versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Miguel Osório: México
Dez dias após várias aventuras pelo norte do México, regressámos à capital, com Acapulco em mente como primeiro destino no sul. A curiosidade de ver uma estância de verão para os americanos com 40 anos de existência juntamente com a perícia dos “clavadistas” (miúdos que saltam para o mar a partir de escarpas de 20-30 m de noite, com 2 tochas na mão) eram ingredientes suficientes para iniciar a prospecção do extremo sul do continente norte-americano, fronteira com a América Central.
Na estação de camionetas, descobrimos um guichet, aparentemente móvel, e mínimo, com um mexicano extremamente calmo, lá dentro. Sentado, por detrás de um pequeno cartaz com promoções das quais uma nos saltou de imediato aos olhos para um Hotel de 4 estrelas em Acapulco, fomos indagar. O referido cartaz mencionava um preço irrisório para o Hotel Boca Chica em regime de APA. O Sr. Gonzalez, confiante, tranquilíssimo, explicou-nos que o complexo ficava na zona antiga de Acapulco, no extremo da baía oposto ao actual local onde predomina a vida boémia. Decidimos aproveitar, dadas as condições; ao final do dia, apanharíamos um táxi para nos embrenharmos na mundana noite de Acapulco.
“Paquete” na mão, lá partimos para mais umas viagens aventurosas em mais uma camioneta meia podre, supostamente refugo dos EUA, já calejados das viagens pelo norte.
O quarto, com vista sobre o Pacífico, era magnífico, o hotel muito bonito, apesar dos anos, com uma piscina bem decorada cheia de palmeiras à volta para criar zonas de sombra, onde tomávamos uns excelentes cocktails dentro da água, assinando sempre os recibos e deixando a “propina” (gorjeta), já que o funcionamento de remuneração dos empregados era “american style”; com salários miseráveis, a gorjeta era o almejado complemento. Atrás da linha de praia onde se desenhava a baía, cerca de um milhão e meio de mexicanos morava em condições miseráveis. Os poucos que conseguiam um emprego como serventes tinham de o preservar, esforçando-se por receber bem o turista.
Os pequenos almoços típicos mexicanos não faltaram, com os ovos estrelados sobre a tortilha mexicana banhada por um molho de tomate picantíssimo (huevos rancheros), acompanhados por um sumo de papaia gelado. A estadia era tão agradável que, após conseguirmos extensão do pacote promocional por mais uns dias, aproveitamos ainda para usar os serviços de lavandaria.
Último dia, e desci para ir pagando; foi-me apresentada a conta juntamente com o recibo VISA em branco assinado, que fui obrigado a deixar no início, entretanto, preenchido. Iríamos nesse dia para o interior, aproximando-nos da Guatemala, mas com Cancún como destino final. Ao olhar para a conta, assustei-me!!! O valor era exorbitante! Um olhar mais cuidado permitiu-me ver que o valor cobrado por noite era o valor de balcão, pelo menos o triplo do acordado.
Falei com a recepcionista, explicando-lhe que tínhamos um “paquete”, cujo preço era diferente do mencionado na factura. Chamou a sub-gerente, que demorou algum tempo a vir. O meu primo entretanto desceu, pronto para partir. Expliquei-lhe a situação, enquanto aguardávamos a descida à recepção de Dueña Emília. Esta, disse-nos antipaticamente que tínhamos de pagar aquela cifra, e que não tinha nada que ver com o pacote promocional. Bom, decididamente, não sabia com quem se estava a meter. Depois de algumas discussões, resolveu cobrar-nos as 2 primeiras noites ao preço acordado mas as restantes a preço de balcão. Conseguimos que ela rasgasse o recibo VISA, mas dei-lhe o meu cartão, como contrapartida, após uma difícil e demorada negociação. Ía falando com o meu primo em português e noutras línguas, de modo a decidirmos o melhor para nós, sem que eles percebessem, e achámos mais difícil eles conseguirem um débito com o cartão, tendo eu preferido rasgar o recibo já assinado.
Após mais algumas discussões sem que se vislumbrasse o resultado justo por nós pretendido, Dueña Emília disse-nos que tinha de chamar o gerente, o Sr. Rodríguez. Este último começou por dizer-nos que o “paquete” não podia ser estendido, era só para os dias propostos inicialmente; nós fomos respondendo, dizendo que se não nos tivessem estendido o “paquete” na recepção (a empregada que nos aceitou a extensão estava de folga nesse dia) nunca teríamos lá ficado a preços de balcão. O Sr. Rodríguez metia os pés pelas mãos, até que o meu primo lhe disse que ele estava a falar com turistas que tinham já viajado por todo o mundo sem que algo do género lhes tivesse alguma vez acontecido.
O tempo ia passando, o clima na recepção estava cada vez mais quente, e o Sr. Rodríguez tremia, já, nervoso, na sua fronte distinguiam-se algumas gotas de suor, e ele não cedia, dizendo – “Quiero mi dinero!...”.
Comecei a ver o caso mal parado, e enquanto eles faziam alguns telefonemas, supostamente para alguma central de reservas ou para a administração do hotel; tentámos pensar rápido. Eles começavam já a falar em chamar a polícia. Alguns turistas que passavam entretanto pela recepção, iam-se apercebendo do sucedido, o que era mau para a imagem do hotel. Bom, se querem chamar a polícia, melhor para nós, pensámos. A razão tinha de estar do nosso lado, mas como prová-lo?
Achei que deveríamos tentar contactar o Sr. Gonzalez, no guichet da estação da Cidade do México. Saí à procura de uma cabina telefónica com lista, enquanto o meu primo aguentava a situação na recepção. Tinham já decorrido cerca de 4 h desde que eu tinha descido à recepção. Demorei ainda algum tempo até encontrar uma cabina com lista, mas após alguma pesquisa, descobri o número da estação de camionetas. Telefonei para lá, mas, azar dos azares, o guichet estava fechado nesse dia...que fazer agora?
Voltei algo desiludido para o hotel, tentando encontrar uma solução rápida. Neste momento, Sr. Rodríguez e a Dueña Emília já tinham subido e o meu primo disse-me que já tinham chamado a polícia. Aguardávamos, já cansados de tentar negociar o que nos tinham prometido e era justo, sem margem de manobra. Se a polícia não fosse corrupta, levaríamos a nossa avante...em princípio.
Cerca de 45 min. depois, chega a polícia. Três homens, dois dentro da cabina da pick-up, e um na caixa aberta, armados, como já era habitual em cidades importantes, México fora. Ouvem ambas as partes, e dizem-nos para subirmos. Subimos para a caixa com as mochilas, e lavaram-nos para a esquadra, onde preenchemos formulários e voltamos a explicar toda a estória. Ao fim de 25 minutos, mandaram-nos embora, ficámos sem perceber o que tinha acontecido; no fundo não tínhamos pago um tostão ao Hotel, mas eles tinham ficado com o meu cartão de crédito! E agora?
Saímos da esquadra a pé, com as mochilas, procurando apanhar um táxi para o centro de modo a telefonar para anular o cartão, e a aguardar uma camioneta para Leste, direcção Oaxaca. Não demos mais de três passos até que um táxi saído do nada surgisse na berma, perguntando-nos o motorista se queríamos ir a algum sítio. Dissemos-lhe que necessitávamos urgentemente de um local para telefonar, já que nos foi vedado telefonar a partir da esquadra. O motorista disse subitamente que sim, mas algo nos fez recusar o seu serviço; no emaranhado de todos estes acontecimentos, passou-nos pela cabeça a hipótese de que este seria um capanga mandatado por Rodríguez...poderia ser imaginação somente, mas não nos agradou o seu olhar e a sua postura. Dissemos-lhe que não, e olhando para trás, vimos logo outro táxi a chegar...
Desconfiados, não entrámos em nenhum táxi; esta zona, apesar de estarmos perto da esquadra, não nos pareceu de confiança. Continuámos a caminhar com as mochilas, até encontrar mais movimento, tomando um táxi até ao centro. Aí chegados, fomos a correr para um posto telefónico onde cancelei o meu cartão Visa. Tentámos jantar algo, já que o dia tinha sido duro e nem tínhamos almoçado; aguardávamos as 21 h, dado que a primeira camioneta só partia depois dessa hora.
A tensão ainda se mantinha, ficámos sem perceber o que faria o Hotel Boca Chica com o meu cartão, sem o nosso dinheiro; será que viriam à nossa procura? Não seria assim tão difícil encontrar-nos, já que andávamos com as mochilas; Acapulco não é pequena, mas no centro turístico as probabilidades de encontrarmos “mochileros” não são tão pequenas quanto isso.
Tomámos a camioneta da noite para Puerto Escondido, não havia ligação directa para Oaxaca, continuando as nossas peripécias, agora no interior do país.
Duas semanas depois, estávamos no aeroporto de Cancún para sair do México, em direcção a Miami. A ressaca não era pequena, a despedida do México tinha sido feita num cruzeiro nocturno de Cancún para Isla Mujeres. Perdemos a conta aos Tequila Sunrise à discrição, e quase não tínhamos dormido...mas tinha valido a pena...se tinha!
Esperando pelo nosso voo, ouço subitamente pelos altifalantes o meu nome...nem queria acreditar! Porquê só o meu? O Rodríguez veio-me à mente, com a polícia metida, não podia ser! Não tinha conseguido escapar à “mafia” mexicana...esfreguei os olhos, como que para acordar do estado letárgico sob o qual me encontrava, tentando ouvir a repetição da mensagem. Eles tinham ficado com o meu cartão, teriam certamente comunicado algo à polícia, que por sua vez estaria atenta às partidas internacionais! Não, afinal, tratava-se somente de “overflow” do avião, e eu ia noutro voo, um pouco mais tarde, para Miami...que alívio.
(*)Miguel Osório, gestor e escritor português. Mora em Matosinhos.