Versiones  42

Director: Diego Martínez Lora

la aventura de compartir las vidas, las lecturas, las expresiones...

Maria Belmira Cardoso(*):

Eu queria ser... e outros três poemas de Farrapos(**)


Eu queria ser ...

 

 

Eu queria ser,

Aquela gotinha,

De água pura, cristalina,

Que ao cair numa flor

Lhe desse viço e cor...

Eu queria ser,

O pedacito de pão,

Que em boca desejosa

Causasse satisfação ...

Eu queria ser,

O raiozinho de sol

A aquecer

O corpinho cor de rosa

Do bébézinho a crescer,

E o coração

Do velhinho a arrefecer ...

Eu queria ser,

Uma asas de condor,

Para levar sem ter volta

Toda a revolta

E a dor ...

Eu queria ser,

Uma nuvem,

Muito azul e transparente

Pairando alto nos céus,

Para poder,

Finalmente,

Se por ventura merecer

Ficar pertinho de Deus !...

1996


 

 

Enquanto há vida...

 

 

Mais uma vez a vida me passa uma rasteira

E me atira para o fundo de uma “ribanceira”

Mas a culpa é só minha.

Pensei sempre poder transcender-me...

Contudo agora não consigo dar “a volta por cima”

Já tinha tido tempo de aprender, sim

Porém, parece que nunca deixo de ser menina.

Dar, confiar, acarinhar... mas não chega!

É preciso também saber viver,

E com a vida lutar!

No egoísmo nunca quis acreditar.

“Um lugar ao sol” todos querem conseguir,

Eu nunca tive, talvez por não querer atropelar, ferir.

A sombra foi o que sempre me restou,

No que vivi e só ela me sorri.

O pouquinho que sou e se algo valho,

Foi à custa de muito sacrifício e trabalho!

As pedrinhas ninguém mas tirou do caminho...

Nem uma colher de chá me foi dada com carinho.

Se por alguém, algo de bem fiz,

Nunca me irei arrepender

(E só Deus sabe se em breve irei morrer...)

O maior espinho que levo no coração

É o da injustiça e o da ingratidão!

Quantas vezes a raiva “mordi”,

E as lágrimas em silêncio engoli.

E sempre tive tanto amor para dar!

Com fé, a esperança nunca me abandonou,

E se é verdade, ainda que tarde

Que alguma compensação apareça

Que Deus também não esqueça

Quem n’Ele sempre confiou!

Agora para aqui estou,

Sem saber o que me vai acontecer.

Se o céu não me abandonar,

Se tiver alguém que com caridade,

Me ajude a ultrapassar

A agonia que ainda terei de sofrer,

Talvez possa vencer

E continuar a viver,

Para continuar a ajudar, a amar...

Tudo que de mau tiver passado esquecerei.

Se ainda tiver tempo para ser um pouco feliz,

Pelo muito que já sofri

E se algo de bom fiz

Então penso que mereci!

 

                        Véspera do primeiro internamento no IPO


 

 

Se...

 

 

Sou qual barquinho à deriva,

Lembrando casca de noz

No mar bisonho da vida.

E mesmo que eu quisesse,

Lançar um SOS

Quem ouvia a minha voz?!

Vou por certo soçobrar:

Mar tão negro, mar tão bravo,

De ondas tão altaneiras!

Quisera saber maneiras

De te poder conquistar.

Mas sou fraca e pequenina,

E já gasta de tanto lutar!

Será talvez minha sina

A de não saber ser dura

Mas por demais confiante.

Por isso sei, vida minha,

Se não gostar do que gostas,

Sempre me voltas as costas!

Já não lanço SOS

se não me vens ajudar.

Pois seja o que Deus quizer!

Vou continuar lutando

E também acreditar

Naquela frase tão bela:

“Quando Deus fecha uma porta

Abre sempre uma janela”

E assim meu bom Jesus,

Se aliviares minha cruz,

Talvez me reste algum tempo

Para disfrutar dessa luz!!!


 

Declínio

 

 

Alguém dissera um dia

Que “tudo vale a pena

Se a alma não é pequena“...

- Que bela filosofia !...

 

“Quem canta seu mal espanta”

Todo o mundo anda a dizer

Mas como é que  pode ser,

Se a voz morre na garganta.

 

Quando há  um mal maior?!

O olhar perde o seu brilho,

O sorriso perde a  cor;

 

E já nada vale a pena

(Com alma grande ou pequena)

O que conta é  a nossa dor!


(*)Mª Belmira Cardoso, enfermeira e poeta portuguesa. Vive actualmente en Gondomar.

(**)Farrapos, livro publicado com o apoio de Editorial 100, Julho 2002.


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