Versiones 45

Agosto - Setiembre 2002

Director: Diego Martínez Lora

la aventura de compartir las vidas, las lecturas, las expresiones...


Paula Margarida Pinho(*):

Inesperadamente e outros poemas


INESPERADAMENTE

 

Há às vezes uma saudade

que bate em mim

- chuva na vidraça repentina,

música que de súbito,

inesperadamente,

desafina.

 

Sufoco,

sustenho a respiração.

E a vida congela, atrás,

num tempo perdido.

 

Desconforto,

frio leve

que agita as pregas da alma,

talvez remorso

de não ter vivido

de outra forma...

 

Fecho os olhos.

Aceito esta saudade

que magoa.

 

E prossigo.

 

Mas houve um sopro

que doeu lá dentro.

E a vida não será

como era

antes deste momento.

 

 


 

MESMO ASSIM

 

 

Repetimo-nos sempre

até ao infinito.

Nada criamos –

nem a nós.

 

Mesmo assim, angustiados,

obstinamo-nos

na busca de algo novo.

E sonhamos estilhaços de um sonho

original.

 

Não faz mal.

É mesmo assim.

 

Repetimo-nos sempre até ao infinito,

na ilusão de sermos criadores.

E vamos recriando a própria vida

e dando novas formas

à matéria envelhecida.

 

É nossa condição.

Só assim somos homens,

sonhando um amanhã.



 

REGRESSO

 

 

Virei.

Trarei nas mãos as flores

que brotaram dos teus sonhos;

nos olhos as estrelas

do teu sorriso em mim;

nos lábios as canções

que entoavas nos amanheceres.

 

Voltarei.

Trarei apenas

o que recolhi

e é de nós dois:

a mágoa e a ternura;

o sol e a chuva;

a solidão nocturna e o reencontro matinal;

o peso da rotina e a leveza do amor reinventado.

 

Não,

não me esqueço de nada.

Inteira,

caberei de novo na estreiteza dos teus braços.

 

...      ...      ...      ...      ...      ...

 

Vê como ao sol amadurecem os trigais.

Vê como voam andorinhas e pardais.

E em nós já pousa o calor doce desta tarde.

 

Voltei.

Nada me tarda já.

Nada me falta.


 

 

 

ATÉ AO MAR

 

 

Penetro na manhã com as mãos lavadas.

Que me importam as poeiras já passadas?

Já se foram, levadas pelas águas

que jorraram na noite dos teus dedos.

 

Penetro na manhã, mãos inocentes

e um olhar vestido de segredos.

Porque sei que a luz desvenda e oculta

toda a magia que há em sermos vivos

- e em penetrarmos devagar no dia

como nas águas limpas de algum rio

que envolve e que seduz e nos arrasta

até ao breve mar de algum momento.


 

PROCURAREMOS A SERENIDADE

 

 

Procuraremos a serenidade:

a tranquilidade das águas mais profundas,

a melodia calma dos silêncios naturais,

a paz inconsciente das tardes espraiadas,

a palavra plena que toca o essencial,

o embalo dolente e leve das marés,

o abandono secreto das noites estreladas,

o encontro amoroso das almas sem disfarce.

 

Porque nada brota

da agitação

– só os frutos de um dia,

sem cor e sem sabor;

só a vida vazia;

só a solidão.

 

Devagar, procuraremos

a serena idade.

Sem sobressaltos,

num progresso manso.

 

Procuraremos a serenidade.

De que nos vale

a labuta sem descanso?


(*)Paula Margarida Pinho, (1965) portuguesa, poeta e professora. Nasceu e também mora actualmente em Vale de  Cambra. Estos poemas formam parte do seu livro inédito: Entre dois mundos


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