Versiones 36
Febrero/Marzo 2001 - Año de la serpiente
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Director: Diego Martínez Lora


la aventura de compartir la vida, las lecturas, la expresión...


Luiz Ferro Moutinho(*):

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Quando se levantou nessa manhã

sentiu dentro de si uma nova e diferente sensação,

uma segurança estranha,

uma incontida e inexplicável satisfação.

Ele sabia que hoje

toda a sua vida ia mudar.

Ou como diria o poeta,

numa frase obviamente batida,

hoje era o primeiro dia do resto da sua vida.

A partir de hoje tudo seria diferente para ele.

Porque, hoje, ele fazia a idade de Cristo.

 

 

Quando abriu os olhos bem cedo nessa manhã

sentiu um intenso foco de luz clara que irradiava do interior da sua cabeça,

na meio da testa e por entre os olhos,

e soube imediatamente, sem ser necessário qualquer outro tipo de explicação,

que o seu «terceiro olho»,

a famosa visão interna, clara e verdadeira,

que todos os Místicos e Iniciados apregoam existir

desde o inicio dos tempos,

tinha finalmente despertado em si.

 

 

A luz da manhã que lhe entrava pela janela parecia-lhe mais alva,

mais branca, mais pura,

como se parecesse querer envolve-lo na sua estranha claridade.

Saltou da cama bem-disposto

em direcção ao quarto de banho,

hoje estranhamente brilhante e arrumado,

e a lâmina de barbear,

habitualmente tão áspera e agressiva,

pareceu ganhar uma nova suavidade.

ao deslizar no seu rosto

 

 

A água que durante o duche escorreu pelo seu corpo,

mais do que simplesmente banhá-lo,

parecia antes ungi-lo,

afagá-lo, acariciá-lo,

como se penetrasse profundamente em cada uma das suas células,

e em cada um dos poros do seu corpo,

invadisse toda a sua corrente sanguínea e o seu sistema linfático,

e como que o limpasse, o purificasse,

como se novo o baptizasse,

conduzindo-o, muito mais do que convidando-o,

a penetrar num mundo inteiramente novo,

belo e diferente,

puro e luminoso.

 

 

Uma sensação plena de realização,

uma nova e não influenciável intuição,

uma desconhecida compreensão da sua própria invulnerabilidade,

de poder realizar milagres,

de conseguir caminhar por sobre as águas,

de acalmar os ventos e as tempestades,

de multiplicar os peixes e os pães,

de realizar curas,

emergia de dentro de si como uma aura,

como se novas e insuspeitas potencialidades

desabrochassem subitamente de dentro de si,

como uma flor

cujas pétalas se abrissem ao Sol.

 

 

Ele sabia que a partir daqui não mais seria possível esconder-lhe nada,

ou enganá-lo,

ou prejudicá-lo de alguma forma,

porque a partir de agora ele estava ligado á «energia cósmica»,

ao Centro do Universo,

ao Coração do Cosmos,

e via claramente através dos Enganos e das Ilusões,

e através do manto turvo da realidade palpável,

até ao verdadeiro âmago da Verdade,

perfeita e imutável.

 

 

Todas os obstáculos e dificuldades

se iriam aplanar e desapareceriam como que por milagre,

porque agora ele desistira de se contrariar a si próprio,

de contrariar a Vida,

e a Inteligência Superior

que lhe guiava os passos,

e melhor do que ninguém sabia o que era melhor para ele,

desistindo portanto de remar contra a corrente,

tão obstinado como uma toupeira cega,

e seguia confiante o ciclo da água,

navegando agora a favor da corrente

do esplendoroso e deslumbrante Rio da Vida.

 

 

E compreendia agora, como nunca antes o entendera,

como fora possível a Jesus,

com a sua idade,

ter uma tão grande despreocupação e desprendimento para com a Morte,

porque subitamente entendeu,

em todo o seu magnifico esplendor,

a verdadeira natureza desta nossa passagem pela Terra,

por esta vida que agora vivemos,

e por esta forma que agora envergamos,

ao resumir toda essa amálgama de situações, de cenários e de ilusões,

que confundimos com a Vida,

e que simplificamos no tratamento,

e no conceito,

por simplesmente

Eu.

 

 

Entendia agora que todos nós temos uma razão para existir,

objectivos a cumprir,

e que a nossa tarefa aqui é a de aprendermos,

e de partilharmos o que aprendemos com os outros,

ajudando-os se possível,

e de através do conhecimento,

todos juntos,

nos aproximarmos de Deus.

 

 

E que a Morte era apenas a compreensão intima,

muito própria e pessoal,

de que a nossa missão especifica aqui tinha terminado,

que todos os desafios foram enfrentados,

e que todas as lições foram estudadas,

e que superadas ou inacabadas,

completas ou incompletas,

positivas ou negativas,

nada mais existe para alcançar aqui,

e nada mais existe para aprender agora.

 

 

Compreendeu nessa altura que, na hora da Sua morte,

Jesus soube que tinha terminado tudo aquilo que aqui o tinham mandado fazer,

que tinha concluído a sua Missão neste plano,

enquanto carpinteiro filho de José e de Maria,

e que estava portanto na altura de se reenergizar,

de regenerar a sua Alma,

elevando-se portanto a outros planos,

e subindo a novas dimensões,

atingindo os planos de consciência superiores,

para de novo se reunir à Luz,

origem e fonte

de todas as coisas.

 

 

E comoveu-se ao compreender como Aquele homem,

que para todos os efeitos mudara todo um Mundo,

que arrastara atrás de si multidões de crentes

e abalara os alicerces do poder,

que despertara ódios e paixões,

e influenciara milhões e milhões de pessoas,

muitos séculos e milénios depois do seu desaparecimento físico,

era nem mais nem menos do que

um jovem da sua idade,

e que as suas horas,

os seus dias,

e os seus anos,

tinham exactamente a mesma duração que os Dele,

mas que enquanto com a sua idade Ele já tinha realizado tudo aquilo,

ao ponto de concluir que a Sua missão estava já concluída,

e que estava na altura de se reunir ao Pai,

e ser de novo Uno com a Luz,

ele nada ainda tinha alcançado

e nada de substancial tinha realizado.

 

 

Ele sentiu, de facto,

no mais intimo de si próprio,

que a sua verdadeira vida começava hoje,

e que tudo aquilo que estava para trás servira apenas de caminho

para o trazer até aqui.

E que, por um estranho sortilégio

e ironia do destino,

talvez não fosse coincidência,

como de resto não há coincidências,

de que a sua vida tivesse começado

no ponto exacto onde a vida Dele tinha acabado,

Ele que de resto dera a Sua vida em redenção da de todos os outros,

a sua inclusive,

e ainda mais O amou por isso,

e com mais força ainda resolveu retribuir,

cumprindo a sua missão essencial nesta vida,

viver e ser feliz,

amando-se a si próprio e aos outros,

e tornando-se simultaneamente durante este processo,

com esta tão aparente simplicidade,

merecedor do Seu eterno amor

 

 

Sim, a partir de hoje toda a sua vida iria mudar.

Hoje ele tinha a idade de Cristo.


(*)Luiz Ferro Moutinho, escritor português. Mora na Senhora da Hora.  Em breve publicará "A rapariga que desenhava as estrelas..." - Editorial 100


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