versiones,
versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Alburneo(*)
janela e outros 4
caio-me de uma janela.
e enquanto rumo ao chão,
aos tombos pelo ar,
estou a pensar na janela,
na sua permanência estranha,
na abundância com que se
enche de mim
e do chão.
e refaz, nessa minúscula brisa de esperança,
(brisa no sentido do vento que não sopra),
a iluminura antiga onde se escreve
o teu poema, a tua singular
festa na agonia,
o teu rancor de rosas
e trigais.
porque a mão que te segura já não é tua.
póvoa do lanhoso
noite calada na póvoa,
mas, ao fundo, ouve-se
a montanha.
tem vezes de ir e ficar
o rugido largo, como
se fosse o rasto da
nuvem que passa,
esse rasto de tempo,
cruel e infinito.
escalavrado na carne
da terra como a sachola de uma
bebedeira qualquer.
ou aquela em que
para sempre se permanecesse
sóbrio.
a voz do corpo
estabelecido o instante concreto, preciso,
em que se solte a voz autónoma do
corpo, os ideais anteriormente
erguidos vêem-se atados à cegueira
da sua paixão, sobrevém da epilepsia
oculta o verdadeiro sentido do ser.
o ser é essa voz autónoma, primordial,
através da qual falam os nossos primos
afastados, o primitivo olhar que
sobrevive ao asfixiante banho de luz.
e é porque o corpo possui essa voz apocalíptica,
essa voragem de ser e de ser a estar, que se
repreende constantemente do perigo em que
a si próprio se coloca. por isso se apaixona
pela âncora de pó que o segura à terra – esse
abrigo fugaz e lamacento a que chamamos “pessoa”.
essa personalidade, a pessoa máscara, é o
ancestral pavor da ruína, do desmembramento
com que tem que ser afrontada a vida.
e provavelmente também o espelho.
a criança homem da janela
o fragmento de céu tomou sobre
a janela aquela cor que
eu vira no que sobrou da
visão do homem alto a fugir
da chuva. a criança do
homem foi por instantes o brilho
da luz sobre a água do mar
onde se apoiou o fragmento
de céu. e assim
a tarde ficou num quadro, aberta
para sempre à claridade desse
meu olhar intruso e
toda a gente passou a visitá-la
aos domingos, depois da
canalha ter passeado
no shopping.
mas eu, o estóico a apodrecer na
macieira, mantive-me agarrado
à cor da criança homem, a
esse confronto de humanidades que
num repente vi passar.
depois a sombra de céu bateu
na água que se via e a
janela encheu-se da luz estranha
que nesses dias costuma sobrar da sombra.
os olhos pararam na imagem
que ficou, gelados, presos por dentro
ao absurdo significado dessa pretensa e
desconhecida alegria. e a rapariga passou a
fazer barulho com os sapatos na madeira e a
comer um rebuçado de ontem.
sorriu e foi. e o ar que
deixou no ir é um pouco daquela
janela por vir onde o
barulho do céu em silêncio me
empurra sempre para a ideia
de água. passada pela luz
que fará dela janela. vigia
presa ao barulho dos tacões no
soalho, colada ao sorriso largo e,
quem sabe, cheio de olhos em
paixões futuras.
(*)Alburneo, poeta e desenhador português. Mora no Porto.
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