versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Paula Margarida Pinho(*):
Ser Português, Falar Português
Há expressões que nos sabem a
antigo. Parecem trazer consigo o cheiro das velhas escolas primárias, com as
suas carteiras, os tinteiros de porcelana branca que a tinta azulava, os mapas,
os sólidos geométricos bem arrumados, a tabuada cantada em uníssono, uma data
do século passado desenhada no quadro em caracteres perfeitos, o “bom dia Minha
Senhora como está passou bem” de todos os dias...
Há expressões assim. Como
esta: Ser Português, Falar Português.
Antigamente, talvez fosse
fácil. Quem não se lembra das redacções de outrora? Ou dos textos dos “Livros
de Leitura”? “Menino, sabes o que é a Pátria? [...] A Pátria é o solo abençoado
de todo o Portugal[...]. Para cá e para além dos mares, é nossa Pátria bendita
todo o território em que, à sombra da nossa bandeira, se diz na formosa língua
portuguesa a doce palavra Mãe!...”. (1)
Mas... e hoje? Como poderemos
explicar o que significa, para cada um de nós, ser português? Em tempos em que
impera o desequilíbrio, quando o patriotismo para uns é palavra vã e para
outros um valor que justifica a morte?
Pessoalmente, eu não sei
falar de Portugal sem pedir emprestadas as palavras dos Poetas. Elas exprimem
tudo o que poderíamos dizer sobre uma relação que assenta, em simultâneo, sobre
amor e desencanto. Desde a desilusão expressa pela “voz enrouquecida” de
Camões, que se via “cantar a gente surda e endurecida”. Desde o desespero
gritado por António Nobre ao renegar a sua pátria: “Nada me importas, País! [...]
Amigos, / Que desgraça nascer em Portugal”. Passando pela reflexão lúcida e
dorida de Manuel Alegre: “Não há dúvida temos um passado / Talvez demais /
Talvez tanto que não deixa lugar para o futuro”. Até à ironia corrosiva de
Alexandre O’Neill: “Ó Portugal, se fosses só três sílabas, / linda vista para o
mar, / Minho verde, Algarve de cal [...] / ó Portugal, se fosses só três
sílabas / de plástico, que era mais barato!”.
E contudo fica-nos a beleza
etérea do país de Sebastião da Gama: “Meu país desgraçado!... / E no
entanto há Sol a cada canto / e não há Mar tão lindo noutro lado.” Ou o sabor
agreste do país de Eugénio de Andrade: “O meu país sabe às amoras bravas
/ no verão. / Ninguém ignora que não é grande, / nem inteligente, nem
elegante o meu país, / mas tem esta voz doce / de quem acorda cedo para cantar
nas silvas.”
E fica-nos, sobretudo, a
presença multifacetada, vibrante, dócil e musical da Língua que falamos e nos
embala. Aquela que tantas vezes traímos mas que nos é sempre fiel. Aquela que
mereceu as palavras de Fernando Pessoa : “A minha pátria é a língua
portuguesa.”
Vivemos na nossa Língua, como
num país.
(1) Livro de Leitura da Terceira Classe, 4ª Ed., 1958
(*)Paula Margarida Pinho, (1965)
portuguesa, poeta e professora. Nasceu e também mora actualmente em Vale
de Cambra.