Cidade Secreta: Psicogeografia e Devastação
de Londres -- Um Ensaio de Phil Baker.
Os
setores de uma cidade são até certo ponto
decifráveis. Mas o significado particular de cada
um deles não representa nada para nós, é
como o segredo da vida privada em geral, quando tudo que
possuímos são desprezíveis documentos.
- Guy Debord. [1]
BASES
A
palavra 'psicogeografia' esteve muito em voga nos anos 1990
em Londres, mas o que significa? Foi originada nos anos
cinqüenta com o grupo avant-garde-revolucionário
francês, primeiramente chamado Letristas, e depois
Situacionistas. Sua primeira aparição foi
na 'Introdução a uma Crítica da Geografia
Urbana' (1955), onde dá uma definição
compacta: 'o estudo dos efeitos do ambiente geográfico,
conscientemente organizado ou não, nas emoções
e maneiras, comportamentos e modos de ação,
procedimentos e condutas, ações e atos de
indivíduos'. [2]
Debord
acrescenta que o adjetivo 'psicogeografico' tem um que de
'agradável imprecisão', e que qualquer um
que faça uma leitura dos atuais modismos descobrirá
sua relação com Jack o Estripador, a rua morta,
a feiúra dos edifícios, as igrejas de Hawksmoor,
os lugares de nossa infância, a paisagem rural, Stonehenge
e os gêmeos Kray.
Eles
realmente estão relacionados a todas essas coisas.
Atualmente a maioria dos usos da palavra envolvem três
ou quatro idéias principais, separadamente ou combinadas:
o efeito dos arredores na emoção e no comportamento,
e sua ambiência; uma 'cartografia cognitiva' (a cidade
em nossas mentes, com os lugares que têm um significado
especial para nós); e que pode ser mais prosaicamente
chamada de 'história local.'
Os
Bairros chineses, os cemitérios e os distritos vermelho-claros,
cada um deles têm suas próprias auras distintas,
e esta idéia de ambientes diferentes é uma
idéia central na psicogeografia. As zonas e quarteirões
de uma cidade são compostos de distintos microclimas
psíquicos; alguns lugares nos atraem outros nos repelem,
outros nos dão uma sensação psiquica
mais morna ou mais fria, de certo modo tudo isso pode ser
mapeado. Esse efeito emocional pode estender-se desde um
vão entre edifícios, ou até mesmo aos
quartos. Dependendo da mão, pode ser sobrenatural,
se lida com idéias algo místicas, ou completamente
materialista. Veja esta descrição da Fazenda
Broadwater:
«Aquela
propriedade (Hardcastle) parecia não ter nenhum outro
propósito a não ser ser um eterno palco de
repetidos dramas de desordem pública. Foi para isso
que foi projetada. Seu labirinto de átrios, rampas,
sacadas de acesso, suas vielas cegas de medo e perigo. Suas
silhuetas ameaçadoras nos pontos mais altos do edifício.
Toda sua arquitetura era uma sólida fortaleza de
privação..........» [3]
Em
seu aspecto mais esotérico, incluiria o argumento
de Iain Sinclair em 'Lud Heat' (1975), de que as igrejas
de Hawksmoor inspiram a malevolência oculta que provoca
o crime violento.
Ivan
Chtcheglov, um camarada Letrista de Debord, levou ao extremo
sua idéia de ambiência em sua 'Receita para
um Novo Urbanismo' (1953). Chtcheglov chamou a atenção
das autoridades após tentar dinamitar a Torre Eiffel,
mas antes dele desaparecer no sistema psiquiátrico
ele deixou seu breve mas inesgotável panfleto. Mostra
sua percepção das zonas e quarteirões,
sua visão da construção intencional
de uma cidade psicogeográfica dividida em zonas distintas
(uma distrofia da Disneilândia), seu entusiasmo pelas
colunatas e quarteirões desertos de Giorgio de Chirico,
e um elemento de Surrealismo tardio:
«Alguns
ângulos irregulares, algumas perspectivas recuadas,
nos permitem perceber brevemente concepções
originais de espaço, mas esta visão permanece
fragmentária. Deve ser buscada nos locais mágicos
dos contos de fadas e nos escritos surrealistas: castelos,
paredes infinitas, pequenas cercas esquecidas, cavernas
enormes, espelhos de cassino». [4]
Chtcheglov
foi a vanguarda da linha de frente Letrista na ambiência
afetiva e na construção de ambientes emocionalmente
determinados pelo cenário. Haveriam 'cômodos
mais propícios aos sonhos que qualquer droga, e casas
onde não resta outra coisa a não ser o amor'.
[5]
Este
aspecto foi em grande parte afastado nas noções
posteriores da psicogeografia, mas a psicogeografia Letrista-Situacionista
inclui seqüências do filme Dr. Caligari, as prisões
de Piranesi (Piranesi foi um 'psicogeógrafo de escadaria',
de acordo com Debord [6]), a arquitetura visionária,
amadora e 'selvagem' (Postman, Cheval, Mad King Ludwig),
e até mesmo designe de interiores.
A
sensação do lugar é inseparável
do significado do lugar, freqüentemente as cartografias
pessoais têm seus próprios marcos.
«A
aura dela transfigurou para mim toda a parte superior do
Gloucester Place, e de tal maneira que não pude passar
por ali dois ou três anos depois que eu a perdi. Porém,
freqüentemente ela se encontrava comigo num local que
denominamos O Objeto. O Objeto ficava em uma arcada da Baker
Street, e se parecia como um grande poste de amarração............»
[7]
Há
um mapa privado mais extenso no coração dos
'Lugares' de George Perec (c.1969-75), uma descrição
de doze locais de Paris que ele associou a uma antiga namorada.
Ele transforma a cidade em um memorial personalizado, e
comemora o que ele chama de 'lugares mortos que deveriam
sobreviver.' [8]
A
Psicogeografia não está interessada em mapeamentos
panóticos 'objetivos', mas apenas nos mapas cognitivos
privados de nossas cidades reformadas. Os mapas copia-e-cola
de Paris de Debord, 'Discours sur les Passions d'amour'
(1957) e 'Cidade Nua' (1957), tornaram-se exemplos definitivos
desta 'renovada cartografia', [9] mas alterar o aspecto
de mapas de Túneis do Metro são outro exemplo,
com três estações sulistas na Linha
Vitoria rotuladas como 'depósito de lixo', 'depósito
de lixo' e 'depósito de lixo', por exemplo, ou as
três estações na Linha Distrital rotuladas
de 'a casa de Ali, 'Drogas Aqui' e 'Cidade do Sexo.' [10]
Estes
mapas cognitivos se sobrepõem com histórias
maiores. A composição de Chris Petit de 1993
em Newman Passage ('Jekyll and Hyde Alley', um local sinistro
que ele denomina o coração secreto de Fitzrovia)
se situa em uma cartografia pessoal de locações
de filmes.:
«Quando
cheguei a Londres pela primeira vez há vinte anos
atrás e não conhecia ninguém, eu freqüentava
cinemas baratos que logo desapareceram -- o cinema de desenho
animado na Estação Vitória, o Tolmers,
o Metrópole, a Biografia predominantemente homossexual
em Wilton Road, Classics, Jaceys; estes não eram
dias seletivos -- e, quase inconscientemente, para ter o
que fazer nos domingos, eu comecei a procurar cinemas em
Londres: num parque sinistro perto do campo de futebol do
Charlton Athletic erguia-se o Blow Up; no canto da Powis
Square o Performance; o bar Covent Garden e o Hotel Coburg
em Frenzy. Eu visitava estes lugares e me sentia um pouco
menos anônimo, um pouco mais definido, e costurando
pacientemente construí meu próprio mapa da
cidade, um limitado (e supersticioso), embora com mais significado
que o oficial...» [11]
Outro
mapa privado usa o tropo familiar da cidade como texto:
«Meu
diário pessoal de West End está agora coberto
de anotações e observações que
para mim são plenas de significado: a esquina da
Avenida Shaftesbury, uma pequena ladeira do Circo Cambridge
onde certo dia Edgar Manning atirou em três homens
em 1920, por exemplo; ou o edifício na Rua Gerrard
que agora é um supermercado chinês e um restaurante,
mais conhecido como Clube 43; ou minúsculo restaurante
na Rua Lisle que hoje oferece 'A Comida Chinesa Mais Barata
na Cidade', mas que em 1918 era um laboratório sombrio
onde o grupo de Billie Carleton comprava cocaína.»
[12]
«Todas
as cidades são geológicas», escreve Chtcheglov,
«você não pode dar três passos sem encontrar
fantasmas carregando toda a carga de suas lendas». Muito
do que agora é chamado psicogeografia é história
local dissonante e marginal, incluindo uma boa porção
de obras de Sinclair, como 'Downriver' (1991), Tom Vague
'Entrance to Hipp: A Psychogeographical Guide to Notting
Hill' (1997), e numerosos livros curiosos, baratos, datados
ou desconhecidos antes do termo psicogeografia entrar em
voga; por exemplo, 'The London Nobody Knows' por Geoffrey
Fletcher (1962), 'Evil London' por Peter Aykroyd [sic] (1973),
'London's Secret History' por Peter Bushell (1983) e 'The
Black Plaque Guide' por Felix Barker (1987).
A
história Psicogeográfica tende freqüentemente
a uma combinação que vai do esotérico
ao enigmático, do anticonvencional ao sórdido,
ou da arqueologia envolvendo crime e baixaria. Jack o Estripador
e o mago elizabetano John Dee são de interesse da
psicogeografia (Jack o Estripador, de uma forma ou de outra,
tornou-se uma figura central na psicogeografia de Whitechapel,
Dee faz parte da psicogeografia de Mortlake), Cromwell e
Pitt o Jovem não tem interesse algum. Também
é mais completamente psicogeográfico quando
há algum senso de história que afeta o ambiente,
e quando a característica inerente ao local afeta
sentimentos e a conduta, ou quando afeta a leitura contemporânea
popular de um lugar. Nesse sentido, pode haver uma alienante
e recalcitrante forma de história, e outra que resiste
e que é recuperada por 'herança'.
A
alienação foi um fator importante na recente
popularidade da psicogeografia. Até mesmo em seu
aspecto mais básico, a impressão do lugar,
a psicogeografia é uma ferramenta útil para
decifrar aspectos de locais -- não restritos a questões
econômicas, mas resultantes do efeito provocado pelo
meio ambiente na qualidade de vida -- que foram palco de
violências e dissensões sem precedentes. A
cartografia cognitiva é universal e inevitável.
Mas sua recente fetichização foi acompanhada
por um pós-consenso, por um sentimento pós-societal
de que a sociedade como um todo (declaração
famosa não formulada até 1987 [13]) não
oferece nenhuma salvação, mas apenas as próprias
rotas das pessoas e os lugares. A sobreposição
das histórias e mitos do lugar é uma conseqüência
resultante do ambiente inóspito da metrópole.
As pessoas querem inscrever marcos e encontrar traços
na cidade, como as histórias que criavam para falar
sobre as estrelas e constelações, de forma
a sentirem-se mais em casa em um universo indiferente.
PONTOS
DE REFERÊNCIA
Quase poderia ser dito que a psicogeografia urbana clássica
começa -- retroativamente, e de uma perspectiva de
influência situacionista -- com Thomas De Quincey,
traçada por surrealistas como Walter Benjamin, e
pelos letristas e situacionistas. Mas a psicogeografia de
Londres durante os últimos 25 anos deve menos a todos
esses e mais a Iain Sinclair cujo trabalho foi inspirado
por uma tradição completamente diferente que
apareceu durante a era hippy. Tome a abertura de um livro
de 1970 em Carnaby Street: «A menina diz, 'Carnaby Street
é um lugar feliz. Eu acho que ele fica no caminho
do dragão'». [14]
As
raízes de Sinclair não foram os Situacionistas
mas a escola 'Mistérios de Terra'. Os anos sessenta
testemunharam o ressurgimento do interesse pela zona rural,
por conceitos antigos da terra, pela geometria sagrada;
pelos longos alinhamentos artificiais na paisagem. No livro
'Vista sobre Atlântida', publicado em 1969, John Michell
revela um interesse pelo trabalho de Alfred Watkins. «Os
povos antigos espalharam santuários e monumentos
por toda parte em alinhamentos seqüenciais milhas e
milhas pelo país afora», explica Michell. Para Watkins,
«a existência destes alinhamentos esquecidos -- surgidos
de um momento de intuição,... [como] as vias
do dragão sagrado da velha China, com seus caminhos
místicos, secretos, cruzando cenários e paisagens
-- é conhecida por todo mundo. Por detrás
destas obras há um princípio comum que não
se rende facilmente aos argumentos dos modernos pesquisadores;
se você freqüentar santuários antigos
com uma mente inquisitiva, você estará sujeito
à influência de mentalidades antigas». [15]
A
obra mais famosa de Watkin, 'The Old Straight Track' (1925),
foi republicada em 1970 e chegou ao mercado como Ábaco
em 1974. Permaneceu neste clima até ser influenciado
por livros como 'Prehistoric London: Its Mounds and Circles'
(1914) de Elizabeth Gordon, quando Sinclair escreveu seu
original 'Lud Heat' (1975). Cheio de diagramas, esse livro
sugere que as igrejas de Hawksmoor, alinhadas ao longo de
Londres em uma sinistra geometria oculta, exercem uma influência
malévola por um 'estranho e poderoso magnetismo,
provido de uma força secreta'. [16] Esboçado
a partir de numerosas fontes desde Thomas De Quincey até
as pirâmides perdidas de Glastonbury, a composição
de Sinclair é uma hilariante obra-prima da paranóia.
'Lud
Heat' inspirou a novela 'Hawksmoor' (1985) de Peter Ackroyd,
onde desenvolve um contraste entre os mundos de Sir Christopher
Wren (esclarecimento, luz do dia, procriação)
e Nicholas Hawksmoor (desafeto secreto, escuridão
fuliginosa, velho gnosticismo, convicções
pagãs, esterilidade). A maior parte dos aspectos
psicogeográficos do livro -- determinismo comportamental,
embora oculto, pelo ambiente construído -- não
foram devidamente observados pelos críticos, um tipo
de psicogeografia chegava em Londres como a principal corrente
literária, e a excêntrica abordagem de Sinclair
/ Ackroyd de Hawksmoor ameaçava transformar aquela
área de Londres em uma espécie de Jack o Estripador.
Nesse
meio tempo o desafeto continuou queimando em lenta combustão
o legado da Internacional Situacionista. Durante 1970, Malcolm
McLaren (o futuro empresário de Sex Pistols e candidato
a prefeito, mas que quando estudante de arte foi influenciado
pelos situacionistas) pesquisou um filme documentário
da psicogeografia da Oxford Street: 'De Tyburn na forca,
Gordon Riots e Barnaby Rudge.... A vinda da loja de departamentos
e o controle da multidão. As políticas de
enfado.... mais Mars bars são vendidas na
Oxford Street do que em qualquer outro lugar'. [17]
Durante
algum tempo foi associado à Angry Brigade, num interesse
pelos situacionistas enquanto minoria, como afazer secundário.
Como McLaren recorda posteriormente é necessário
ir até a extinta Compendium Bookshop de Camden e
fazer 'o teste do globo ocular'. [18] Mas isto chamejou
em um perfil superior ao término dos anos oitenta,
com Greil Marcus em 'Lipstick Traces: A Secret History of
the Twentieth Century' (1989), na retrospectiva situacionista
de 1989, no ICA e no Centro Pompidou em Paris.
Os
dois fluxos da psicogeografia, situacionista e Earth Mystery,
fundiram-se na fundação da Associação
Psicogeográfica de Londres (LPA) em 1992. A LPA sinalizou
seus alinhamentos situacionistas por um uso evidente de
tergiversação na linha de abertura de seu
manifesto, 'Por que Psicogeografia?': 'Há um espectro
que assombra a Europa, não o mundo. O espectro da
psicogeografia.' [19]
Enquanto
grupo essencialmente far-left pós-situacionista
com uma propensão à traquinagem e à
desinformação, o LPA reivindicou acreditar
no alcance mais selvagem da psicogeografia, no aspecto visível.
Escorregadia e espinhosa, a posição deles
nestas coisas foi uma estratégia caracterizada pela
ironia, insinceridade ou exagero contra a 'recuperação'
(compare a abordagem de Debord em suas Mémoires)
projetada para manter-se distante da academia. 'Não
representamos nenhuma tentativa de "justificar" ou "racionalizar"
o papel de magia no desenvolvimento de nossas teorias; o
que basta para torná-las completamente inaceitáveis'.
[20]
Entre
1992 e 1997, a LPA editou numerosas publicações
como 'Smash the Occult Establishment' sobre Greenwich, a
Família Real e a Maçonaria; e 'Open Up the
Northwest passage', a Passagem Noroeste é uma metáfora
navegacional da perambulação urbana de De
Quincey adotada e transformada por Debord. O LPA reivindicava
a Colina Santa Catarina como a representação
mística de Inglaterra, relacionando-a com alinhamentos
planetários e a morte possivelmente ritual de William
Rufus em 1100, mas eles também poderiam fazer um
vigoroso uso de Gesalt 'figura / chão' em sua versão
invertida para ilustrar o modo pelo qual a população
proletária do de East End foi relegada a pano de
fundo de cenário durante os anos oitenta'. [21]
O
centro de Londres deslocou-se para o leste nos anos posteriores
à década de 1980, inicialmente em virtude
da nova excitação em torno do distrito financeiro
da Cidade. O concomitante redescobrimento de East End --
para muitos um velho e exótico território
desconhecido -- representou um ímpeto adicional à
psicogeografia. Devido aos ventos prevalecentes e ar mais
limpo no Oeste, o lado Oriental das cidades do Hemisfério
Norte tende a ser o lado pobre que, por seu turno, faz dele
o lado 'ruim'. A Londres oriental foi por muito tempo um
centro de imigração, sujeitando-a a fantásticas
temáticas de orientalização, [22] e
também foi associada a Jack o Estripador e uma espécie
de período de criminalidade que por muito tempo marcou
a imagem de Londres na França. Em setembro de 1960,
a Internacional Situacionista manteve sua Quarta Conferência
em um 'endereço secreto' localizado em 'l'East End,
na Sociedade dos Marinheiros Britânicos em Limehouse,
um quarteirão celebrizado pelos crimes lá
ocorridos. [23]
Debord
e Jacques L'Eventreur compartilharam uma grande fascinação
pela feiura surrealista. Jacques foi apelidado de 'psicogeógrafo
apaixonado'. [24] Psicogeografia e Jack o Estripador parecem
permanentemente unidos. A obra de Alan Moore foi particularmente
celebrizada neste período, incluindo sua novela gráfica
do Estripador 'From Hell' (1991-8, posteriormente filmada),
que também incluiu Hawksmoor. Ele estendeu seu alcance
psicogeográfico bem além dos eventos 'Beat
Seance' de 1997, como o 'Highbury Working', usando tropos
fantasmagóricos e ocultos para a ressurreição
da história local marginal.
Nesse
meio tempo a carreira de Iain Sinclair se consolidou. Um
pequeno romance sobre o Estripador, 'White Chappell Scarlet
Tracings' (1987), foi seguido por 'Downriver' (1991), cheio
de histórias marginais de Thameside e observações,
e até que de 'Lights Out for the Territory' (1997),
Sinclair estava na plenitude de sua celebridade. 'Lights
Out' mesmo caracterizado como esotérico, e menos
enigmático que as obras anteriores, constituiu parte
um safári sociológico no mundo da TV a cabo
e dos cães pit-bull. Apenas a pouco tempo que a palavra
'psicogeografia' começou a aparecer nos escritos
de Sinclair, normalmente aplicada a outros, como a LPA ou
Chris Petit.
'Lights
Out' aborda uma discussão em torno da curadora e
artista londrina Rachel Lichtenstein em condições
que são aplicáveis ao próprio projeto
de Sinclair: 'uma artista especializada no não-esquecimento
da recuperação de «rastros discerníveis»'.
[25] Em 1999, Sinclair colaborou com Lichtenstein em 'Rodinsky's
Room', um livro sobre um cômodo abandonado em Brick
Lane que foi, desde meados dos anos 1980s, mitologisado
como uma cápsula do tempo. Rodinsky também
abasteceu Sinclair com material para 'Dark Lanthornes: Rodinsky's
A to Z' que incluiu um fac-símile de uma Londres
anotada de A a Z. possuida por Rodinsky e marcada com lugares
de significação pessoal. Foi subtitulada como
'Rodinsky as psychogeographer', um exemplo notável
do aspecto 'cartográfico pessoal' da psicogeografia.
Por
volta de 2001, a psicogeografia foi definitivamente caracterizada
como importante corrente literária com 'London: The
Biography' de Peter Ackroyd . Embora Ackroyd denigra a palavra,
o livro dele é, em última análise,
baseado em uma psicogeografia irracionalista, reivindicando
que o caráter e a atmosfera inerente aos diferentes
distritos de Londres foi, com o passar do tempo, possuída
por um assombroso processo de controle da atividade humana
em seu interior. Muito diferente do 'London: A Social History'
(1994) de Roy Porter que concluiu que Londres já
era; e que os anos Thatcher provocaram sérios danos
à cidade; que caiu do patamar de cidade turística
para uma mera zona internacional. Em outras palavras, não
é a Cidade Eterna, é exatamente o oposto do
argumento de Ackroyd. [26]
A
veneração quase Platônica de Ackroyd
por essa continuidade é uma tentativa neo-conservadora
para conter a mudança, e para reinscrever uma cidade
que ameaça tornar-se indecifrável. 'O espírito
indígena ou nativo que anima uma área particular'
assegura, por exemplo, que 'a vida secreta de Clerkenwell...
é muito profunda', e que Bloomsbury está mergulhada
no ocultismo (Alvenaria, Teosofia, o Amanhecer Dourado,
astrologia, livrarias secretas). 'Aqui tudo parece ser uma
congregação de forças novamente alinhadas...
que permanecem ativas em algumas ruas dentro do bairro'.
[27]
No
ano em que o livro de Ackroyd foi publicado, a cúpula
da Biblioteca Britânica em Bloomsbury foi reaberta
com um espaço de vendas a varejo e fornecimento de
comida e bebidas. Seus fantasmas exorcizaram tudo isso e
o espaço foi reconsagrado como um templo do turismo,
o novo espaço foi destruído por um incêndio.
RUINAS
Guy
Debord em 'In
girum imus nocte et consumimur igni' (1978) lamenta
Paris como um lugar inteiramente devastado: 'me limitarei
apenas a algumas palavras para anunciar, a despeito do que
os outros possam dizer sobre isto, que Paris já não
mais existe. A destruição de Paris é
apenas um exemplo notável da doença fatal
que está destruindo atualmente todas as principais
cidades'. No tempo em que Paris existia, ela tinha 'um povo
que não vivia por imagens' e 'o moderno sistema mercantil
não tinha ainda demonstrado completamente o que poderia
fazer com as ruas'. [28]
Esta
idéia da ruína é recorrente nos escritos
psicogeográficos, vide 'The Ruins of Paris' (1997)
de Jacques Reda ou 'A Journey Through Ruins: The Last Days
of London' de Patrick Wright (1991, com sua irônica
dedicação à Sra. Thatcher), ou o real
e exacerbado senso de decadência no trabalho de Sinclair,
como em sua mais recente obra intitulada 'Lights Out for
the Territory' de 1997.
Há
até mesmo uma idéia mais recorrente que acredito
não ser desconexa. Um denominador comum entre os
aspectos esotéricos e inferiores do lugar é
que eles tendem a ser pouco conhecidos, ou de certo modo,
'secretos', a palavra favorita do psicogeógrafo.
Compare dois recentes livros: Mark Manning escreve sobre
'esta secreta vila de Clerkenwell que se revela apenas aos
poucos com o passar dos anos com a poesia de seus nomes
secretos, seus pátios silenciosos, suas igrejas e
locais ocultos', enquanto Bill Drummond escreve o contorno
de seu nome pelo mapa:
«Eu
costumava brincar, eu e minha Londres de A a Z. Mas a melhor
coisa destes passeios foi que eles me levavam a ladeiras,
ruelas, hortas dos fundos, e fossos que em condições
normais nunca teria visitado. Então eu descobri coisas;
lojas, cafés, caçarolas velhas, um baú
de tesouros descartados... e emblemas secretos. Os emblemas
secretos sempre eram o melhor». [29]
Esta
paixão pelo segredo mantém os psicogeógrafos
longe do mapa turístico. Louis Aragon escreve em
'Paris Peasant' (1926) sobre sua antipatia para com Montparnasse
e Montmartre. Ele preferia zonas 'periféricas' e
'suspeitas' onde a 'liberdade e o segredo tinham uma melhor
chance de florescer', [30] e ele achou seu local definitivo
um uma velha Arcada na Passagem da Ópera que logo
seria demolida, onde ele poderia exercitar seu raro talento
para descobrir aquilo que André Breton definiu como
'um tipo de vida secreta da cidade'. [31]
Se
o segredo caracterizou inevitavelmente uma forma de erotismo
para os surrealistas, a idéia de segredo para os
situacionistas -- congenial à grandiosidade paranóica
de Debord -- tem um significado mais estrutural como o oposto
do Espetacular. Porém, há um significado muito
mais simples de 'segredo', bem menos usado e um distinto
sinônimo para 'não estragado, intato, incólume,
não devastado, não espoliado'.
'Não
estragado, intato, incólume, não devastado,
não espoliado' assumiu seu moderno significado por
volta de 1925 como resposta à expansão urbana
e ao turismo. É uma palavra chave para a compreensão
do século XX, que supõe dois tipos de lugares,
arruinados não arruinados [N.T. no original, with
its assumption that places are ruined unless they are not].
Aqui Bali torna-se um paradigma. O romance de Alex Guirlanda
'The Beach' (1996) caracterizou a ruína da Tailândia,
com a grande afluência às suas praias estação
após estação, e um grupo de pessoas
que está disposta a matar para manter uma praia particular
secreta. A noção do segredo, naturalmente,
foi recuperada para dar aos próprios guias de viagem
um frisson extra para eles, um sentimento súbito
de excitação ou medo, como 'City Secrets:
London' e 'Secret London'. [32]
A
qualidade das mudanças secretas urbanas muda de tempos
em tempos. O grande segredo do recente século XIX
foi a extensão da pobreza e da degradação,
dando origem a livros reveladores como 'In Darkest London'
(1880) de William Booth [N.E. Phil Baker quis dizer 'In
Darkest England' (1890)]. Mas ao final do hiper-transparente
século XX, o segredo foi positivo, e foi desejado
como nunca. Este desejo por lugares secretos está
ligado a fantasias perenes dos lugares 'fora do mapa', como
Londres terrae incognitae de De Quincey, as zonas limiares
e os vislumbres paradisíacos -- nas ficções
de Alain-Fournier, H.G.Wells e Arthur Machen, por exemplo
[33] -- mas ganha uma nova e tardia urgência, em virtude
do super-desenvolvimento, da superexposição
da Londres milenária:
«Eu
suspeito que certas áreas de Londres retêm
sua integridade e beleza apenas pela invisibilidade. Ameaçadas
ou abandonadas, elas enfraquecem lentamente no plano astral,
um universo alternativo onde todos os edifícios esquecidos
e a arquitetura arruinada do mundo ainda existe, ainda funciona,
ainda é habitada. Às vezes eu acho que preciso
apenas me virar repentinamente no momento certo para vislumbrar
um ectoplasmático Brookgate em todo aquele Antemuro
de concreto vítreo colocado em seu lugar». [34]
'Algumas
esquinas e recantos representativos de Londres, comenta
um crítico, 'elevam Leather Lane e a quarta dimensão
ao seu devido lugar'. [35]
Hakim
Bey escreveu liricamente em 'Sacred Drift' sobre o desejo
por espaços fora do mapa. 'Se o mundo moderno fosse
completamente mapeado, sabemos agora que o traço
por definição jamais poderia ser preciso...
porque a geografia é fracionária... '. Temos
que desaparecer em 'dimensões fracionárias
escondidas do mapa da cultura onde a tirania racional dos
Consensos e das Informações não pode
penetrar'. Para Bey, busca o viajante busca 'os espaços
ocultos e secretos da vida real, intatos do controle e da
mediação onde o autêntico e o maravilhoso
ainda florescem'. [36]
As
idéias psicotopológicas de Bey, Zonas Autônomas
Temporárias e nômades à deriva são
reconhecidamente construídos em cima das idéias
situacionistas de psicogeografia, 'situações'
e deriva (vento), abriram caminho para Chtcheglov e Debord
como 'uma técnica de passagem transitória
por ambientes variados'. [37] Posteriormente isso tornou-se
um paradigma do pensamento francês, [38] mas na rua
a deriva foi uma tentativa de recuperar a não realização
urbana, sublimada, perdida, desorientada, com a chance de
achar lugares desconhecidos.
É
mais duro perder-se agora do que era quando Walter Benjamin
escreveu: 'encontrar um caminho na cidade, tanto quanto
na floresta, requer prática'. [39] Os telefones móveis
oferecem a opção 'FINDme' que reconhecem o
local onde você está em qualquer lugar no país
e proverá informação sobre serviços,
lazer e turismo. E isso é apenas a opção
um: a opção dois é a linha McDonalds:
'Para encontrar onde fica o McDonalds mais próximo,
tecle 1501'.
Chtcheglov
escreveu 'uma doença mental varreu o planeta: a banalização'.
A fascinação pela psicogeografia, relativamente
difundida nos anos noventa, coincidiu com uma percepção
da chamada depressão [N.T.: no original, dumbing
down], que teve seu correlativo na paisagem urbana. A psicogeografia,
a gnoses do lugar, era o oposto daquela depressão,
o palimpsesto do conhecimento secreto escrito por Sinclair
e outros era o oposto da banalização.
Forças
de mercado virtualmente incontroladas reduziram Londres
a uma cidade de espetáculo turístico. Alguns
parques temáticos (o que é obrigatório
ver na Grã Bretanha? [40]) são pontilhados
por uma gigantesca indústria de serviços,
que alcançou sua auto-paródia em meados dos
anos1990 com o aparecimento de riquixás [N.E: carros
de duas rodas para transporte de pessoas, puxados por um
ou dois homens, usados na Ásia] nas ruas de West
End.
Zonas
ambientes de um tipo não conversível para
'local obrigatório para turistas' estão particularmente
em extinção. Não seria nenhuma grande
perda se o Shakespeare's Globe Theatre fosse recriado e
reerguido em Austin, Texas, mas o fechamento iminente da
zona de livros usados em Charing Cross Road, ou o ambiente
de Pimlico Road (recentemente golpeado por seu primeiro
Starbucks, e reservado para remodelação, reconstrução)
é devastador, como a perda dos pequenos cafés
italianos como Alfredo ou Boggi. Cyber-flâneurs podem
localizar tais cafés em www.classiccafes.com, um
endereço que também oferece uma boa recuperação
da psicogeografia na era 2000:
«Psicogeografia
é a paisagem escondida das atmosferas, histórias,
ações e caráter que os ambientes carregam.
Os caminhos sociais perdidos que compõem os contornos
culturais inconscientes dos lugares... Com os cafés,
surge um tipo de atmosfera de viúva bem dotada bem
à nossa frente, aparente e familiarmente monótono
contudo cheia de segredos».
As
zonas de tempo são uma variedade notável de
zona ambiente em extinção: 'Nos recentes Anos
Setenta a rua tinha um ar dos Anos Cinqüenta, com um
café arte-deco e um café non-arte-deco, uma
loja com roupas de linho abaixo do preço e uma livraria
oferecendo uma perfuração na orelha'. [41]
Ainda
podem ser encontrados ambientes temporais evasivos (em regiões
de Pimlico e Victoria, por exemplo), mas de uma maneira
crescente as zonas temporais só sobrevivem dentro
de edifícios. Locais rústicos contemporâneos
como Rodinsky's Room da Dennis Severs, um célebre
café de Spitalfields -- 'a casa secreta da Folgate
Street 18' -- foi recentemente o tema de uma composição
de Peter Ackroyd. [42]
Naturalmente,
sempre houve resistência à mudança:
faz muito tempo desde a formação em 1875 da
Society for Photographing Old London por causa da demolição
de velhos edifícios. As eras prévias lamentaram
a perda dos principais edifícios, como o Arco de
Euston em 1962, ou a extensa transição dos
edifícios do século XIX para escritórios
e prédios hoteleiros nos anos sessenta, que deram
origem a livros como Goodbye London (1973). Em contraste,
a banalização atual é menos relacionada
a grandes monumentos ou à arquitetura do que a uma
perda ecológica mais sutil e penetrante de toda uma
textura ao nível da rua.
As
vitrines, vistas como uma possibilidade utópica no
século XIX, tornou-se uma realidade distrófica
ao final do século XX, com o empresariado atormentando
exibindo seus produtos, agências de câmbio e
agências estatais. Vamos considerar a área
ao redor do Museu Britânico e da antiga Biblioteca
Britânica, antigamente amplamente associada a pequenos
livreiros orientais como Luzac ('com seu latente mistério',
como comenta um escritor dos meados do século XX,
'como se eles fossem o começo de uma história
escrita por Algernon Blackwood' [43]). O que marca aqueles
espaços agora é uma agência do American
Express, a faculdade TEFL e um par de lojas de souvenirs.
No outro lado da Museum Street, oposta ao museu, havia um
loja que vendia uma extraordinária variedade de coisas.
Agora é uma Starbucks.
Atrás
da New Oxford Street havia uma loja no número 56
chamada Cuba, vendendo roupas da metade do século
XX -- antigos Crombies, casacos feitos a mão, lenços
de seda -- com uma placa de madeira do lado de fora (Est.
1985). É difícil de acreditar que qualquer
coisa assim modestamente idiossincrática e de baixo-orçamento
pudesse ter florescido por ali. O número 56 agora
é uma casa de câmbio. Na direção
leste, a primeira coisa com que deparamos são lojas
de café e sanduíches pertencentes a uma rede.
No cruzamento da Coptic Street, um inofensivo restaurante
funciona num canto, ao lado de um McDonalds, uma vitrine
da faculdade TEFL e outra vitrine de uma pizzaria.
A
própria Biblioteca foi decapitada de Bloomsbury e
foi recolocada em um local relativamente sem sentido de
Euston. Seu catálogo da Internet traz uma propaganda
da Amazon (Compre grandes livros a bons preços: compre
livros AGORA de nossos patrocinadores) e fora da Biblioteca
há uma estátua de Blake's Newton -- Blake
é uma figura negativa, bem esquisita, qualquer pessoa
se aborrecesse quando lembra de Blake -- um símbolo
que carrega a lenda orgulhosa: 'Ajudou a Fundação
do Esporte e das Artes por contribuições do
Vernons Littlewoods Zetters'. Mas ninguém tem dúvida
sobre quem são os verdadeiros beneficiários
dessas coisas.
Os
pequenos canteiros de flores em Islington são obscurecidas
pelas enormes e feias placas anunciando seus patrocinadores.
A morte lenta da qualidade do espaço público,
e a hiperativa-capitalização-banalização
da vista da cidade, ameaça produzir um desinvestimento
psíquico na rua, que só serve para aumentar
ainda mais a anomia urbana, uma situação em
que um grande número de pessoas se ressente da falta
de integração com instituições
estáveis. Ninguém caminha prazerosamente pela
paisagem de um McDonald onde proliferaram corretores de
imóveis, fomentadores da Kwik Foto, propagandas da
Faculdade Americana em Londres, escritórios nos cantos
das lojas e infinitas vitrines de serviços de bufê.
Desde
os anos oitenta houve um concomitante aumento do interesse
em decorações privadas, controláveis,
como desenho de interiores e jardinagem urbana. Estas zonas
autônomas são um cumprimento da visão
distrófica de Chtcheglov de que 'todo mundo viverá
em sua própria catedral pessoal, ou coisa parecida'.
A inspirada revista World of Interiors surgiu em 1981, com
'tablescapes' e pintura orgânica ('você pode
verificar a diferença'), pressagiando a década
que fechou suas portas ao lado de fora do mundo. O extraordinário
sucesso da revista, improvável em uma ou duas décadas
anteriores, foi persuasivamente relacionado à alienação
da classe-média. [44]
Para
aqueles entre nós que não estamos no mercado
da pintura orgânica, dos soundscapes -- que não
deixa de ser um ambiente portátil e temporário,
e não sem uma dimensão de psicogeográfica
[45] -- seria uma alternativa menos cara a um ambiente incompatível,
juntamente com saltos mais especializados no fetichismo:
'Todos nossos paraísos na Terra estão sendo
atravancados em centros de férias... mas ainda há
alguns lugares agradáveis não descobertos...
chegou o momento de mergulhar nestes lugares antes que sejam
etiquetados'. [46]
Os
lugares mudam. Mas Londres está sendo arrasada por
algo mais radical, pela substituição do lugar
pelo 'espaço'. A superpopulação, cotações
de propriedade, apartamentos apertados inadequados para
a 'brincadeira', e uma moda não-sem conexão
com o minimalismo, tudo combinado para fazer do espaço
um conceito ascendente desde antes dos recentes anos 1990
('seria o espaço é o último luxo?'
[47]). O lugar tem significado, mas o espaço é
um bem descartável.
Como
uma afirmação da história e da memória,
e do valor do ambiente e da atmosfera, a popularidade da
psicogeografia nos anos 1990 foi uma derradeira afirmação
do lugar contra o espaço. Isso freqüentemente
conduziu as pessoas a refugiar-se em zonas intersticiais
do significado privado e do conhecimento esotérico,
mas foi pelo menos uma tentativa para manter um investimento
psíquico na rua. Isso foi acompanhado de uma alienação
de um tipo quase sem precedente do ambiente construído,
talvez respondendo definitivamente às ansiedades
expressas no livro de Marc Augé 'Non-places'. [48]
Augé
critica a expansão global do não-lugar, e
sugere que a vida contemporânea tende para a condição
de lobby corporativo, lanchonete ou sala de embarque de
aeroporto. Três recentes livros, escolhidos quase
ao acaso, mostram quão abrangente se tornou esta
percepção de supressão e de ruína.
«....
Nevsky Prospect, uma rua de fantasmas se é que sobrou
algum. Jerome diz que toda cidade tem sua rua de fantasmas.
Além do Palácio de Stroganov e da Catedral
de Kazan. Além dos escritórios da Aeroflot,
e do Café Armênio em baixo. Além do
apartamento onde eu fiz amor com minha sócia do Politburo.
Que agora foi transformado em um escritório do American
Express. Tudas estas lojas novas, Benneton, The Haagen-Daaz
shop, Nike, Burger King, uma loja que não vende outra
coisa a não ser filmes de máquina fotográfica
e chaveiros, outra que vende Swatches e Rolexes. Parece
que as principais ruas do mundo estão se tornando
iguais no mundo inteiro».
«Eu
voltei a Key West em 1991... Um edifício alto que
tomara o lugar do Sands e do Half Shell [bares] foi quadruplicado
para acomodar alunos de uma faculdade, que fizeram de Key
West um ambiente de farra e bebedeira... O quarteirão
de Mallory tornou-se uma parafernália de lojas de
camisetas e de agencias vendendo viagens e excursões
a um recife agonizante... Em uma mesa, um homem tira foto
das pessoas que passam.
...
Seis anos depois... Key West agora tem um Gap, Banana Republic,
Planet Hollywood, e um Hard Rock Café, com promessa
de implantar mais entrepostos de mercado de massa, inclusive
um Hooters, com suas franqueadas e desajeitadas garçonetes...
»
"...
você tem que entender que isto não é
só conversa, nós temos que agir contra todos
esses centros de compras, contra todos esses bares yuppies,
esses jovens profissionais urbanos ambiciosos e prósperos,
contra todas essas vitrines que estão nesse exato
momento tomando conta da maior parte de Berlim». [49]
Naturalmente,
nenhum destes lugares é Londres: mas esse, de certo
modo, é meu tema.
NOTAS
1
'Critique
de la separation' (filme de 1961), screenplay de Guy
Debord, 'Oeuvres cinematographiques complètes, 1952-1978'
(Paris, 1978) p. 45.
2
Guy Debord, 'Introduction à une critique de la géographie
urbaine', Les Lèvres Nues, 6 (September 1955) trans.
in Situationist International Anthology, ed. Ken Knabb (Berkley,
1981), pp. 5-8.
3
Jake Arnott, 'He Kills Coppers' (London, 2001), p. 265.
4
Chtcheglov, 'Formulaire pour un urbanism nouveau', Internationale
Situationniste, 1 (June 1958), trans. in Situationist International
Anthology, ed. Ken Knabb (Berkley, 1981), pp. 1-4.
5
Ibid.
6
'Exercice de Psychogéographie', Potlach, 2 (29 June
1954).
7
Robert Aickman, 'The Attempted Rescue' (London 1966), p.
127.
8
Discussed and quoted in David Bellos, 'George Perec: A Life
in Words' (London, 1995), pp. 417-18.
9
Debord, 'Introduction à une critique de la géographie
urbaine'.
10
Both seen by the author (Phil Baker), autumn 1998.
11
Chris Petit, 'Newman Passage'; or, 'J. Maclaren-Ross and
the Case of the Vanishing Writers', in The Time Out Book
of London Short Stories, ed. Maria Lexton (London 1993),
p. 137.
12
Marek Kohn, 'Dope Girls' (London, 1992), p. 11.
13
Margaret Thatcher in Woman's Own, 31 October 1987.
Entre os propósitos perdidos da psicogeografia --
o desaparecimento da química de De Quincey, dos livros
raros da Sinclair, o 'amor acima de tudo' de Walter Benjamim,
para as mulheres que passam, a indagação dos
letristas sobre o Santo Gral da rua em '36 rue des Morillons'
(o endereço do escritório do Paris Lost Property)
-- alguns foram modificados mas o sentido de comunidade
e de sociedade sustentável não é de
forma alguma o menos importante.
14
Tom Salter, 'Carnaby Street' (London, 1970), p. 5.
15
John Michell, 'The Fuss About Leys', in An Orthodox Voice
(Brentford, 1995), pp. 29-30.
16
Iain Sinclair, 'Lud Heat' (London, 1975), p. 11.
17
Cited in 'Impresario: Malcolm McLaren and the British New
Wave', exh. cat., New York, The New Museum of Contemporary
Art (1988), p. 73.
18
Malcolm McLaren, cited in 'Simon Ford, The Realisation and
Suppression of the Situationist International: An Annotated
Bibliography', 1972-1992 (Edinburgh, 1995), p. 111.
19
The London Psychogeographical Association, 'Why Psychogeography?'
, broadsheet (1996) widely disseminated and reprinted, e.g.,
in 'Autotoxicity: Second Assault' (Sheffield, 1997).
20
The London Psychogeographical Association, 'The Unacceptable
Face of Contemporary Psychogeography' (1996); reprinted
in 'Mind Invaders: A Reader in Psychic Warfare, Cultural
Sabotage and Semiotic Tourism', ed. Stewart Home (London,
1997), pp. 151-3. As estrelas principais do LPA foram
notavelmente Fabian Tompsett e Stewart Home que teceram
suas ficções ultra-violentas com referências
psicogeográficas, principalmente em Come Before Christ
e Murder Love (London, 1997); as primeiras referências
às vezes não passam de aquiescência
ao legado situacionista, mas aqui elas são sólidas
e extensas, com John Dee, Greenwich e North West Passage.
21
'Smash the Occult Establishment', London Psychogeographical
Association Newsletter, 6 (Beltaine 1994); 'Open Up the
Northwest Passage' London Psychogeographical Association
Newsletter, 3 (Lughnassadh 1993); 'St. Catherine's Hill
etc.', in Fabian Tompsett, 'The Great Conjunction' (London
1992); 'East End Gesalt' in Fabian Tompsett, 'Dislocation
on the Isle of Dogs', 'Transgressions: A Journal of Urban
Exploration', 2-3 (August 1996), pp. 101-5.
22
E.g. 'A Estrada de Whitechapel... é um tipo de portal
à sujeira e sordidez do Leste', John Francis Brewer,
'The Curse Upon Mitre Square' (London 1888), p. 66.
A natureza da Zona Leste de Londres ficou ambígua
neste primeiro trabalho psicogeográfico envolvendo
o Estripador -- que liga o assassinato de Catherine Eddowes
com os eventos do século XVI exatamente no mesmo
ponto -- distinto da obra de Sax Rohmer, notavelmente 'Dope'
(Londres, 1919) cujo pivô é um contraste entre
West End - East End, e o livro Limehouse de Thomas Burke.
23
'La quatrième conférence de l' I.S. à
Londres', Internationale Situationniste, 5 (December 1960)
p. 165.
24
'Exercice de Psychogéographie', Potlach, 2 (29 June
1954).
25
'Lights Out for the Territory' (London, 1997), p. 238.
26
Roy Porter, 'London: A Social History' (London, 1994).
Neste aspecto, veja particularmente o Prefácio e
afterword, 'The London Marathon'.
27
Peter Ackroyd, 'London: The Biography' (London, 2000), pp.
691, 469,468.
28
Guy Debord, 'In
girum imus nocte et consumimur igni' (London, [c.1991],
pp. 30-31, 28, 29. The palíndromo título
significa: 'Perambulando pela noite consumidos pelo fogo'.
29
Mark Manning, 'Crucify Me Again' (Hove, 2000) and Bill Drummond,
'45' (London, 2000), both cited in Iain Sinclair 'If I Turn
and Run', London Review of Books, 1st June 2000.
30
Louis Aragon, 'Paris Peasant', trans. Simon Watson-Taylor
(London, 1971), p. 149
31
Breton, cited by Simon Watson-Taylor in his introduction
to 'Paris Peasant', (London, 1971), p. 10.
32
Robert Kahn, ed. 'City Secrets: London' (New York, 2001)
and Andrew Duncan, 'Secret London' (London, 1995).
Duncan is the author of 'Walking Notorious London' (London,
2001).
33
Alain-Fournier, 'Le Grand Meaulnes' (Paris, 1913), as 'The
Lost Domain' (London, 1929); H.G.Wells, 'The Door in the
Wall'(1906) in his 'The Door in the Wall and Other Stories'
(London, 1936).
34
Michael Moorcock, 'King of the City' (London, 2000), p.
180.
35
Eric Korn on 'Moorcock', Times Literary Supplement, 26 May
2000, p. 23.
36
Hakim Bey (Peter Lamborn Wilson), 'Sacred Drift: Essays
on the Margins of Islam' (San Francisco, 1993), p. 157.
37
'Definitions', Situationist International Anthology, ed.
Ken Knabb, p. 45.
38
A história da psicogeografia é ligada com
certas práticas de andar, notavelmente flânerie
[passeio] e dérive [deriva] que não devem
ser confundidos. Flânerie tende a ser solitário,
relativamente vagaroso, e relacionado à compra de
mercadorias (vitrine de lojas, shopping centers, estacionamento,
centro de compras, restaurantes, livrarias, prostitutas)
em locais conhecidos. Dérive ignora mercadorias,
eram freqüentemente comunais e poderiam ser cansativos,
exaustivos. Chtcheglov via o dérive como um tipo
potencial de livre-associação ambulante: O
dérive (com seu fluxo de atos, seus gestos, seus
passeios, seus encontros) foi total e exatamente aquilo
que a psicanálise (no melhor sentido) é para
a linguagem. Fale a vontade, deixe suas palavras fluir,
diz o analista ...Chtcheglov, 'Letters from Afar', Internationale
Situationniste, 9 (August 1964), p. 38 (fragment in Situationist
International Anthology, ed. Ken Knabb, p. 372). Chtcheglov
escreveu isto de um asilo, possivelmente La Borde, onde
é dito freqüentemente que ele foi paciente de
Felix Guttari. Subsequentemente o dérive encontrou
ecos em Lyotard, 'Driftworks' (Dérive et partir de
Marx et Freud, Paris, 1973), Deleuze e Guttari (nomadism
passim, 'o passeio do schizo' em 'Anti-Oedipus').
39
Walter Benjamin, 'A Berlin Childhood around the Turn of
the Century', cited in Susan Sontag's 'Introduction' to
One Way Street and Other Writings' (London, 1978), p. 10.
40
Salon Wanderlust internet site, c. 1998-2000.
41
Suzannah Clapp, 'Bruce Chatwin' (London, 1997), p. 12.
The street was Camden Parkway.
42
Ackroyd wrote the 'Introduction' to Dennis Severs, '18 Folgate
Street: The Tale of a House in Spitalfields' (London, 2001),
which began life as 'Secret House at 18 Folgate Street'
(announced for Ebury Press, 1999).
43
Arthur Calder-Marshall, 'The Magic of my Youth' (London,
1951), p. 34.
44
'Pode aluguem postular uma relação entre o
culto de um controle privado do mundo e um público
incontrolavel que não exerce papel algum?'... Uma
revista chamada World of Interiors, por exemplo, nunca floresceria
uma década atrás... Nos anos sessenta, em
contraste, teve sua face pública na forma de roupas...
Isso ocorre como um fenômeno estranho da recessão
onde o aumento do desemprego ocorre paralelamente a uma
elevação das despesas com o interior privado'.
Roy Strong, 'Biedermeier Revived'[c 1984] reprinted in 'Strong
Points' (London, 1985), pp. 32-4.
45
Cf. Guy Debord, 'Psychogeographical Game of the Week', Potlach,
1 (22 June 1954), onde ele sugere construir uma casa a partir
do nada, servindo e dando uma festa com pessoas cuidadosamente
escolhidas, bebidas e 'disques'. Seria um trabalho de ambiencia
calculada, ou uma 'situação' proto-situacionista.
46
Michael McMillan, 'A Sardine Sage', four-panel strip on
back cover of Arcade: The Comics Revue, 6 (Summer, 1976).
47
'Isn't Space the Ultimate Luxury?' ('Espaço para
pensar. Espaço para respirar. Espaço para
manobrar. Espaço para ser a gente mesmo'.)
Espaço Renault para anúncio de automóvel,
c. 1999. O suplemento de propriedade do The Guardian
também foi chamado 'Espaço', como ocorria
com pelo menos dois modestos varejistas.
48
Marc Augé, 'Non-places: Introduction to an Anthropology
of Supermodernity' (London, 1995; as Non-lieux, Paris, 1992).
Algo disto já tinha sido abordado por E. Relph in
'Place and Placelessness' (London, 1976), um velho exemplo
sobre o que se tornaria uma crescente ansiedade mais tarde
na (pós-) modernização -- o turismo
e a 'disneyficação' -- conduzindo a locais
superficiais com identidades permutáveis: 'não-lugares'.
49
David Mitchell, 'Ghostwritten' (London, 1999), p. 217; Thurston
Clarke, 'Searching for Crusoe' (London, 2001), pp. 9-10;
Philip Hensher, 'Pleasured' (London, 1998), p. 68.