versiones, versiones y versiones...renovar la aventura de compartir la vida con textos, imágenes y sonidosDirector, editor y operador: Diego Martínez Lora    Número: 49 / abril-mayo 2003


antónio maga:

gelo e mais 2 poemas


gelo

 

este peso gelado

da solidão,

a presença constante

de um corpo ausente

que quero morder:

afogar-lhe os olhos de lágrimas

de dor e medo

até sentir o sal do seu sangue

na minha língua.

 

vingar num corpo

inocente

de mulher

todas as noites

petrificadas.

 

o corpo parado

o olhar parado

e raiva

tanta.

 

eu só quero chorar

com o despudor

indecente

das mulheres do povo

nos funerais de aldeia.

eu só quero o carinho

meloso

que se dá aos cães.

eu quero um regaço de avó

e uma mão enrugada

moldando-me a cara

em gestos lentos.

 

só quebrar este gelo!

o gelo

que envenena o ar

paralisa o sangue e me

morde as entranhas numa acidez de lágrimas

castradas!

 

eu quero a paz

das últimas lágrimas,

da angústia que se

dissolve

na alvorada...

eu quero um sorriso da amiga

emudecendo estes cânticos de

morte.

eu quero voar em vertigem desta

prisão

que construí com a raiva tímida

das crianças doentes.

 

oh! só quebrar este gelo!...

 

eu quero amar com paixão                                                                                                                                
exorcizando-me o negro                                                                                                                                   
deste sangue maldito                                                                                                                                        
de impotente
impotente!

                                                                                                                                                                       

eu quero que esta chuva pare   
ou se torne mais forte,  
rir-me do passado        
rir-me da morte,           
fugir para a rua
e vaguear sem norte,
devorar este ar frio
em arquejos de afogado,
mergulhar no silêncio
puro    
de uma noite virgem...


cactos

 

o meu corpo recusa-se a viver.

este corpo só brinca.

brinca à vidinha

patética 

das recusas sorridentes.

brinca às

brincadeiras tristes

de corpos

entrelaçados,

de gemidos

simulados.

 

este corpo

só brinca

às palavras vendidas

de mentiras

de mentiras

de mentiras.

 

este corpo

só brinca à vidinha

de ninfeta

no deserto:

o clítoris em chamas

e à volta só há

cactos.


 

do racismo

 

racista, eu? o absurdo de tal insinuação nem me permite sentir uma indignação ofendida... logo eu, entre todos! eu?! sei, já há algum tempo, que o meu sonho mais querido era ser preto. teria uns dentes saudáveis e branquinhos e uma pila grande. logo dois dos meus maiores problemas!

 

aposto que sorriria com uma frequência algo excessiva. aquele sorriso um pouco imbecil de preto, num anúncio de café africano, mas enfim...

 

e aliás, sou português, e toda a gente sabe que os portugueses não são racistas. foram, até, os colonizadores mais carinhosos da história...


(*)antónio maga, poeta português. Mora em Vila Nova de Gaia. Os 3 poemas foram escolhidos de "o livro do gelo", publicado pela editorial 100 - Outubro 2003


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