona uma atmosfera familiar à ejkklesiiva /ekklesia/ —essa mesma atmosfera que saturava a vida dos
cristãos primitivos. Em contraste, o ambiente artificial proporcionado pelo
edifício eclesiástico promove um clima impessoal que, por sua vez, inibe
a intimidade e a responsabilidade. O edifício eclesiástico convencional
produz uma verdadeira rigidez sofocante que é contrária à grata atmosfera
extraoficial da reunião caseira. Ademais, é bem fácil ‘perder-se’ num vasto
e complexo edifício. Devido à natureza espaçosa e remota da igreja basílica,
não é difícil que as pessoas passem desapercebidas —ou pior, ocultas em
seus pecados. No lar não é assim. Todas nossas falhas aparecem ali —e com
razão é assim. Na reunião cada um é reconhecido, aceito, alentado e ajudado.
Além
disso, a maneira formal como as coisas são feitas numa igreja basílica,
tende a desanimar a correspondência e espontaneidade mútuas que caracterizavam
às reuniões eclesiais primitivas. Por exemplo, se você se esforça em interpretar
a arquitetura de um típico edifício de igreja, descobrirá que efetivamente
o mesmo ensina que a igreja é passiva. A estrutura interior do edifício
não foi desenhada para que haja comunicação interpessoal, coesão social,
ministério mútuo ou confraternização. Pelo contrário, está desenhada para
uma rígida comunicação unidirecional —púlpito para banco, líder para congregação.
Nesse
aspecto, o típico edifício de ‘igreja’ não é diferente de um salão de conferências
ou de um cinema. A congregação se encontra cuidadosamente acomodada em bancos
(ou poltronas) para ver e escutar o pastor (ou sacerdote) que fala desde
o púlpito. O público fixa sua atenção num só ponto —o líder clerical e seu
púlpito. (Nas igrejas litúrgicas, a mesa/altar toma o lugar do púlpito como
ponto central de referência.) Além disso, o lugar onde se sentam o pastor
e sua junta, normalmente é mais elevado do que os assentos da congregação.
Semelhante arranjo não só reforça o abismo que separa clero e leigo, como
também nutre a mentalidade de ‘espectador’ que aflige à maior parte do Corpo
do Ungido hoje em dia. Com respeito a isto W.J. Pethybridge observa sagazmente:
Na reunião de um pequeno grupo que tem lugar
na amistosa união de um lar, todos podem conhecer-se mutuamente e as relações
são mais reais e menos formais. Um número menor de pessoas torna possível
que todos tomem parte ativa na reunião, e assim todo o Corpo de Cristo presente
pode funcionar... Ter um edifício especial para reuniões, quase sempre entranha
a idéia de uma pessoa especial como ministro, o que resulta num ‘ministério
de um só homem’ e impede o pleno exercício do sacerdócio de todos os crentes
(The
Lost Secret of The Early Church /O segredo perdido da igreja primitiva/).
Então,
parece claro que os cristãos primitivos tinham suas reuniões caseiras para
expressar o caráter da vida da igreja. Isto é, reuniam-se nas suas casas
para alentar a dimensão familiar de sua adoração, comunhão e ministério
mútuo. As reuniões celebradas no lar faziam de forma natural com que os
santos sentissem que os interesses da igreja eram seus próprios interesses.
Isso fomentava um sentido de união entre eles mesmos e a igreja, em vez
de distanciá-los dela (como ocorre com tanta freqüência hoje em dia —onde
os membros vão à igreja como espectadores remotos, bem mais do que como
participantes ativos).
Em
suma, a reunião eclesial caseira proporcionava aquelas conexões e relações
profundamente arraigadas típicas da ekklesia. O espírito da reunião
baseada no lar proporcionava aos santos uma atmosfera do tipo familiar,
na qual ocorria o verdadeiro companheirismo de conviver ombro com ombro,
em contato direto e em completo acordo. Produzia um clima que fomentava
a sincera comunicação, a coesão espiritual e a comunhão sem reservas —traços
indispensáveis para a plena experiência e florecimento da koinwniiva /koinonia/
(comunhão compartilhada) do Espírito Santo para a qual fomos destinados.
Em todas estas formas, a reunião eclesial caseira não apenas é fundamentalmente
bíblica, como também difere vividamente do serviço religioso moderno de
estilo púlpito-banco, onde os crentes se vêem forçados a se confraternizar
durante uma hora ou duas com a nuca de alguns. Em sua análise com respeito
ao lugar de reunião da igreja, Watchman Nee faz a seguinte observação:
Em nossas congregações de hoje devemos retornar
ao princípio do ‘sobrado’. O térreo é um lugar para negócios, um lugar onde
os homens vêm e vão; mas há mais de atmosfera caseira no aposento superior,
onde as reuniões dos filhos de Deus são tratativas familiares. øULTIMA-A
Jantar teve lugar num aposento alto, assim mesmo Pentecostés, e uma vez
mais assim mesmo a reunião [de Troas]. Deus quer a intimidade do ‘aposento
alto’ para marcar as reuniões de seus filhos, não a rígida formalidade de
um imponente edifício público. É por isso que na Palavra de Deus encontramos
que seus filhos se reúnem na atmosfera familiar de um lar privado... devemos
tratar de fomentar as reuniões nos lares dos cristãos... os lares dos irmãos
satisfarão quase sempre as necessidades das reuniões eclesiais (The Normal Christian Church
Life /A vida eclesial cristã normal/.)
(4) O Lar Modela a Autenticidade Espiritual
Vivemos
num tempo em que muita gente, de modo especial a juventude, está procurando
autenticidade espiritual. Para muitos desses jovens, as igrejas que se congregam
em anfiteatros, em catedrais de cristal e em edifícios majestosos com torres
de marfim, parecem superficiais e frívolas. Por contraste, a igreja que
se congrega num lar, serve como um frutífero depoimento da realidade espiritual,
em especial aos inconversos que são céticos respeito daquelas instituições
religiosas que equiparam edifícios encantadores e orçamentos de muitos milhões
de dólares com projetos bem sucedidos.
Muitos
inconversos não assistirão a um moderno serviço religioso celebrado numa
igreja basílica, espera-se que os que assistem, vistam roupa ‘de marca’
para a função. Mas com freqüência não se sentirão ameaçados nem inibidos
de reunir-se na comodidade natural da casa de alguém, onde podem ser ‘eles
mesmos’. A atmosfera informal do lar, em contraste com um edifício eclesiástico,
é bem mais atraente para eles. Quiçá esta seja outra razão do por que os
cristãos primitivos preferiam o singelo ambiente de uma casa para adorar
a seu Senhor, mais do que erigir santuários, capelas e sinagogas, como faziam
as demais religiões de seu tempo.
Ironicamente,
muitos cristãos modernos crêem que se uma igreja não possui um bom edifício,
seu depoimento ao mundo será de algum modo inibido e seu crescimento ficará
entorpecido. Mas nada poderia estar mais longe da verdade. Comentando o
fato da igreja primitiva não começar a construir edifícios até o terceiro
século, Howard Snyder observa:
...Pode ser que os edifícios sejam bons para
qualquer outra coisa, mas não são essenciais nem para o crescimento numérico
nem para alcançar profundidade espiritual. A igreja primitiva possuía estas
duas qualidades, e até tempos recentes o período de maior vitalidade e crescimento
da igreja foi durante os primeiros dois séculos depois de Cristo. Em outras
palavras, a igreja cresceu mais rápido que nunca quando não teve a ajuda
—ou impedimento— dos edifícios eclesiásticos (The Problem of Wineskins /O
problema dos odres/, usado com licença do autor).
(5) O lar atesta que o povo constitui a casa
de Deus
Com
freqüência se associa a noção contemporânea de ‘igreja’ com um edifício
(comumente chamado "santuário"). No entanto, segundo a Bíblia, é nos crentes
que a vida de Deus faz morada, aquilo que se chama "a casa de Deus", não
é tijolo nem cimento. Enquanto no judaísmo o templo foi o lugar de reunião
consagrado, no cristianismo é a comunidade de crentes que constitui o templo.
A
localização espacial da reunião cristã primitiva ia diretamente contra os
costumes religiosos do primeiro século. Os judeus tinham designado edifícios
para sua adoração corporativa (sinagogas), assim como os pagãos faziam (santuários).
Assim, tanto o judaísmo como o paganismo ensinam que deve haver um lugar
consagrado para a adoração divina. Mas não é assim com o cristianismo. No
primeiro século, a igreja primitiva era o único grupo religioso que se reunia
exclusivamente em lares. Embora teria sido muito natural se eles seguissem
sua herança judia e erigissem edifícios que fossem apropriados para suas
necessidades, eles se abstiveram de fazer isso. Quiçá os crentes primitivos
conheciam a confusão que os edifícios consagrados teriam de produzir, e
portanto, abstinham-se de erigí-los para preservar a afirmação de que o
povo constituía as pedras vivas que formam a habitação de Deus.
Conclusão
O
que dissemos até aqui pode ser reduzido a esta simples mas profunda observação:
a localização social da reunião eclesial expressa o caráter da igreja
e, ao mesmo tempo, exerce influência sobre ela. Portanto, a localização
espacial da igreja tem um significado teológico. No típico ‘santuário’
ou ‘capela’, o púlpito, os bancos (ou assentos) e o espaço condensado respiram
um ar formal que inibe a interação e a afinidade. Por contraste, as características
peculiares de um lar —a baixa quantidade de cadeiras para sentar-se, a atmosfera
casual, o ambiente de convivência para alimentos compartilhados, o espaço
personalizado de sofás macios, etc.— contêm um subtexto relacional que beneficia
o ministério mútuo.
Expresso
em forma simples, a igreja primitiva se reunia nas casas de seus membros
por razões espiritualmente viáveis. E a moderna igreja basílica agride essas
razões. Com respeito a estas características da reunião eclesial caseira,
Howard Snyder observa sagazmente:
Provavelmente as igrejas caseiras foram a forma
mais comum de organização social cristã de toda a história da igreja...
Independente do que pudéssemos pensar , se simplesmente olharmos ao redor
de nós aqui, veremos centenas de milhares de igrejas caseiras cristãs existentes
hoje na América do Norte, América do Sul, Europa, China, Austrália, Europa
Oriental, e em muitos outros lugares ao redor do mundo. Em certo sentido,
são uma igreja subterrânea, e como tal, representam uma corrente oculta
da história da igreja. Mas mesmo sendo oculta, e na maior parte dos lugares
não sendo a forma culturalmente dominante, provavelmente estas igrejas caseiras
representem o maior número de cristãos em todo mundo ... O Novo Testamento
nos ensina que a igreja é uma comunidade em que todos têm dons e todos têm
um ministério. Como o ensinam as Escrituras, a igreja é uma nova realidade
social que modela e encarna o respeito e a solicitação pela pessoa que vemos
no próprio Jesus. Este é nosso elevado apelo. E no entanto, com freqüência,
a igreja, de fato, trai este apelo. As igrejas caseiras constituem uma parte
importante para escapar desta traição e deste paradoxo. Uma comunidade que
está em contato direto uns com outros, engendra mútuo respeito, responsabilidade
mútua, submissão mútua e ministério mútuo. A sociologia da igreja caseira
fomenta um sentido de igualdade e de mútua dignidade, ainda que a mesma
não a garanta, como mostra a igreja de Corinto... No modelo da igreja caseira,
a igualdade e o ministério mútuo não são resultado de algum programa nem
de um processo educacional; são inerentes à própria forma da igreja. Porque
na igreja caseira todos são apreciados e conhecidos —todos têm um lugar
por definição. A igreja caseira proporciona um ambiente de solicitação e
estímulo mútuos que tende a fomentar uma ampla gama de dons e ministérios.
Os princípios neotestamentários do sacerdócio dos crentes, dos dons do Espírito
e do ministério mútuo se acham mais naturalmente neste contexto informal...
As igrejas caseiras são revolucionárias porque encarnam este ensino radical
de que todos têm dons e todos são ministros. Oferecem alguma esperança de
sanar o Corpo do Ungido de algumas de suas piores heresias: de que alguns
crentes são mais valiosos do que outros, de que apenas alguns cristãos são
ministros e de que os dons do Espírito já não funcionam em nossa era. Estas
heresias não podem ser sanadas apenas na teoria ou na teologia. Devem ser
sanadas na prática, na relação e na forma social da igreja. (Tomado de uma
dissertação titulada "Why House Churches Today? /Para
que igrejas caseiras hoje?/", apresentada no Seminário Teológico Fuller
em 24 de fevereiro de 1996. Usado com licença do autor.)
Enquanto
o lugar de reunião normativo para a igreja neotestamentária era claramente
o lar, isto não sugere que nunca é apropriado que uma igreja se reúna num
local que não seja um lar. Em ocasiões especiais, quando era necessário
que "toda a igreja" se reunisse, a igreja de Jerusalém se reunia em predios
extensos como os átrios abertos do templo e o pórtico de Salomão (Atos 2:46a;
5:12). Mas semelhantes reuniões de grupos numerosos não rivalizavam com
a localização normativa da reunião eclesial regular, que era a casa (Atos
2:46b). Nem também representam um precedente bíblico para que os cristãos
erigissem seus próprios edifícios. (Os predios do templo e o pórtico
de Salomão eram lugares públicos, ao ar livre, que já existiam antes
que aparecessem os primeiros cristãos).
Esses
recintos para grupos grandes simplesmente acomodavam "toda a igreja" quando
era necessário congregá-la para um propósito em particular Nos primeiros
dias da existência da igreja, os apóstolos os usavam para ter reuniões de
ensino especiais para o vasto número de crentes e inconversos em Jerusalém
(Atos 3:11-26; 5:20, 21, 25,42). (Aqueles casos onde vemos apóstolos indo
até à sinagoga, não devem ser confundidos com reuniões da igreja. Tratava-se
de reuniões evangelísticas destinadas a pregar o evangelho aos judeus
inconversos. Enquanto a reunião eclesial é principalmente para a edificação
dos crentes, a reunião evangelística é principalmente para a salvação dos
inconversos.
Talvez
o Espírito Santo conduza ou guie de vez em quando alguns para congregar-se
num edifício. Mas o Espírito só fará isso se verdadeiramente convir aos
propósitos do Senhor, se for dirigido mais pelo bem do que pelo zelo,
energia e maquinário publicitário humanos, como tão freqüêntemente ocorre.
Portanto, devemos guardar-nos contra a tendência carnal de praticar algo
simplesmente porque pode representar a última moda do dia. Que o Senhor
nos guarde de cair no perigo da antiga Israel quando a esmo "seguiram as
práticas das nações"!
Não
obstante, não há algo que tenhamos de adotar da prática apostólica de reunir-se
em casas? Não deveriam ser as reuniões da igreja nas casas mais regra
do que exceção, devido aos benefícios vinculados a elas? Ainda que apenas
por isto, não deveríamos arrepender-nos de nossa crítica carnal e injustificado
temor dessas igrejas que se reúnem exclusivamente em casas, às quais condenamos
erradamente a uma posição subnormal? Que Deus nos livre de adotar insensatamente
o atual complexo de edifício porque é o convencional que se tem de
fazer.
Tendo
examinado a evidência bíblica, a pergunta que fica na nossa mente com respeito
à localização da reunião eclesial, não deve ser: "Por que alguns se reúnem
em lares?", mas: "Por que muitos não se reúnem em lares?"
CAPÍTULO 4
A NATUREZA DA IGREJA LOCAL
A
Bíblia é inegavelmente clara ao dizer que todos aqueles nos quais mora a
vida da Cabeça Ressuscitada, constituem a igreja. O envolvimento natural
desta gloriosa verdade é que a igreja é uma família cujos membros
estão unidos, organicamente relacionados entre si e inseparavelmente chegados
pela vida divina. Sendo este o caso, você não pode unir-se à igreja.
Se você está no Ungido, você já está unido, e por nascimento.
Bem
como nossos membros estão unidos a nosso corpo físico pela vida, e não por
uma organização, convite, exame ou catecismo, assim também estamos unidos
a Jesus Cristo e a seu Corpo simplesmente pela vida . Se você é um crente
no Ungido, então você compartilha uma nova vida com todos os demais crentes
nascidos do alto. Ao fazer-se cristão, você tornou-se parte de uma nova
família, e esta família se chama igreja.
É
por esta razão que, com freqüência, os escritores do Novo Testamento se
referem à igreja como "a casa" ou "a família" de Deus (Gálatas 6:10; Efésios
2:19; 1 Timoteo 3:15; Hebreus 3:6; 10:21; 1 Pedro 2:5). De fato, enquanto
os escritores neotestamentários descrevem a igreja com uma variedade de
diferentes imagens —tais como um corpo, uma noiva, uma nação, um sacerdócio
e um exército—, sua metáfora favorita é a família. Em todos os documentos
neotestamentários podemos achar intercalados livremente termos familiares
(relacionados com ‘família’) tais como ‘novo nascimento’, ‘filhos de Deus’,
‘irmãos’, ‘irmãs’, ‘pais’, ‘casa’ e outros. Mas, igualmente como ocorre
com a maior parte da verdade divina, há uma vasta diferença entre dar um
mero consentimento mental à natureza de família da igreja e destacar seus
sóbrios envolvimentos. E é neste último que vou fixar-me ao longo deste
capítulo.
Normas Familiares
Para
compreender que a igreja é a família de Deus, abordemos em primeiro lugar
a desafiante questão de como vive uma família. Uma família normal vive sob
o mesmo teto, verdadeiro? Os membros de uma família (sã) cuidam-se uns dos
outros, passam o tempo uns com os outros, admoestam-se, confortam-se uns
aos outros, servem uns aos outros e atendem uns aos outros. Tipicamente,
as famílias comem todos juntos e saúdam uns aos outros com afeto. É interessante
o fato de que a igreja primitiva encarnava todas estas normas familiares
(Atos 2:46; Romanos 12:10, 13, 16; 1 Coríntios 16:20; 2 Coríntios 13:12;
Gálatas 5:13; 1 Tessalonicenses 5:26; 1 Pedro 5:14).
Não
é este o quadro que está adiante de nós o tempo todo ao longo do livro de
Atos? Lucas nos diz que os cristãos primitivos "estavam juntos, e tinham
em comum todas as coisas" (2:44). Informa-nos que "perseveravam unânimes
a cada dia no templo" (2:46), e que "a multidão dos que creram era de um
só coração e alma; e nenhum dizia ser seu próprio nada do que possuía, senão
que tinham todas as coisas em comum" (4:32). E por que? Porque a igreja
é uma família.
O
sentido de família e de comunidade era tão elevado entre os crentes primitivos,
que se disse que o sistema cristão de atendimento (beneficência) no primeiro
século era a terceira influência mais eficaz no império romano. Se você
fosse um cristão no primeiro século, não precisava ter nenhum seguro. A
igreja local era seu seguro, porque os irmãos tinham um apelo divino de
levar o ônus da comunidade de crentes (Romanos 12:13; Gálatas 6:2, 9, 10;
Hebreus 13:16; I João 3:17, 18) e o levava (Atos 6:1-7; 1 Timóteo 5:2-16;
Hebreus 6:10). E por que? Porque a igreja é uma família.
Na
igreja primitiva se recebia de braços abertos os novos convertidos. Não
os ignorava nem os tratava com receio irracional. Na assembléia as crianças
eram olhadas como as crianças da igreja, e os interesses de cada crente
individual eram considerados como interesses da igreja (Filipenses 2:4).
Os cristãos primitivos cuidavam uns dos outros e assumiam responsabilidade
uns pelos outros, porque se consideravam como uma comunidade de vida compartilhada
—um extenso lar de irmãos e irmãs, de pais e mães (Marcos 10:29, 30). E
por que? Porque a igreja é uma família.
A
maioria dos estadunidenses modernos não vacilam em ajudar os membros de
sua família (física), quando algum desses familiares tem dificuldades econômicas.
Mas quantos cristãos modernos reagem da mesma maneira quando seu irmão ou
irmã no Senhor têm dificuldades econômicas similares? Experimentamos um
sentido de obrigação familiar para ajudá-los, ou nos sentimos separados
de sua situação? Semelhante pergunta perturbadora põe à prova penosamente
nossa pretensa crença de que a igreja é realmente uma família.
É
refrescante notar que os cristãos primitivos não se viam forçados a ir ao
governo secular pedir por uma assistência econômica. Em vez disso, a comunidade
de crentes assumia a responsabilidade por aqueles que tinham necessidade
(2 Coríntios 8:12-15; Romanos 12:13), considerando-os como "dela propria".
Segundo as palavras de Paulo, os crentes primitivos se consideravam como
"membros uns dos outros" (Efésios 4:25). Sendo isto assim, os cristãos primitivos
operavam sobre o princípio do cuidado mútuo: "O que recolheu muito, não
teve mais; e o que pouco, não teve menos." E por que? Porque a igreja é
uma família.
Na
igreja neotestamentária os irmãos se apreciavam uns aos outros e as relações
eram eminentes. Pondo isto no contexto dos tempos modernos, se você tinha
comunhão com um grupo de crentes numa localidade e mais adiante se mudava
para outra comunidade, o primeiro grupo não interrompia sua relação com
você. E por que? Porque a igreja é uma família; mais ainda, a igreja inteira
é uma família e não uma seção particular dela. Quando nossos parentes consanguíneos
se mudam a outra parte, interrompemos nossa relação com eles simplesmente
porque estão fora da vista? Quão mais fortes são os laços da vida divina
do que o sangue humano?
Comunidade ou Corporação?
Significativamente,
os escritores neotestamentarios não usam nunca a aparência de uma corporação
comercial para descrever a igreja. Diferentemente da igreja institucional,
os cristãos primitivos não conheciam coisas como gastar quantidades colossais
em programas e projetos de construção, em vez de assumir os ônus de seus
irmãos. Muitas igrejas contemporâneas vieram a ser essencialmente nada mais
que empresas muito poderosas, que se parecem mais à General Motors
do que à comunidade apostólica. Com uma excelente eloquência Hal Miller
escreve:
Desafortunadamente, a metáfora que domina à
maior parte da cristiandade estadunidense não nos ajuda muito; comumente
visualizamos a igreja como uma corporação. O pastor é o CEO (Oficial Executivo
Principal); há comitês e juntas. O evangelismo é o processo industrial mediante
o qual fazemos nosso produto, e as vendas podem ser traçadas num diagrama,
comparadas e previstas. Assim, este processo industrial tem lugar numa economia
de crescimento, de modo que toda igreja/corporação cujas cifras de venda
não superaram às do ano passado, está em dificuldades. Os estadunidenses
são bastante ingênuos em sua atadura à metáfora de corporação. E a mesma
não é nem sequer bíblica ("Church as Body, Church as Family /A igreja como Corpo, a igreja
como família", em Voices in the Wilderness, maio/junho 1989).
Lamentavelmente,
muitos cristãos modernos sucumbiram à embriagante sedução de uma sociedade
individualista, materialista, de orientação mercantil, conduzida pelo consumidor,
interessada e egoísta. Por contraste, a igreja neotestamentária não se encerrou
numa mentalidade de ‘como sempre’, ‘quanto maior, melhor’. Não sabia nada
sobre um pessoal profissional pago que mantivesse os demais irmãos em uma
distância prudente (sendo apenas verdadeiramente informais com outros profissionais
da mesma profissão). Também não sabia nada sobre um sistema de castas separado,
na qual aqueles que eram elevados a posições de autoridade oficial, olhavam
acima do ombro a seus irmãos parceiros através de lentes artificiais de
espelhos clericais.
Pelo
contrário, os líderes da igreja neotestamentária consideravam a si mesmos
como meros irmãos —membros da mesma família— que não tinham nenhuma designação
que tendesse para a separação. Cada membro, inclusive cada líder, era facilmente
acessível aos demais membros. O espírito de comunidade, de relação pessoal
e de união era preeminente entre todos os cristãos primitivos. Tinham intimidade,
eram interdependentes, crescendo sempre juntos para chegar à Cabeça. Dessa
maneira, os crentes primitivos não só professavam ser uma família, mas viviam
como uma família.
Em
suma, a igreja revelada na Bíblia é uma família amorosa, não um negócio.
É um organismo vivo, não uma organização. É a expressão corporativa do Senhor,
não uma corporação religiosa. É a comunidade do Rei, não uma máquina hierárquica
bem lubricada. Este ensino não se acha apenas nos exemplos mostrados em
Atos, mas está salpicado ao longo das epístolas paulinas, atingindo seu
ponto mais elevado nas cartas de João. Na linguagem dos apóstolos, a igreja
se compõe de infantes, meninos, irmãos, irmãs, jovens, mães e pais —a linguagem
e conjunto de imagens de uma família (1 Coríntios 4:15; 7:15; 1 Timóteo
5:1, 2; Tiago 2:15; 1 João 2:13, 14).
A Singeleza do Ungido
Tragicamente,
o cristianismo se tornou algo muito apartado do que era no primeiro século.
A igreja se tornou demasiado complexa, e de muitas maneiras caiu dessa sua
posição espiritual e celestial. Mais especificamente, a igreja voltou a
ser algo que se parece mais com um negócio, do que com aquilo que Deus propôs
que fosse —uma bem unida comunidade solícita e compassiva ao estilo do Ungido,
centrada na Pessoa do próprio Jesus Cristo. A advertência de Paulo soa exatamente
tão real hoje como soava no primeiro século:
O zêlo que tenho por vocês é um zêlo que vem
de Deus. Eu os prometi a um único marido, Cristo, querendo apresentá-los
a Ele como uma virgem pura. O que receio, e quero evitar, é que assim como
a serpente enganou Eva com astúcia, a mente de vocês seja corrompida e se
desvie da sua SINCERA E PURA DEVOÇÃO A CRISTO /da SIMPLICIDADE QUE ESTÁ EM
CRISTO —Versão inglesa King James/(2 Coríntios 11:2, 3).
Oh, a simplicidade que está no Ungido!
A.W.
Tozer assinala muito bem a obsessão da cristiandade moderna com respeito
ao poder, e sua tendência para a complexidade, coisas que agridem a visão
bíblica da igreja como uma família:
As igrejas correm para a complexidade como os
patos correm para a água. Que há por trás disto? Em primeiro lugar, creio
que isso surge de um desejo natural mas carnal de parte de uma minoria talentosa,
de trazer a uma maioria menos dotada à submeter-se a eles, para levá-la
de forma a não impedirem suas crescentes ambições. O seguinte ditado, citado
freqüentemente, serve tanto para a religião como para a política: ‘O poder
corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente.’ O desejo de ser uma
celebridade é uma doença para a qual não se encontrou nunca nenhuma cura
natural... Em nossa vida completamente decaída há uma forte tração gravitacional
para a complexidade, que nos afasta das coisas simples e reais. Parece que
há uma espécie de triste inevitabilidade por trás de nosso mórbido impulso
para o suicídio espiritual. Apenas mediante o discernimento profético, a
oração vigilante e o árduo trabalho podemos inverter esta tendência e recuperar
a glória perdida (God Tells the Man Who Cares
/Deus revela-se ao homem que se interessa/).
Quanto
almeja o Senhor que seu povo retorne à simplicidade e à pureza que caracterizavam
à igreja primitiva —a simplicidade e a pureza qsão as características principais
de uma vibrante e amante família. Não é este o mesmíssimo anseio que suspira
constantemente no recôndito do coração de cada pessoa —o desejo de ser parte
ativa de uma acolhedora e solícita família? Não é isto o que nossos jovens
estão procurando e a estão substituindo a esmo por ligas, cabarés, seitas,
fraternidades revoltosas, desenfreadas irmandades femininas, relações sexuais
superficiais e coisas semelhantes?
Dito
claramente, uma igreja pode ter a mais alvoroçante música de louvor, os
maiores oradores e os melhores programas evangelísticos, mas se não funciona
como uma família genuína, bem unida e ministrante, então não pode chamar-se
com justiça de igreja bíblica! Recordemos sempre que o amor é o distintivo
da ejkklesiiva /ekklesia/ cristã.
Que
o Senhor nos ajude a experimentar a igreja como uma família real, em vez
de apenas em mera retórica, e que Ele nos livre dessa mentalidade estadunidense
de corporação, que converteu nossas igrejas locais em clubes sociais, máquinas
políticas, sacerdócios passivos e famílias ‘disfuncionais’, que sustentam
a noção não bíblica de um sistema de clero/leigo. Retornemos à realidade
neotestamentária de que se pertencemos a Jesus Cristo, então pertencemos
ums aos outros. E vivamos como a família de Deus, de tal modo que
se cumpram as palavras de nosso Salvador: "Nisto sereis conhecidos como
meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros."
CAPÍTULO 5
A LIDERANÇA DA IGREJA LOCAL:
QUEM ERAM ELES?
O tema da liderança é um dos assuntos
mais importantes (e recorrentes) que se têm de tratar em qualquer análise
da prática da igreja. Toda igreja tem liderança. Tendo ou não uma igreja
estruturas de liderança explícitas ou implícitas, a liderança sempre está
presente. Nas palavras de Hal Miller: "A liderança existe. Pode ser
boa ou má. Pode ser reconhecida e ter ou não aquiescencia. Mas sempre existe"
("Nuts and Bolts of Leadership and Authority" /Os parafusos e as
porcas da liderança e da autoridade/, Voices Newsletter, Nou 4).
Dependendo de quem está na direção, a liderança pode ser o pior pesadelo
da igreja ou o seu mais importante elemento para ser bem sucedida.
Devido ao fato de que a liderança
tem o potencial de chegar a ser tanto um amo cruel como um servo útil, há
uma tremenda necessidade de que os cristãos lancem uma nova olhar sobre
este tema. (Note você que ao longo deste livro eu uso a palavra "liderança"
numa concepção limitada. Concretamente, uso-a referindo-me principalmente
à responsabilidade supervisional de uma assembléia local.) Comecemos
nossa análise considerando aqueles textos bíblicos que nos proporcionam
uma clara imagem de quais pessoas constituíam a liderança da igreja primitiva:
De Mileto, Paulo mandou chamar os ANCIÃOS da
igreja de Éfeso. Quando chegaram, ele lhes disse: "Vocês sabem como vivi
todo o tempo em que estive com vocês, desde o primeiro dia em que cheguei
à província da Ásia. Servi ao Senhor com toda a humildade e com lágrimas,
sendo severamente provado pelas conspirações dos judeus... Cuidem de vocês
mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo os colocou como
BISPOS, para PASTOREAREM A IGREJA DE DEUS, que ele comprou com o Seu próprio
sangue. Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes penetrarão no meio
de vocês e não pouparão o rebanho. (Atos 20:17, 28, 29)
Rogo aos ANCIÃOS que estão entre vocês, eu ancião
tanto quanto eles, e testemunha dos padecimentos de Cristo, que sou também
participante da glória que será revelada: APASCENTAI O REBANHO DE DEUS que
está entre vocês, CUIDANDO dele, não por força, mas voluntariamente; não
por ganho desonesto, mas com desejo de servir; não ajam como dominadores
DOS QUE LHES FORAM CONFIADOS, mas como exemplo para o rebanho. Quando se
manifestar o SUPREMO PASTOR, vocês receberão a imperecível coroa da glória.
(1 Pedro 5:1-4)
A razão de tê-lo deixado em Creta foi para que
você pusesse em ordem o que ainda faltava e constituisse ANCIÃOS em cada
cidade, como eu o instruí. É preciso que o ANCIÃO seja irrepreensível, marido
de uma só mulher, e tenha filhos crentes que não sejam acusados de libertinagem
ou de insubmissão. Por ser encarregado da obra de Deus, é necessário que
o BISPO seja irrepreensível: não orgulhoso, não briguento, não apegado ao
vinho, não violento, nem ávido por ganho desonesto. (Tito 1:5-7)
Anciãis, Pastores e Bispos*
Os
textos anteriores mostram claramente que a liderança da igreja local era
posta nas mãos de um grupo de crentes conhecidos como "anciãos". Os anciãos
eram homens da localidade, que estavam mais avançados espiritualmente do
que o resto dos crentes na assembléia local. O termo grego traduzido como
‘ancião’ (presbuvteros /presbíteros/) simplesmente quer dizer um homem
maduro. Portanto não se deve pensar em ancião como um ofício que fica vago
até que ser ocupado por alguém. Pelo contrário, os anciãos da igreja primitiva
eram simples irmãos, geralmente homens de idade madura. Também eram chamados
de "bispos" (supervisores), um termo que descreve sua função em supervisionar
dos assuntos da igreja. Além disso, eram chamados de "pastores", porque
eles eram responsáveis para corrigir, ensinar, instrir e guardar o rebanho
dos predadores espirituais. (Enquanto todos os anciãos eram "aptos para
ensinar" e possuíam o dom de pastorear, nem todos os que pastoreavam e ensinavam
ao rebanho eram anciãos —Tito 2:3, 4; 2 Timóteo 2:2, 24; Hebreus 5:12.)
Portanto,
segundo o Novo Testamento, os anciãos eram bispos (supervisores) e pastores.
O termo ‘ancião’ se refere a seu caráter, o termo ‘bispo’ se refere
a sua função, e o termo ‘pastor’ se refere a seu dom. Sua
responsabilidade principal era supervisionar a comunidade de crentes.
Analisar a função das mulheres na liderança vai além do alcance deste livro,
mas parece que o Novo Testamento distingue entre ministério e supervisão.
Portanto, enquanto as mulheres têm liberdade para funcionar em qualquer
dom outorgado pelo Espírito Santo, não têm para supervisionar os
homens. Dito de outro modo, as irmãs podem ministrar na igreja mediante
a profecia, a instrução, a exortação, o testemunho, o canto, a confortação,
etc., mas a disposição divina não lhes permite supervisionar os assuntos
da assembléia (compare-se Atos 2:16-18; 18:26; 21:8, 9; 1 Coríntios 11:4,
5; Gálatas 3:28; Tito 2:3, 4 com 1 Coríntios 11:1-3; 14:34, 35; 1 Timóteo
2:11-15).
O Princípio da Liderança Compartilhada
O
Novo Testamento apresenta uma visão de liderança compartilhada. Ao longo
do mesmo descobrimos que os apóstolos sempre estabeleceram uma liderança
plural dentro das assembléias que tinham fundado. Lucas nos relata
que os apóstolos constituíram anciãos (plural) em cada igreja (Atos
14:23). Desde Mileto, Paulo os enviou a Éfeso e mandou chamar os anciãos
(plural) da igreja (Atos 20:17). Quando Paulo escreve à igreja de Filipos,
saúda os santos e os bispos (plural) presentes (Filipenses 1:1).
Finalmente, Tiago pede aos enfermos que chamem os anciãos (plural) da igreja
(Tiago 5:14).
Além
dessas, ofereço a seguinte série de passagens para consideração: Atos 9:30;
11:1, 29, 30; 15:2-6, 22-40; 16:2; 17:10; 18:27; 20:17; 21:17, 18; Efésios
4:11; 1 Tessalonicenses 5:12, 13; 1 Timóteo 4:14; 5:17-19; Tito 1:5; Hebreus
13:7, 17, 24; 1 Pedro 5:1, 2. Nestas passagens você verá que a Bíblia demonstra
solidamente que as igrejas primitivas eram supervisionadas por uma pluralidade
de líderes (anciãos), o que se opõe a um líder único (pastor, sacerdote
ou bispo). Aqueles que enfatizam os líderes únicos do Antigo Testamento
para justificar a prática popular do "pastor único" cometem dois
erros. Primeiro, passam por alto o fato de que todos os líderes ‘únicos’
do Antigo Testamento —inclusive José, Moisés, Josué, David e Salomão— serviram
como tipos do Senhor Jesus Cristo, bem mais do que como oficiais (cargo)
humanos da igreja. Segundo, ignoram o modelo de liderança claramente mostrado
em todo o Novo Testamento. Watchman Nee observa esse aspecto:
Geralmente, a primeira pergunta que se faz com
respeito a uma igreja é: ‘Quem é o ministro?’ O conceito que tem na mente
o que pergunta é: ‘Quem é o homem responsável por ministrar e administrar
as coisas espirituais na igreja?’ O sistema clerical da administração da
igreja é sumamente popular, mas todo este conceito é alheio às Escrituras,
onde vemos que a responsabilidade pela igreja é encomendada a anciãos, não
a ‘ministros’, como tais; e os anciãos apenas fazem a supervisão da obra
da igreja, não a realizam no interesse dos irmãos. Se, num grupo de crentes,
o ministro é ativo e os membros da igreja são todos passivos, então esse
grupo é uma missão, não uma igreja. Numa igreja todos os membros são ativos...
Deus determinou que todo cristão seja um ‘obreiro cristão’, e Ele constituiu
alguns para que assumam a supervisão da obra, para que a mesma possa ser
realizada eficientemente. Não foi nunca o propósito de Deus que a maioria
dos crentes se dedicassem exclusivamente a negócios seculares e deixassem
os assuntos eclesiais a cargo de um grupo de especialistas espirituais (The Normal Christian Church Life /A vida eclesial
cristã normal/).
No
Novo Testamento todos os anciãos estavam em pé de igualdade. Ainda que alguns,
não cabe dúvida, fossem espiritualmente mais maduros do que outros, não
tinha nenhuma estrutura hierárquica entre eles. Uma cuidadosa leitura do
livro de Atos mostrará que, com freqüência, Deus usava diferentes líderes
da igreja como vozes temporárias para ocasiões específicas, nenhum líder
ocupava um permanente ofício de supremacia sobre os demais. Dito de outra
maneira, a igreja primitiva não escolhia um homem dentre o colégio de anciãos
para elevá-lo a uma posição superior de autoridade. Consequentemente, ofícios
modernos tais como ‘pastor decano’, ‘ancião principal’ e ‘pastor principal’
sinplesmente não existiam na igreja primitiva.
Neste aspecto, o sistema popular de pastor único de nossos dias era totalmente
estranho para a igreja neotestamentária. Em nenhuma parte do Novo Testamento
encontramos algum ancião convertido à posição de super apóstolo e investido
com uma autoridade governamental e administrativa suprema sobre o rebanho
e acima dos outros anciãos. Este grau de autoridade estava reservado apenas
para uma pessoa, o próprio Senhor Jesus. Ele, e apenas Ele, era a Cabeça
exclusiva da igreja. Apenas o Senhor tinha a posição suprema de Comandante
em Chefe em cada assembléia local — não meramente em forma retórica, mas
na realidade!
Portanto,
a liderança plural na igreja local protegia a exclusiva condição de Cabeça
do Ungido. Isso servia como um impedimento contra o despotismo e contra
a corrupção dentro da liderança. Ademais, providenciava uma intensa responsabilidade
(de prestar contas) entre os líderes —algo que falta desesperadamente na
moderna igreja institucional. Como Watchman Nee diz:
Ter pastores numa igreja é bíblico, mas o sistema
pastoral de hoje não é bíblico em absoluto; é uma invenção do homem... Não
é vontade de Deus que um crente seja selecionado dentre todos os demais
para ocupar um lugar de especial proeminência, enquanto os outros se submetem
passivamente à sua vontade... Pôr a responsabilidade nas mãos dos vários
irmãos, mais do que nas mãos de um indivíduo, é a maneira de Deus de salvaguardar
sua igreja contra os males que resultam do domínio de uma personalidade
forte (The Normal Christian Church
Life /A vida eclesial cristã normal/.)
Liderança de Caráter Funcional
Diante da Liderança de Orientação Posicional
A
liderança da igreja local era não apenas compartilhada, era autóctone.
Isto quer dizer que os anciãos eram irmãos locais que tinham sido levantados
e desenvolvidos espiritualmente dentro do âmbito da assembléia local. Em
conformidade, a prática aceita de importar um líder (tipicamente um pastor)
de outra localidade para que governe uma igreja, não tem nenhuma base neotestamentária.
Pelo contrário, os anciãos eram homens residentes a quem Deus tinha levantado
no meio da assembléia existente, para que assumissem a responsabilidade
por ela.
Ademais,
sua autoridade estava mais limitada à sua função e maturidade espiritual,
do que a um ofício sacerdotal que tivesse sido conferido a eles externamente
por meio de uma ordenação. Depois que o Espírito Santo escolhia aos
anciãos internamente, os apóstolos confirmavam depois seu apelo externamente;
conquanto, a função precedia à forma (Atos 14:23; 20:28; Tito 1:5). Portanto,
é um erro trágico igualar a confirmação apostólica com o estabelecimento
de um sistema de classes separadas, tal como a profissão clerical de nossos
dias. A confirmação apostólica não era mais do que o reconhecimento público
daqueles do que já estavam funcionando como anciãos (pastoreando) na assembléia
(vide Números 11:16 com respeito a este princípio). Os termos gregos traduzidos
como "constituir" e "estabelecer", em Atos 14:23 e Tito 1:5, simplesmente
significam reconhecer a alguém que outros já sancionaram.
Desafortunadamente,
a propensão estadunidense de ter ‘ofícios’ e ‘postos’, fez com que muitos
crentes transpusessem estas idéias ao texto bíblico e olhassem os anciãos
em tais termos. Semelhante maneira de pensar não apenas confunde a liderança
da igreja primitiva com convencionalismos sociais modernos, como também
despoja de seu significado original a terminologia de liderança achada na
Bíblia. No grego, ‘ancião’ quer dizer homem maduro, ‘pastor’ significa aquele
que alimenta e protege, e ‘bispo’ (supervisor) é aquele que supervisiona.
Dito claramente, a noção neotestamentária de liderança é mais funcional
do que oficial. O Novo Testamento nunca contempla líderes da igreja
como ‘oficiais’, nem fala nunca de ‘ofícios’ eclesiais. (Assim, em Atos
1:20; Romanos 11:13; 12:4; e 1 Timóteo 3:1, 10, 13 a palavra "oficio" que
aparece em algumas versões,* não tem equivalente no texto grego.
Ademais, em 1 Timóteo 3:1 Paulo descreve bispo /supervisor/ como uma função,
dizendo: "Se alguém deseja ser bispo, deseja uma nobre função".)
A
verdadeira autoridade espiritual está baseada mais na função do que na posição
relativa; está arraigada na vida espiritual, não numa posição titular.
Dito de outra maneira, a liderança neotestamentária se pode entender melhor
em termos de verbos do que em termos de nomes . Desta maneira, nosso Senhor
Jesus recusou a autoridade de procedência hierárquica de seus dias; porque
aos olhos dEle, a autoridade espiritual se acha mais numa função do que
num cargo externo.
Características Morais dos Anciãos
Os
anciãos do Novo Testamento eram homens de um provado caráter moral, não
de extraordinários talentos (1 Timóteo 3:1-7; Tito 1:5-9). Eram líderes-servos
(ou como a Robert Banks costuma dizer, "servos dirigentes"), não condutores
de escravos (Mateus 20: 25, 26). Eram homens de provada espiritualidade
e fidelidade, não administradores de muita autoridade nem experientes gerentes.
Eram exemplos para o rebanho, não amos do mesmo (1 Pedro 5:3). Funcionavam
como escravos, não como césares espirituais (Lucas 22:24-27). Eram facilitadores,
não tiranos. Dirigiam como pais humildes, não como déspotas (1 Timóteo 3:4;
5:1). Eram persuadidores da verdade, não autócratas eclesiásticos cujos
egos medravam no poder (Tito 1:9). Eram nutridores, não intimidadores
(1 Tessalonicenses 2:7, 8) —superintendentes espirituais, não pregadores
profissionais (Atos 20: 28-35). Eles não trabalhavam no lugar dos outros,
mas supervisionavam outros conforme trabalhavam.
Os
anciãos neotestamentários eram procuradores do reino, não estabelecedores
de impérios. Eram cristãos comuns e constantes, não atores de muitos talentos,
ultraversáteis, super humanos, idolatrados, semelhantes a celebridades.
Sua idoneidade não provinha de escolas profissionais nem de licenças senão
do Espírito do próprio Deus (Atos 20:28). Sua formação não era puramente
acadêmica, formal ou teológica, mas prática e funcional, sendo cultivada
no contexto da própria vida eclesial e através de relações de assessoramento
com outros homens piedosos (Atos 14:21-23; 2 Timóteo 2:2). Não se consideravam
idôneos para dirigir por causa de uma combinação de habilidades na contabilidade,
no falar em público e na psicologia, mas por um genuíno crescimento na vida
do Ungido mediante a obra direta da cruz.
Os
anciãos bíblicos não eram considerados especialistas religiosos, mas irmãos
fiéis. Não eram clérigos profissionais, mas (normalmente) homens de família
que tinham trabalhos seculares (Mateus 10:8; Atos 20:17, 32-35; 2 Coríntios
2:17; 1 Tessalonicenses 2:9; 2 Tessalonicenses 3:7-10; 1 Timóteo 6:5; 1
Pedro 5:2, 3). Devido ao seu labor incansável, alguns dos anciãos recebiam
oferendas voluntárias dos irmãos como prenda de bênção (Gálatas 6:6; 1 Timóteo
5:17, 18). No entanto, não se deve confundir as dádivas periódicas que recebiam,
com os cargos com salário fixo dos ministros profissionais de nossos dias.
Não se deve confundir também com a sustentação biblicamente justificada
dos obreiros apostólicos itinerantes que viajam de região a região
para estabelecer assembléias locais (1 Coríntios 9:1-18).
Devido
ao fato de Paulo ser um apóstolo, tinha o legítimo direito de receber um
perene sustento econômico de parte do povo de Deus. Mas, intencionadamente,
Paulo renunciou a este direito, quanto às assembléias que ministrava localmente
(1 Coríntios 9:14-18; 2 Coríntios 11:7-9; 12:13-18; 1 Tessalonicenses 2:6-9;
3:8, 9). Paulo não queria agravar economicamente a nenhuma igreja, enquanto
a servia em sua localidade. De maneira que o princípio paulino relativo
ao sustento econômico se resume na frase "...quando estava entre
vocês... a nenhum fui ônus" (2 Coríntios 11:9). Este princípio revela a
sóbria realidade de que a igreja neotestamentária não tinha conhecimento
algum sobre um clero residente, assalariado. Steve Atkerson destaca destramente
este ponto dizendo:
Em Atos 20 Paulo dá instruções específicas aos
anciãos da igreja de Éfeso a respeito de seus deveres como anciãos. Quanto
às finanças, Paulo assevera que ele não cobiçara prata nem ouro de ninguém,
e que ele bancava seus próprios gastos trabalhando duro com "suas mãos"
(20:34 , 35; 18:1 e ss.). Seguindo o exemplo de Paulo, os anciãos deviam
também ganhar a vida com um trabalho secular para poder ajudar aos necessitados
e praticar as palavras do Senhor Jesus, de que "Mais bem-aventurado é dar
do que receber". Assim, pois, de Atos 20:32-35 fica claro que os anciãos
têm de estar numa situação econômica tal que possam dar à igreja, e não
receber dela... Deve a igreja empregar pastores profissionais? Semelhante
profissão era não apenas estranha na igreja neotestamentária, era inclusive
desaprovada (Atos 20:32-35)... Criar uma classe de ministros assalariados
tende a elevá-los acima dos crentes médios e fomentar uma distinção artificial
leigo/clero. Finalmente, os vendedores tendem a ser excepcionalmente amáveis
para com aqueles a quem eles esperam vender algo. Contratar um clérigo profissional
coloca-o numa relação seimilar a de vendedor/cliente, e indubitavelmente
isso afeta, até certo ponto, seu trato com os contribuintes mais significativos
(Toward a House Church Theology /Por uma teologia
de igrejas caseiras/).
Os
líderes da igreja neotestamentária não estavam nem acima nem aparte
do rebanho. Pelo contrário, funcionavam como quem está entre eles (1 Pedro
5:1-3). (Note-se que a palavra grega proivisitmi /próϊstamevnous –proistamenus/ traduzida como "que estão
sobre vocês" ["vos presidem", na versão inglesa Rainha-Valera] em 1 Tessalonicenses
5:12, tem mais o conceito de alguém que vai à frente ou está adiante
de outrosdo que de alguém que governa sobre eles.*
Cabe dizer o mesmo a respeito dos textos em Hebreus 13:7, 17 e 24.) George
Mallone observa com perspicácia:
Contrário ao que nos agradaria crer, os anciãos,
pastores e diáconos não estão numa cadeia de comando, ou de pirâmide hierárquica,
que os coloca sob O Ungido e sobre a igreja. Os líderes de uma igreja bíblica
são simplesmente membros do Corpo do Ungido, não uma oligarquia seleta.
São membros os quais Deus escolheu para dotá-los de certos carismas (Furnace of Renewal /Forno
da renovação).
De
conformidade com o mandamento de nosso Senhor, os líderes neotestamentários
não permitiam serem chamados com títulos honoríficos tais como "Pastor Pérez",
"Ancião Tomás", "Bispo Santiago", "Ministro João" ou "Reverendo Samuel"
(Mateus 23:7-12). Naturalmente, semelhantes títulos elevam os líderes eclesiásticos
a um plano que está em cima dos demais irmãos da assembléia. Portanto, as
congregações e o clero são igualmente responsáveis por criar o corrente
‘guruísmo cristão’, generalizado hoje no Corpo do Ungido, no qual
alguns líderes religiosos são considerados celebridades espirituais e elevados
à condição de membros de um clube de fanáticos.
Ao
invés disso, os líderes neotestamentários eram considerados como irmãos
comuns e naturais. Como tais, eram geralmente tão comunicativos e acessíveis
aos santos como qualquer outro crente na igreja. Por esta razão, 1 Tessalonicenses
5:12, 13 exorta os santos a conhecerem intimamente seus líderes (um mandato
quase impossível de cumprir na maioria das igrejas contemporâneas, onde
o pastor é treinado para manter distância do povo, para que não "dilua sua
autoridade"). Neste aspecto, a imagem comum dos líderes eclesiásticos como
sagrados "homens do clero" é totalmente estranha ao conceito bíblico.
O Moderno Sistema Clerical
É
uma tragédia inconfundível que a percepção dominante da liderança entre
os cristãos de hoje em dia, tenha sido solapada por um marco institucional.
No que toca à liderança eclesiástica, o critério do crente médio foi plasmado
mediante as prevalecentes noções de clericalismo. No entanto, a moderna
dicotomia clero/leigo é um conceito pós-bíblico absolutamente desprovido
de toda sanção bíblica. Esta dicotomia é não apenas biblicamente inválida,
como também funciona como uma terrível ameaça ao chamamento de Deus para
que a igreja fosse —um Corpo em funcionamento. Em suma, a noção de um ‘clero
ordenado’ não apenas reflete valores hierárquicos, como também carece absolutamente
de todo mérito bíblico. Como Robert C. Girard diz:
Há um sistema de duas castas, não bíblico, firmemente
estabelecido em nossa vida eclesial. Neste sistema de duas castas há uma
casta de clérigos que é formada, chamada e paga para que desempenhe o ministério,
e se espera que o faça. E há uma casta de leigos que normalmente funciona
como um auditório que apreciativamente paga pela atuação do clero —ou critica
amargamente as falhas e defeitos que ocorrem nesse desempenho (e sempre
há falhas e defeitos). Ninguém espera muito da casta inferior ou leiga (exceto
a assistência, os dízimos e os testemunhos). E todos esperam demasiado da
casta superior ou clerical ( inclusive os próprios clérigos!) O maior problema
em todo este assunto, é o fato de que o enfoque bíblico do ministério contradiz
totalmente este sistema (Brethren, Hang Together /Irmãos, permaneçam unidos/).
Escrevendo
no mesmo tom, Howard Snyder observa:
Portanto, a doutrina neotestamentária do ministério
não repousa sobre a distinção clero/leigo, mas sobre os pilares gêmeos e
complementares do sacerdócio de todos os crentes e sobre os dons do Espírito.
Hoje em dia, quatro séculos depois da Reforma, ainda está por conseguir-se
a plena aplicação desta afirmação protestante. A dicotomia clero/leigo é
uma herança direta do catolicismo romano da pré-reforma e um retrocesso
ao sacerdócio veterotestamentário. É um dos principais obstáculos hoje para
que a igreja seja a agente de Deus para o Reino, porque cria um falso conceito
de que tão somente ‘homens santos’, isto é, ministros ordenados, são os
realmente idôneos e responsáveis para a liderança e para o ministério significativo.
No Novo Testamento há distinções funcionais entre diversas classes de ministérios,
mas não existe nenhuma divisão hierárquica entre clero e leigo (The
Community of the King /A comunidade do Rei/, usado com licença do autor).
Portanto,
os anciãos neotestamentários não eram líderes clericais, mas irmãos espiritualmente
maduros, dados pelo Espírito Santo principalmente para salvaguardar o desenvolvimento
espiritual de toda a congregação. Na realidade, eles capacitavam aos santos
para efetuar o labor do ministério (Efésios 4:11-16), e lhes ensinavam como
deviam funcionar nas reuniões eclesiais e fora delas. Tinham cuidado com
respeito aos lobos espirituais (Atos 20:28-31; Tito 1:7-14; Hebreus 13:17);
restringiam os excessivamente ativos; alentavam os passivos; admoestavam
os desordenados reprendiam os rebeldes; e confortavam os débeis (1 Tessalonicenses
5:12, 13). Além disso, capacitavam os santos para que provessem esse mesmo
ministério na igreja (1 Tessalonicenses 5:14-15).
Os
anciãos não monopolizavam o ministério nas reuniões da igreja nem alentavam
a passividade entre os membros dela. Pelo contrário, supervisionavam as
reuniões para que os demais irmãos funcionassem livremente (1 Coríntios
14:26). (Note-se que a supervisão é basicamente uma função passiva.) Sua
supervisão não sufocava a vida da congregação nem interferia com o ministério
dos crentes. Enquanto os anciãos dotados tinham uma ampla parte no ensino,
na profecia e na exortação, faziam isso em pé de igualdade com todos os
demais membros, deixando ampla oportunidade para que eles também funcionassem
de acordo a seus próprios dons. Portanto, os anciãos atuavam como ‘treinadores’
de jogadores, não como monopolizadores. A liderança da igreja neotestamentária
funcionava de todas estas maneiras, sem usurpar os direitos reais do Ungido
e sem impor um domínio avassalador sobre o povo do Senhor.
Em
contraste com a presente noção de ‘pastor’, os anciãos neotestamentários
não operavam como CEOs (oficiais executivos principais) espirituais, que
presidem sobre sua empresa espiritual e levam a cabo programas estratégicos
com o fim de estender ‘sua’ congregação. Em vez disso, os anciãos da igreja
neotestamentária estavam plenamente conscientes de que a igreja não lhes
pertencia, mas a seu amado Senhor, que era o único que tinha o direito de
andar "no meio dos candelabros". Portanto, um ancião neotestamentário indubitavelmente
se retrairia se você usasse, com respeito a ele frases como "sua igreja"
ou "seu povo".
O
dito nas páginas precedentes não tem por objeto empanar todo o clero. Sem
dúvida alguma, inumeráveis eclesiásticos se dedicaram a sua profissão com
os mais elevados motivos, e muitos deles fogem dos laços carnais vinculados
a sua profissão. Portanto , o problema não está no clero como pessoas; o
problema está no sistema ao qual eles pertencem. A profissão clerical é
uma instituição colossal que se encontra muito afastada do conceito neotestamentário
de liderança. E sua presença é suficiente para impedir a formação de igrejas
ativas, relacionais e maduras que expressem intensamente a liderança de
Jesus Cristo como Cabeça. Como o expressa Jon Zens:
Embora a distinção "clero/leigo"’ esteja arraigada
e assentada nos círculos religiosos, ela não pode ser encontrada no Novo
Testamento... Devido ao fato de que no Novo Testamento não se sabe nada
sobre "clero", o fato de uma separada casta dos ‘ordenados’ impregnar nosso
vocabulário e nossa prática, ilustra bem energicamente que ainda não levamos
muito a sério o Novo Testamento. A prática do ‘clero’ é uma heresia que
deve ser repudiada. Ataca profundamente o sacerdócio de todos os crentes
que Jesus comprou na cruz. Contradiz a forma que o Reino de Jesus tinha
de tomar quando Ele disse: "Vocês são todos irmãos." Por ser uma tradição
de homens, invalida a Palavra de Deus... O sistema clerical subsiste como
um monumental obstáculo a uma genuína reforma e renovação (The ‘Clergy/Laity’ Distinction:
A Help or a Hindrance to the Body of Christ? /A distinção clero/leigo:
Uma ajuda ou um impedimento para o Corpo de Cristo?/, em Searching Together,
Vol. 23:4).
Liderança Eclesial e Liderança do Ungido Como
Cabeça
Com
base no conteúdo anterior, os líderes da igreja neotestamentária eram simples
irmãos —homens de famílias locais — servos de Jesus Cristo, maduros
e fidedignos — cristãos normais e estáveis, que tinham a responsabilidade
de cuidar do rebanho, e de pastoreá-lo através de suas diárias provas e
bênçãos.
Tendo
isto em mira, minha oração é que o Senhor faça em pedaços a noção não bíblica
do sistema clerical profissional, que converteu as preciosas coisas do Senhor
em hierarquias castradoras, em sistemas impelidos por programas, em instituições
orientadas por si mesmas. Uma vez mais, a Bíblia não conhece nada de uma
classe separada entre líderes ordenados (clero), que governa uma classe
inferior de crentes (leigos). Neste aspecto, Jon Zens argumenta acertadamente:
A distinção católico romana ‘clero/’leigo’ foi
repassada ao protestantismo numa forma diferente. Esta distinção não bíblica
fez, e está fazendo, um dano incalculável... Se somos sensíveis às Escrituras,
devemos abolir para sempre de nosso vocabulário a comum distinção entre
‘clero’ (‘pastor’) e ‘leigo’ (o restante da igreja). Esta distinção perpetua
uma terrível falsidade —mas, desafortunadamente, reflete em todos os aspectos
nosso conceito e nossa prática (What is a Minister? —Principles
for the Recovery of New Testament Church Ministry /Que é um ministro?
—Princípios para o restabelecimento do ministério da igreja neotestamentária/,
em Searching Together, Vol. 11:3).
O
moderno sistema de pastor do protestantismo é um artefato religioso que
fez com que os membros da igreja virassem um auditório, devido a sua grande
dependência de um único líder. Esta estrutura não bíblica, dominada pelo
clero, converteu à igreja num lugar onde os cristãos se reúnem para ver
atuar os profissionais que realizam seus programas religiosos. A mesma transformou
a assembléia num centro de pregação profissional sustentado por ‘espectadores
leigos’. Em poucas palavras, o conceito clerical de liderança eclesial destrói
invariavelmente a vida corporativa. Christian Smith expressa isto belamente:
A profissão clerical é fundamentalmente contraproducente.
Seu propósito declarado é promover a maturidade espiritual na igreja —uma
valiosa meta. No entanto, na realidade efetua o contrário, promovendo uma
permanente dependência do leigo ao clero. O clero vêm a ser para suas congregações
como pais cujos filhos nunca crescem, como terapeutas cujos clientes nunca
chegam a curar-se, como mestres cujos estudantes nunca se graduam. A existência
de um ministro profissional, de tempo integral, torna demasiado fácil aos
membros da igreja não tomar responsabilidade alguma pela vida progressiva
da igreja. E por que deviam fazê-lo? Isso é trabalho do pastor (assim se
opina). Mas o resultado é que o leigo permanece num estado de dependência
passiva. No entanto, imagine uma igreja cujo pastor renunciou e não pôde
achar um substituto. Imaginariamente, com o tempo os membros dessa igreja
teriam que sair de seus bancos, reunir-se e resolver quem teria de ensinar
e quem teria de aconselhar, quem teria de solucionar as contendas, quem
teria de visitar os enfermos, quem teria de dirigir a adoração, etcétera.
Com um pouco de discernimento chegariam a compreender aquilo que a Bíblia
chama Corpo, e como um todo, passariam a fazer juntos todas estas coisas,
movendo cada um a considerar qual dom tem para contribuir, que função poderia
desempenhar para edificar o Corpo... quando voltamos à Palavra de Deus e
a lemos de novo, vemos que a profissão clerical é o resultado de nossa cultura
e história humanas e não da vontade de Deus para a igreja. Simplesmente,
é impossível criar uma plausível justificativa bíblica da instituição do
clero como a conhecemos ("Church Without Clergy" /Igreja
sem clero/, Voices in the Wilderness, Nov/Dec ’88).
Em
suma, o assunto da liderança da igreja local na realidade fica reduzido
a uma única questão rudimentar —a liderança do Ungido como Cabeça. Repousa
sobre a espinhosa questão de quem tem que ser a Cabeça, o Ungido ou nós?
Este transcendental assunto pode ser resumido assim: Teremos de seguir ratificando
um sistema (clero/leigo) e um ofício (pastor único) que não existem no Novo
Testamento, ou poremos humildemente de lado nossas idéias humanas de liderança
em favor do modelo bíblico?
O
que se expressou neste capítulo, indubitavelmente fará arquear as sobrancelhas
de alguns que lêem sua Bíblia com a lente escura do clericalismo moderno.
Confio que falei com caridade, mas a limitação imposta sobre a comunidade
crente pelo moderno sistema clerical é um assunto solene e constitui um
descrédito não pequeno no reino de Deus. Portanto , não espero uma reação
precipitada ao que disse, nem uma aprovação atordoada. Pelo contrário, peço
a meus leitores a que passem a considerar detidamente e em espírito de oração
este assunto e saquem sua própria conclusão.
Comecemos
a recuperar e a guardar o singular posto do Senhor Jesus Cristo como Cabeça
soberana de sua igreja, a fim de que Ele desate seu amado sacerdócio (de
todos os crentes) das correntes que o tem atado.
CAPÍTULO 6
A Liderança da Igreja Local:
Como Eles Dirigem?
No
capítulo anterior descobrimos que a noção moderna de "pastor", que é a forma
de liderança aceita na maioria das igrejas protestantes e evangélicas, é
totalmente estranha ao Novo Testamento. Segundo os dados bíblicos, os líderes
da igreja primitiva eram simplesmente homens locais que cuidavam da congregação.
Foi a eles que Deus deu a tarefa de supervisionar o rebanho. Na Bíblia são
chamados de anciões, de bispos (supervisores) e de pastores.
Embora
seja verdade que o Novo Testamento não promova outra forma de liderança
senão a forma compartilhada, a mera presença de uma pluralidade de anciãos
não assegura que uma igreja seja saudável. Se os anciãos não dirigem da
maneira que o Senhor Jesus prescreveu, seu efeito pode ser ainda mais daninho
para a assembléia do que o líder único. Dessa maneira, em vez de ter um
único tirano espiritual, a igreja terá vários. Esta é a razão pela
qual a questão do funcionamento da liderança na igreja é crucial.
Diferentemente
do sistema clerical moderno, os anciãos do Novo Testamento nunca foram considerados
figuras proeminentes da igreja. De fato, ao longo dos documentos neotestamentários
há um profundo desprezo à liderança. Por exemplo, as epístolas que Paulo
escreveu às igrejas nunca são dirigidas aos líderes das igrejas mas às próprias
igrejas (note-se que em Filipenses 1:1 a liderança é mencionada apenas fugazmente,
e só depois de dirigir-se à igreja . Esta omissão é muito significativa,
porque desafia vigorosamente a noção evangélica popular da preeminência
do pastor, a qual está inegavelmente em contradição com o ensino bíblico.
Ademais,
no Novo Testamento todo o tema da liderança tem muito menos destaque do
que se costuma dar na maioria dos círculos cristãos modernos. Por exemplo,
com exceção das epístolas pastorais (que foram escritas aos colaboradores
apostólicos de Paulo), o Apóstolo nunca menciona os anciãos em nenhuma de
suas outras epístolas! A principal ênfase de suas epístolas está mais centrada
no funcionamento da igreja inteira e na responsabilidade que a mesma
tem que assumir, do que na operação de sua liderança.
Autoridade Hierárquica, Posicional e Espiritual
Nas
Escrituras há muita ênfase no fato de que no reino de Deus a liderança é
drasticamente diferente da liderança habitual, tanto no mundo gentílico
como no mundo judaico. Diferentemente da noção gentílica sobre autoridade,
o enfoque cristão da liderança não vincula autoridade com poder ou estruturas
hierárquicas. Os líderes neotestamentários não dominam os santos mediante
uma hierarquia estabelecida ou cadeia de comando, como faziam os líderes
no mundo gentílico (Mateus 20:25-28). Ademais, diferentemente da noção judaica
sobre autoridade, o enfoque cristão da liderança não vincula a autoridade
com ordenação, ofício, posição, título, ou protocolos externos. Portanto
, na igreja primitiva os líderes não dirigiam com base em uma autoridade
investida de posições titulares, como faziam os líderes no mundo judaico
(Mateus 23:1-12).
A
orientação cristã de liderança vincula a autoridade espiritual com função
e maturidade espiritual. É baseada no modelo de liderança do servo, tema
comum no ensino de nosso Salvador —um modelo que milita contra a submissão
forçada, contra estruturas de autoridade excessivamente pesadas e contra
relações hierárquicas (ver Mateus 23:11; Marcos 10:42-45; Lucas 22:26, 27).
Neste contexto, o modelo cristão de liderança serviu como salvaguarda à
real e vivente liderança do Ungido (como Cabeça) e um freio contra o autoritarismo,
o formalismo e o clericalismo. O florescimento da vara de Arão é uma bela
ilustração que revela que a base da autoridade espiritual repousa na manifestação
da vida na ressurreição, mediante o serviço espiritual, mais do que num
cargo assumido (Números 17:1-12).
Portanto, os líderes da igreja primitiva dirigiam com o exemplo, não pela
coerção ou manipulação. O respeito que recebiam da congregação era diretamente
proporcional ao seu serviço sacrifício (1 Coríntios 16:10, 11, 15-18; Filipenses
2:29, 30; 1 Tessalonicenses 5:12, 13; 1 Timóteo 5:17). Sua autoridade estava
arraigada em sua condição espiritual interna e em sua função externa, não
numa posição sacerdotal assumida. Nas palavras de Pedro, eles não dirigiam
"como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos
para o rebanho" (1 Pedro 5:3).
Exemplo é uma pauta assinalada para que outros a sigam. Na medida em que
os anciãos eram exemplos, isto implica duas coisas: 1- atividade por parte
dos anciãos (eles davam o exemplo) e 2- atividade por parte dos demais irmãos
(eles seguiam o exemplo dos anciãos) . Portanto, se um ancião esperava que
outros ganhassem os perdidos era incumbencia dele mostrar diante da congregação
como ganhar almas. Por que? Porque ele dirigia com o exemplo. Como conseqüência,
a noção que sustenta que pastores não ganham almas porque "pastores não
geram ovelhas, mas que ovelhas geram ovelhas" é um exemplo clássico que
despedaça violentamente o ensino das Escrituras. Se empurramos a metáfora
pastor-ovelha além de seu significado proposto, pastores não apenas não
geram ovelhas, como também roubam sua lã e (às vezes) as comem no almoço!
Desafortunadamente, não poucos ‘pastores’ modernos são culpados de alimentar-se
das ovelhas em vez de alimentá-las (Judas 12; Ezequiel 34:1-10).
Ademais,
quando os anciãos estavam à frente da congregação na qualidade de modelos
de vida espiritual e de serviço, exortavam aos irmãos a viver e servir da
mesma maneira (1 Tessalonicenses 5:12-15). Dessa maneira alentavam os mestres
a ensinar, os pregadores a pregar os profetas a profetizar, os que exortam
a exortar, etc., tanto dentro como fora das reuniões eclesiais. Tenha-se
em conta que nas reuniões da igreja primitiva se permitia que cada membro
funcionasse segundo seu próprio dom, em vez de engendrar passividade e morte
espiritual na congregação enquanto um homem pronuncia um sermão de 45 minutos.
Para
dizê-lo de forma simples, a liderança no Novo Testamento não era uma obrigação
servil nem uma austera necessidade. Era um valioso recurso marcado
pela humildade, afinidade, serviço e exemplo piedoso.
O Paradigma da Liderança Imitada
Tragicamente,
o modelo que com freqüência se mostra para a liderança eclesial, é tomado
do mundo corporativo de negócios. O paradigma que se utiliza é um paradigma
gerencial, no qual o motivo impulsor para um líder eclesiástico é formular
uma meta definida e traçar graficamente um programa estratégico, mediante
o qual se tenta atingir essa meta. Deste modo a igreja ficou amarrada no
organizacionalismo aerodinâmico da cultura estadunidense corporativa. Como
resultado, os cristãos balizaram métodos de liderança seculares e os imitaram
como sendo biblicamente válidos. Para dizê-lo em forma simples, nossa moderna
noção da liderança eclesial se encontra culturalmente cativa do espírito
desta era!
Vendo
que, no que diz respeito à liderança, o grande peso do ensino bíblico se
perdeu nas noções prevalecentes de nossa cultura, precisamos reclamar a
base bíblica sobre este assunto. Nos faria bem recordar que a metáfora principal
traçada na Bíblia sobre a igreja não revela uma organização, mas
um organismo. Assim, a metáfora corporacional é uma metáfora tergiversada.
Como dissemos no Capítulo 4, a principal metáfora para a igreja é uma família
vivente.
Por
esta razão, o modelo bíblico para a liderança cristã é o de uma mãe e de
um pai (1 Tessalonicenses 2:6-12). Não obstante, até mesmo a imagem paternal
de liderança pode ser deformada e convertida em prosa fria, se não for considerada
sob o pano de fundo do sacerdócio geral de todos os crentes e de nossa relação
primária de uns para com os outros, como irmãos e irmãs (Mateus 23:8). Dito
claramente, os líderes da igreja neotestamentária dirigiam de uma maneira
não hierárquica, não aristocrática, não autoritária, não institucional e
não clerical. Ademais, a liderança que se visualiza no Novo Testamento é
principalmente funcional, e relacional.
Ter
a liderança da igreja local funcionando conforme os mesmos princípios que
regem um executivo corporativo num negócio ou um aristocrata num sistema
de castas imperial, não foi nunca o conceito do Senhor. É por esta razão
que os autores neotestamentários nunca optaram por usar metáforas hierárquicas
nem imperiais para descrever a liderança eclesial. Os líderes da igreja
neotestamentária são mais descritos como servos e como crianças, do que
como senhores e amos (Lucas 22:25, 26). Embora esta maneira de pensar entre
em conflito direto com o conceito popular de autoridade de hoje em dia ,
ela engrena perfeitamente com o ensino bíblico do Reino de Deus , uma esfera
em que os débeis são fortes, os pobres são ricos, os humildes são exaltados,
e os últimos são primeiros.
Reconsiderando Nossa Noção de Autoridade
A
razão principal pela qual nossos conceitos de liderança eclesial se desviaram
tanto do ensino bíblico, pode ser rastreada e achada em nossa tendência
de projetar nossas noções políticas estadunidenses de autoridade, posição
e ofício, nos escritores bíblicos e atribuí-las ao texto neotestamentário
ao interpretá-lo. Quando lemos palavras tais como "pastor", "bispo" (supervisor)
e "ancião" no Novo Testamento, tendemos a pensar neles em termos de cargos
governamentais como ‘Presidente’ e ‘Senador’. Desta maneira, consideramos
anciãos, pastores e bispos como profissões (cargos) sociológicos. Como ofícios
criados para ocupar vagas que possuem uma realidade independente das pessoas
que as preenchem. Em conformidade, atribuímos aos oficiais eclesiais uma
autoridade inquestionável sobre todos os demais crentes da congregação,
simplesmente porque ‘ocupam o cargo’.
No
entanto, a noção neotestamentária da liderança é marcadamente diferente.
Não há justificativa bíblica para a idéia de liderança eclesial oficial,
nem para a noção de que alguns crentes têm autoridade sobre outros crentes.
A única autoridade que existe na igreja é a do próprio Ungido. Os seres
humanos não têm autoridade em si mesmos; a autoridade divina está investida
apenas na Cabeça. Portanto, no Novo Testamento a autoridade é representativa.
Ou seja, os crentes podem representar e expressar a autoridade
divina, mas nunca assumir tal autoridade. Na medida em que um membro
do Corpo reflete o impulso da Cabeça, ele representa a autoridade divina.
Portanto, a boa liderança nunca é autoritária. Só dá mostras de autoridade
quando expressa a vontade da Cabeça. (Para um estudo mais completo e mais
técnico do conceito neotestamentário de liderança, autoridade e responsabilidade,
leia meu livro Who is Your Covering? /Quem é sua cobertura?/)
Depois,
a tarefa básica da liderança bíblica é facilitação, ensino e direção. O
membro é modelado pela vontade de Deus numa destas áreas. Assim, a liderança
bíblica é orientada para o serviço. Líderes são aqueles que se sobressaem
no serviço e no ministério. Isto os capacita a serem exemplos de como deve
funcionar toda a igreja. Portanto, não é de estranhar que Paulo nunca
optasse por usar nenhuma das mais de quarenta palavras gregas comuns que
expressam ‘ofício’, ‘cargo’ e ‘autoridade’ quando trata da liderança cristã.
A surpreendente realidade é que a palavra favorita de Paulo para definir
a liderança bíblica é o oposto do que a mente natural imaginaria —é diakonos /diákonos/, que significa ‘servo’ ou servidor.
Em
sua preciosa exposição de Marcos 10:42, 43, Ray C. Stedman observa:
Entre os cristãos a autoridade não deriva da
mesma fonte que a autoridade mundana, nem é exercida da mesma maneira. A
visão mundana de autoridade coloca homens acima dos outros, como numa estrutura
de comando militar, numa hierarquia executiva de negócios ou num sistema
governamental... O mundo, premido pela concorrência criada pela Queda e
sob o prisma da rebeldia e da insensibilidade da natureza humana pecaminosa,
não consegue funcionar sem o uso de estruturas de comando e de decisão executiva.
Mas como Jesus expressou cuidadosamente: "...não será assim entre vocês..."
Os discípulos precisam ter sempre uma relação uns com os outros diferente
das relações mundanas. Os cristãos são irmãos e irmãs, filhos de um Pai
e membros uns dos outros. Jesus o disse claramente em Mateus 23:8: "...porque
um é vosso Mestre, O Ungido, e todos vocês sois irmãos." Ao longo de quase
vinte séculos a igreja ignorou na prática estas palavras. No entanto, provavelmente
com a melhor das intenções, copiou repetidamente, em tudo, as estruturas
de autoridade do mundo; mudou os nomes dos executivos: para reis, generais,
capitães, presidentes, governadores, ministros, chefes de departamento,
comandantes, papas, patriarcas, bispos, administradores, diáconos, pastores
e anciões, e seguiu seu caminho alegremente, dominando os irmãos e destruindo
desse modo o modelo de serviço que nosso Senhor tinha em mira... Seguramente,
em algum lugar as palavras de Jesus: "...Mas não será assim entre vocês..."
deve encontrar algum cumprimento. Contudo, hoje em dia na maior parte das
igrejas se deu uma irreflexiva aceitação do conceito de que o pastor é a
última palavra em autoridade, doutrina e prática, e que ele é o oficial
executivo da igreja no que toca à administração. Mas, certamente, se um
papa sobre toda a igreja é ruim, um papa em cada igreja não é melhor! ("A Pastor’s Authority" /Autoridade do pastor/, Discovery
Paper #3500, Discovery Publishing).
Não
esqueçamos nunca que os anciãos eram servos do Mestre, o Senhor Jesus, o
único que possuía direitos sobre a igreja. Portanto, ao longo de todo o
Novo Testamento nunca se faz referência a nenhum líder eclesial como "cabeça"
de uma igreja. Este título se reserva exclusivamente ao Senhor Jesus. Dado
que os anciãos da congregação primitiva não consideravam a igreja como pertencente
a eles, não promoviam seus programas por pura força, nem constrangiam outros
a uma insensata submissão apelando para ‘sua posição’. Os anciãos da igreja
primitiva não funcionavam como uma oligarquia (governo absoluto exercido
por alguns) nem como uma ditadura (governo monárquico exercido por uma pessoa).
Pelo
mesmo motivo, a congregação primitiva não funcionava como nossa democracia
contemporânea. No Novo Testamento nunca se visualiza assuntos da igreja
sendo resolvidos mediante um governo majoritário. Mesmo achando que nosso
sistema democrático estadunidense está fundamentado numa teologia bíblica,
não há nem um só exemplo em todo Novo Testamento onde as decisões são tomadas
por votação.
A Norma Divina do Consenso
Qual era o modo neotestamentário para a tomada de decisões na igreja primitiva?
Era simplesmente por consenso. "Então os apóstolos e os anciãos, com
toda a igreja..." e "nos pareceu bem, tendo chegado a um acordo..."
é o modelo divino para manejar os assuntos da igreja (Atos 15:22, 25).
O
princípio do consenso está profundamente enraizado nas Escrituras. Tendo
em vista que que a igreja é um Corpo, todos seus membros devem estar de
acordo antes que ela possa avançar em obediência à sua Cabeça (Romanos 12:4,
5; 1 Coríntios 12:12-27; Efésios 4:11-16). A falta de unidade e cooperação
entre os membros denota uma falha em aceitar a Cabeça. Desta maneira um
governo majoritário e um governo dictatorial violentam a imagem coletiva
da igreja e diluem o singelo depoimento de que O Ungido é a Cabeça de um
Corpo unificado. Por esta razão, as epístolas de Paulo às igrejas estão
saturadas de mandamentos para que sejam um só corpo (Romanos 15:5, 6; 1
Coríntios 1:10; 2 Coríntios 13:11; Efésios 4:3; Filipenses 2:2; 4:2).
O
próprio Jesus Cristo ensinou que se seu povo chegasse a um acordo a respeito
de uma petição, a mesma levaria sua autoridade e chegaria ao trono do Pai
(Mateus 18:19). Significativamente, "acordo" neste texto está traduzido
do vocábulo grego sumfoneo
/sumfoneo/, do qual deriva nosso termo
‘sinfonia’. Esta palavra grega significa soar juntos e unânimes. Assim,
o significado é claro: quando a igreja está em harmonia ‘simpatia’ (unânime)
com a mente divina, Deus atua.
Ademais,
o consenso reflete a inseparável união da Deidade eterna, cuja natureza
somos (como igreja) chamados a refletir. Inclusive na dispensação veterotestamentária,
nas Escrituras consenso é associado com plenitude espiritual (vide 2 Samuel
10:15-18; 1 Crônicas 12:38-40; 13:1-4; 2 Crônicas 30:4, 5), enquanto que
separação (divisão ) é associada com ruína espiritual (1 Reis 16:21, 22;
19:18). Em suma, ns Escrituras apresentam o consenso como a maneira divina
da perfeita tomada de decisões na assembléia.
Embora
os anciãos da igreja primitiva assumissem a maior parte da supervisão espiritual
e do cuidado pastoral com respeito à congregação (Hebreus 13:7, 17, 24),
não dirigiam a igreja vociferando ordens a uma congregação passiva. Pelo
contrário, laboravam juntos com a congregação para atingir uma decisão unânime
e um mesmo sentir (Atos 1:23-25; 6:2-6; 15:22, 28). Por esta razão
o significado da palavra "obedecer" em Hebreus 13:17 é "deixar-se persuadir".
(A palavra grega usada nesta passagem para obedecer, não é upakouw /hupakuo/,
o termo comum usado para significar obediência em outras partes, mas peiqw /peitho/ [forma médio-passiva], que
significa condescender pela persuasão.)
Como
aparte, o princípio bíblico sustenta que, uma vez que tenham emergido anciãos
locais dentro da assembléia local, os obreiros apostólicos (ou "plantadores
de igrejas", na linguagem moderna) não têm nenhuma autoridade direta para
tomar decisões na mesma. Enquanto o ministério espiritual do apóstolo deve
ser bem-vindo na igreja local, a responsabilidade espiritual no que toca
à assembléia, fica posta nas mãos dos crentes locais (Atos 14:23; 20:28-31;
1 Timóteo 5:17; Tito 1:5; Hebreus 13:17). Portanto, no Novo Testamento não
existe o conceito de um governo extra local, centralizado. Na igreja primitiva,
cada assembléia estava espiritualmente unificada pela vida, mas era
autogovernada e autônoma localmente. Dito de outra maneira,
as igrejas do Novo Testamento eram independentes em organização e responsabilidade,
mas interdependentes em vida e unidade. Este é o maravilhoso desígnio de
Deus; porque quando um apóstolo não local toma controle de uma assembléia
local, a mesma torna-se nada mais que uma extensão dele mesmo. Como resultado,
a igreja vira uma seita (do apóstolo) obcurecendo o pleno depoimento de
Jesus que a mesma deveria transmitir.
Dentro
do processo de tomada de decisões da igreja, a função principal dos anciãos
era trabalhar para que se conseguisse um critério indiviso entre todos os
crentes. Portanto, sua liderança dependia mais de sua habilidade de persuadir
a congregação a ter um entendimento unânime da mente do Senhor, do que de
forçá-la a uma descarnada submissão —um exabrupto: "se vocês não se submetem
a nós, simplesmente vão ter que procurar outra igreja a onde ir". Com respeito
a isto, os anciãos neotestamentários eram homens que tinham aptidões que
alentavam e edificavam a solidariedade familiar (1 Timóteo 3:4, 5; Tito
1:6). Hal Miller define a função dos anciãos no processo consensual de tomada
de decisões da seguinte maneira:
Mesmo que os líderes da igreja estivessem submetidos
a todo o Corpo, não estavam necessariamente submetidos a nenhuma parte do
mesmo. O assunto aqui é salvaguardar o consenso da igreja como a realidade
diretiva final, sem obrigar a igreja a ficar atada ao membro menos maduro
numa determinada área... Os líderes precisam do consenso, porque este implica
em autoridade natural e constitui a única fonte pela qual sua autoridade
espiritual pode ter validade. Por outro lado, o consenso precisa de líderes
para que não se degenere em fazer aquilo que a pessoa menos sensível ao
Espírito na tomada correta de decisão queira fazer ("Leadership in the Church:
Tem Propositions" /Liderança na igreja, dez proposições/, em Searching
Together, Vol. 11:3).
Significado de Consenso
Examinemos
por um momento o significado de consenso. Por consenso eu entendo um acordo
unânime em que todos os membros da igreja chegaram, apoiando uma decisão
em particular. Conceitos de conformidade, consenso e unanimidade são praticamente
idênticos. Ao mesmo tempo em que os membros podem estar de acordo com uma
decisão podem ter também diferentes graus de entusiasmo (com alguns dando
seu consentimento ‘mas com o coração aflito’), todos chegaram unanimemente
a um ponto onde deixaram de lado suas objeções e podem respaldar a decisão
com boa consciência.
Quando
uma igreja funciona por consenso, as decisões diferem até que se consegue
um pleno acordo. Tal processo requer que todos os membros da igreja participem,
por igual, para atingir a mente do Senhor com relação a um assunto dado,
e aceitem a responsabilidade por atingí-la. Portanto, quando se atinge um
consenso, esse fato por si só elimina virtualmente toda murmuração e queixa,
já que cada membro teve parte e responsabilidade iguais na decisão. Vejamos
como expressa isto Christian Smith:
O consenso é edificado na experiência da comunidade
cristã. O mesmo requer relações sólidas, capazes de tolerar a controvérsia
mútua através dos temas de discussão. Requer amor e respeito mútuos para
escutar o outro quando há desacordo. O consenso requer pois mais um dedicado
esforço para conhecer e compreender a outros do que um desejo de convencê-los
ou apressá-los na tomada de decisão. O consenso, como meio para tomar decisões
na igreja, não é o meio mais fácil, mas é o melhor meio. Parafraseando Winston
Churchill, o consenso é a pior forma de tomar decisões numa igreja, com
exceção de todas as demais. O consenso não é forte em eficiência, se com
ele queremos dizer facilidade e rapidez. Pode tomar muito tempo para resolver
assuntos, o que pode ser bastante frustrante... O consenso fortalece a unidade,
a comunicação, a disponibilidade à direção do Espírito, e a participação
responsável no Corpo. Considerando esses valores, o consenso é eficiente.
Portanto, decidir mediante consenso simplesmente requer a confiança de que
unidade, amor, comunicação e participação são mais importantes no sistema
cristão, do que decisões rápidas e fáceis. O consenso requer a compreensão
de que, fundamentalmente, o processo é tão importante quanto o resultado.
A forma como tratamos uns aos outros na tomada conjunta de decisões é tão
importante quanto aquilo que realmente decidimos (Going to the Root /Indo à raiz /).
Enquanto,
pelo prisma de nossa mentalidade pragmática estadunidense, a prática do
consenso foi considerado idealista e ineficiente, o mesmo é a única salvaguarda
segura que garante o alcance efetivo da mente do Ungido. Mesmo que alguns
afirmem que tal método nunca funcionaria em nossos dias, o depoimento da
igreja desafia tal conceito.
A
tomada de decisões mediante o consenso foi praticada pelos hutteritas (anabatistas),
pelos quakers, pelos irmãos ‘irmãos livres’ —do ramo de Muller-Lang), bem
como por muitas fraternidades modernas que tentam seguir princípios neotestamentários
em sua vida coletiva. Sem dúvida alguma, humanamente o consenso é
impossível. Mas também o é a salvação (Mateus 19:26). No entanto, o Espírito
que mora em nós faz com que a tomada de decisões mediante o consenso seja,
tanto uma realidade prática como um testemunho frutífero da vida indivisível
do Ungido. Neste aspecto, é muito esclarecedor o depoimento de G.H. Lang:
Como alguém associado a esta igreja (a igreja
Bethesda
em Bristol, Inglaterra) durante os últimos sessenta anos, com muito gosto
testemunho que creio firmemente que a simples obediência à direção da Palavra
de Deus neste assunto, foi uma das causas principais da notavel e ininterrupta
paz e harmonia que, pela bondade de Deus, caracterizou esta igreja todos
estes anos. A razão não está distante. O hábito de esperar, antes de chegar
a tomar uma decisão sobre qualquer passo, até que o Espírito Santo que mora
em nós conduza todas as mentes a uma unidade de propósito, concede a nosso
Senhor Jesus Cristo seu próprio lugar como o único Senhor e Soberano em
sua Casa, mantendo-nos como irmãos em nossa condição de humildade, dependência
e submissão (The Churches of God /As igrejas de Deus /).
O Abismo
O
abismo existente entre a moderna prática eclesial da tomada de decisões
e o modelo neotestamentário, é realmente profundo. Isso nos leva a refletir
e perguntar por que nos desviamos tanto. Problemas como divisão na igreja,
ovelhas desviadas e lutas pelo poder clerical, nãoseriam uma consequencia
direta de nossa arrogante conclusão de que achamos uma melhor forma de dirigir
a casa de Deus no século XX? Em muitas igrejas institucionais, o pastor
(e as vezes ‘a junta’) toma decisões de forma independente da congregação
sem levar em conta os interesses e o sentido espiritual da igreja. Os membros
da igreja não têm voz nem voto nos assuntos da congregação e são estimulados
a procurar outro lugar se não se ‘alinham’.
Mesmo
assim, nas igrejas que tomam decisões por voto de maioria, aqueles que ‘perdem
no voto’ acabam objetando o critério da maioria e, às vezes, a ética dos
procedimentos. Além disso, matreiramente, passam por cima do fato de que
as Escrituras estão cheias de exemplos onde a maioria estava equivocada.
Argumentando com base em Mateus 18:18-20, Robert Banks faz a seguinte observação:
Os membros da igreja recebiam direção do alto
em assuntos que afetavam a vida da comunidade, principalmente quando se
congregavam para discernir a vontade de Deus para eles. Recebiam essa direção
do Espírito Santo mediante o exercício dos dons do conhecimento, da revelação,
da sabedoria, etc. Tanto que Paulo nunca se cansa de fazer questão de que
cada membro da comunidade assumisse a responsabilidade de dividir os conhecimentos
particulares que porventura tivesse. Estimula todos a ‘ensinar uns aos outros’,
a ‘profetizar... para que todos aprendam, e para que todos sejam exortados’,
e ‘ensinando-vos e exortando-vos uns aos outros em toda sabedoria’, porque
‘seguindo na verdade e no amor’ cresceremos ‘em tudo naquele que é a cabeça,
isto é, O Ungido’. Portanto, o ambiente mais característico onde a comunidade
recebia direção, era quando os cristãos se congregavam para compartilhar
e avaliar os dons que tinham recebido. Ali, numa variedade de formas de
dons, a direção era comunicada por meio de cada um para todos, e por meio
de todos para cada um (Paul’s Idea of Community /A idéia que Paulo
tinha da comunidade /).
Não
cabe dúvida de que o consenso é custoso, porque impõe responsabilidade sobre
todos os santos a procurar ao Senhor para si mesmos, e demanda que
se esforcem e lutem juntos para obter a mente dEle. Com freqüência quer
dizer trocar decisões apressadas por ganhar confiança mediante a dilação.
Mas, oh, que edificação conjunta depara este processo para a assembléia
—que lucro de paciência —que reflexo de amor e respeito mútuos —que exercício
de comunidade cristã —que sujeição imposta sobre a carne —que sacrifício
de levar a cruz —que morrer para nossos próprios programas! Não valeria
a pena pagar este preço para cumprir o propósito do Senhor para seu Corpo
e dar-lhe a oportunidade de atuar em nós mais profundamente no aspecto coletivo?
Será que é tão difícil alcançar a mente do Senhor em um assunto relacionado
com sua (não nossa) igreja? Porque tomar decisões apressadas que
podem afetar negativamente a vida dos irmãos e deixar de refletir a
vontade do Senhor? Esquecemos frequentemente que no pensar de Deus, os meios
são tão importantes quanto os fins.
Ao
enfocar o assunto do consenso, alguns exclamam: "É prático isto? —É possível
isto? —É conveniente isto?" No entanto, devemos compreender que no conceito
divino estas perguntas são tão improcedentes quanto (com freqüência) irreverentes.
A conveniência é um critério extremamente suspeito e perigoso, porque julga
atos no âmbito espiritual. A pergunta essencial que devemos fazer não é
"É conveniente isto?", mas "É bíblico isto?" Você pode estar seguro de que
se o Senhor, por meio de sua Palavra, mandou-nos fazer algo, isso será tão
possível quanto prático por sua graça.
Em
suma, os líderes da igreja neotestamentária dirigiam estimulando a universalidade
de dons e ministérios na congregação, ajudando a formar uma solidariedade
caseira entre os crentes, e fomentando um sentido de comunidade, coesão
e unidade dentro da igreja. A liderança bíblica não é caracterizada pela
habilidade de conquistar poder ou impor a vontade própria sobre outros,
mas pela habilidade de unificar a igreja a fim de atingir discernimentos
indivisos com respeito a assuntos críticos. Os líderes neotestamentários
provêem supervisão, ensino e direção para a congregação, mas fazem isto
dentro de um marco de submissão mútua e de responsabilidade fraternal (Efésios
5:21; 1 Timóteo 5:19, 20).
Em
geral, o Novo Testamento não sabe nada de um modo autoritário de liderança,
nem de um igualitarismo sem líderes. Recusa tanto as estruturas hierárquicas,
como o individualismo exacerbado. A liderança bíblica é simplesmente um
dos muitos dons dados pelo Espírito Santo, enumerados no Novo Testamento
(1 Coríntios 12:28). Como é o caso com todos os demais dons, a liderança
investido pelo Espírito Santo é exercida sempre no contexto de uma submissão
mútua, mais do que numa estrutura unilateral de subordinação (Efésios 5:21;
1 Timóteo 5:19, 20).
Que
o Senhor nos guarde de sacrificar sua verdade no altar da conveniência e
nos ajude a devolver, com fé sincera, nossas igrejas ao controle e governo
do próprio Senhor Jesus Cristo.
CAPÍTULO 7
CONTEÚDO DA IGREJA LOCAL
Em
sua primeira epístola à igreja de Corinto, Paulo escreve: "Assim como o
corpo é um, e tem muitos membros, todos os membros do corpo, sendo muitos,
são um só corpo, assim também Cristo..." "Vocês, pois, sois o corpo de Cristo,
e membros cada um em particular" (1 Coríntios 12:12, 27). Neste texto Paulo
declara que a igreja é o Corpo de Cristo (O Ungido). Mais especificamente,
a igreja local é o Corpo do Ungido num lugar determinado. Dito de outra
maneira, a igreja local contém a todos os que são membros do Corpo
do Ungido num lugar determinado. Portanto , se você é membro do Corpo do
Ungido, você é parte da igreja de sua área; se você não é membro do Corpo,
não constitui parte da igreja
Vida —a Única Base Para a Unidade
Seguindo
esta linha de pensamento, Paulo escreveu à igreja de Roma, dizendo: "Recebei
ao débil na fé... porque Deus o recebeu... Portanto, recebei-vos uns aos
outros, como também Cristo nos recebeu, para glória de Deus." (Romanos 14:1,
3; 15:7). Segundo Paulo, a igreja está integrada por todos aqueles que Deus
recebeu, e quem quer que Deus recebeu, nós não podemos recusá-lo. O fato
de recebermos a outros, não os faz membros da igreja; recebemo-los, porque
já são membros. Portanto, se Deus o recebeu a você, então você pertence
à igreja.
O
envolvimento natural desta verdade é que todos os crentes que vivem na tua
vizinhança, devem considerá-lo membro da família de Deus e devem aceitar
com agrado ter comunhão com você. Por que? Porque você compartilha a mesma
vida que todos os demais cristãos nascidos do alto compartilham. Portanto,
todos aqueles que compartilham a indivisível vida do Ungido, são parte da
mesma igreja, porque o conteúdo da assembléia local é o Corpo do Ungido.
Se
a maior parte dos cristãos não têm praticamente nenhum problema com o que
expressei até aqui, lamentavelmente muitos se desviaram deste ensino em
sua vida prática. Em nossos dias o problema está em que numerosos cristãos
não aceitam o Corpo do Ungido como base de sua comunhão. Adicionaram algo
a este requisito básico ou subtraíram algo dele. Deste modo, não poucas
‘igrejas’ modernas excederam ou estreitaram o alcance bíblico da unidade
cristã, que é o Corpo do Ungido. Permita-me explicar um pouco isto.
Suponhamos
que em sua comunidade há um grupo de crentes que se congrega regularmente.
Chama-se "Primeira Igreja Presbicarisbatista". Quando você pergunta a respeito
de como ser membro, lhe entregam uma ‘declaração de fé‘ que contém uma lista
de suas crenças teológicas. Muitas das doutrinas que aparecem nessa lista,
vão além dos fundamentos essenciais da fé que marcam os requisitos mínimos
e máximos para fazer-se cristão (tais como a Divindade de Jesus Cristo,
sua obra salvífica, sua ressurreição corporal, etc.). Ao seguir assistindo
a essa "Primeira Igreja Presbicarisbatista", em breve você descobre que
para ser plenamente aceito por seus membros, você deve aderir ao modo deles
de ver os dons espirituais e a segurança eterna. Se ocorre de você discordar
deles sobre um desses pontos doutrinais, logo alguém lhe diz (explícita
ou tacitamente) que seria melhor do que freqüentasse qualquer outro lugar.
Vê
você o problema que há em torno disto? Embora a "Primeira Igreja Presbicarisbatista"
possa chamar a si mesma de igreja local, ela não preenche os requisitos
bíblicos de uma igreja. Ao invés disso ela mesma socavou a base bíblica
da comunhão, que é o Corpo do Ungido apenas. Aos olhos do Senhor, os membros
desse grupo não constituem uma igreja local. São o que a Bíblia chama uma
seita. Não se engane nesse aspecto —em nenhum lugar a Bíblia nos autoriza
a nos separar de outros crentes por causa de uma diferença doutrinal. Muito
pelo contrário, Deus proíbe qualquer divisão por motivos doutrinais. (Note
você que Romanos 16:17 e Tito 3:9-11 não se referem a erros doutrinais,
mas ao uso de doutrinas que polarizam e confundem a igreja. Ali vemos que
os cristãos que praticam isto, estão sujeitos a uma disciplina eclesiástica.)
Uma
vez mais, se alguém pertence ao Senhor, então faz parte da igreja, e devemos
recebê-lo com fraternidade. Se para admití-lo, requeremos dele qualquer
coisa além do que tenha recebido do Espírito Santo, não somos uma igreja
mas uma seita. Todo aquele a quem o Senhor recebeu num lugar determinado,
compreende (ou faz parte de) a igreja local.
O Problema do Sectarismo
Consideremos
o significado do termo seita como aparece na Bíblia. A palavra grega
que designa seita é airesiς (hairesis /pron. jeresis/), e
é usada nove vezes no Novo Testamento; foi traduzida como ‘seita’, ‘partido’,
‘facção’ e ‘heresia’. Uma seita é uma divisão ou cisma; refere-se a um grupo
de pessoas que optaram por separar-se do conjunto maior, a fim de seguir
seus próprios princípios. O clássico exemplo do pecado de sectarismo se
encontra em 1 Coríntios 1:11-13, onde Paulo diz:
Meus irmãos, fui informado por alguns da casa
de Cloé de que há divisões entre vocês. Com isso quero dizer que cada algum
de vocês afirma: ‘Eu sou de Paulo‘; ou ‘Eu sou de Apolo‘; ou ‘eu sou de
Pedro‘; ou ainda ‘Eu sou de Cristo‘. Acaso Cristo está dividido? Foi Paulo
crucificado em favor de vocês? Foram vocês batizados em nome de Paulo?
Note
você que no conceito de Deus, a igreja de Corinto abarcava todos os cristãos
que viviam na cidade de Corinto (1 Coríntios 1:2). No entanto, alguns deles
estavam traçando um círculo ao redor de si mesmos, que era menor do que
o Corpo do Ungido em Corinto (lamentavelmente, nossa tendência carnal de
traçar linhas onde não devem ser traçadas, ainda prevalece no cristianismo).
Em vez de fazer do Corpo o conteúdo da igreja, alguns estavam adotando seu
líder espiritual favorito como base de sua comunhão.
Com
severidade amorosa, Paulo repreendeu fortemente tais pessoas por seu espírito
sectário, condenando aquilo como obra da carne (1 Coríntios 3:3, 4; Gálatas
5:19, 20; ver também Judas 19). Se nesse caso não houvesse a repreensão
de Paulo, surgiriam quatro diferentes seitas em Corinto, e e cada uma delas
alegaria ser igrejas locais, isto é, ‘a igreja de Pedro’, ‘a igreja de Apolo’,
‘a igreja de Paulo’ e ‘a igreja de Cristo (exclusiva)’.
Cada
vez que um grupo de crentes mina a base bíblica da comunhão excluindo, seja
explícita ou implicitamente, indivíduos recebidos pelo Ungido, eles constituem
uma seita. Ainda que
haja um letreiro pintado em seu edifício que diga ‘igreja’ e que estejam
incorporados com um documento legal de ‘igreja‘ , o Senhor não os reconhece
como igreja. Na linguagem do Apocalipse, não têm lume. Embora isto não signifique
que os membros da igreja não pertencem ao Corpo de Cristo, esta instituição
que construíram para ser uma igreja local, não preenche os imperativos bíblicos.
Com
respeito a isto, os cristãos não devem unir-se às seitas porque as mesmas
são inerentemente divisivas e Deus não as reconhece. Para dizê-lo muito
claramente, a única igreja que nós como crentes podemos reclamar, é aquela
que O Ungido começou, isto é, o Corpo de Cristo na expressão local. Lamentavelmente,
muitos cristãos modernos não compreendem que o que eles chamam ‘sua igreja’,
na realidade são seitas aos olhos do Senhor.
Enquanto
não poucos cristãos restringem o alcance do Corpo do Ungido em sua congregação,
outros se excedem no mesmo. Em seu esforço por ser unipresentes ou ‘superinclusivos’,
estes crentes tentam estabelecer uma unidade com pessoas que desconhecem
completamente a Jesus Cristo. Esse tipo de unidade é estranha à Bíblia;
pois apenas aqueles aos quais o Ungido recebeu pertencem a seu Corpo, e
portanto, são parte de sua igreja. Receber inconversos como membros da família
é tornar a igreja em algo terrenal e corromper o verdadeiro povo de Deus
(1 Coríntios 5:6; Gálatas 2:4; 2 Timóteo 3:6; 2 Pedro 2:1; Judas 4, 12).
Isto não sugere que temos de impedir que os inconversos assistam às reuniões
da igreja (ver 1 Coríntios 14:23 , 24). Mas que não temos de recebê-los
como nossos irmãos. Pois a unidade da igreja se limita ao Corpo do
Ungido e não se pode estender além do mesmo.
Unidade Mediante Organização
Diante do problema do sectarismo, alguns propõem como solução a unidade
organizacional. Neste tipo de unidade visualizam todas as diversas vertentes
da cristiandade laborando juntas e relacionadas umas com as outras sob a
bandeira de uma associação unificada. Semelhante ecumenismo moderno se expressa
tipicamente em "níveis superiores", quando os líderes das diferentes igrejas
regidas pela clero se reúnem regularmente e formam uma associação de ministros
de várias classes.
Enquanto
tal expressão de unidade parece ser válida, a mesma é inadequada aos olhos
de Deus. Não passa uma produção humana e não chega a tocar no problema básico
do sectarismo. Enquanto os cristãos continuarem separando-se uns dos outros
baseados em características teológicas, métodos religiosos, estilos de adoração,
práticas espirituais, etc., seguirão reunindo-se sobre bases sectárias.
Mesmo que se forme uma federação de ‘igrejas’ (seitas) ou de ministros.
Tal exibição de unidade nada mais é do que dar as mãos por cima da cerca.
E Deus não pode estar satisfeito com arranjos semelhantes, enquanto os envolvidos
seguirem mantendo e justificando suas cercas feitas por homens.
Embora
seja um passo muito nobre aceitar os que fazem parte de diferentes tradições
cristãs, solapamos o princípio bíblico se permanecemos em nossas denominações
feitas por homens, que fragmentam o Corpo do Ungido. O propósito de Deus
é que a igreja ‘local’ prevaleça, e que seu povo retorne à base bíblica
da comunhão cristã, que é tão somente o Corpo do Ungido. Desafortunadamente,
em nossos dias um grande número de crentes, e especialmente um crescente
número de membros do clero, não estão dispostos a tocar neste ponto sensível.
É bem mais fácil para nossa carne permanecer em estreita comunhão com aqueles
cristãos cujas crenças concordam com as nossas, do que viver com os que
diferem de nós em sua doutrina, personalidade, estilo de adoração, prática
espiritual e coisas assim.
Enquanto
muitos cristãos estão dispostos até certo ponto a deixar suas zonas de conveniência,
a maioria tem uma inclinação natural de presumir que Deus não liga para
a contemporização deles, em vista de que mostraram alguma medida de sacrifício.
O resultado é que o bom se torna em inimigo do melhor. Assim,
dentro do redil da cristiandade há aqueles que se conformam em expressar
uma unidade parcial com outros crentes, ao mesmo tempo em que fecham os
ouvidos ao apelo de Deus à completa unidade bíblica. Isso não é diferente
de como os reis de Israel limpavam o templo mas deixavam intactos os lugares
altos. A verdadeira unidade requer que o poder da cruz atue profundamente
na vida daqueles que a tentam. Por esta razão, Paulo exortou a igreja de
Éfeso a viver "com toda humildade e mansidão, suportando com paciência uns
aos outros em amor, solícitos em guardar a unidade do Espírito no vínculo
da paz; um corpo..." (Efésios 4:2-4).
Tal
exortação teria pouco sentido se os crentes efésios estivessem divididos
em seitas, confraternizando-se apenas quando fosse conveniente e cômodo.
Pelo contrário, a igreja local visualizada no Novo Testamento não se dividia
em seitas. Não sabia nada sobre separar crentes com arranjos e divisões
denominacionais, adeptos religiosos e unidades espirituais distintas.
Também desconhecia o ato de formar uma associação de seitas ou de clérigos.
Todos os membros do Corpo do Ungido, num lugar determinado, pertenciam à
mesma igreja —não só em espírito, mas também na expressão prática. Cada
crente via a todos os demais crentes como órgãos do mesmo Corpo —tijolos
do mesmo edifício —irmãos/irmãs da mesma família —soldados do mesmo exército.
Numa palavra, os cristãos primitivos não apenas se davam a mão, declarando
ser um; eles"estavam juntos" em comunhão irrestrita, recusando deixar que
sua carne erigisse semelhantes cercas. John W. Kennedy expressa bem o ônus
do Senhor pela unidade quando diz:
Com a chegada do movimento ecumênico, a hierarquia
de uma ampla seção da cristiandade organizada começou a fazer eco ao clamor
por ‘unidade’. No entanto, não parece que se tenha reconhecido que união
sem comunhão não faz sentido ... Onde não há um coração batendo pelo outro,
uma crucifixão do eu, e um entrar na ‘consciência do Corpo’, produto exclusivo
da regeneração e do contínuo fluir da vida e da vitalidade do Espírito,
não pode haver comunhão em nenhum sentido espiritual... Um monte desarrumado
de tijolos não é uma casa, ainda que aparentemente possam estar unidos;
um tijolo parece bem igual a outro. De modo similar, um grupo desarrumado
de pessoas regeneradas onde cada uma alega estar unida ao Ungido, não é
uma igreja. Devem estar "bem arrumadas e unidas", cada uma contribuindo
com seu lugar em particular no edifício espiritual, e consciente do laço
de vida e de responsabilidade mútua que mantém todos eles ligados e juntos.
O propósito desta unidade é constituir uma "morada de Deus no Espírito"
(Secret of His Purpose /O segredo de seu propósito/).
Unidade Mediante Doutrina
A
unidade doutrinal é outra idéia que alguns apresentaram como
solução para remediar as divisões que há na igreja. Os cristãos que endossam
este tipo de unidade falam muito da necessidade da "pureza doutrinal". A
tragédia está em que aqueles que fazem da pureza doutrinal a base da comunhão,
geralmente terminam fazendo de algumas doutrinas não essenciais o fundamento
da unidade cristã, recusando desse modo a ter comunhão com genuínos crentes.
Aqueles
que põem ênfase na unidade doutrinal, tipicamente desprezam seus irmãos
de outras tradições. E com freqüência o fazem sob o pretexto de "defender
a fé". Enquanto eu, pessoalmente, creio que hoje em dia uma das necessidades
mais urgentes que há entre os cristãos é o discernimento espiritual baseado
nas Escrituras. É fundamentalmente não bíblico e profundamente não cristão
andar por aí escrutinando nossos irmãos com olhos críticos. A Palavra de
Deus nos previne contra aqueles que estão dominados por um espírito arrogante,
julgador e crítico —porque este é o mesmíssimo espírito que caracteriza
ao acusador dos irmãos (Judas 16, Apocalipse 12:10).
Se
fazemos do Senhor seja nosso único objetivo, Ele nos mostrará quando estamos
na presença de uma falsidade e nos guardará de seu efeito. Mas se estamos
sempre tentando farejar o cheiro de algum erro em outros, com toda segurança
não perceberemos o Senhor quando Ele falar por meio de um de seus pequenos.
Portanto, em vez de tentar ativamente focalizar os conceitos errôneos nos
outros, procuremos encontrar um pouco do Ungido quando um irmão ou irmã
abre a boca. John W. Kennedy o expressa isso com presteza:
A paixão do homem por sistematizar a verdade
da Bíblia trouxe muita luz e bênção. Ninguém deve desacreditar do devoto
labor dos homens de Deus, que, ao longo dos séculos, trouxeram a milhares
de pessoas uma apreciação mais profunda de sua herança no Ungido. Todavia,
nenhuma sistematização humana da verdade divina substitui a igreja. Aceitar
tal sistematização constitui o caminho ao estancamento, e é o prelúdio de
uma ulterior divisão entre o povo de Deus. Quando alguma assembléia toma
a seu cargo, como igreja, o ensino de um código restrito de doutrinas, a
mesma deixa inteiramente o terreno da igreja e entra no domínio do sectarismo
(Secret of His Purpose /O
segredo de seu propósito/).
Unidade Mediante Organismo
Por
estranho que pareça, a Bíblia desconhece a unidade organizacional ou doutrinal;
só conhece a unidade orgânica. A questão decisiva no que toca à comunhão
e à unidade, é a vida interior. A questão central que deve reger
nossa comunhão é simplesmente isto: Se alguém não tem o Espírito de Cristo,
não pertence a Cristo. (Romanos 8:9; 2 Coríntios 13:5). A vida do Ungido
que mora numa pessoa é o único requisito para a unidade do Espírito.
Certamente,
aqueles que nasceram do Espírito, terão de viver de um modo que seja conseqüencia
deste fato (1 João 2:29; 3:14). Isso significa que terão de aderir às doutrinas
essenciais relativas à Pessoa de Jesus Cristo e à sua propiciação
(veja-se Efésios 4:3-7 para uma enumeração dos sete fatores principais necessários
para a unidade espiritual). Mas também pode ocorrer que não estejam suficientemente
esclarecidos quanto a certas coisas espirituais. Sua personalidade pode
chocar com a nossa, seu estilo de adoração pode nos parecer desagradável,
podem ser imaturos e carentes de luz, e podem ser penosamente excêntricos.
No entanto, o fato do Ungido fazer morada neles, obriga-nos a recebê-los
como membros da família, não apenas "de palavra ou de língua, mas de fato
e em verdade" (1 João 3:18).
Que Ninguém Se Engane
Hoje
a unidade da igreja está severamente desfigurada. Enquanto cristãos somos
um em espírito, mas a expressão prática de nossa unidade está muito longe
do que era no Novo Testamento. Deus não pode senão estar contristado com
a situação de hoje em dia, em que seu povo se fragmentou em montões de congregações
desarticuladas e desconexas, todas operando independentemente umas das outras.
Por
contraposição, durante os dias da igreja primitiva cada assembléia local
era completamente unificada. Todos os crentes de um lugar determinado viviam
como uma família. Se você era um crente em Jerusalém e eu também era um
crente em Jerusalém, ambos pertencíamos à mesma igreja local. Tínhamos os
mesmos supervisores e não fazíamos divisões entre nós. E se eu abrigasse
pensamentos de adotar um ministro favorito fora a base da unidade e me aventurasse
a estabelecer acordo com outros que tivessem semelhante parecer, para formar
"a igreja de Paulo", seguramente eu seria severamente repreendido por minha
tendência sectária! Declarar que pertenço a um homem, a uma doutrina ou
a um método, é tão carnal quanto sectário (1 Coríntios 3:3, 4).
Ironicamente,
permitimo-nos fazer semelhantes distinções partidárias sem qualquer estremecimento
quando dizemos "Eu sou batista", "Eu sou pentecostal", "Eu sou carismático",
"Eu sou calvinista", "Eu sou presbiteriano", etc. (de fato, a palavra ‘denominação’
significa literalmente um nome ou designação de uma classe de coisas). Convenientemente
nos esquecemos que Paulo dirigiu uma severa repreensão aos Coríntios quando
começaram a denominar-se exatamente da mesma maneira (1 Coríntios 1:11-13).
Para dizê-lo em forma inteiramente sincera, o sistema denominacional moderno,
que inclui um grande número de igrejas chamadas não denominacionais, pós
denominacionais e interdenominacionais, choca-se com o princípio neotestamentário.
Uma vez mais John W. Kennedy resume isto muito bem dizendo:
Conhecendo um pouco da visão do Corpo, o espírito de
‘minha congregação’, ‘nosso grupo’, ou o espírito de fazer diferença
entre o povo de Deus, chega a ser algo desprezível. Para aqueles que usufruem
da comunhão da igreja, o sectarismo e as constrições do denominacionalismo
são intoleráveis. A base da igreja é a consciência (percepção) da vida comum
do Espírito, e o Espírito não opera sobre nenhuma outra base (Secret
of His Purpose /O segredo de seu propósito/).