Para que serve o casamento?
por John A. Buehrens,
ministro da Primeira Paróquia em Needham, Massachusetts, ex-presidente da
Unitarian Universalist Association
Eu aprendi pela primeira
vez os conceitos de não-violência em meu casamento. (Mahatma
Gandhi)
Ela era membro de minha congregação em Knoxville, Tennessee. Quando vinha para a igreja, o que não era freqüente, ela sempre estava sozinha. Professora na universidade, ela se lembrava do julgamento de Scopes e da era McCarthy. E agora ocorria uma guerra no Vietnã. Então, num dia de inverno, ela me telefonou. Estaria eu disposto a fazer um serviço particular num túmulo? A falecida era uma mulher que ela descreveu como sua “boa amiga”, sua vizinha por quase quarenta anos. Elas nunca ousaram viver sob o mesmo teto juntas. Enquanto eu estava sentado naquela colina solitária do cemitério, e lia os poemas que ela havia escolhido, e ouvia-a ler uma carta, e rezar uma oração cheia de lágrimas, ficou claro para mim que elas tinham sido casadas, totalmente, embora a ninguém foi permitido saber disso. E eu dizia para mim mesmo: “Isso não está certo. Isso precisa ser mudado, primeiro na igreja, e em seguida no mundo”.
Vinte e um anos depois, na Assembléia Geral da Unitarian Universalist Association de 1996, em Indianapolis, a UUA estava votando se ia ou não se tornar a primeira denominação a reivindicar não apenas a bênção religiosa para uniões entre pessoas do mesmo sexo, mas também reconhecimento legal do casamento gay. Eu pedi para que as dezenas de casais de pessoas do mesmo sexo que estavam na Assembléia me acompanhassem na votação. A resolução foi aprovada com maioria absoluta.
Decidido, que o Estado não deve interferir em casais do mesmo sexo que escolhem casar e compartilhar totalmente os direitos, responsabilidades e promessas do casamento civil.
Hoje, o apoio a esta proposta simples está aumentando. Por volta de vinte grupos religiosos, judeus e cristãos, a endossaram. Também o fizeram líderes morais como Coretta Scott King. Sem mencionar centenas de celebridades, escritores e artistas.
O casamento não é para qualquer um; nunca foi. De fato, quando eu faço aconselhamento sobre este assunto, tanto para aqueles infelizes no casamento como para aqueles que procuram um(a) companheiro(a) para o resto da vida, eu sempre lembro a única coletiva para a imprensa dada pelo Papa João Paulo I, que atuou como pontífice por apenas algumas semanas. Um repórter lhe perguntou sobre os católicos que querem se divorciar e os padres que querem casar. Ele respondeu: “Eh! O que um pobre papa pode fazer? Aqueles que estão dentro querem sair; os que estão fora querem entrar”.
A escritora Judith Viorst diz em seu livro Grown Up Marriage (“Casamento Crescido”):
Embora o casamento seja para pessoas crescidas, muito poucos de nós são [completamente] crescidos(as) quando casamos. Crescer leva tempo, talvez uma vida inteira, e chegar lá – se é que vamos chegar lá – é difícil. Mas o casamento, que pode ser a mais penosa das relações humanas, pode também ser [um] motor para o nosso crescimento. Porque, ao fazer uma certa paz com os desencantamentos, exigências e espantosas complexidades do quotidiano do casamento, nós podemos criar – não, isto não é uma contradição – um casamento crescido.
Ela acrescenta:
Num casamento crescido nós entendemos que não somos, e não devemos ser, um para o outro, professor, pai, editor, supervisor ou projeto de aperfeiçoamento familiar.
Um casamento crescido permite-nos encontrar o equilíbrio entre autonomia e relacionamento.
Num casamento crescido nós gradualmente adquirimos uma infeliz tolerância das limitações e imperfeições de cada um.
Num casamento crescido nós não contamos vantagem – pelo menos, não em voz alta.
Num casamento crescido nós percebemos que nem sempre temos que estar apaixonados um pelo outro. De fato, nós somos bem conscientes de que não poderemos sempre estar apaixonados um pelo outro. Mas um casamento crescido nos permite, quando nos “desapaixonamos”, apaixonarmo-nos de novo. Um casamento crescido envolve uma delicada combinação de honestidade e polidez.
Num casamento crescido nós somos capazes de nos desculpar quando estamos errados e não contar vantagem quando estamos certos. Nós podemos também aceitar uma desculpa próxima de uma humilhação total - mas não muito próxima. Num casamento crescido o riso excede o desgosto.
Num casamento crescido nós aprendemos a perdoar e esquecer. Bem, talvez não esquecer.
Num casamento crescido nós sabemos como comunicar um com o outro e saber quando a melhor coisa é calar a boca.
Num casamento crescido nós reconhecemos que o casamento não nos dá uma identidade real, nem nos mantém seguros das mágoas e dores da vida, nem mesmo nos protege para sempre da solidão.
Como já disse, o casamento não é para qualquer um, nunca foi. Mas quanto mais crescidos ficamos em relação a ele, mais podemos reconhecer nele uma combinação extraordinária de aceitação e descoberta das diferenças humanas bem como afirmação e aprofundamento do que temos em comum. Minha esposa, Gwen, sempre diz que num bom casamento as pedras de uma cabeça se encaixam nos buracos da outra. Ela também afirma ter estado casada comigo por trinta anos, feliz por vinte e cinco deles. E quando eu lhe pergunto quais foram os anos ruins, ela responde: “É só uma percentagem diária aproximada!”
Mas por que cargas d’água nós iríamos, como um casal de clérigos, querer negar a qualquer casal que se ama a chance de se matricular publicamente na grande escola de crescimento espiritual conhecida como casamento? Por que nós lhes negaríamos nosso apoio e bênção? Porque os relacionamentos do mesmo sexo de alguma forma desafiam “a santidade do casamento tradicional”, como alguns conservadores afirmam? Que insegurança! Que imaturidade! Eu tenho uma mensagem bem simples para os religiosos conservadores que se opõem ao casamento gay: Cresçam! Como diz William Sloan Coffin: “Parem de usar a Bíblia e a tradição da maneira que um bêbado usa um poste – mais para apoio do que para iluminação”. Considere se Deus não tem ainda mais luz para espalhar. Afinal, poucas tradições mudaram tanto no decorrer dos anos quanto aquelas de nossa mais íntima instituição.
Num livro da editora Beacon Press, o historiador social E. J. Graff pergunta What is Marriage For? (“Para que serve o casamento?”). É para ter filhos? Bem, às vezes. Mas se nós vamos limitar o casamento àqueles que são capazes de ter filhos biológicos juntos, então vamos instituir a obrigatoriedade do teste de fertilidade. É para constituir um laço de parentesco? Bem, por séculos os casamentos foram arranjados. Os pais e patriarcas sabiam o que era melhor. É isso que estamos tentando preservar? Ou acreditamos em amor e livre escolha? Hoje, se um homem escolhe outro homem, ou uma mulher, outra mulher, por que o Estado deveria interferir? Porque nós sentimos desconforto pela sexualidade entre pessoas do mesmo sexo? O sexo é parte do casamento, mas se há um interesse público na abstinência, fidelidade e sexo seguro, como as autoridades dizem, não é hipócrita e imaturo denunciar a promiscuidade entre os gays para em seguida impedir o casamento gay? Ou é por dinheiro? Já que dois podem viver com quase tão pouco quanto um, outro aspecto do casamento foi sempre a questão financeira. Assim, o interesse da sociedade em promover o casamento se reflete no sistema tributário, na herança, nos benefícios compartilhados, e em mais de mil direitos específicos que os casais casados têm e os casais gays estão impedidos.
Algumas pessoas dizem: bem, vamos ter leis de concubinato, ou uniões civis, como em Vermont. Mas tais soluções específicas de cada Estado não são reconhecidas nos demais. E “separados mas iguais” nunca significa o mesmo que “iguais”, não é?
É por isso que minhas amigas Hillary e Julie Goodridge processaram o Estado de Massachusetts por negar-lhes um contrato de casamento, em contravenção com as leis de igualdade em nossa constituição estatal. Elas querem a liberdade para se casar. A elas se uniram outros seis casais. Três deles são Unitários-Universalistas: Gloria Bailey e Linda Davies, da Primeira Paróquia em Brewster; Richard Lindell e Gary Chalmers, da Igreja UU de Worcester; e David Wilson e Robert Compton, da Igreja da Rua Arlington, no centro de Boston.
Como eu me sinto muito mal diante da injustiça de emitir contratos de casamento para casais heterossexuais e ter que negar contratos para casais do mesmo sexo, decidi me unir aos colegas clérigos de todo o país e declarar que, enquanto esta desigualdade existir, quando eu ajudar os casais a celebrar sua união matrimonial – o que eu continuo a fazer com muita alegria –, eu não mais assinarei o contrato. Eu vou servir apenas em minhas funções religiosas, não como um agente do Estado. Eu vou providenciar um juiz de paz para fazer isso.
Um dos grandes ministros do movimento dos direitos civis, Will Campbell, do Tennessee, sempre ensinava que a coisa certa que um ministro deve fazer em qualquer casamento é ter o contrato assinado antes da cerimônia, na presença do casal, e em seguida atirar o documento assinado num canto, gritando “Dê a César o que é de César!”. Então o ministro pode lembrar ao casal que eles agora vão sair da frente de Deus e de todos e entrar num convênio um com o outro. Um grato reconhecimento do amor e confiança que eles encontraram um no outro. E uma promessa de tentar sustentar e renovar esse amor e confiar mesmo quando as coisas estiverem difíceis. Com a ajuda de um amor que estava lá sustentando-os mesmo antes de terem se encontrado.
Por vezes, todos nós, mesmo aqueles mais claramente abençoados em nossos casamentos, nos perguntamos para que serve o casamento. Assim como, outras vezes, nós nos perguntamos para que serve o trabalho, ou para que serve a própria vida. Há lacunas de significado, há abismos de injustiça. Mas o amor faz uma ponte para um futuro melhor e mais significativo – se nós estamos abertos a ele, em todas as suas várias formas.