versiones, versiones y versiones...renovar la aventura de compartir la vida con textos, imágenes y sonidosDirector, editor y operador: Diego Martínez Lora    Número: 50 junho/julho 2003


Paula Margarida Pinho(*):

Ser Português, Falar Português


 

Há expressões que nos sabem a antigo. Parecem trazer consigo o cheiro das velhas escolas primárias, com as suas carteiras, os tinteiros de porcelana branca que a tinta azulava, os mapas, os sólidos geométricos bem arrumados, a tabuada cantada em uníssono, uma data do século passado desenhada no quadro em caracteres perfeitos, o “bom dia Minha Senhora como está passou bem” de todos os dias...

Há expressões assim. Como esta: Ser Português, Falar Português.

Antigamente, talvez fosse fácil. Quem não se lembra das redacções de outrora? Ou dos textos dos “Livros de Leitura”? “Menino, sabes o que é a Pátria? [...] A Pátria é o solo abençoado de todo o Portugal[...]. Para cá e para além dos mares, é nossa Pátria bendita todo o território em que, à sombra da nossa bandeira, se diz na formosa língua portuguesa a doce palavra Mãe!...”. (1)

Mas... e hoje? Como poderemos explicar o que significa, para cada um de nós, ser português? Em tempos em que impera o desequilíbrio, quando o patriotismo para uns é palavra vã e para outros um valor que justifica a morte?

Pessoalmente, eu não sei falar de Portugal sem pedir emprestadas as palavras dos Poetas. Elas exprimem tudo o que poderíamos dizer sobre uma relação que assenta, em simultâneo, sobre amor e desencanto. Desde a desilusão expressa pela “voz enrouquecida” de Camões, que se via “cantar a gente surda e endurecida”. Desde o desespero gritado por António Nobre ao renegar a sua pátria: “Nada me importas, País! [...] Amigos, / Que desgraça nascer em Portugal”. Passando pela reflexão lúcida e dorida de Manuel Alegre: “Não há dúvida temos um passado / Talvez demais / Talvez tanto que não deixa lugar para o futuro”. Até à ironia corrosiva de Alexandre O’Neill: “Ó Portugal, se fosses só três sílabas, / linda vista para o mar, / Minho verde, Algarve de cal [...] / ó Portugal, se fosses só três sílabas / de plástico, que era mais barato!”.

E contudo fica-nos a beleza etérea do país de Sebastião da Gama: “Meu país desgraçado!... /  E no entanto há Sol a cada canto / e não há Mar tão lindo noutro lado.” Ou o sabor agreste do país de Eugénio de Andrade:  “O meu país sabe às amoras bravas / no verão. / Ninguém ignora que não é grande, / nem inteligente, nem  elegante o meu país, / mas tem esta voz doce / de quem acorda cedo para cantar nas silvas.”  

E fica-nos, sobretudo, a presença multifacetada, vibrante, dócil e musical da Língua que falamos e nos embala. Aquela que tantas vezes traímos mas que nos é sempre fiel. Aquela que mereceu as palavras de Fernando Pessoa : “A minha pátria é a língua portuguesa.”

Vivemos na nossa Língua, como num país. 

(1) Livro de Leitura da Terceira Classe, 4ª Ed., 1958


(*)Paula Margarida Pinho, (1965) portuguesa, poeta e professora. Nasceu e também mora actualmente em Vale de  Cambra.


Índice de Versiones 50

Página principal de Versiones