Geologia da Bahia

( Gélbio M.F.Rocha - Mestre em Geologia-UFBA, 1998)

Mapa Geológico do Estado da Bahia

A Bahia possui a geologia mais diversificada e uma das mais bem estudadas do país. Em seu território afloram rochas formadas ao longo de quase toda a escala do Tempo Geológico, desde o Arqueano ao Quaternário. Como veremos mais adiante, muita dessas rochas são portadoras de mineralizações economicamente importantes, as quais colocam a Bahia como o quarto maior produtor mineral e o faz detentor de uma das maiores reservas de ouro conhecidas do Brasil.

Arqueano

As rochas arqueanas formam o embasamento e se distribuem em várias regiões da Bahia, principalmente no sudoeste, em Jequié, vale do Paramirim, Cinturão de Itabuna, etc. Como são rochas muito antigas, foram submetidas a uma evolução tectono-metamórfica (deformação em condições de alta pressão e temperatura) bastante complexa que apagou muito das informações originais. De um modo geral, as rochas arqueanas são constituídas por rochas gnáissicas ou graníticas contendo restos intercalados de rochas sedimentares e vulcânicas formadas nos primórdios da evolução da Terra.

No sudoeste da Bahia, na região situada entre as cidades de Vit. da Conquista e Brumado, foram encontradas as rochas mais antigas da América do Sul e uma das mais antigas do mundo. Esta região está bem estudada graças ao trabalho, principalmente, do geólogo baiano Moacir Moura Marinho feitos na década de 70 e 80. As medições geocronológicas realizadas nestas rochas por este autor (denominadas de Maciços Sete Voltas, Boa Vista, Aracatu, Umburanas, etc.) pelos métodos Rb/Sr, Pb/Pb, U/Pb e Sm/Nd, indicaram idades variando em torno de 3,4 bilhões de anos. Além das idades, as rochas do sudoeste da Bahia, mais precisamente na região de Contendas-Mirante, apresentam características químicas e texturais indicativas da existência, na época de sua formação, de pequenas bacias oceânicas, circundadas por pequenos continentes. Nesta época, a vida se resumia a alguns tipos de bacterias e compostos orgânicos e, na atmosfera, não havia oxigênio livre.

Os processos dinâmicos do planeta, atuantes desde o arqueano, provocaram o choque entre as pequenas placas, causando o desaparecimento dos oceanos, formação de vulcões, intrusão de granitos, soerguimentos das rochas em forma de cadeias de montanhas e desnudação (formação de planícies), através da erosão ao longo do tempo.

No tempo Arqueano formaram-se os depósitos minerais mais antigos da Bahia: ferro-titânio-vanádio de Maracás, manganês do Cinturão de Itabuna e ocorrências promissoras de ouro (chumbo, cobre e zinco) em Contendas-Mirante.

Proterozóico Inferior

A Era do Paleoproterozóico ou do Proterozóico Inferior, compreendida entre 2,5 Ga. e 1,6 Ga., foi a mais rica em todo o tempo geológico da Bahia para a concentração de bens minerais. Foi neste tempo que se originaram as grandes concentrações de ouro de Jacobina e Serrinha, o chumbo e zinco de Boquira, cromita de Senhor do Bonfim e Campo Formoso, cobre do vale do Curaçá, talco e magnesita de Brumado, ferro-titânio-vanádio de Campo Alegre de Lurdes, fosfato de Angico dos Dias e de Ipirá, esmeralda de Campo Formoso e Anagé

As rochas do Paleoproterozóico ocorrem em amplas áreas do Bahia em íntima relação com as rochas arqueanas, sendo, às vezes, quase impossível separar um domíno do outro. Identifica-se rochas geradas nesta Era, principalmente no embasamento do norte e nordeste (Juazeiro, Campo Alegre de Lurdes, Jacobina, Campo Formoso, Itiúba, Serrinha, Curacá, etc) e do sudoeste (Contendas-Mirante, Brumado, Paramirim, Guananbi, etc.). Dentre estas áreas, destaca-se a faixa Mirante-Jacobina que se extende desde às proximidades de Vitória da Conquista, a sul, até Jaguararipe, a norte. Esta faixa é testemunha de uma intensa fase tectônica de colisão entre diferentes partes da crosta oceânica e continental ocorrida há, aproximadamente, 2,0 Ga, denominada pelos geólogos brasileiros de Ciclo Transamazônico. O Ciclo Transamazônico foi responsável pela elevação de grandes cadeias de montanha e pela concentração de diversos metais no passado geológico da Bahia.

Proterozóico Médio

Ao mesmo tempo que o ciclo do Paleoproterozóico se fechava, provocando esforços compressionais geradores de cadeias de montanhas, como no exemplo da Faixa Mirante-Jacobina, em outras regiões, esta forças eram compensadas por forças estensionais abridoras de bacias sedimentares. Não fugindo a esta dinâmica, o início do Proterozoico Médio na Bahia marcou o tempo de abertura da grande bacia sedimentar do Espinhaço-Chapada Diamantina (situada na região central), a qual abrange cerca de 25 % do território baiano. Esta bacia inicia-se em função do rachamento da crosta e derrame de um grande volume de rochas vulcãnica félsicas (Rio dos Remédios, Rio de Contas, Paramirim, Ibitiara, Macaúbas, Caetite, etc). Após a este vulcanismo, chamado pelos geólogos de Rio dos Remédios, seguiu-se uma sedimentação em dois ciclos cada um deles variando de sedimentação flúvio-eólica, deltaica, a marinha rasa e profunda.

As mineralizações associadas ao Proterozóico Médio são representadas pelas concentrações de urânio de Caetité, ouro e diamante (explorados na Chapada Diamantina desde a época colonial), quartzito Azul Macaúbas (rocha ornamental), barita (Ibitiara) e ametista (Brejinho das Ametistas).

Proterozóico Superior

Na Era anterior não houve compressão tectônica expressiva que possibilitasse a inversão da bacia Espinhaço-Chapada Diamantina. Assim, esta bacia continuou a receber sedimentos, sem sofrer grandes interrupções, durante o Proterozoico Superior. Esta Era inicia-se com uma glaciação de caráter global, na qual as geleiras cobriram grande parte do território da Bahia, contribuindo para a sedimentação, iniciada no Proterozóico Médio, e marcando o início de uma grande plataforma carbonática depositada em um ambiente de mar raso e calmo. Ao final, repete-se o ciclo verificado no fim do Paleoproterozóico, quando as forças compressionais oriundas no interior da Terra provocam o choque de blocos crustais fazendo surgir novas cadeias de montanhas e novas bacias sedimentares.

Por fim, a maioria das mineralizações originadas no Mesoproterozóico são reconcentradas e verifica-se a deposição de fosfato, zinco-chumbo na plataforma carbonática (Irecê).

Paleozóico

Na Bahia, as rochas do Paleozóico ocorrem no extremo noroeste (proximidades de Campo Alegre de Lurdes, fronteira com Piauí) e extremo nordeste (região de Paulo Afonso e Santa Brígida, fronteira com Sergipe). Representam segmentos preservados da grande Bacia do Parnaíba que se extendia por quase todo o nordeste brasileiro. Esta bacia teve início logo após o final da grande formação de cadeias de montanhas, ocorrida no final do Proterozóico Superior e início do Paleozóico (Cambriano). A partir deste período, a crosta terrestre, nesta parte do planeta, começou a se esfriar, cessando as pertubações orogenéticas do ciclo anterior. A tectônica tornou-se mais atenuada, de caráter epirogenético e estensional, com a dinâmica interna do planeta induzindo apenas a formação de rachaduras profundas na crosta, vulcanismo ácido, e fazendo aparecer bacias subsidentes intracratônicas, as quais, entretanto, não sofreram nenhum esforço compressivo durante a sua evolução.

A Bacia do Parnaíba é constituída por um conjunto de camadas sedimentares, com até 3.000 m de espessura(Schobbenhaus & Campos 1984), formado, predominantemente, devido a interação entre avanços e recuos de um mar raso sob clima temperado, glacial e extremamente árido. Segundo vários autores (vide Villas-Boas 1996), durante a glaciação devoniana, a capa de gelo avançou de sul para norte, cobrindo parcialmente a bacia e deixando como registro uma sedimentação típica de geleiras (diamictitos e varvitos).

Mesozóico

As rochas do Mesozóico ocorrem na bacia do Recôncavo-Tucano, nas bacias submersas ao longo da costa atlântica e na bacia do Urucuia (extremo oeste). Estas bacias se formaram em função de intenso processo tectônico-magmático que reativou a Plataforma Sul-Americana durante o Jurássico. Neste período iniciou-se o rompimento do continente Gondwana (super continente formado pela junção da América do Sul, África, Índia, Austrália e Antárdida) e a abertura do oceano Atlântico Sul. A rachadura na crosta ("rift"), que provocou a separação do Gondwana, foi seguido por derrames de lavas basáltica sobre amplas áreas da plataforma (Amazônia, Rio Grande Norte, Paraiba, Ceará, Paraná, etc.). O volume de lavas basalticas da Bacia do Paraná (Formação Serra Geral), por exemplo, é considerado como o mais expressivo de todo o planeta (Santos et al. 1984)

A Bacia Recôncavo-Tucano compreende uma faixa norte-sul de aproximadamente 100 km de largura e se extende desde Salvador até a fronteira com Sergipe, nela se acumularam importantes depósitos de petróleo que, até a década de 70, representava a principal fonte deste combustível no território brasileiro. Em função da progressão do rachamento da crosta e do avanço do Oceano Atlântico por sobre o continente, a evolução da bacia pode ser sintetizada em quatro estágios : sequências do Continente, do Lago, do Golfo e do Mar (Asmus 1984 & Schobbenhaus e Campos 1984).

A Sequência do Continente (ou pré-rift) representou o estágio de instalação de uma depressão, circundada por um relevo pronunciado, onde se depositaram sedimentos dominados pelos processos essencialmente continentais, ou seja, sedimentação do tipo eólica, flúvio-deltaica e lacustre (formações Aliança e Sergi). No Cretáceo, com o aprofundamento da rachadura crustal, formou-se um grande lago interior (Sequência do Lago ou fase sin-rift), no qual se acumularam sedimentos lacustrinos e flúvio-deltáicos (Grupo Brotas). Neste estágio, proliferou-se, abundantemente, os organismos planctônicos que, mais tarde, iriam ocasionar os depósitos de petróleo da bacia. Após esta fase, o Atlântico avançou e fez as primeiras incursões no Recôncavo. Inicialmente, a chegada do mar possibilitou a formação de um ambiente de "sabka", composto de águas rasas e extremamente salinas, representado parcialmente pelos sedimentos da Formação Marizal (Sequência do Golfo ou fase pós-rift). Após a deposição da Formação Marizal, depositados em discordância angular sobre o Grupo Brotas, seguiu-se um período predominantemente erosional entre o Cretáceo Médio e o Oligoceno (Magnavita 1996). O Oceano Atlântico invadiu toda a área entre este último período e o Mioceno, e provocou a deposição dos sedimentos da formações Algodões e Sabiá (Sequência do Mar).

A tectônica que provocou a abertura do Atlântico repercutiu também nas partes mais internas do continente. Na região do extremo oeste (cidades de Barreiras, Correntina, Cocos, Coribe, etc.), na fronteira com Goiás, ocorre uma extensa área de afloramentos de um pacote de sedimentos com espessura em torno de 300 m (Formação Urucuia), depositados em uma depressão há 85 milhões de anos atrás. Provavelmente esta depressão represente o início de um "rift" semelhante aquele das bacias atlânticas, sem, entretanto, atingir o ciclo completo. Registra-se a presença de rochas vulcânicas e vulcanoclásticas básico-alcalinas associadas a formação desta bacia em Minas Gerais, nas quais são encontradas idades de 80 milhões de anos (Inda et al. 1984).

A Formação Urucuia é constituída por conglomerados localizados, siltitos na base e arenitos no topo e registros de folhelhos betuminosos e canga látero-manganesifera (Fernandes et al. 1982). Todo o pacote foi depositado em ambiente predominante continental flúvio-eólico no Cretáceo. A idade cretácica é estabelecida, principalmente, com base na presença de macro e microfósseis.

Os recursos minerais acumulados na Era Mesozóica são constitúidos, principalmente, por petróleo, principal fonte energética do mundo moderno, turfa, xisto betuminoso, arenito asfáltico na região de Maraú. e depósitos de evaporitos. Os evaporitos são representados por níveis de barita (sulfato de bário) e gipsita (sulfato de cálcio), localizados entre às formações Taipu-Mirim e Algodões (Sequência do Golfo) na região de Maraú. Salgema (NaCl), com anidrita (CaS04), é produzida em Matarandiba (ilha de Itaparica) associada à Formação Afligidos de idade Triássico/Permiana.

Cenozóico

Enquanto na Era anterior predominou uma tectônica do tipo estensional, com rachamentos profundos na crosta e separação de bacias limitadas por falhas. O Cenozóico, se carateriza mais por um tectônica de soerguimento flexural (epirogenética), na qual amplas partes do continente sobem lentamente e ficam mais sujeitas à erosão. Entretanto, os mecanismos que continuam a separar o Brasil da África provocam pertubações tardias importantes, reativando antigas falhas e reacendendo novas injeções magmáticas.

Na Bahia, além dos sedimentos cenozóicos associados a evolução da Bacia do Recôncavo (descrita anteriormente), as rochas originadas durante esta Era estão restritas, principalmente, à costa atlântica, aos vales dos rios e aos planaltos de Vitória da Conquista, Chapada Diamantina, etc. Dentre elas destacam-se as rochas das formações Barreiras e Caatinga, os depósitos de diatomita e as areias monazíticas.

Após o soerguimento epirogenético ocorrido no Plioceno (entre 3 e 5 Ma) e o consequente recuo do nível do Oceano Atlântico, praticamente toda a costa baiana foi coberta pelos sedimentos da Formação Barreiras. Este soerguimento pode ter sido precedido por reativações de falhas e derrames vulcânicos como atestam as ocorrências de rochas máficas e ultramáficas terciárias verificadas no Rio Grande do Norte e Paraíba. Na Bahia, recentemente, foi descrita a presença de rochas magmáticas em associação com a Formação Barreiras no litoral de Porto Seguro ( ). Esta formação possui espessura máxima em torno de 60m e composição terrígena constituída de areias, argilas e conglomerados depositados em ambiente continental (leques aluviais, fluvial e flúvio lagunar).

A Formação Caatinga ocorre no vale do rio Salitre (nordeste do Estado) e é constituída por rochas calcárias originadas a partir da dissolução de rochas carbonáticas mais antigas (Grupo Bambuí) provocada pelas águas superficiais de rios e enxurradas. Estas rochas são consideradas como tendo sido formadas no Quaternário devido a presença de fósseis (gastrópodes) do tipo Biomphalaria sp., Stropchocheilus sp., Bulimulus sp., Artemon Anchadai. Algumas partes do calcário Caatinga são exploradas como rochas ornamentais de grande aceitação no mercado nacional e internacional (mármore Bege Bahia).

As diatomitas (mineral silicoso, muito fino e poroso empregado na fabricação de filtros) são encontradas nas coberturas formadas sobre a Chapada Diamantina e no Planalto de Conquista. Os depósitos deste bem mineral são gerados em decorrência do acúmulo de algas diatomáceas em lagoas de água doce em períodos recentes. Por fim, entre as cidades de Una e Belmonte, ocorrem cordões litorâneos ricos em areias monazíticas com zircão e ilmenita. Tratam-se de minerais pesados, retirados de rochas mais antigas pela erosão e transportados até a zona costeira, que servem de fonte para elementos raros como: Zr, Ce, La, Nd e Th.

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