Histórico
Ferrovias Paulistas S/A: Fepasa
Apesar de seu passado glorioso, pioneiras do desenvolvimento, abrindo caminho à penetração econômica, elevando o progresso às regiões por onde passaram seus trilhos, as ferrovias implantadas em território paulista a partir do século passado, entraram em franco processo de deterioração econômico-operacional nas últimas décadas, mais especificamente aquelas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.
Os crônicos déficits ferroviários, impossibilitando a modernização do equipamento, desistimulando investimentos, impedindo a racionalização dos serviços e gerando uma imagem de ineficiência que vinha afastando o público da ferrovia, não só passaram a comprometer o sistema, como a prejudicar os que nele desempenhavam suas atividades profissionais.
A inviabilidade de se manter por mais tempo uma situação já de há muito insustentável, levou os poderes públicos a tomarem uma decisão - não mais paliativa como as anteriores - que alterasse radicalmente o quadro então vigente em fins da década de 1960. E a unificação das ferrovias paulistas em uma única empresa foi a solução encontrada não só para recuperar o tempo perdido, como também para criar condições para que as estradas de ferro voltassem a competir, em igualdade de condições, com as demais modalidades de transporte, reassumindo o papel de vanguarda que desempenharam no passado. Assim, a Estrada de Ferro Sorocabana, a Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, a Estrada de Ferro São Paulo - Minas e a Estrada de Ferro Araraquara foram incorporadas à Companhia Paulista de Estrada de Ferro, que teve sua razão social alterada para Fepasa - Ferrovia Paulista S/A.
A unificação
teve por objetivo possibilitar a centralização dos estudos
de programa de investimentos e coordenação dos serviços
ferroviários, a centralização das importações,
da contabilidade e do orçamento; a uniformidade do serviço
e do material, bem como o remanejamento do material existente e melhor
aproveitamento do pessoal.
Uma idéia antiga
A medida, contudo, não chegou a causar surpresa, mesmo porque não era exatamente uma novidade. Na realidade, essa idéia de unificação remonta à década de 40, porém só começou a tomar forma em 1961 quando o Instituto de Engenharia de São Paulo, por sua própria iniciativa, sugeriu a formação da Rede Ferroviária Paulista (RFP). Por três vezes, projetos nesse sentido foram apresentados à Assembléia Legislativa (1962, 1966 e 1967), porém somente da última vez a idéia tomou corpo e logrou sua aprovação, quando era Secretário dos Transportes o governador Paulo Salim Maluf.
Em 29 de
maio de 1967, os Decretos 48.028 e 48.029 colocavam, respectivamente, a
estrada de Ferro Araraquara sob administração da Companhia
Paulista e a Estrada de Ferro São Paulo - Minas sob administração
da Companhia Mogiana. Esse foi o primeiro passo, seguido pelo Decreto-Lei
de 18 de setembro de 1969 - alterado pela lei de dezembro de 1970 - através
do qual o governo paulista autorizava a constituição e organização
de três sociedades por ações, sob as denominações
de Estrada de Ferro Sorocabana S/A., Estrada de Ferro Araraquara S/A. e
Estrada de Ferro São Paulo - Minas S/A. Em 31 de dezembro foram
lavradas as respectivas escrituras de constituição, fixando-se
a data de início das suas atividades para o dia 1º de janeiro
do ano seguinte. Finalmente, a Lei 10.410 de 28 de outubro de 1971 criava
a Fepasa. A unificação definitiva das cinco ferrovias ocorreu
em 10 de novembro de 1971, data que marca o início da existência
da empresa.
Transporte de cargas: inegável vocação
O bom entendimento do mecanismo do sistema ferroviário começa pelo conhecimento da terminologia dessa modalidade de transporte. Uma rápida olhada num mapa ferroviário faria lembrar o desenho de uma árvore e assim é que por analogia, as linhas principais são chamadas de troncos e as secundárias de ramais, sendo que, tanto de uma como de outra podem sair desvios que ligam o produtor à ferrovia ou a ferrovia ao consumidor. As linhas principais ou secundárias são sempre de propriedade da ferrovia, mas os desvios podem também pertencer à particulares. Aparentemente, só as características dessas vias tem alguma coisa a ver com a produtividade, mas na realidade, a operação ferroviária além de levar em conta a capacidade de tonelagem da linha, determinada pelo tipo de trilho e dormente utilizado, pela constituição do traçado (rampas, curvas), pela tração empregada (diesel ou elétricas), pelo material rodante (locomotivas e vagões), além da bitola (estreitas ou largas) e sinalização (Staff, Bloqueio ou CTC - Controle de Tráfego Centralizado e, atualmente, o GPS), também está intimamente ligada à existência ou não de terminais, pátios e equipamentos de movimentação de carga. Assim é que para desempenhar realmente seu papel, a ferrovia terá que dar a cada um desses itens um peso certo dentro do sistema.
O Estado de São Paulo, principal área de atuação da Fepasa (atualmente operada pela concessionária Ferroban), encontra-se numa situação privilegiada, quanto à malha ferroviária, em relação ao restante do país. No Brasil todo, a ferrovia cobre cerca de 30 mil quilômetros, enquanto em São Paulo, os trilhos, ramificando-se em direção as principais centros produtores e consumidores atinge 6.780 quilômetros. Deste total de linhas paulistas, 6.178 quilômetros pertencem à Fepasa e os restantes, 602 quilômetros à Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Além das linhas dentro do Estado, a Fepasa detém mais 537 quilômetros, que estendem a sua área de atuação até Minas Gerais, chegando até Araguari, Tancredo França, Passos, Guaxupé e Poços de Caldas. A malha Fepasa, dessa maneira, atinge 6.715 quilômetros que, subdivididos, dariam 3.337 quilômetros de linhas principais, 1.826 quilômetros de linhas secundárias ou ramais, 1.260 quilômetros de desvios de propriedade da ferrovia e 292 quilômetros de desvios particulares. Vale lembrar que integrada à Rede Ferroviária Federal S/A em nove pontos, a Fepasa está ligada diretamente aos Estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais.
A Fepasa insere-se na malha ferroviária brasileira, como importante agente de escoamento da produção das novas fronteiras agrícolas do Centro-Oeste à altamente industrializada região do entorno de São Paulo, a maior concentração humana do País. Constitui-se também no elo que permite a ligação ferroviária Norte-Sul do Brasil, imprescindível para a circulação e a distribuição de mercadorias, a nível nacional. Além disso, seu acesso ao porto mais importante do país possibilita a presença internacional de produtos brasileiros e de alto valor agregado industrial.
Essa constatação dá a dimensão estratégica do transporte ferroviário, que não pode ser considerada apenas como instalação de uma empresa, que pertence ao Governo do Estado de São Paulo, mas antes, como parte do instrumental disponível para a viabilização das políticas de aumento da renda nacional, desenvolvimento do mercado interno e distribuição da riqueza do Brasil.
A Fepasa,
visando acompanhar o desenvolvimento do Estado, adotou como metodologia
o planejamento operacional por rotas, mais adequada às exigências
da demanda, permitindo-se assim, o aprimoramento da gestão do material
rodante, bem como a celebração de contratos de risco com
grandes clientes, envolvendo garantias de carga por parte destes e de volume
e prazo de transporte por parte da ferrovia. Consequentemente, muitas estações
e paradas foram fechadas, enquanto outras consideradas de alta produção,
receberam investimentos. Por isso, das 600 estações existentes
em toda a malha, apenas 32 se destacam como as principais compositoras.
Os terminais de petróleo de Ribeirão Preto, Paulínia,
Bauru, Ourinhos e Presidente Prudente, assim como os Graneleiros localizados
em Boa Vista, Uberlândia, Casa Branca e Assis, constituem forte exemplo.
Diante disso, houve um significativo aumento no volume transportado, porém,
ainda abaixo de sua real capacidade.
Corredor de Exportação "Uberaba / Santos"
Com toda a infra-estrutura de transporte, a Fepasa forma (ou melhor, formava) um sistema que exerce influência bastante significativa, quer direta ou indiretamente, em quase todas as atividades. Observando a malha, um detalhe chama a atenção: as linhas tem como convergências as cidades de São Paulo e Santos. E é exatamente pelo acesso ao porto e ao complexo industrial de Cubatão, que uma das linhas, cobrindo numa extensão de 944 km, a distância entre a baixada Santista e Araguari, em Minas Gerais, se evidencia entre as demais. Este trecho, que se liga ao tronco Sul (Brasília a Porto Alegre) é chamado de Corredor de Exportação, gerava na década de 70, cerca de 60% das 70 mil toneladas úteis diárias movimentadas pela empresa. Saindo de Araguari, este corredor desce em direção à Ribeirão Preto, passando por Casa Branca, Mato Seco, Mogi Mirim, Mogi Guaçú, Paulínia, Boa Vista, Mairinque, Evangelista de Souza, Samaritá até chegar a Santos.
Com o sucessível aumento da produção agrícola no norte do Estado, bem como a proporcional falta de capacidade para atender a tal volume, a Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo viu-se na eminência de uma drástica reestruturação ferroviária entre Uberaba e Santos, considerado então como o principal corredor de exportação do sudeste brasileiro. Iniciava-se o mais ambicioso projeto de investimentos após décadas de estagnação, o chamado "Corredor de Exportação Uberaba a Santos", projeto este que viria incorporar o que de melhor havia disponível em tecnologia na definição do traçado, com uso de modernas e econômicas locomotivas elétricas e compatível infra-estrutura.
O trecho Uberaba - Ribeirão Preto, por exemplo, após as retificações passou a apresentar características que possibilitaram um maior atendimento a uma rica região agrícola, um dos maiores centros produtores de açúcar, álcool e cereais, absorvendo ainda, quase que a totalidade em transporte da produção de rocha fosfática dos complexos instalados, o trecho é ainda um elemento indispensável para o escoamento dos mais diversos produtos, quer para o Triângulo Mineiro e Planalto Goiano, como também, para o porto de Santos e Paranaguá, eixos de intenso tráfego de composições ferroviárias que transportam adubo, trigo, cimento - em saco e a granel - calcário para a lavoura, cal hidratada, farelo, enxofre e amônia.
Este quadro
econômico da região bastaria para orientar a diretriz tomada
pela Fepasa, na retificação do traçado. Equipado com
modernas linhas de 1,00 m de bitola (distância interna dos trilhos),
com previsão para futuro alargamento, a nova variante apresentou,
em relação à linha primitiva, vantagens como redução
de percurso de 210 km para 171 km, redução de 64 curvas para
apenas 34, aumento dos raios mínimos de 150 m para 982m, redução
das rampas máximas de até 2,2 % para 1,5 %, e das 22 estações
para 9. Tais melhoramentos passaram a permitir que as composições
cargueiras atingissem velocidade máxima de 120 km/h além
do que, mantendo a mesma potência de locomotivas utilizadas no trecho,
duplicando assim, o transporte de carga. Ou seja, com duas locomotivas,
que transportava anteriormente 1.500 t, em cerca de 50 vagões carregados,
passou a transportar 3.000 t. Porém, somente aplicação
na via não basta, já que o material rodante era (e ainda
é) obsoleto, constituído por locomotivas diesel de 2000 hp
e vagões de 55 toneladas de capacidade. Obviamente, para atender
a crescente demanda e haver retorno dos investimentos, uma urgente substituição
destes fez-se necessária...
As locomotivas série 2200 "Francesas"
Facilmente observamos que apesar de toda remodelação da via permanente, isto pouco contribuiu na redução do tempo necessário para completar a viagem produtor / porto / produtor. Não bastasse a baixa velocidade (38 km/h em média) causado pelo uso de locomotivas inadequadas ao trecho, a Fepasa manteve o "Staff" como base no controle de circulação dos trens. Vale lembrar que o "Staff" (troca de bastões), é um sistema implantado no início do século - importado da Inglaterra a partir de 1905 - permite que somente uma composição circule entre estações. Com isso, considera-se que, do tempo gasto para completar uma viagem, 85 % deste a composição estará parada, aguardando liberação da via (de fato, consideram-se absurdos 05 dias necessários para cada 100 km de percurso).
Na tentativa de adequar o material rodante, em meados da década de 70 durante a gestão do ex-governador Paulo Egídio Martins, estabeleceu-se um contrato de US$ 306 milhões, assinado entre a Fepasa e CBE - Consórcio Brasileiro Europeu, visando possibilitar a ferrovia de realizar a eletrificação do Corredor de Exportação, afim de atender às projeções de produtividade, com o uso de modernas locomotivas elétricas.
Visto de uma maneira abrangente, envolvia o fornecimento de 80 locomotivas elétricas importadas da França (04 unidades completas e as demais, a serem montadas pela indústria nacional), 26 subestações de força e instalação de rede aérea em 700 Km de linha, de Guaianã até Uberaba. Considerava-se o mês de outubro de 1981 como o início da eficácia do contrato, consequentemente, passando a ser esta data o início do cronograma de recebimento de equipamentos e desencadeadas as obras nas linhas. Após 7 meses, ou seja, em julho de 1982 previa-se a chegada das 4 primeiras locomotivas, seguindo-se a partir deste mês, remessa de uma locomotiva a cada 20 dias, até completar o lote em fins de abril de 1984. Somente 02 foram entregues, em outubro de 1987.
Como a Fepasa não dispunha de recursos próprios para o investimento, foi criado um consórcio de fornecedores europeus, liderado pela Alsthon francesa, envolvendo também indústrias da Alemanha, Suíça e Bélgica, junto ao qual o Governo do Estado obteve crédito em troca da compra de equipamentos. Na área nacional, formou-se um consórcio de sete empresas afins, liderado pela Equipamentos de Tração Elétrica Ltda. (ETE), sediada em São Paulo. As empresas nacionais assumiriam parte da produção dos equipamentos para eletrificação, a construção das 26 novas subestações e montagem das 78 locomotivas.
Atrasos nos pagamentos e contenção de recursos fizeram com que o projeto sofresse mais de catorze modificações, sendo adaptado a cada novo governo. Na gestão do ex-governador Paulo Maluf, o então presidente da Fepasa, Chafic Jacob, optou por trabalhar com a eletrificação por corrente-contínua, ao contrário do antecessor, Walter Bodini, que havia escolhido a corrente-alternada. Outra modificação foi não mais eletrificar entre Uberaba a Ribeirão Preto.
Além dos atrasos causados pelas constantes revisões que o projeto sofreu, o plano de eletrificação ainda arcou com as conseqüências de um bloqueio feito pelo Banco Central na linha de crédito dos primeiros US$ 100 milhões disponíveis à Fepasa, em 1983, por conta da dívida interna do Estado de São Paulo. Vencido este problema, o projeto passou por nova paralisação de nove meses, entre fevereiro e novembro de 1986, quando a Emaq - Engenharia e Máquinas S/A, empresa com sede no Rio de Janeiro, entrou em concordata e logo a seguir com pedido de falência, que assustou a direção da Fepasa, pois uma de suas subsidiárias, a Emaq - Industrial S/A era a empresa que assumiu, no consórcio, a tarefa de montar as locomotivas no Brasil. A Emaq havia executado metade do serviço ao ser substituída pela General Electric, à qual vendeu as peças que fabricara.
Segundo o relatório do Tribunal de Conta do Estado de São Paulo realizado em 1991, constatou que o consórcio franco-brasileiro de empresas havia recebido 56,19 % do dinheiro das 70 locomotivas de bitola estreita, embora só tenham sido fabricados 39,37 % da encomenda. Quanto as 10 locomotivas de bitola larga, contratadas em 1992, não foi produzido um único parafuso, embora terem recebido 30 % do valor contratual.
Após vários anos, renegociações e pagamentos de aditivos, a Fepasa optou por abandonar o projeto, visando inclusive, erradicar o uso das locomotivas elétricas, já que estas não mais se apresentavam em condições de uso, com constantes avarias e elevadas despesas de manutenção. Atualmente, as locomotivas provenientes da França e seus equipamentos, estão estocados em galpões alugados, gerando uma despesa de aproximadamente US$ 1 milhão / mês. (Texto: Stênio de Andrade Gimenez; originalmente publicado na Monografia "Transporte Ferroviário no Estado de São Paulo" - Priscila Helena Nascimento)