versiones, versiones, versiones  y versiones...renovar la aventura de compartir la vida con textos, imágenes y sonidosDirector, editor y operador: Diego Martínez Lora Número: 51 / agosto - setiembre 2003


Alburneo(*)


janela e outros 4


                                           

                                           

janela

 

caio-me de uma janela.

e enquanto rumo ao chão,

aos tombos pelo ar,

estou a pensar na janela,

na sua permanência estranha,

na abundância com que se

enche de mim

e do chão.


 

 

aceita o ar

 

e refaz, nessa minúscula brisa de esperança,

(brisa no sentido do vento que não sopra),

a iluminura antiga onde se escreve

o teu poema, a tua singular

festa na agonia,

o teu rancor de rosas

e trigais.

porque a mão que te segura já não é tua.


 

póvoa do lanhoso

 

noite calada na póvoa,

mas, ao fundo, ouve-se

a montanha.

tem vezes de ir e ficar

o rugido largo, como

se fosse o rasto da

nuvem que passa,

esse rasto de tempo,

cruel e infinito.

escalavrado na carne

da terra como a sachola de uma

bebedeira qualquer.

ou aquela em que

para sempre se permanecesse

sóbrio.


 

 

a voz do corpo

 

estabelecido o instante concreto, preciso,

em que se solte a voz autónoma do

corpo, os ideais anteriormente

erguidos vêem-se atados à cegueira

da sua paixão, sobrevém da epilepsia

oculta o verdadeiro sentido do ser.

o ser é essa voz autónoma, primordial,

através da qual falam os nossos primos

afastados, o primitivo olhar que

sobrevive ao asfixiante banho de luz.

e é porque o corpo possui essa voz apocalíptica,

essa voragem de ser e de ser a estar, que se

repreende constantemente do perigo em que

a si próprio se coloca. por isso se apaixona

pela âncora de pó que o segura à terra – esse

abrigo fugaz e lamacento a que chamamos “pessoa”.

essa personalidade, a pessoa máscara, é o

ancestral pavor da ruína, do desmembramento

com que tem que ser afrontada a vida.

e provavelmente também o espelho.

 


 

 

a criança homem da janela

 

o fragmento de céu tomou sobre

a janela aquela cor que

eu vira no que sobrou da

visão do homem alto a fugir

da chuva. a criança do

homem foi por instantes o brilho

da luz sobre a água do mar

onde se apoiou o fragmento

de céu. e assim

a tarde ficou num quadro, aberta

para sempre à claridade desse

meu olhar intruso e

toda a gente passou a visitá-la

aos domingos, depois da

canalha ter passeado

no shopping.

mas eu, o estóico a apodrecer na

macieira, mantive-me agarrado

à cor da criança homem, a

esse confronto de humanidades que

num repente vi passar.

depois a sombra de céu bateu

na água que se via e a

janela encheu-se da luz estranha

que nesses dias costuma sobrar da sombra.

os olhos pararam na imagem

que ficou, gelados, presos por dentro

ao absurdo significado dessa pretensa e

desconhecida alegria. e a rapariga passou a

fazer barulho com os sapatos na madeira e a

comer um rebuçado de ontem.

sorriu e foi. e o ar que

deixou no ir é um pouco daquela

janela por vir onde o

barulho do céu em silêncio me

empurra sempre para a ideia

de água. passada pela luz

que fará dela janela. vigia

presa ao barulho dos tacões no

soalho, colada ao sorriso largo e,

quem sabe, cheio de olhos em

paixões futuras.

 

 


(*)Alburneo, poeta e desenhador português. Mora no Porto.


 

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