Fela Anikulapo Kuti é o equivalente africano de Che Guevara e Bob
Marley ao mesmo tempo, gênio da raça, líder pacifista e voz do povo. Papa do afrobeat,
trouxe os milenares ritmos africanos para a era elétrica, fundindo-os com a força bruta
do jazz, funk e rhythm'n'blues. Com seu front musical, entrava em transes percussivos
acompanhados de cavalgadas de baixos elétricos, guitarras em profusão, um coro feminino
em primeiro plano e uma enxurrada de instrumentos de sopro, com o sax de Kuti em
primeiríssimo plano. Com mais de uma centena de discos com sua participação (álbuns
costumeiramente divididos em quatro blocos de quinze minutos, que tornavam-se horas ao
vivo), Fela criou uma obra tão vasta quanto densa, de valor inestimável e de fácil
aceitação. Mas como a África, Fela Kuti é deixado de lado da história mundial, como
um gigante incompreensível, uma floresta fechada onde nenhum homem jamais esteve. Puro preconceito. A obra do filho mais controverso da nação nigeriana não é apenas de fácil aceitação como perfila-se muito bem ao lado de senhores do ritmo como James Brown, George Clinton, Miles Davis, Afrika Bambaataa e o supracitado Marley - todos conduzindo seu público a um êxtase coletivo baseado na fusão de ritmo e eletricidade, sempre num redemoinho de instrumentos tocados de forma radical, ao extremo. Teclados, bateria, percussão, trombones, guitarras, backing vocals, bailarinas, trumpetistas, baixista, saxofonistas - todos seguinto o fluxo ininterrupto de som, uma avalanche sônica que corre com a força da correnteza de um rio. Como seus pares de pulso, Fela aproveitava a deixa do balanço para falar de política, sempre de forma abstrata e direta, como os discursos monossilábicos de Marley e de Brown. Nascido em 15 de outubro de 1938 (na cidade de Abeokuta, no sul da Nigéria, conhecida como a capital do Estado de Ogum), Fela Ransome Kuti aprendeu noções de política no berço, graças à mãe (que freqüentava o círculo de amizades da feminista Nnamdi Azikiwe, nos anos 40), o avô (pastor anglicano, era conhecido como "o padre cantor" devido à forma que catequizava seus fiéis) e o pai (autoritário e repressor, se tornou uma metáfora usada por Fela para descrever a situação do seu povo e de seu país). Mas Kuti não se limitava a falar e conduzia a revolução em seu país na prática, pegando em armas e desafiando autoridades sempre que preciso. Seu nome estava nas páginas dos jornais tanto na sessão de artes e espetáculos como nas de política - e muitas vezes nas de polícia. Notório canábico (fazia questão de ostentar baseados gigantescos, que esfumaçavam a cara de suas visitas), também era conhecido por sua disposição sexual, que o fez desposar 27 mulheres num mesmo casamento, remetendo às tradições iorubás. Um artista completo, morreu em conseqüência da Aids, em 1997, deixando uma obra irrepreensível. Mas por onde começar? Kuti é desses artistas como John Zorn, Sun Ra, Neil Young ou Frank Zappa, cuja extensão e importância da obra só é compatível à de cada um dos discos. Difícil eleger "o melhor" disco de Fela, pois sua música é sua própria vida, e cada momento específico traz revelações próprias dele mesmo. E se é possível demarcar um período importante em sua carreira, este acontece de 1968 a 1997, nos seus últimos trinta anos de vida. É neste intervalo de tempo que ele cria, amadurece e consagra sua convulsão de ritmos e instrumentos batizada de afrobeat. O conceito de afrobeat surgiu quando Kuti fez sua primeira excursão para os EUA. Sua vida se tornou oficialmente dedicada à música quando sua família o mandou estudar Medicina em Londres, mas ele transferiu o curso para Música. Dentro da cena universitária conheceu o jazz e o rhythm'n'blues norte-americano e em 1961 fundou seu primeiro grupo, o Cool Cats. Pouco depois, o grupo se transformava no Koola Lobitos e era formado apenas por nigerianos que faziam intercâmbio na Inglaterra. O grupo volta à Nigéria e é um pequeno sucesso nacional, passando a se tornar o nome mais popular e jovem do gênero highlife, a fusão de ritmos africanos e jazz tradicional. A próxima escala seria nos Estados Unidos, onde Fela tanto sonhara em encontrar seus ídolos musicais. Mas mais do que música, Fela foi exposto a idéias. Em contato com os movimentos de intelectuais e líderes negros como Eldrigde Cleaver, Malcolm X e os Panteras Negras, ele resolve radicalizar suas posições políticas e se engajar na luta pelo seu povo. Ao mesmo tempo, mira-se na evolução da black music nos EUA, que deixava aos poucos o lado suave e sentimental do soul para abraçar a tensão e força do funk e do jazz rock. Coletivos elétricos expeliam milhares de decibéis elétricos na orelha de seu público e o doutrinava de forma direta e indolor. A adição do baterista Tony Allen na formação do grupo deu ao som a força rítmica e precisa que as bandas de James Brown e Curtis Mayfield tinham e Fela entrou numa catarse espiritual que resultou na atordoante colisão sonora do afrobeat. Neste The 69 Los Angeles Sessions, a gravadora inglesa Stern reuniu o antes e o depois do choque cultural norte-americano ter sido assimilado por Kuti e é uma versão simplificada da transformação musical e ideológica proposta pelo cantor. Por isso mesmo, o primeiro disco que você deve ouvir do autor. Aqui as músicas ainda não são quilométricas, embora sua força esteja condensada e à mostra. As seis primeiras faixas trazem a versão original do grupo, os Koola Lobitos; as restantes sua nova versão, Fela Kuti & Africa 70, como rebatizou seu coletivo. Na primeira parte, ouvimos mais o trumpete de Kuti do que seu famoso sax, que toma conta da segunda parte. E logo no começo desta, somos apresentados ao hino-manifesto do afrobeat, lançado em meio às revoltas sociais de 1969 que resultariam na Guerra de Biafra. O tom de "Viva Nigeria" pode ser sentido em várias outras manifestações "glôbal" pelo mundo, da Nação Zumbi ao Bob Marley. Mas Fela foi o primeiro. Sente só: This is brother Fela Ransome Kuti, The history of mankind is full of obvious turning points, Lets eat together like we used to eat, Brothers and sisters in Africa, Long live Nigeria, Viva Africa. |
13.12.02 The '69 Los Angeles Sessions Fela Kuti 1994 1. Highlife Time 2. Omuti Tide 3. Ololufe Mi 4. Wadele Wa Rohin 5. Laise Lairo 6. Wayo (1st Version) 7. My Lady Frustration 8. Viva Nigeria 9. Obe 10. Ako 11. Witchcraft 12. Wayo (2nd Version) 13. Lover 14. Funky Horn 15. Eko 16. This Is Sad 12.12.02 11.12.02 10.12.02 (dia livre) 09.12.02 08.12.02 (dia livre) 07.12.02
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