Link do dia: Elenco, via Bizarre

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Alexandre Matias

20021122ledzep.jpg (10464 bytes)Outro dia "Dancing Days" veio do nada. A guitarra começou exatamente no momento em que o pé pressionou o acelerador, na hora em que o sinal abriu e a avenida estava vazia, de noite. Nirvana em quatro rodas, vento no rosto, aquela coisa... O riffzinho parado ("tenonenoneum"), repetido várias vezes, como se a música estivesse patinando e, depois que a guitarra muda de tom de repente, entra o Robert Plant, quase falando, num tom de voz grave: "Dancing days are here again, as the summer evenings grow", dizia, "I got my flower, I got my pow-er (ele separa bem as sílabas), I got a woman who knows".

O tom era mandatório, como desde a primeira audição. Era o que o Roger Waters queria fazer com "In The Flesh", misturando o lado ditatorial da música pop com seu "intrínseco" (que saco) apelo pop, só que ele optou pelo lado mais morcegão da história. O Primal Scream também falou disso, com "Swastika Eyes" encontrando interseções entre a dominação gay da house e o homossexualismo reprimido dos nazistas - coisa deprê, mas enfim, tem a ver com o jeito que "Dancing Days" é tocada.

A voz do Plant, essencialmente gritalhona, desce oitavas abaixo e encara o ouvinte com esgar e piedade, tal Deus puto da vida porque os mortais não seguem seu devido curso. E, aqui no caso, apesar de "dancing" remeter à noite, à festa e, claro, ao sexo, ele não está falando só de diversão.

"Crazy ways are evident in the way you're wearing your clothes/ Suppin' boze is precedent as the evening starts to glow". A música continua, insistindo em sua própria rispidez. Fica evidente que era preciso voltar. "Os dias de dança voltaram!", sublinhava enfaticamente, como um burocrata de saco cheio de ouvir você perguntar "por onde é que eu começo?". A base instrumental cresce pouco a pouco e cada nova repetição acompanhada de uma nova camada de guitarra superposta por Jimmy Page.

"Dancing Days" é a primeira música do lado B de Houses of the Holy, um dos discos mais improváveis do Led Zeppelin. Encerrando a fase numérica (que seguiu o disco até o mítico Led Zeppelin IV), o grupo inglês inaugura uma fase de álbuns enxutos, com faixas auto-explicativas, pequenos universos dentro de si mesmas. Esta fórmula seria seguida nos discos do final dos anos 70, nos discos Presence e In Through the Outdoor, especificamente. E antes de se aterem ao novo formato, o grupo entrou em suas duas maiores excursões sonoras: o museu Phisical Grafitti, um dos álbuns mais sólidos da história do rock, e o ônibus The Song Remains the Same, retratando os abusos e excessos da estrada. Dois discos duplos, Jeckyll e Hyde do grupo de rock mais importante dos anos 70.

"I told your mamma I'd get you home but I didn't tell her I had no car". Houses of the Holy fica ali, espremido entre o formato Led-standard criado nos quatro primeiros discos e o Valhala em movimento dos dois discos duplos seguintes. Em um de seus muitos momentos de clareza, o grupo vislumbra um álbum em que pudesse exibir sua versatilidade sonora, qualidade de gosto duvidoso em plena década do eu. Mas, sem deixar de lado sua personalidade sonora (misto de folk do paraíso com blues do inferno), visitam folk, funk, reggae, progressivo e, claro, rock'n'roll.

"Dancing Days" é a faixa sobre rock'n'roll. Sem querer deixar claro se o discurso é irônico ou apenas pop, o grupo fala sobre a necessidade de se voltar à ativa. Os "dias de dança" sempre voltam, e diferentes, quando menos esperamos. E é bom lembrar que, apesar de "Dancing Days" citar rock'n'roll literalmente, o Led não fala só de rock. Lembre-se da letra da primeira faixa do disco, "The Song Remains the Same":

"I had a dream- crazy dream
Anything I wanted to know
Any place I needed to go
Hear my song- sing along
Any little song that you know
Everything that's small has to grow.

California sunlight, sweet Calcutta rain
Honolulu starbright - the song remains the same.

Sing out Hare Hare, dance the Hoochie Koo.
City lights are oh so bright, as we go sliding, sliding through"

A canção continua a mesma, independente de onde se vá, de onde que ela saia. É impressionante que ainda nos perdamos em debates fúteis e detalhistas que espremem a boa música entre cifras absurdas de dinheiro e artistas sem um pingo de talento. A música continua sendo produzida, independente do que se faz em Hollywood, Nova York ou Londres. Da distância geológica que o planeta se enxerga, talvez o verdadeiro Elvis Presley seja o paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan ou o nigeriano Fela Anikulapo Kuti, dois literais "gênios da raça" que passariam despercebidos pelo mercado consumidor judaico-católico não fossem a curiosidade de bandeirantes que se enfiaram na cadeia genética de sua prole.

Daí voltar. Tem muito a ver com o jeito que as coisas andam, com as fichas que aos poucos caem na cabeça de todo mundo e a aparente falta de perspectiva que estes tempos caóticos teimam em nos confundir. Precisa vir alguém, do nada, e mandar voltar. Nem que seja voltar a dançar. Nem que seja através de uma música.

"You know it's alright
I said it's alright
You know it's all in my heart
You'll be my only, my one and only
Is that the way it should start?"

Saca?

05.12.02
Houses of the Holy
Led Zeppelin
1973

1. The Song Remains the Same
2. The Rain Song
3. Over the Hills and Far Away
4. The Crunge
5. Dancing Days
6. D'Yer Mak'er
7. No Quarter
8. The Ocean

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