Versiones 38 Junio
- Julio 2001 -
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Luiz Ferro Moutinho(*):
O LAMA
QUE QUERIA GUIAR UM BULLDOZER
Não havia nenhuma melhor maneira de encerrar a linha da ética do metro
virtual do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura, nem melhor personalidade para
convidar para esse efeito, do que aquela que foi (brilhantemente) encontrada
pela Comissão Organizadora : uma conferência com Sua Santidade o Dalai-Lama
sobre a ética no futuro e sobre o futuro do futuro.
E foi tão grande o interesse gerado ao seu redor que os bilhetes que
foram disponibilizados desapareceram todos em poucos dias, deixando muitas
(mesmo muitas) pessoas com água na boca. E eu teria sido decerto um desses
muitos, se não tivesse podido contar com o esforço conjunto de alguns amigos
que se esforçaram para me conseguirem aquilo que eu tanto desejava: o «meu»
bilhete.
Simultaneamente com a confirmação de que o «meu»
bilhete existia e estava em boas mãos, recebi pela caixa de correio electrónico
(e aproveito desde já para agradecer a esse meu amigo que a enviou) um belo
texto da autoria de Clarice Lispector (que confesso não conhecia) sobre a
importância da mudança e do risco na nossa vida. O texto é bastante mais
longo, mas eu vou transcrever aqui apenas um excerto:
“Mude,
mas
comece devagar,
porque
a direcção é mais importante do que a velocidade.
Sente-se
em outra cadeira, no outro lado da mesa.
Mais
tarde, mude de mesa.
Quando
sair procure andar do outro lado da rua.
Depois,
mude de caminho, ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os
lugares por onde você passa.
»
»
Veja
o mundo de outras perspectivas.
Abra
e feche as gavetas e as portas com a mão esquerda.
Durma
no outro lado da cama.
Depois,
procure dormir em outras camas da casa.
Não
faça do hábito um estilo de vida.
Ame
a novidade.
Durma
mais tarde.
Durma
mais cedo.
Aprenda
uma palavra nova por dia noutra língua.
Corrija
a postura.
Coma
um pouco menos, escolha comidas diferentes,
novos
temperos, novas cores, novas delicias.
Tente
o novo todo o dia.
O
novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito,
o
novo prazer, o novo amor, a nova vida.
Tente!
Busque
novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações.
Almoce
em outros locais, vá a outros restaurantes,
tome
outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria,
almoce
mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa.
»
»
Se
você não encontra razões para ser livre, invente-as.
Seja
criativo.
Grite
o mais que puder no espaço vazio.
Deixe
pensarem que está louco.
»
»
Experimente
coisas novas. Troque novamente.
Mude,
de novo. Experimente outra vez.
»
»
Você
certamente conhecerá coisas melhores
e
coisas piores do que as já conhecidas,
mas
não é isso que importa.
O
mais importante é a mudança,
o
movimento, o dinamismo, a energia.
A
positividade que você está sentindo agora.
Repito,
por pura alegria de viver:
a
salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena !!!”
( Clarice Lispector )
Não
sei se durante o dia da conferência de Sua Santidade o Dalai-Lama eu alguma vez
me lembrei ou não deste texto, e se de facto o fiz não sei sequer precisar se
o fiz de uma forma consciente ou de uma forma inconsciente, mas o certo é que
durante esse dia tudo foi diferente na minha vida.
Pela
primeira vez em toda a minha vida marquei um almoço de Domingo para as 12.00h,
quando normalmente a essas horas ainda nem o pequeno almoço tomei. Mas adorei.
Pela
primeira vez em toda a minha vida entrei num restaurante vegetariano, embora «empurrado»
pelo grupo de amigos que estavam comigo. E fui presenteado com uma maravilhosa
feijoada vegetariana de fazer inveja a qualquer feijoada tradicional. Adorei.
À
porta dos jardins do Palácio de Cristal verificamos que (afinal !) entre todos
tínhamos um bilhete a mais e, enquanto alguns de nós entravam, eu e duas
amigas ficamos cá fora indecisos sobre o que fazer com aquele bilhete, olhando
desconsoladamente para a multidão à nossa volta, custando-nos por um lado
entrar dentro do recinto com um bilhete que «tinha»
obviamente um dono, mas não tendo a coragem suficiente para o oferecer em voz
alta a quem dele necessitasse (Os bilhetes estavam esgotados há já muito
tempo, e tinham sido poucos para o número de pessoas que pretendiam estar
presentes).
Foi
quando, no meio de toda aquela gente, se dirigiram a nós duas senhoras de idade
a perguntar onde é que podiam arranjar ainda um bilhete, nem que tivessem que
pagar fosse o que fosse por ele. Uma delas tinha um bilhete, e a outra não.
Rimo-nos
e dissemos que elas não tinham que pagar nada, pois nós tínhamos um bilhete
para elas. Lembro-me apenas de ter dito qualquer coisa sobre o facto de elas se
terem atrasado cinco minutos ao nosso encontro. Aquele bilhete «tinha»
obviamente um dono. Elas sorriram, agradeceram, e entraram. Nunca mais as vi.
Adorei.
Mesmo
à entrada do Palácio fui informado pelo segurança que o bilhete, o «meu»
bilhete, que me tinha sido dado para a mão apenas um minuto antes por uma amiga
minha (podia ter-me sido dado um outro bilhete qualquer) não era um bilhete
normal, e que portanto eu não podia entrar por ali, e tinha
mesmo que entrar pela porta VIP. O que se por um lado me afastou de algumas das
pessoas (não todas) com quem eu estava, me aproximou bastante do Dalai-Lama.
Confesso que ADOREI.
Mas as surpresas ainda não se tinham acabado para mim. Relativamente
perto do início da sessão alguém nos chamou para uns lugares ainda mais perto
do estrado onde discursaria Sua Santidade, o que nós obviamente aceitamos, e
mudamo-nos para lá.
No entanto eu, descontraído e descomprometido até ao limite, vim até
à parte de trás do recinto (o meu casaco, carteira e tlm obviamente estavam
ainda lá na frente) e distraí-me a conversar durante alguns minutos com um
grupo de amigos que estavam na bancada. Até que me apercebi que um estranho e
progressivo silêncio tomava conta do pavilhão, e uma tensão e ansiedade
crescente se instalavam no ar. Olhei para o relógio, e verifiquei que eram
15.00h em ponto. A hora agendada para o inicio da conferência.
Despedi-me, e dirigi-me apressadamente para as primeiras filas, tentando
localizar durante o caminho a fila e o lugar onde me deveria sentar, ou
identificar alguma cabeça ou penteado familiar, mas as coisas não iriam ser
assim tão fáceis para mim.
Subitamente, como que um tremor colectivo correu toda a assistência, um
sussurro percorreu todas as gargantas, todas as pessoas se levantaram como que
movidas por uma mola, o som das palmas tornou-se ensurdecedor, e foi ao som dos
alegres e repetidos gritos de Namasté, Namasté, a mística e secular saudação
hindu, e envolvido no seu belo e tradicional manto de cores grená e amarela,
que Tenzin Gyatso, o XIV Dalai-Lama, e actual encarnação do Buda da Compaixão,
entrou no recinto.
E foi ali, a apenas alguns metros do estrado, com toda a gente a aplaudir
de pé, olhando desesperadamente á minha volta para a imensidão de cabeças
que se movimentavam em todas as direcções e a tentar reconhecer um rosto
conhecido, que eu assisti á entrada de Sua Santidade no Pavilhão.
E ali fiquei, no meio do delírio colectivo, até que uma funcionária me
disse que, por razões óbvias de protocolo e de segurança, não poderia
continuar ali nem mais um minuto e que tinha mesmo que procurar um lugar para me
sentar.
Resignado, dirigi-me mais para trás, até encontrar um lugar vazio onde
me encaixar.
Eu, que adoro a solidão para ler, escrever, ouvir música ou meditar,
mas que não sou capaz de me deslocar sozinho a nenhum acontecimento público,
vi-me forçado a assistir sozinho a toda a conferência do Dalai-Lama.
E
foi só então que me apercebi que não estava de facto sozinho. Havia naquele
recinto um grande empenho e uma grande entrega de todas as pessoas presentes,
que era quase palpável. Estávamos todos juntos, como uma família, à volta de
algo que nos unia. Mas no fundo, para cada um de nós, aquela era uma experiência
muito pessoal, era quase algo de privado, num espaço isolado de todas as outras
pessoas à nossa volta. E pelo facto de não ter ao meu lado ninguém para poder
conversar ou trocar confidências, vivi talvez a minha própria experiência com
ainda mais intensidade.
E evidentemente adorei.
Tudo o resto é história.
Não posso negar que foi com alguma emoção e comoção que assisti (se
calhar até mais de perto do que aquilo que teria desejado) à entrada de Sua
Santidade, e todos os pêlos do meu corpo se eriçaram de prazer e de satisfação
ao assistir ao vivo à graciosidade e à leveza de cada um dos seus movimentos,
ao apreciar a aura de imensa paz e tranquilidade que emanam da sua figura
jovial, e ao comprovar o bom humor e a boa disposição infinita característica
de todos os seres iluminados.
Só pelo facto de o ver, de olhar para ele, de ver as suas expressões e
reacções, de o ouvir falar, de sentir a sua alegria, de escutar o seu riso
delicioso e contagioso, valeu a pena deslocarmo-nos ao palácio de Cristal nessa
tarde de Domingo.
E o Dalai-Lama até nem disse verdadeiramente nada de novo. E no estou
com isto a arrogar-me o privilégio de já ter lido alguns dos seus livros, de
ter ouvido alguns dos seus discursos, de ter estudado a sua filosofia, e de
conhecer, por tanto, alguns dos fundamentos da sua política. Não é nada disso
que se trata.
O Dalai-Lama não disse efectivamente nada de novo porque tudo aquilo que
ele ali disse são Verdades Universais, e as Verdades Universais são sempre
extraordinariamente simples e fáceis de compreender, e cada vez que as ouvimos
elas deixam-nos sempre com a curiosa sensação de que nada de novo nos foi
dito, e de que nós próprios já sabíamos aquilo há já muito tempo, mesmo
quando de facto nunca antes as tínhamos ouvido.
E assim foi com o Dalai-Lama. Tão simples, tão fácil e tão claro, que
parecia que qualquer um de nós poderia estar ali em cima naquele estrado, e que
nos teríamos igualmente «safado»
com a mesma facilidade e brilhantismo com que ele o fez.
Em toda a sua intervenção, tanto no discurso, como nas respostas às perguntas colocadas pela assistência, Sua santidade reafirmou uma vez mais a sua política de Paz e de não-violência, a sua filosofia de Amor pelo próximo e por todas as criaturas vivas, e deu a todos nós um enorme exemplo de tolerância e de bondade ao classificar candidamente a situação do Tibete sob a opressão da China ditatorial e comunista como semelhante à daquela pessoa que «recebe em sua casa um hóspede que não foi convidado».
A juntar a todas as coisas maravilhosas que de diferente me aconteceram
nesse dia, ainda me faltava mais uma, e que foi sem sombra de dúvidas de todas
elas a mais importante e a mais maravilhosa. Nesse dia, eu vi o Mundo pelos
olhos de um Homem Santo.
Foi há cerca de quarenta anos que Tenzin Gyatso foi forçado a abandonar
à pressa a sua cidade natal de Lhasa, a capital do Tibete, para se refugiar na
Índia, sendo perseguido até à fronteira por brigadas do Exército Vermelho
que o pretendiam aniquilar. Faz portanto quase quarenta anos que um povo está
órfão do seu líder, e que um homem está órfão da sua terra.
Mais do que dizer que desejo ardentemente que o Tibete se veja livre do
jugo asfixiante da China ditatorial e comunista (repito-o para que não hajam
quaisquer dúvidas), mais do que dizer que espero que mais do que a mera
autonomia pedida pelo Dalai-Lama, seja concedida ao Tibete a independência que
efectivamente merece, mais do que esperar que todos os Tibetanos possam enfim
ser livres dentro do seu próprio país, e mais do que esperar que o «Tecto
do Mundo» volte a ser um lugar de Paz e de Amor, eu espero sinceramente
apenas uma única coisa, e que por ser tão simples resume exemplarmente todas
as outras anteriores.
Eu
espero sinceramente que, ao fim de quarenta anos de ausência e de saudade,
Tenzin Gyatso possa finalmente ser livre de regressar a casa. E que, ao fazê-lo,
possa ser livre de percorrer livremente as ruas de Lhasa, cantando alegremente
com os seus concidadãos a tradicional canção Tibetana, tantas e tantas vezes
usada como oração ao longo de muitos e muitos séculos, e que o seu coração
rejubile de Amor, rejubile de Paz, rejubile de Alegria, e rejubile de satisfação
do dever cumprido:
“Todos
os caminhos se esquecem
depois
de percorridos,
depois
de visitadas,
excepto
Lhasa.
Oh,
Lhasa, Lhasa, Lhasa”
Nesse
dia, em qualquer outra parte do Mundo, também eu cantarei com ele.
Luiz Ferro Moutinho
P.S.
– Que me perdoe Sua Santidade o Dalai-Lama por aquilo que eu vou escrever a
seguir, e que eu estou mais do que certo que ele não aprovaria. Aliás, por
alguma razão eu faço questão em que este texto funcione como um apêndice e não
como uma parte integrante do artigo precedente, tão grandes são as diferenças
no conteúdo e tão díspares os estados de espirito entre eles.
Aliás,
eu gostava mesmo que todos aqueles que tiveram (tal como eu) uma experiência
positiva ao acompanharem o Dalai-Lama, nesta sua visita ao nosso País, não
continuassem a ler este apêndice. No artigo (em cima) falou-se de Amor e de
Compaixão. Aqui, infelizmente, vou falar de cobardia e de medo. Por alguma razão,
aliás, o «outro» está lá em cima
e «este» está aqui em baixo.
Este
é de resto o segundo artigo que eu escrevo nas Versiones sobre o Dalai Lama (e
eu até nem gosto nada de me repetir nos meus artigos), e a única razão por
que o fiz desta vez foi pela extrema importância que eu próprio atribuo ao
Dalai-Lama em si, e a esta visita histórica de Sua Santidade a Portugal.
E de resto não haveria nenhum problema de maior em escrever um novo
artigo sobre Sua Santidade (e haverão artigos suficientes para escrever sobre
ele?), uma vez que o anterior artigo (de titulo “Vergonha?”) foi já escrito
há algum tempo, e serviu apenas para eu exprimir, na altura, a minha surpresa e
incredulidade sobre a exclusão do Dalai-Lama de uma Cimeira religiosa que
decorria na sede da ONU em Nova Iorque, e que pretendia dar um importante
contributo para a paz Mundial. E sim, por incrível que pareça, o Dalai-Lama, líder
espiritual de milhões e milhões de crentes em todo o Mundo, e PRÉMIO NOBEL
DA PAZ, fora excluído dessa cimeira para a Paz e, já nessa altura, por
imposição da China.
Como,
de resto, fora já há alguns anos atrás impedido de entrar em França, para
este País não pôr em risco importantes acordos comerciais recentemente
assinados com a China que envolviam empresas de armamento, metros de superfície
e vestuário. E igualmente, e há ainda não muito tempo, foi igualmente
impedido de entrar em Portugal para não comprometer as negociações, na altura
ainda em curso com a China, sobre a autonomia de Macau.
Mas
agora, pensei, vou poder finalmente escrever algo de construtivo e de pacifico
sobre Sua Santidade o Dalai-Lama, como de resto ele tanto o merece, e eu tanto o
desejava. E de facto, o artigo que eu queria escrever ai está, bem lá em cima.
No
entanto, e durante os dias anteriores a esta conferência a que assisti,
aconteceram uma série de (lamentáveis) acontecimentos que ameaçaram (embora
nunca o pudessem conseguir) ensombrar esta visita, e eu não posso deixar de me
referir a eles (seria uma cobardia ainda maior).
E
assim, mesmo sem querer, nasceu um outro artigo que eu não queria mesmo nada
escrever, mas que apesar de tudo me vejo obrigado a escrever, porque aquilo que
se passou em Portugal nos últimos dias raiou os limites do absurdo, do ridículo
e do inverossímel.
Na
definição (necessariamente incorrecta) que eu tenho de mim próprio, eu
considero-me como uma pessoa bastante calma, que procuro estar em Paz comigo
mesmo e com o Mundo à minha volta, gosto de me imaginar a mim mesmo a irradiar
Amor por todos os Seres Vivos, e sonho inclusivamente (porque não confessá-lo?)
em atingir algum dia o tão almejado estado de Nirvana. No entanto, é nestas
alturas que eu me apercebo verdadeiramente (e felizmente, ainda me apercebo) do
caminho imenso (incomensurável) que ainda me falta na realidade percorrer.
Para
o Dalai-Lama todos os acontecimentos que eu vou relatar a seguir seriam uma das
tais coisas que, como diz (e bem) Herman Hesse, «seriam amnistiadas com um sorriso». Mas a mim, confesso-o,
deixam-me fulo da vida.
Numa
das muitas perguntas apresentadas pela assistência, durante o colóquio, foi
perguntado a sua Santidade o que é que ele gostaria de fazer na vida se não
fosse o Dalai-Lama, ao que ele respondeu com o seu habitual bom humor e boa
disposição que, não sendo o Dalai-Lama, gostaria muito de ter sido um
condutor de bulldozers. Depois, no meio da risota geral e falando já mais a sério,
explicou que estaria decerto ainda no seu pais natal, o Tibete, e que seria
provavelmente um agricultor, e que se tivesse tido alguma sorte na vida talvez
guiasse nesta altura um tractor.
Muito
bem, uma vez que eu não sou obviamente o Dalai-Lama (nem para lá caminho),
posso evidentemente dar-me ao luxo de ser um condutor de bulldozers, com todas
as implicações e luxos que isso me traz, nomeadamente a particularidade de
poder levar livremente tudo à minha frente, e de poder partir tudo à minha
volta sem receio algum.
E
peço uma vez mais a todos aqueles que tiveram uma boa sensação com a leitura
do artigo propriamente dito (aquele lá em cima) para não prosseguirem a
leitura deste apêndice. Se o fizerem estão, a partir de agora, absolutamente
por sua conta e risco.
Uma
vez feita (e refeita) esta advertência, sinto-me agora muito mais à vontade e
muito mais livre para poder então prosseguir com aquilo que gostaria muito (mas
mesmo muito) de não ter de dizer.
Todos
nós fomos surpreendidos (eu pelo menos fui), a poucos dias da chegada do
Dalai-Lama, com uma recomendação enviada para a Assembleia da Republica, e
emanada do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, aconselhando
todos os ocupantes de cargos públicos, ou representantes de qualquer órgão
oficial, a não se envolverem, de qualquer forma, na visita de Sua Santidade a
Portugal.
Assim,
a sangue frio, e sem nenhuma outra explicação adicional.
Embora
assinada pelo Dr. Jaime Gama, responsável máximo por esse Ministério, uma
recomendação deste tipo é obviamente da responsabilidade conjunta de todo o
Executivo, e em último caso do seu responsável máximo, o Primeiro-ministro
Eng. António Guterres, porque apenas um lunático se atreveria a tomar sozinho,
e a fazer executar por sua própria iniciativa, uma decisão destas. E serem lunáticos
não é decerto um dos muitos defeitos de que padecem o Dr. Jaime Gama e os seus
colegas de Executivo.
Há
alguns anos atrás o Dr. Mário Soares, antigo Primeiro-ministro e Presidente da
República de Portugal e eminente socialista (como de resto o actual Executivo),
reivindicou para si próprio o direito á indignação.
Pois
bem, nesta altura eu reivindico para mim próprio o direito à vergonha, o
direito ao ultraje, e o direito à revolta.
E
porquê?
Simplesmente
pelo facto do que tudo isto tem de vergonhoso, do que tudo isto tem de
ultrajante, e do que tudo isto tem de revoltante.
Neste
momento todos nós temos o direito (e se calhar mesmo a obrigação) de nos
sentirmos envergonhados, de nos sentirmos ultrajados, e de nos sentirmos
revoltados.
Eu
diria mesmo que todos nós temos o direito e a obrigação de nos sentirmos ENGANADOS.
Se
não, vejamos:
Como
é que foi possível que o Dr. Jaime Gama, Ministro dos Negócios Estrangeiros
de Portugal, que durante anos e anos a fio (como de resto outros Ministros da
mesma pasta antes dele) lutou e se insurgiu em várias instâncias
internacionais pela defesa dos direitos do martirizado povo de Timor Leste, se
tenha tão depressa esquecido dos mais elevados valores da liberdade, da
solidariedade e do humanismo, quando a questão do Tibete é exactamente igual
à de Timor, com a particularidade de a ocupação já durar há muito mais
tempo?
Já
nos teremos esquecido todos da pressão, contínua e sistemática, movida pela
Indonésia e pelos seus acólitos para que os legítimos representantes do povo
de Timor Leste não fossem recebidos em lado nenhum, de maneira a abafar tudo
aquilo que não podia nunca ser abafado, e a calar tudo aquilo que não podia
nunca ser calado?
Já
nos esquecemos todos da perseguição, contínua e sistemática, movida pelo então
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Republica da Indonésia, o inefável,
enjoativo, e desprezível Ali Alatas, ao sr. Ramos Horta e ao Sr. Cardeal D.
Ximenes Belo em todas as suas viagens ao estrangeiro, procurando não só
boicotar as suas entradas nesses mesmos países, como ainda tentando votá-los
ao mais completo isolamento e ostracismo?
Foi
indisfarçável o mal-estar generalizado que sagrou e se alastrou na classe política
portuguesa com esta (inesperada?) atitude, suscitando reacções de repulsa de
todos os quadrantes políticos, incluindo alguns dos mais consagrados dirigentes
e deputados do próprio partido do Governo.
E
o que dizer então da (lamentável) actuação do Presidente da Assembleia da
Republica, o Dr. Almeida Santos, que não permitiu que os deputados que o
desejassem pudessem receber (como de resto lhe pediram) Sua Santidade o
Dalai-Lama, ainda que a titulo particular, nas instalações da Assembleia da
Republica que é, por definição, a casa dos deputados e, em última análise,
a casa de todos nós?
E
o que dizer daqueles partidos (daquele partido) que, sem levantar grandes ondas
ou fazer grandes declarações, e escondendo-se atrás do manto de
invisibilidade do silêncio cúmplice e envergonhado, foi levantando pequenos «vetos»
políticos à visita de Sua Santidade, incluindo o referido caso da assembleia
da República?
Esse
partido, e muito provavelmente até por motivos de solidariedade política, é
evidentemente o Partido Comunista Português.
Não
é, nunca foi, nem nunca será minha intenção fazer quaisquer análises de
natureza política, até porque sou um ser apolítico e apartidário, mas neste
caso sinto que preciso aqui de dizer alguma coisa sobre isto. Mais do que as
doutrinas eu privilegio o idealismo, e mais do que a razão eu privilegio a
intuição. E é exactamente através desta última faculdade sensitiva que o
comunismo nunca me convenceu.
Alguns
estudiosos defendem que o comunismo é uma espécie de utopia, uma doutrina
muito bela na teoria, mas de difícil aplicação na prática. Eu entendo, no
entanto, que as suas principais lacunas (é apenas intuição, não sou um
estudioso) são precisamente nos seus fundamentos teóricos.
O
comunismo enferma, na minha opinião (e é apenas a minha opinião), de dois
graves pecados capitais. O primeiro é o facto de, ao olhar para o ser humano do
ponto de vista da massificação, o comunismo nos obrigar realmente e em última
análise a sermos e a parecermos realmente mesmo todos iguais (Para quaisquer dúvidas
ou esclarecimentos consultar livros de História sobre a URSS e sobre a China
comunista).
O
segundo pecado, e que de resto resulta inteiramente do primeiro, é ainda muito
mais grave e perigoso: na sua tentativa de nos tornar a todos iguais uns aos
outros, o comunismo rouba-nos aquilo que nós temos de mais precioso na nossa
vida, que é precisamente a liberdade de sermos iguais a nós próprios.
E
esses pecados nenhum regime comunista conseguiu alguma vez resolver, apesar de
todos os modelos e de todas as experiências que já foram tentadas.
No
artigo «em cima» ao referir-me à
China eu referi-me a ela como um estado ditatorial e comunista, e não foi por
coincidência que o fiz. Na verdade, os dois preceitos andam quase sempre
juntos. Afinal quantos estados comunistas, não ditatoriais, é que existem, se
é que realmente existe algum? E a razão para não existir (nem poder nunca
existir) um regime comunista completamente democrático é o facto de os
preceitos comunistas colidirem frontalmente com os princípios mais básicos da
nossa natureza humana. E é por isso que esses preceitos, que até podem
inicialmente ser aceites livremente, têm sempre com o tempo
que acabar por ser impostos pela força.
Eu
estou completamente á vontade para dizer isto, até porque algumas das
personalidades que eu mais admiro são comunistas, tais como Fidel Castro, Álvaro
Cunhal e Michkael Gorbatchev. E a existência de verdadeiros assassinos tais
como Estaline, Mao-Tsé-Tung e Nicolae Ceausescu não significa nada, porque
assassinos sempre os houve em todos os tempos e em todas as ideologias.
E
mais à vontade estou ainda porque não tenho qualquer dúvida de que se eu
tivesse porventura nascido, e vivido, sob um regime ditatorial, eu próprio
seria comunista. Eles são maravilhosos combatentes pela liberdade, têm uma
capacidade única de sacrifício e de luta, e não têm conta os países que
alcançaram a liberdade através do denodado empenho de activistas comunistas. A
nossa própria liberdade, enquanto País, fica em muito a dever-se à luta e ao
sacrifício de milhares e milhares de militantes comunistas ao longo de várias
décadas contra a ditadura que nos assombrava.
Mas
infelizmente toda a maravilhosa capacidade de luta e a fabulosa força de
transformação que os comunistas denotam enquanto oposição, diluí-se
misteriosamente uma vez que atingem o poder, por deficiências óbvias do regime
e da ideologia que pretendem implantar, e que os obriga mais tarde ou mais cedo
a tornarem-se eles próprios num regime ditatorial de sinal contrário ao
anterior.
Em
linguagem meramente futebolística poderíamos dizer mesmo que o comunismo daria
um excelente «trinco» ou defesa central, óptimo a destruir jogo e a fazer
marcações, mas não poderia nunca ser um criativo e talentoso jogador de
ataque.
E
tudo isto serve para dizer que o problema que existe actualmente no Tibete NÃO
É um problema do Tibete, mas sim um problema interno da China, de que o
Tibete é apenas (e infelizmente) um «beneficiário»
involuntário.
Nesta
altura da situação Mundial em que a guerra ao terrorismo concentrou um
consenso alargado e generalizado em todo o Mundo, e em que o regime taliban parece estar por um fio, numa altura em que os antigos impérios
colonialistas se desfizeram há já várias décadas, numa altura em que a
antiga e poderosa URSS se desagregou em inúmeros fragmentos, numa altura em que
a Jugoslávia se tornou obsoleta, como obsoletas se tornam todas as invenções
humanas, numa altura em que na Indonésia arde já o rastilho de uma enorme
implosão interna, numa altura em que alguns dos ditadores mais célebres do século
passado atingem já uma idade avançada, como Saddham Hussain no Iraque, Mohamar
Khadaffi na Líbia, e Fidel Castro em Cuba (custa-me imenso inclui-lo aqui, pela
evidente simpatia que tenho por ele), e ninguém sabe ao certo o que acontecerá
depois deles, numa altura em que a luta e a defesa pelos Direitos Humanos
atingem proporções cada vez mais abrangentes a nível planetário, os argutos
Chineses perceberam já que é apenas uma questão de tempo (de pouco tempo)
para a opinião pública Mundial desviar os seus olhos e as suas atenções para
cima deles.
Aliás,
os seus olhos argutos parecem vislumbrar que estão já, neste preciso momento,
a serem observados pelo canto do olho. E é contra esse processo de crescente
exposição perante a opinião pública Mundial que os Chineses se batem, e irão
continuar a bater-se até ao fim, para não serem expostos nos seus muitos
crimes contra a Humanidade, e para não serem desmascarados nas suas muitas
atrocidades.
E
a nós só nos resta fazer exactamente o mesmo, lutar também até ao fim, mas
no sentido inverso, e levantarmos todos os tapetes debaixo dos quais eles querem
esconder o seu lixo, e desaterrarmos todas as valas dentro das quais eles querem
encobrir os seus crimes, e abrirmos todas as prisões dentro das quais eles
querem fazer esquecer todos os seus opositores. E a melhor maneira de o fazermos
é gritarmos BEM ALTO a verdade.
É
preciso que se diga que no Tibete a OPRESSÂO existe. É preciso dizer
que no Tibete o GENOCIDIO existe. É preciso dizer que no Tibete a LIMPEZA
ÉTNICA existe. É preciso dizer que no Tibete as PERSEGUIÇÔES
existem. É preciso dizer que no Tibete as EXECUÇÕES existem. É
preciso dizer que no Tibete a DESCULTURIZAÇÂO existe. É preciso dizer
que no Tibete a VIOLÊNCIA existe. É preciso dizer que no Tibete a TORTURA
existe.
E
é também preciso dizer que no Tibete a Liberdade NÂO existe. É
preciso dizer que no Tibete a Paz NÂO existe. É preciso dizer que no
Tibete a felicidade NÂO existe. É preciso dizer que no Tibete a Alegria
NÂO existe. É preciso dizer que no Tibete a Tolerância NÂO
existe. É preciso dizer que no Tibete a Liberdade Religiosa e o Direito à Fé NÂO
existem.
A
Libertação (a verdadeira libertação, não aquela que os Chineses apregoam)
é inevitável, e é apenas uma questão de tempo, mas para quem vive oprimido há
quase quarenta anos cada dia conta, cada hora conta, cada minuto conta. Por isso
cada um de nós deve fazer tudo aquilo (ainda que seja muito pouco) que está
nas nossas mãos para ajudar esta causa. E mesmo aqueles que julgam que não têm
nada para dar, têm na verdade um presente maravilhoso para oferecer, que é a
sua SOLIDARIEDADE.
E
por falarmos em solidariedade passemos entretanto ao lado positivo de toda esta
questão (que também a há), pois é justo realçar também aqui todos aqueles
que, apesar de todas as pressões governamentais, escolheram pensar e agir de
acordo com o seu coração e com a sua consciência.
Quero
aqui saudar, pela sua coragem e dignidade, os presidentes das Câmaras
Municipais do Porto e de Lisboa, o Eng. Nuno Cardoso e o Dr. João Soares, por
receberem com todas as honras o Dalai-Lama nas suas respectivas cidades.
Quero
aqui saudar todos os deputados de quase todos os grupos parlamentares (faltou
apenas um) que (ignorando a proibição governamental) foram receber Sua
Santidade a uma sala alugada para o efeito num Hotel em Lisboa (e porque não
apresentarem a conta ao Dr. Almeida Santos?)
Quero
aqui saudar todos os membros da sociedade civil que quiseram prestar a sua
solidariedade ao Dalai-Lama e à sua causa, desde D. Duarte Pio até ao Dr. Mário
Soares, desde estudantes de todas as idades até aos reitores de várias
universidades, desde gente da cultura até gente do desporto, desde gente da ciência
até gente do espectáculo.
Quero
aqui saudar todos os membros da Igreja Católica Portuguesa que, vencendo
eventuais barreiras religiosas e dogmáticas, marcaram presença nesta visita do
Dalai-Lama, com especial destaque (pela sua natural notoriedade) para D. Serafim
Ferreira da Silva, Bispo de Leiria/ Fátima que o acompanhou na sua visita ao
Santuário, e para D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboa, que o
recebeu na Sede Episcopal Portuguesa.
Quero
aqui saudar (e enfatizar), apesar de tudo, a coragem pessoal e política do Dr.
Jorge Sampaio, Presidente da República de Portugal, e do Ministro da Cultura,
Dr. Augusto Santos Silva, que (contra a cobardia dominante em todo o restante
Estado Português) fizeram questão de se encontrarem particularmente com Sua
Santidade, embora para o fazerem tivessem que se «encontrar casualmente» com
ele no Museu de Arte Antiga (e aproveitando na oportunidade para darem uma
gigantesca bofetada de luva branca no medroso (merdoso?) Governo Português).
No
entanto (isto chega a ser revoltante), e apesar de toda a deferência e
servilismo do Estado Português para com a Republica Popular da China, ainda
assim os chineses não ficaram nada (mas mesmo nada) satisfeitos connosco. Todos
nós fomos (ou pelo menos eu fui) bombardeados na Sexta-feira anterior à conferência
com declarações bombásticas e completamente despropositadas do Embaixador
Chinês em Portugal.
O
dito senhor, de quem não me atrevo sequer a tentar pronunciar o nome, dizia em
altos brados, e num francês macarrónico, encontrar-se profundamente desiludido
com o Estado Português pelo facto de este receber, mesmo que a titulo
particular, o Dalai-Lama e que se Portugal realmente quisesse, decerto
encontraria uma maneira simples e eficaz de impedir a sua entrada no País, e
que ao não o ter feito tinha comprometido o bom relacionamento existente até
ao momento com a Republica Popular da China.
Mais
lamentava ainda o referido senhor que, apesar dos insistentes (e lamentáveis)
apelos do nosso (será mesmo nosso?) Ministro, algumas personalidades
proeminentes da nossa política e com importantes cargos de chefia, ainda assim
tivessem anunciado a sua intenção de receber com a devida dignidade o
Dalai-Lama.
Estaria
o digníssimo representante do Governo (ou do Comité Central?) da Republica
Popular da China (ou do Partido Comunista Chinês?) a pensar que seria talvez
uma maneira simples e eficaz de silenciar o Dalai-Lama, invadir o Palácio de
Cristal com tropas de choque, derrubar os muros e as paredes com carros
blindados, e esmagar no processo qualquer homem, mulher ou criança que ainda
assim se recusasse a abandonar o recinto?
Teria
tido, durante um breve segundo, uma saudosa e melancólica visão do Palácio de
Cristal travestido de praça Tia-Na-men, e imaginado repetir em lusitanas terras
o salutar e edificante exemplo de democracia e de liberdade que leva um Governo
a esmagar debaixo dos rodados dos tanques alguns (muitos, tantos que ninguém
sabe ao certo quantos) dos seus mais promissores e jovens estudantes?
Teria
tido a esperança de que a imagem patética e resignada que obviamente ele tem
(e muito bem) dos nossos governantes, fosse o exemplo da coragem e da determinação
do resto dos portugueses? Não me admira nada que essa fosse a opinião dele
mas, felizmente para todos nós, enganou-se.
Ao
contrário dos nossos governantes, e em termos puramente biológicos e
evolutivos, a população portuguesa e a sociedade civil em geral mostrou estar
alguns furos acima, e pertencer efectivamente aos Vertebrados, que são um
subfilo dos Cordados, um filo mais vasto e que é caracterizado pela existência
de uma corda dorsal que funciona como uma estrutura central do esqueleto axial
(ainda não entenderam bem o que isto é, pois não?).
Bem,
talvez isto se torne mais claro se pensarmos então em que filo é que se
poderiam encaixar, de facto, os referidos (e infelizmente, nossos) governantes.
Como
antítese aos Vertebrados, e para que se entenda tudo isto melhor, temos então
o filo dos Invertebrados, que é a designação geral para todos aqueles animais
que não possuem de facto uma coluna vertebral (Está a ficar tudo mais claro
agora?)
E
além disso temos ainda os Moluscos, que é um filo de animais de corpo mole e
que são, não raras vezes, rastejantes. Acho que entre estas duas últimas
classificações conseguiremos seguramente encaixar grande parte dos nossos
governantes.
Com
Cristo, e com outros Profetas, aprendemos que não é vergonha nenhuma
curvarmo-nos para servirmos o próximo. E que em caso de sermos agredidos
podemos até oferecer a outra face ao agressor. Mas estas duas atitudes só têm
algum valor se forem efectivamente um acto de Amor, e nunca um acto de medo ou
de resignação.
Porque
servir não é o mesmo que servilismo, e prudência não é o mesmo que
cobardia, e humildade não é o mesmo que humilhação. E como disse Buda «é fácil a um homem impotente fazer um voto de castidade». Difícil
é a um homem que não fez nenhum voto, tentarem reduzi-lo á impotência.
E
é por isso que daqui, deste «jardim à
beira mar plantado», sabendo que neste preciso momento Sua Santidade o
Dalai-Lama viaja já tranquilamente de avião em direcção a outros Mundos,
passando por cima (ele, não eu) de todos estes comezinhos (mas irritantes)
incidentes, e tendo eu a mais sincera esperança de que ele nunca chegue algum
dia a ler estas linhas, resta-nos agora (e finalmente) abandonarmos
definitivamente todas as nossas boas maneiras, pormos de lado os nossos
brilhantes sapatos engraxados e as nossas vistosas sandálias de tacão alto, e
subirmos então para cima dos nossos «tamancos», e tendo bem presentes na
nossa memória todos os governantes medrosos, todos os ministros hipócritas,
todos os ditadores crueis e todos os embaixadores histéricos, clamarmos a
plenos pulmões toda a nossa revolta, e gritarmos bem alto, com toda a força
que a nossa voz e a nossa coragem nos permita, com a nossa Alma renovada, e com
o nosso dedo médio estendido no ar, em riste :
“....
VÃO BADAMERDA !!!! “
(um cidadão descontente)
(*)Luiz Ferro Moutinho escritor português. Mora na Senhora da Hora.
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