O unitário-universalismo se inspira em um largo espectro de influências religiosas. Eu, particularmente, acho que esse é um dos motivos pelos quais nos destacamos. Há muita sabedoria no mundo. As tradições religiosas só têm a perder ao rejeitarmos parte dessa sabedoria apenas porque ela não parece vir da fonte “correta”.
Na tentativa de capturar parte da profundidade dessa inspiração, os compiladores de nossos sete princípios também listaram seis fontes daquilo que eles chamaram nossa “Tradição Viva”. Gostaria de compartilhar minhas idéias a respeito da primeira fonte, que é “A experiência direta daquele mistério e maravilhamento transcendente, afirmado em todas as culturas, que nos leva a uma renovação do espírito e a uma abertura às forças que criam e sustentam a vida”.
É uma frase longa, muito longa. Todas as afirmações das fontes tendem a usar uma linguagem complexa. Mas, para reduzi-la a seu significado central, a primeira – e mais básica – fonte de nossa tradição viva é nossa própria “experiência do mistério e maravilhamento transcendente”.
A experiência do mistério e maravilhamento transcendentes não tem nada a ver com magia ou milagres. Ou melhor, toda a nossa existência é um milagre mágico, desde antes de nascermos até depois de morrermos. O universo inconcebível, os bilhões de anos que a vida levou para se desenvolver em nosso planeta, as reações químicas que possibilitam o movimento dos meus dedos, o riso de uma criança, o vôo de um beija-flor. É um milagre e um maravilhamento.
E não menos importante, a vida também pode ser um horror e uma tragédia. Um ato de guerra pode destruir nossa existência normal, ou uma grande tempestade pode nos lembrar de quão fracos nós ainda somos diante da imensidão da natureza. A vida quotidiana está cheia de maravilhamento. E também de horror.
Um teólogo do século XIX, chamado Rudolph Otto, chamou a essa experiência religiosa central, em latim, de mysterium tremendum et fascinorum. O tremendo e fascinante mistério. Não há nada simples ou açucarado em relação à experiência religiosa. Ela pode ser edificante, talvez, mas também pode ser exatamente o contrário. Nas palavras de Otto, é “uma experiência única de confronto com um poder ... ‘Inteiramente Outro’, fora da experiência normal e indescritível nesses termos; terrificante, que vai do puro pavor demoníaco, passando pelo temor respeitoso, à majestade sublime; e que fascina, com atração irresistível, exigindo lealdade incondicional”. E aqui está o que é realmente importante: “É a resposta humana positive a essa experiência em pensamento (mito e teologia) e ação (culto e celebração) que constitui a religião”.
É a resposta positive ao mysterium tremendum et fascinorum que constitui a religião. É uma bela afirmação. Ela me atinge por ser não apenas verdadeira, mas também profunda. Se olharmos para ela com atenção, ela pode nos levar a importantes concepções sobre a vida religiosa.
Eis uma história sobre o confronto singular e atemorizante de uma pessoa com um poder, para usar as palavras de Rudolph Otto, “Inteiramente Outro”. Logo após a Segunda Guerra Mundial, um funcionário público de Nova York levou seu filho de cinco anos para o Museu Americano de História Natural de Nova York. Lá, esse menino encontrou seu primeiro dinossauro. O que, convenhamos, cinqüenta anos antes de começarem a fazer filmes do estilo Jurassic Park, era o mais “Inteiramente Outro” que poderia haver para uma pequena criança judia. Eles entraram no primeiro salão e esse menino ficou face a face com um esqueleto de seis metros de altura de um Albertossauro, um parente próximo do Tiranossauro Rex. Ele ficou em pé, imóvel, de olhos arregalados; o esqueleto o fitava de volta, com mandíbulas escancaradas e dentes que pareciam facas.
Foi quando alguém atrás do menino, por acaso, espirrou. Ele começou a gritar de medo, até perceber que tinha sido apenas um espirro. Afinal, o esqueleto não ia voltar à vida e não ia comê-lo. Era apenas uma exposição cuidadosamente montada. Mas, por um tremendo, misterioso, fascinante, assustador momento, ele havia pensado o contrário.
Lembrando que, de acordo com Rudolph Otto, é a reação humana positiva a uma experiência como essa que constitui a religião. No caminho de volta para casa, o menino anunciou a seu pai que ia estudar dinossauros quando crescesse. Se você ainda não adivinhou, o nome do menino era Stephen Jay Gould. Na época em que ele morreu, há apenas alguns anos, ele tinha se tornado um professor da Universidade de Harvard, um dos mais famosos paleontólogos do mundo, e um renomado especialista em biologia evolucionista.
À medida que crescia, Gould foi pouco a pouco deixando para trás sua fé judaica e se tornou ateu. Essa é precisamente a razão pela qual eu o escolhi como um exemplo do impulso religioso. Tipos diferentes de pessoas vêm experimentando esse “tremendo e fascinante mistério” de várias maneiras, há milhares de anos. Ele fez os povos mesopotâmicos construírem zigurates, os egípcios construírem as pirâmides, e os cristãos medievais construírem as imensas catedrais da Europa. Ele fez o apóstolo Paulo entregar sua vida a um carrasco romano e o ministro luterano Dietrich Bonhoffer deixar sua vida num campo de concentração nazista. Mas pessoas diferentes reagem de maneiras diferentes. Ele levou Mahatma Gandhi a fazer manifestações pela independência da Índia em relação à Inglaterra. Ele levou Stephen Jay Gould a se tornar um cientista e um ateu. Eu afirmo, respeitosamente, que cada uma dessas reações é tão positiva e tão religiosa quanto quaisquer das outras.
Como nos lembra Rudolph Otto, a religião não está na experiência do mistério e do maravilhamento. Ela está em nossa resposta a essa experiência. Novamente, a primeira afirmação de nossas fontes fala sobre a “experiência direta daquele mistério e maravilhamento transcendente, afirmado em todas as culturas, que nos leva a uma renovação do espírito e a uma abertura às forças que criam e sustentam a vida”.
“Renovação do espírito e abertura às forças que criam e sustentam a vida”. Sempre que eu via Stephen Jay Gould sendo entrevistado ou o ouvia explicar o campo que ele conhecia tão bem, ele sempre emanava um “espírito renovado”. Ele estava “aberto às forces que criam e sustentam a vida”. Mesmo quando ele estava morrendo de câncer, ele continuava alegre e entusiasmado. Ele emanava toda a vitalidade e motivação de alguém que tinha mergulhado de cabeça em sua misteriosa existência, e cuja reação era espetacularmente saudável.
Se você ouvir os astrônomos descreverem novas descobertas sobre os anéis de Saturno, ou os engenheiros descreverem as últimas aventuras do robô explorador de Marte, você vai ouvir a mesma excitação, o mesmo sentimento de mistério e maravilhamento. O astrônomo Carl Sagan escreveu certa vez: “Em seu encontro com a Natureza, a ciência sempre exorciza um sentimento de reverência e de temor. O próprio ato de compreender é uma celebração da união ... com a magnificência do Cosmo”.
Rudolph Otto foi um discípulo de Friedrich Schleiermacher. Como Schleiermacher, ele via o real impulso religioso como uma apreciação, uma saudável reação ao mistério e maravilhamento – e ao terror, ao medo e pavor –, não uma tentativa de explicá-lo.
Em termos simples, a religião saudável pode se inspirar em muitas fontes diferentes. Schleiermacher escreve: “Cada pessoa deve estar consciente de que sua religião é apenas parte do todo; que, em relação aos mesmos objetos que a afetam religiosamente, há pontos de vista tão piedosos quanto e, no entanto, completamente diferentes do seu próprio; e que de outros elementos da religião fluem intuições e sentimentos, de cujo sentido ela pode carecer completamente”. Minha inspiração pode não ser a sua, e a sua pode não ser a minha. Mistério e maravilhamento transcendentes parecem diferentes a cada pessoa.
Schleiermacher nos conta que o sentimento religioso é “tão fugaz e transparente como o primeiro rastro com o qual o orvalho gentilmente acaricia as flores que despertam, tão modesto e delicado como o beijo de uma donzela, tão sagrado e proveitoso como um abraço nupcial; de fato, não é como isso, mas é ele próprio tudo isso”. Esse é o mais maravilhoso trecho de teologia que eu já li até hoje. Para um unitário-universalista zen como eu, essa frase expressa exatamente o que é a “experiência direta do mistério e maravilhamento transcendentes”.
Devido a essa ênfase de Schleiermacher na importância da percepção individual, não é nenhuma surpresa que ele tenha influenciado os transcendentalistas norte-americanos, como Ralph Waldo Emerson. Sua visão da espiritualidade é perfeitamente paralela a meu próprio treinamento zen. Ela também se encaixa perfeitamente na abordagem de pesquisa de um cientista.
O astrônomo renascentista Johannes Kepler explicou seu interesse na ciência como “um desejo de conhecer a mente de Deus”. Stephen Hawking, Albert Einstein e J. Robert Oppenheimer usaram uma linguagem semelhante. (E eu não acho que qualquer deles tenha pensado em “Deus” como um cara grande e de barba branca com poderes mágicos e mau humor.)
Tanto Schleiermacher como um mestre zen lhe diriam que o que importa é viver nesse senso de maravilhamento, manter-se desperto e aberto ao divino, minuto após minuto, todo o tempo. O verdadeiro estudante do zen não se importa com a natureza de Deus. Para o budista, a própria essência de Deus seria “uma questão não-apropriada”.
A religião, ou parte dela, é a reação positiva ao mistério e maravilhamento – e também ao horror – transcendentes, em nossas vidas. É sobre buscar o maravilhamento no sorriso de um bebê, ou na brisa que balança as folhas numa floresta – ou em realmente prestar atenção ao horror de uma grande tempestade ou de uma cidade inundada. A religião não está aqui para fornecer uma fuga para nossas vidas quotidianas. Ao contrário, ela está aqui para fornecer combustível e direção para a jornada.