Versiones 36
Febrero/Marzo
2001 - Año de la serpiente
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Director: Diego Martínez Lora
Luiz Ferro Moutinho(*):
33
Quando
se levantou nessa manhã
sentiu
dentro de si uma nova e diferente sensação,
uma
segurança estranha,
uma
incontida e inexplicável satisfação.
Ele
sabia que hoje
toda
a sua vida ia mudar.
Ou
como diria o poeta,
numa
frase obviamente batida,
hoje
era o primeiro dia do resto da sua vida.
A
partir de hoje tudo seria diferente para ele.
Porque,
hoje, ele fazia a idade de Cristo.
Quando
abriu os olhos bem cedo nessa manhã
sentiu
um intenso foco de luz clara que irradiava do interior da sua cabeça,
na
meio da testa e por entre os olhos,
e
soube imediatamente, sem ser necessário qualquer outro tipo de explicação,
que
o seu «terceiro olho»,
a
famosa visão interna, clara e verdadeira,
que
todos os Místicos e Iniciados apregoam existir
desde
o inicio dos tempos,
tinha
finalmente despertado em si.
A
luz da manhã que lhe entrava pela janela parecia-lhe mais alva,
mais
branca, mais pura,
como
se parecesse querer envolve-lo na sua estranha claridade.
Saltou
da cama bem-disposto
em
direcção ao quarto de banho,
hoje
estranhamente brilhante e arrumado,
e
a lâmina de barbear,
habitualmente
tão áspera e agressiva,
pareceu
ganhar uma nova suavidade.
ao
deslizar no seu rosto
A
água que durante o duche escorreu pelo seu corpo,
mais
do que simplesmente banhá-lo,
parecia
antes ungi-lo,
afagá-lo,
acariciá-lo,
como
se penetrasse profundamente em cada uma das suas células,
e
em cada um dos poros do seu corpo,
invadisse
toda a sua corrente sanguínea e o seu sistema linfático,
e
como que o limpasse, o purificasse,
como
se novo o baptizasse,
conduzindo-o,
muito mais do que convidando-o,
a
penetrar num mundo inteiramente novo,
belo
e diferente,
puro
e luminoso.
Uma
sensação plena de realização,
uma
nova e não influenciável intuição,
uma
desconhecida compreensão da sua própria invulnerabilidade,
de
poder realizar milagres,
de
conseguir caminhar por sobre as águas,
de
acalmar os ventos e as tempestades,
de
multiplicar os peixes e os pães,
de
realizar curas,
emergia
de dentro de si como uma aura,
como
se novas e insuspeitas potencialidades
desabrochassem
subitamente de dentro de si,
como
uma flor
cujas
pétalas se abrissem ao Sol.
Ele
sabia que a partir daqui não mais seria possível esconder-lhe nada,
ou
enganá-lo,
ou
prejudicá-lo de alguma forma,
porque
a partir de agora ele estava ligado á «energia cósmica»,
ao
Centro do Universo,
ao
Coração do Cosmos,
e
via claramente através dos Enganos e das Ilusões,
e
através do manto turvo da realidade palpável,
até
ao verdadeiro âmago da Verdade,
perfeita
e imutável.
Todas
os obstáculos e dificuldades
se
iriam aplanar e desapareceriam como que por milagre,
porque
agora ele desistira de se contrariar a si próprio,
de
contrariar a Vida,
e
a Inteligência Superior
que
lhe guiava os passos,
e
melhor do que ninguém sabia o que era melhor para ele,
desistindo
portanto de remar contra a corrente,
tão
obstinado como uma toupeira cega,
e
seguia confiante o ciclo da água,
navegando
agora a favor da corrente
do
esplendoroso e deslumbrante Rio da Vida.
E
compreendia agora, como nunca antes o entendera,
como
fora possível a Jesus,
com
a sua idade,
ter
uma tão grande despreocupação e desprendimento para com a Morte,
porque
subitamente entendeu,
em
todo o seu magnifico esplendor,
a
verdadeira natureza desta nossa passagem pela Terra,
por
esta vida que agora vivemos,
e
por esta forma que agora envergamos,
ao
resumir toda essa amálgama de situações, de cenários e de ilusões,
que
confundimos com a Vida,
e
que simplificamos no tratamento,
e
no conceito,
por
simplesmente
Eu.
Entendia
agora que todos nós temos uma razão para existir,
objectivos
a cumprir,
e
que a nossa tarefa aqui é a de aprendermos,
e
de partilharmos o que aprendemos com os outros,
ajudando-os
se possível,
e
de através do conhecimento,
todos
juntos,
nos
aproximarmos de Deus.
E
que a Morte era apenas a compreensão intima,
muito
própria e pessoal,
de
que a nossa missão especifica aqui tinha terminado,
que
todos os desafios foram enfrentados,
e
que todas as lições foram estudadas,
e
que superadas ou inacabadas,
completas
ou incompletas,
positivas
ou negativas,
nada
mais existe para alcançar aqui,
e
nada mais existe para aprender agora.
Compreendeu
nessa altura que, na hora da Sua morte,
Jesus
soube que tinha terminado tudo aquilo que aqui o tinham mandado fazer,
que
tinha concluído a sua Missão neste plano,
enquanto
carpinteiro filho de José e de Maria,
e
que estava portanto na altura de se reenergizar,
de
regenerar a sua Alma,
elevando-se
portanto a outros planos,
e
subindo a novas dimensões,
atingindo
os planos de consciência superiores,
para
de novo se reunir à Luz,
origem
e fonte
de
todas as coisas.
E
comoveu-se ao compreender como Aquele homem,
que
para todos os efeitos mudara todo um Mundo,
que
arrastara atrás de si multidões de crentes
e
abalara os alicerces do poder,
que
despertara ódios e paixões,
e
influenciara milhões e milhões de pessoas,
muitos
séculos e milénios depois do seu desaparecimento físico,
era
nem mais nem menos do que
um
jovem da sua idade,
e
que as suas horas,
os
seus dias,
e
os seus anos,
tinham
exactamente a mesma duração que os Dele,
mas
que enquanto com a sua idade Ele já tinha realizado tudo aquilo,
ao
ponto de concluir que a Sua missão estava já concluída,
e
que estava na altura de se reunir ao Pai,
e
ser de novo Uno com a Luz,
ele
nada ainda tinha alcançado
e
nada de substancial tinha realizado.
Ele
sentiu, de facto,
no
mais intimo de si próprio,
que
a sua verdadeira vida começava hoje,
e
que tudo aquilo que estava para trás servira apenas de caminho
para
o trazer até aqui.
E
que, por um estranho sortilégio
e
ironia do destino,
talvez
não fosse coincidência,
como
de resto não há coincidências,
de
que a sua vida tivesse começado
no
ponto exacto onde a vida Dele tinha acabado,
Ele
que de resto dera a Sua vida em redenção da de todos os outros,
a
sua inclusive,
e
ainda mais O amou por isso,
e
com mais força ainda resolveu retribuir,
cumprindo
a sua missão essencial nesta vida,
viver
e ser feliz,
amando-se
a si próprio e aos outros,
e
tornando-se simultaneamente durante este processo,
com
esta tão aparente simplicidade,
merecedor
do Seu eterno amor
Sim,
a partir de hoje toda a sua vida iria mudar.
Hoje
ele tinha a idade de Cristo.
(*)Luiz Ferro Moutinho, escritor português. Mora na Senhora da Hora. Em breve publicará "A rapariga que desenhava as estrelas..." - Editorial 100