Publicado na Revista Veja em 29/07/98
Igrejas evangélicas querem
mostrar a força da fé pela conversão de
homossexuais em heteros
A queda-de-braço entre
conservadores religiosos e grupos homossexuais americanos ganhou
novo impulso na semana passada. Desta vez a adrenalina veio na
forma de uma série de anúncios publicados em
jornais de grande circulação, como The New York
Times e The Washington Post. A campanha, financiada por uma
entidade chamada Coalizão Cristã e outros treze
grupos conservadores, foi um forte apelo à conversão
de homossexuais por meio de testemunhos de ex-gays que
abandonaram sua opção sexual para casar e ter
filhos. Em um dos anúncios de maior repercussão, a
ex-lésbica Anne Paulk aparecia identificada como esposa e
mãe. Em outro, um grande grupo de ex-homossexuais era
emoldurado por uma frase de efeito: "Nós estamos nos
manifestando para afirmar a verdade de que os homossexuais podem
mudar". Entidades de defesa dos gays tacharam a campanha de
retrógrada e ultrapassada.
Com menos visibilidade do que nos Estados
Unidos, o movimento religioso pela conversão de
homossexuais no Brasil cresce a cada dia. No mês passado,
130 membros das igrejas Presbiteriana, Batista, Quadrangular e
Assembléia de Deus se reuniram em Viçosa, no
interior de Minas, no Terceiro Encontro Cristão sobre
Homossexualismo. O evento foi promovido pela Exodus, uma
organização não governamental com 85
unidades espalhadas pelos Estados Unidos, Europa e América
Latina. Inspirados pelo imperativo bíblico de que "com
homem não te deitarás, como se fosse mulher",
os religiosos discutiram formas de levar os homossexuais à
"recuperação" e ouviram relatos de
quatro ex-gays, dois deles atualmente casados com pessoas do
sexo oposto. "Nosso objetivo é criar grupos de
auto-ajuda, como os Alcoólicos Anônimos, para
homossexuais insatisfeitos com sua condição sexual",
diz Affonso Henrique Lima Zuin, presidente do Exodus Brasil.
A associação entre
homossexuais e alcoólatras, ou cleptomaníacos,
como fez recentemente o senador americano Trent Lott, é
fruto de puro preconceito. "Desde 1980, a Associação
de Psiquiatria Americana deixou de considerar o homossexualismo
uma patologia", diz Márcio Bernik, do Instituto de
Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo. "Não se pode curar o que não é
uma doença. Isso chega a ser bizarro." A questão
é que as igrejas evangélicas usam as conversões
como mais uma pirotecnia para atrair a devoção de
fiéis frágeis e crédulos. Durante a
passeata do dia do Orgulho Gay, realizada no mês passado
no Rio de Janeiro, representantes de várias igrejas
pentecostais distribuíram panfletos convidando os
homossexuais a se converter. A Folha Universal, órgão
da Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo bispo Edir
Macedo, publica testemunhos regulares de gays "reabilitados".
"O homossexual que busca nossa ajuda é impactado
pela graça que procede do trono de Deus, que não o
criou deformado", diz o bispo Cláudio Modesto, da
Igreja Apostólica Renascer em Cristo. "O homossexual
convertido é limpo pela palavra de Deus."
Um dos casos explorados pela mídia
evangélica foi o do metalúrgico paulista Fábio
de Jesus Cardoso, de 22 anos. Homossexual desde muito jovem,
Cardoso teve namorados e gostava de freqüentar bares e
boates gays, mas não se sentia satisfeito com sua opção
sexual. "O homossexual que diz que é feliz está
mentindo. Ele tem um vazio que nunca consegue preencher",
raciocina. Um dia, Cardoso ouviu no rádio um anúncio
da Igreja Universal dizendo que as pessoas cansadas de sofrer
podiam ser salvas por Jesus. Foi batizado e acredita que todos
os seus pecados foram perdoados. Hoje pensa em ter filhos com a
esposa, Márcia, com quem se casou recentemente. Desde então,
tornou-se um atuante membro da igreja, que freqüenta pelo
menos quatro vezes por semana
"O homossexual que busca
nossa ajuda é impactado pela graça que procede do
trono de Deus, que não o criou deformado"
Cláudio Modesto, Igreja
Renascer