Por que você não deveria ser um unitário-universalista 
pelo Rev. Dr. Tony Larsen
 

      Alguém que eu encontrei recentemente descreveu a Igreja Unitária Universalista como um lugar que acolhe cristãos, judeus, agnósticos, e mesmo um ou dois pastores alemães. Ele estava tentando ser engraçado, e eu ri. Mas por trás de suas observações havia um pressuposto injustificado: que qualquer um pode entrar aqui. E por trás desse mito há outro: que não assumimos nenhum valor ou princípio em especial.

      Meus amigos, nem todos podem ser unitários-universalistas. Nem todos deveriam ser unitários-universalistas. Porque o primeiro critério para entrar nesta igreja é: você tem que saber como pecar. Isso é muito importante para nós; e nem todos sabem como fazer isso. Nós não queremos pessoas que nunca fizeram coisas ruins. Nós não queremos pessoas que são mais santas que outras. Nós não queremos pessoas que já tenham conseguido êxito no departamento de salvação e estão apenas esperando serem escolhidas. Porque pessoas com muito paraíso dentro de si são um inferno para os que convivem com elas.

      Não me entendam mal. Se houvesse seres humanos perfeitos por aí, nós poderíamos deixá-los entrar. Mas como não há, qualquer um que afirma não fazer coisas ruins ou está tentando enganar os outros, ou está tentando enganar a si mesmo. É da natureza do ser humano ser tanto mau como bom. E você não deve ser um unitário-universalista se não estiver disposto a admitir isso a respeito de si mesmo.

      De fato, o reconhecimento de sua maldade tem um enorme poder de mobilizar a compaixão. Digo isso de minha experiência com aconselhamento. Alguns dos melhores terapeutas estão entre aqueles que sabem como pecar um pouco – ou talvez muito. São mais tolerantes com a condição humana. Reagem com compaixão, ao invés de proclamar sua retidão inabalável; reagem com compreensão, ao invés de julgar os outros do alto de uma torre de marfim.

      Eu percebo esse fenômeno em mim quando estou dirigindo. Se alguém em outro carro faz algo realmente estúpido – como se colocar abruptamente à minha frente ou virar à esquerda partindo da faixa da direita – primeiro eu fico furioso, mas em seguida me lembro de todas as coisas estúpidas que eu mesmo fiz, especialmente nos meus primeiros anos de direção, e já não fico mais furioso.

      Não muito tempo atrás, eu estava dirigindo na Rua Principal e vi um pedestre atravessando a rua bem na minha frente; pensei: “por que esse povo não obedece as luzes do semáforo?” Pedestres sempre ignoram as regras de trânsito. E aquele cara atravessando a rua ainda teve o descaramento de me olhar dando risada, como se eu estivesse errado. Que arrogância!

      Em seguida, uns 20 segundos depois, eu vejo luzes vermelhas atrás de mim e paro. O policial me pergunta se eu sei por que ele está me parando. Eu não sabia. Acontece que eu havia acabado de passar o sinal vermelho.

      Acreditem em mim, esse incidente aumentou infinitamente minha compaixão por motoristas estúpidos. Um pouco de pecado vai fazer isso por você. É por isso que eu acho que isso deveria ser um critério para se tornar membro da Igreja.

      Agora, se você acha que é muito bom, você não vai gostar daqui. Mas com um pouco de hipocrisia, egoísmo e enganação, você vai se dar bem. Não estamos pedindo que você procure desenvolver tais “qualidades”, porque você não precisa. Cada um de nós já as tem. Estamos apenas pedindo que você as reconheça em si mesmo. Isso vai fazer maravilhas pela sua tolerância dos erros alheios.

      O segundo critério para não ser unitário-universalista tem a ver com nossa intolerância da intolerância. Você não deve ser unitário-universalista se você apóia os nazistas ou a KKK ou qualquer outro grupo que acredita na opressão das pessoas. Nós podemos ser abertos nesta igreja, mas não somos tanto assim. Somos fechados ao fechamento. Quer dizer, somos fechados a movimentos ou grupos que tiram liberdades das pessoas. E quando dizemos que nossa igreja tem liberdade de crença, entendemos isso de maneira limitada. Você é livre para acreditar no que quiser aqui – mas desde que isso lhe ajude a viver uma vida humanitária e amável – ou que pelo menos não lhe impeça de viver uma vida amável. Esta é uma limitação bem real da liberdade de crença. Então, quando alguém pergunta “Em que os unitários universalistas acreditam?”, e você responde “Oh, acreditamos em qualquer coisa que quisermos”, isso não é bem verdade. Há muitas coisas nas quais não acreditamos. Não acreditamos em limitar as pessoas por causa da raça ou cor, por exemplo. Não acreditamos em restringir as pessoas baseando-se no gênero. Não acreditamos em excluir pessoas por causa de deficiências. Não acreditamos em negar direitos àqueles cujas preferências ou estilos de vida pessoais são diferentes da norma, desde que tais estilos de vida não infrinjam os direitos dos outros. Não acreditamos na destruição do meio-ambiente. Não acreditamos que a injustiça e a pobreza são apenas acidentes desafortunados pelos quais não temos nenhuma responsabilidade de fazer algo. Há certas limitações bem definidas de liberdade de crença nesta igreja, e estas são algumas delas. E são bem diferentes das limitações de crença de algumas outras igrejas.

      Você já parou para pensar sobre alguns dos credos na história do Cristianismo? Muitos de vocês, acredito, se lembram do Credo dos Apóstolos. Eu o aprendi tão bem que posso recitá-lo de memória (mas tenho que fazê-lo rápido para não tropeçar nas palavras). 

Eu creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo, seu único filho, nosso senhor, o qual foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Desceu à mansão dos mortos. Ressuscitou no terceiro dia. Subiu aos céus. Está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.

Eu creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição do corpo, e na vida eterna. Amém.

Agora, você viu alguma coisa aí sobre amor, paz ou amabilidade? Você pode argumentar que essas coisas estão implícitas no Credo dos Apóstolos – mas certamente não recebem nenhuma ênfase explícita. Este é um credo feito de doutrinas, onde a ética está apenas vagamente implícita. Se os unitários-universalistas têm um credo, é um credo ético, com as doutrinas apenas vagamente implícitas, se é que as há. Leia os princípios da Unitarian Universalist Association que você vai perceber o que eu quero dizer. Você encontrará palavras como: “justiça, igualdade e compaixão nas relações humanas”, “aceitação mútua e encorajamento do crescimento espiritual”, “afirmar e promover o valor e a dignidade inerentes a cada pessoa” e “a meta de uma comunidade mundial com paz, liberdade e justiça para todos”. Você não vai encontrar “concebido pelo Espírito Santo, nascido da Virgem Maria”, nem tampouco “o filho unigênito do pai, isto é, da substância do pai... não engendrado, mas sendo uma mesma substância com o pai”. Preceitos doutrinais como esses, bem, nós não nos importamos muito se você crê ou não neles, na medida em que aquilo em que você acredita o ajuda a viver uma vida mais humanitária.

      Por exemplo, se acreditar em Deus o ajuda a ser uma pessoa melhor – ou ao menos não o torna uma pessoa pior –, então ótimo, acredite nele. Nós encorajamos sua crença. Se ser um ateu o ajuda a ter mais responsabilidade para criar um mundo melhor – ou ao menos não o impede –, então ótimo, não acredite em Deus. Nós encorajamos seu ateísmo. As únicas crenças que não desejamos que você tenha nesta igreja são aquelas que o levam a ferir pessoas. E, além das óbvias que já mencionei, não posso lhe dizer quais são as crenças ruins, porque às vezes as mesmas crenças causam coisas diferentes em diferentes pessoas. Sim, isso acontece. Por exemplo, muitas pessoas acreditam que há um paraíso e um inferno depois que você morre. Para alguns, isso é positivo, porque eles não seriam bons de outra forma. Eu prefiro que você tente ser bom por acreditar numa melhor maneira de viver – e não por temer uma punição ou esperar uma recompensa. Mas se você não vai ser bom sem acreditar no paraíso ou no inferno, então esta é uma crença positiva. Eu me lembro da história de uma mulher que se dirigiu ao pastor: “Reverendo”, soluçou ela, “algo tem que ser feito em relação ao meu marido. Ele não volta para casa à noite; ele não ajuda as crianças. Ao invés disso, ele fica vagando por toda a cidade, jogando, bebendo, correndo atrás de mulheres”. “Você tem minha mais profunda simpatia”, lhe disse com compaixão o ministro. “Seu marido é um pecador miserável”. “Pecador ele é, reverendo”, disse a mulher, “mas miserável, não, ele não é. Ele está se divertindo como nunca”.

      Se você está pecando e se divertindo como nunca – e por pecar eu entendo fazer coisas que machucam as pessoas –, então é melhor que você acredite numa punição futura pelo mal. Se você não vai fazer o bem sem acreditar nisso, então eis uma crença positiva. Se acreditar numa vida após a morte não o torna melhor – mas também não o torna pior –, então eis uma crença neutra. Mas para algumas pessoas, acreditar no paraíso e no inferno é negativo, porque elas começam a decidir quem vai para o paraíso e quem vai para o inferno – sempre guiadas por Deus, claro! E elas acabam por condenar pessoas e aprovar leis discriminatórias, fazendo do mundo um lugar menos tolerante.

      Portanto, para algumas pessoas, acreditar numa vida após a morte é negativo, e para algumas pessoas, não acreditar numa vida após a morte é muito positivo, porque a vida terrestre se torna mais sagrada para elas. Guerra e assassinato são grandes males a eles, porque são mais definitivos se não há uma alma imortal. A vida humana se torna preciosa. E eliminar a fome e a pobreza neste mundo se torna uma tarefa mais importante, porque eles não acreditam que a recompensa virá após a morte. Então, não acreditar numa pós-vida torna certas pessoas mais humanitárias. Nós não nos importamos com a sua maneira, desde que você seja humanitário. É essa a limitação que colocamos na liberdade de crença.

      Você pode estar interessado em saber, a propósito, que o lado universalista de nossa tradição pertencia ao Conselho Nacional de Igrejas (NCC). Foram expulsos por não acreditar o bastante. De fato, a Igreja Ortodoxa disse: “Se vocês permitirem que os universalistas continuem na NCC, nós não nos filiaremos”. Então, deixaram os ortodoxos entrar e expulsaram os universalistas. Como você pode ver, todas as denominações que agora pertencem ao NCC devem acreditar em Jesus Cristo como Senhor e salvador. Esse é um critério. Portanto, nós não nos encaixamos nele. Apenas um detalhezinho. Não parece pedir muito, né? Talvez seja por isso que nós não íamos querer ficar mesmo se eles nos quisessem. Talvez nós iríamos querer um critério maior de crença do que esse – como amor, humanidade, direitos civis, paz e igualdade. A crença em Cristo definitivamente não é necessária para se unir a esta igreja, e mesmo se fosse, não seria suficiente para se unir a esta igreja. Nós queremos de você mais do que apenas isso.

      Você pode também estar interessado em saber que nossa igreja em Racine está no meio de uma área chamada Paróquia Cooperativa do Centro (DCP). É um grupo de aproximadamente doze igrejas no centro da cidade que se reúnem para vários projetos ecumênicos, como um banco de alimentos para os necessitados. A DCP nos permite contribuir com comida para o banco de alimentos, mas não somos permitidos a ser membros. Por quê? Porque nem todos nós aceitamos Cristo como Senhor e salvador, que é um critério para participar. O critério para ser membro não é o quanto você se importa pelo seu companheiro ou companheira, nem é o quanto você se importa pelos oprimidos, necessitados e párias. É se você acredita que Cristo é Deus. Francamente, isso não é o bastante para mim.

      Você não deve ser um unitário-universalista se isso é tudo o que você acredita. Nós esperamos muito mais de você do que isso. Nós esperamos que você tenha crenças que o levem a se comprometer com aqueles ao seu redor, e se você não as tem, você não deveria ser um unitário-universalista.

      Você não deve ser um unitário-universalista se você espera que o ministro sempre tenha as mesmas opiniões que você. Esse é o terceiro critério. Eu não sou tão liberal quanto alguns de vocês gostariam que eu fosse, eu não sou tão conservador quanto alguns de vocês gostariam que eu fosse, às vezes eu me visto de maneira engraçada, às vezes eu digo coisas que podem lhe parecer idiotas.

      Sabem, eu li em algum lugar a respeito de um sistema de classificação de sermões que coincide parcialmente com as classificações dos filmes. Uma nota “A” significa que o sermão é geralmente aceitável para todos, cheio de assuntos gastos e inofensivos – geralmente descrito como “maravilhoso”. “B” – para congregações mais maduras. Às vezes, esse sermão é relevante aos assuntos da atualidade; pode conter mesmo sugestões moderadas de mudanças. Geralmente descrito como “desafiador” ou “questionador”, mesmo se não levar ninguém a agir ou a mudar de atitude. Os classificados como “C” são definitivamente restritos a quem não se ofende facilmente. Ameaçam o cômodo e despreocupado; geralmente descritos como “perturbadores”. E finalmente, os classificados como “censurados” são limitados positivamente àqueles que podem lidar com idéias explosivas. Esse sermão é sempre descrito como “ofensivo” ou “de mau gosto”. É bom que o ministro que pregar esse sermão tenha uma fonte de renda extra e um relacionamento muito bom com o comitê de seleção ministerial de outra congregação.

      Você não deve ser um unitário-universalista se não gosta de se ofender. Se você ainda não foi ofendido, é apenas porque você não esteve ainda tempo suficiente por aqui. Ao tentar fazer um sermão sobre algumas questões atuais de nossas vidas, eu provavelmente tocarei em alguns pontos sensíveis, e é melhor que você esteja preparado. Ao menos saiba que não é pessoal. Eu me importo com você – e o fato de que nós por vezes discordamos em nada muda isso.

      Você não deve ser um unitário-universalista se você é um cristão que acha que ateístas não deveriam estar aqui. Você não deve ser um unitário-universalista se você é um ateísta que acha que cristãos não deveriam estar aqui, ou budistas, ou esotéricos, ou pagãos, ou espíritas. Lembre-se que o critério para ser membro é a vida humanitária. O resto é questão de escolha individual.

      Você não deve ser um unitário-universalista se você quer todas as respostas, porque nós nem sequer conhecemos todas as perguntas.

      Por fim, você não deve ser um unitário-universalista se você não suporta que lhe assinalem negativamente ou que lhe rotulem. É bem provável que isso vá lhe acontecer enquanto estiver aqui. Quando você disser às pessoas que você é um unitário-universalista, algumas delas vão se fixar apenas nos aspectos mais chamativos desta igreja. “Oh, você é daquela igreja de ateus” ou “você é das pessoas que adoram flores”. Essa “rotulagem” é o preço que você paga e o risco que você corre ao pertencer a esta igreja. Algumas pessoas que costumavam ser membros daqui decidiram não correr esse risco. Também há outros que decidem que aqueles que rotulam revelam mais a respeito de si mesmos do que a respeito desta igreja. Há coragem na decisão de ficar. Há coragem em não fugir quando você está sob fogo. E, se há algum consolo, unitários e universalistas têm uma longa história de serem rotulados e difamados – e de responderem com a coragem que vem da fé na raça humana, desde os dias em que os UUs lutaram contra aquela respeitável instituição chamada escravidão, até a batalha pelos direitos das mulheres de votar e seus esforços pelas liberdades civis.

      Você não deve ser um unitário-universalista se você não gosta da diversidade, e você não deve ser um unitário-universalista se você não pode suportar a “rotulagem” que inevitavelmente resultará de pertencer a uma igreja diversificada.

      Meus agradecimentos a todos aqueles que permaneceram e têm permanecido!

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