Versiones 34

Octubre/Noviembre 2000 - Año del Dragón

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Director: Diego Martínez Lora


la aventura de compartir la vida, las lecturas, la expresión...


 

Ana Cecília Ferri Soares(*):
Uma História...


Dedicatória

 

Dedico este meu poema

A Portugal e ao Brasil,

A propor um teorema

Cujas respostas são mil...

Sou gaivota com memória

E vou contar-vos a história

A partir da Criação...

Que a vossa é mui mal contada

E a Língua é só bem falada

Quando fala o coração...

Do meu coração desejo

Que ao ouvir-me a Humanidade,

Perceba que sabe à Tejo

A Língua da Liberdade...


 

A Criação

 

E Deus criou o Tejo por Amor...

Como se fosse apenas mais um rio

E deu ao seu destino o desafio

De ser do português o protector.

Crê-se que em Serra de Albarracim

Seja onde nasce o Tejo e dali corre

Cingido às margens, português enfim,

Desagua no Oceano e ali morre!

Porém gaivota alguma pensa assim...

O Tejo não começa e não tem fim...

Eterno é o Tejo em terna gentileza

Como se fosse a mãe a dar o colo,

Dá de beber... e a gente portuguesa,

Sente ser seu o tão distante solo...

E segue o Tejo como plantador

De vidas, peregrinas naturezas,

Sementes que nas terras são certezas

Do sonho português aberto em flor.

E deu ao Tejo esta missão sublime

De descobrir a Terra e o Paraíso,

Do navegar fazer, porque é preciso...

Que ao Velho, um Novo Mundo se aproxime...


 

O Descobrimento

 

Hão de beber da água misturada:

Água do Tejo à água brasileira...

Que seja  única a fiel bandeira

E que esta gente seja abençoada.

E o Tejo viajou, correu o Mundo...

E de Belém partiu a todo o pano

Levou as naus por este mar profundo

Às costas do Brasil, em mar baiano...

É pena que não soube bem bebê-lo

Aos Velhos mais teimosos do Restelo...

Percorre o Tejo, arauto, toda a costa

E a toda a água, à doce e à salgada

Conta que trouxe  gente bem disposta,

Que a esquadra portuguesa é já chegada.

Pasmam-se todos no primeiro encontro:

Uns nus demais, outros demais vestidos...

Ante a perplexidade e o desconforto

O índio ajuda os novos conhecidos...   

Esta união das águas descobria

Este Brasil que o Mundo ainda não via...


 

O Tratado de Tordesilhas

 

 

E o Tejo penetrou  rios paulistas...

Pelo sertão, por nuvens transportado

Choveu, como a chorar chovem as vistas

E ao Norte leva os riscos do Tratado...

E brinca em formidáveis cataratas,

Em águas de riachos e nos lagos...

Mistura-se nas águas democratas

A dar e a receber tantos  afagos...

O português sentiu-se como em casa

A beber água fresca e conhecida.

De Norte a Sul, toda a distância vaza

E aceita destemido inteira a Vida!

Entradas e Bandeiras sem limites...

Avançam pioneiros pelas matas!

O ouro e as esmeraldas são convites,

Brilhante céu deste luar de prata...

E rompem juntos todas as presilhas

E o elo que os prendia a Tordesilhas...


  

 

A Formação do Povo

 

Faz-se Martim esposo de Iracema:

Nasce o cafuzo de um moreno claro

A construir princípios de um poema...

Dos livros, o mais doce e o mais raro...

Faz-se Joaquim esposo de Francisca:

Chicos da Silva a proteger Palmares.

Este mulato Tejo tudo arrisca,

Semeia gente em mamelucos lares...

O Índio, o Africano e o Português

Serão fortes pilares deste povo

A criar rostos de mascava tez,

Raras belezas de um conceito novo...

São novos sonhos para  novas mentes,

Cabelos ondulados em cascata...

São frutos, flores, folhas e sementes

Dos olhos verdes claros da mulata. 

As águas misturadas são viveiros,

Nação de afros-lusos-brasileiros...

 


Comeres e Cantares

 

 

Fazem lundus e danças de cocares,

Que a bela viola portuguesa invade

Para miscigenar também cantares,

Que evitam as tristezas da Saudade...

E criam sons de samba, de umbigadas,

Fazem nascer os  tons jamais pensados!

Das convivências nunca imaginadas

Nasceram  horizontes alargados...

Água de coco, mungunzá, paçoca,

Pitangas, rapadura, goiabadas,

Palmitos, araçás, cajú,  pipoca! 

Novas palavras são incorporadas...    

E bebem sumos, pingas, assam peixes

E atravessadas caças pela flecha.

Fazem fogueiras de madeira em feixes

Enquanto o Pôr-do-Sol, o dia fecha...

Cruzeiro que é só visto neste Sul,

Rogai por nós em tantos tons de azul...


 

 

A Mistura das Religiões

 

Creio no Espírito Santo,

Na Santa Igreja Católica...

Se não cobre o índio, o manto,

Mantém sua fé bucólica.

Preparada a oficina

Com tantos santos que há,

O mar azul descortina

A nossa Mãe Iemanjá...

Olorum, babalaô,

Axê Mãe desta maré!

É o poderoso Xangô,

É pajelança, é Pajé...

Se a minha fé tem verdade

A dos outros também tem:

Há respeito e liberdade

Na medida que convém...

Cada um tem sua Igreja,

Cada qual tem sua vida!

Se é para o bem, que assim seja!

Conceição Aparecida!

A missa, a mata, o terreiro,

Em qualquer sítio ou lugar,

Diz que Deus é brasileiro,

Que São Jorge é do Luar...

Vieram Santo Antoninho,

São Francisco e São José,

Qualquer santo é meu padrinho

Na comunhão desta fé.

Peço a Deus mais uma vez

Que nos dê mais muitos Santos

E orações em Português

Que já somos... nem sei quantos!

 


 

A Família Real

 

Vem que te acolho mui Real Família!

Vem que a El-rei nada será negado...

A proteger-te faço esta vigília

Neste Brasil, de português falado.

Vem implantar as leis e as estruturas,

Que a tua casa sempre ao Rei proteja!

Foram trezentos anos sem mesuras...

Agora que viestes... Que assim seja!

Ficaram os mais pobres portugueses

Em casa... abandonado Portugal...

A defendê-lo dos leões franceses

Em luta rancorosa e desigual...

Se aqui viestes ter, por Majestade,

Seja o Brasil o abrigo mais seguro:

Reforça a Língua, o Povo, a Lealdade,

Que há-de nascer a Pátria do Futuro.

Se irmãos ficaram cá abandonados

Que lá, do jugo, sejam libertados...


 

A Independência

 

Se é para o bem de todos, da Nação,

Proclamo a Independência do Brasil!

Ao Porto legarei meu coração...

Em Portugal semearei o Abril...

Foi este gesto luso e liberal

Que separou nossas comuns bandeiras

Para deixar Brasil e Portugal

Nas índoles de irmãos, mais verdadeiras.

Não houve luta, sangue derramado...

A História se repete! E outra vez

A relembrar as lendas do Passado,

Marquesa, a Domitila lembra Inês...

Nas águas do Ipiranga havia  Tejo

E onde há Tejo há sempre um Português

A exprimir seu português desejo

De convivência límpida e cortês.

Não podem separar-se... que os uniu

O Tejo, brasileiro e luso rio....

 


 

Imigrações

 

 

Da Europa expulsos filhos, pela Guerra

Hão de imigrar, fugir à fome vil

E a Esperança encontra-se na Terra

Que acolhe a todos: filhos do Brasil...

Abertos braços para o europeu,

A refugiados de tantos países...

Das águas que o Rio Tejo forneceu

Nasceram sociedades aprendizes...

O espírito de mútua protecção,

Presente agora na Comunidade,

Brotou do Tejo, sempre na intenção

De devolver a Paz à Humanidade...

Quem bebe a água deste agregador

Melhor se faz para os melhores feitos!

Que a Europa seja um rio promissor,

Aberto e franco para novos leitos...

Seja a Fraternidade verdadeira!

Que a Paz perdure pela vida inteira...

 


Alegria e Tristeza

 

Não há nos imigrantes portugueses

Deste após-guerra, o medo e as incertezas,

Vestígios sórdidos de cruéis revezes,

Que causam dores, mágoas e tristezas...

É de alegria e amor o sentimento,

É de promessas, doce segurança...

É de esquecer a guerra e  seu tormento

E adormecer no colo da Esperança....

Sofremos todos muitas amarguras

Mas sofre Portugal a mais ferrenha

Que deixa os portugueses às escuras,

Grande calvário, da mais dura penha...

Enquanto Portugal está fechado

O mundo desabrocha à sua volta

E o cenho português é carregado

Para esconder melhor dura revolta!

É esta a diferença que estranhamos,

Que da tristeza fez a desconfiança...

Mas se é com alegrias que sonhamos

Tiremos as  tristezas da lembrança...

Não nos apartarão quarenta anos

De ditadura, espera e desenganos...

 


 

Redescobrir...

 

 

Até o Tejo estava proibido

De viajar, dar de beber aos lusos

E aos brasileiros, por estar detido

Por preconceitos cegos e confusos...

Nova magia fez-se necessária

E a subtileza às vezes tão pequena...

Dum cravo armou-se em grande luminária!

Do povo ouviu-se a Grândola Morena... 

Quinhentos anos rápidos passaram,

Sempre a Saudade fez-se mensageira

Mas na memória, estes irmãos guardaram

As letras todas da nossa bandeira...

À espera do Milénio, que a chegar

Que  há-de trazer a Paz, a calmaria,

O Tejo que não sabe descansar

Mais uma vez o Mundo abraçaria...

Estamos portugueses, brasileiros

A descobrirmo-nos por companheiros...

 


 

A Língua

 

O mar é o pai da Língua Portuguesa

A emprestar-lhe cor e suavidade,

Nuanças repentinas de beleza,

Carácter de mistério e de bondade.

Se há mar e Língua juntos em viagem

E se passeiam pela eternidade,

Não sentem diferenças de linguagem:

O mar provoca... e a Língua diz Saudade...

Pequeno Portugal, tão pequenino...

Para abrigar esta fecunda gente,

Sentiu necessidade em seu destino

De transbordar inevitavelmente...

Tira do mar o peixe e mata a fome, 

Expande a terra firme e planta um filho!

Que para o Tejo não houve empecilho

Pois Corajoso é  seu segundo nome.

Se para o Tejo nunca houve fronteira

E a Pátria não se mede por terrenos

Que seja a Língua lusa, brasileira,

O grande património que nós temos...

A tantos sítios demos nós legados:

A Língua, o Sangue e o Sonho Português,

Tantos irmãos que vivem desgarrados...

Tentemos a união mais uma vez!

Se portugueses há por todo o mundo,

Que hasteiem todos, da Língua bandeiras....

Num  gesto de um amor grande e profundo,

Saibam que à Pátria não se impõem barreiras...

Se há  Tejo a dar-vos águas do Saber

E é certo que a gaivota tem memória...

O som da Língua faz-vos perceber

Que há união perpétua em vossa história...

  


(*)Ana Cecília Ferri Soares, escritora luso-brasileira. Mora em Estoril.. 


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